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Processo n.º 330/06
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Helena Brito
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. A Companhia de Seguros A., SA. requereu, a fls. 55, a remição
obrigatória da pensão que vinha sendo atribuída a B., em virtude de acidente de
trabalho de que resultara a morte do seu cônjuge.
O acidente de trabalho ocorrera em 8 de Outubro de 1985 (fls.
10).
O valor originário da pensão era inferior a seis vezes a
remuneração mínima mensal garantida mais elevada, vigente nessa data,
perfazendo, com as sucessivas actualizações, o valor de mil trezentos e oitenta
e seis euros e oitenta cêntimos (fls. 55).
O Ministério Público pronunciou-se no sentido do deferimento da
requerida remição da pensão (fls. 62).
Por despacho de 30 de Janeiro de 2006, foi ordenada a
notificação da beneficiária “para, no prazo de 10 dias, vir aos autos declarar
se se opõe à remição da sua pensão, com a expressa advertência de que, nada
dizendo, será o seu silêncio havido como oposição” (fls. 63). A beneficiária
nada disse.
2. A fls. 66 e seguintes, o juiz do Tribunal do Trabalho de Bragança
proferiu sentença do seguinte teor:
“[…]
2. Nos termos dos artigos 33° n.º 1 da Lei 100/97 de 13/9 e 56° n.º 1 als. a) e
b) do D.L. 143/99 de 30/4, aplicável às pensões resultantes de acidentes
ocorridos antes da sua entrada em vigor, por força do disposto no artigos 41°
n.º 2 al. a) da Lei, passaram a ser obrigatoriamente remíveis as pensões anuais
devidas a sinistrados e a beneficiários legais de pensões vitalícias que não
sejam superior a seis vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada à
data da fixação da pensão e as devidas a sinistrados, independentemente do valor
da pensão anual, por incapacidade permanente e parcial inferior a 30%.
Alinhamos com a posição expressa no Ac. do STJ de 13/7/2004 (n.º convencional
JSTJ000, in http://www.dgsi.pt), no sentido de que a data da fixação da pensão
não pode ser entendida como a data da decisão judicial que a fixou, mas antes a
data a partir da qual a pensão é devida. Esta tese não colide, salvo melhor
entendimento, com a jurisprudência uniforme fixada pelo STJ no seu Acórdão n.º
4/2005, publicado no DR I-A de 2/5/2005.
Ora, a pensão em causa é devida à beneficiária desde 12/10/1985. Por sua vez, o
seu valor inicial era de 78.336$00 (€ 390,74), ou seja, era inferior a seis
vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada estabelecida pelo D.L.
49/85 de 27/2, que era de 19.200$00 (€ 95,77).
Estariam, pois, à partida, reunidos os pressupostos legais necessários à remição
obrigatória da pensão.
3. Contudo, tal como vem sendo entendido pelo Tribunal Constitucional
relativamente às pensões emergentes de incapacidades parciais permanentes
superiores a 30%, também no caso de pensões vitalícias por morte devidas aos
beneficiários legais as normas dos artigos 56° n.º 1 al. a) e 74° do D.L. 143/99
de 30/4 estão feridas de inconstitucionalidade por violação do direito à justa
reparação por acidente de trabalho ou doença profissional, consagrado no art.
59º n.º 1 al. f) da Constituição, quando interpretadas no sentido de imporem a
remição obrigatória total dessas pensões vitalícias, independentemente da
vontade do pensionista.
Transcreve-se, por elucidativa, parte da fundamentação do Acórdão n.º 56/2005 do
Tribunal Constitucional publicado no Diário da República, II Série, n.º 44 de
3/5/2005, doutamente relatado pelo Exm° Conselheiro Paulo Mota Pinto, no qual se
apreciou a inconstitucionalidade material do citado art. 74° do D.L. 143/99,
quando interpretado no sentido de abranger no conceito de pensões de reduzido
montante todas as pensões infortunísticas laborais, incluindo nelas as situações
de total ou elevada incapacidade permanente:
[…]
4. Os ensinamentos resultantes da jurisprudência constitucional citada, embora
se refiram ao artigo 74° do D.L. 143/99 de 30/4, valem igualmente para o art.
56° n.º 1 al. a) quando interpretado no sentido de impor a remição obrigatória
total, isto é independentemente da vontade do titular, de pensões atribuídas por
incapacidades parciais permanentes iguais ou superiores a 30%, na medida em que,
ao impor uma limitação ao direito do sinistrado poder optar, ou pela remição,
ou, antes, pelo recebimento da sua pensão sob a forma de renda anual, tal
interpretação põe em causa o princípio constitucional do direito à justa
reparação por acidente de trabalho ou doença profissional estabelecido no art.
59° n.º 1 al. f) da Constituição.
E valem também, salvo melhor entendimento, nos casos em que o pensionista não é
o trabalhador sinistrado, mas antes um seu beneficiário legal.
Com efeito, a lei estende o regime especial da reparação dos acidentes de
trabalho aos familiares dos trabalhadores, como decorre do disposto no art. 1°
da Lei 100/97, o que se justifica, na medida em que aqueles familiares
beneficiam, se não mesmo dependem, dos rendimentos do trabalho por estes
auferidos. Como decorre do disposto no art. 20° da referida lei, o direito
desses familiares é reconhecido, nuns casos, independentemente destes terem ou
não rendimentos próprios (cônjuge ou pessoa em união de facto e filhos até aos
25 anos enquanto frequentarem ensino médio ou superior ou quando afectados de
doença física ou mental que os incapacite sensivelmente para o trabalho) e,
noutros casos, porque o trabalhador contribuía regularmente para o seu sustento
(ascendentes ou quaisquer parentes sucessíveis à data da morte até aos 25 anos
enquanto frequentarem ensino médio ou superior ou quando afectados de doença
física ou mental que os incapacite sensivelmente para o trabalho). Em todas as
situações o pressuposto da atribuição ao beneficiário legal de uma pensão por
morte do trabalhador sinistrado é o da contribuição deste, presumida ou
efectiva, para o sustento daquele. Daí que a pensão por morte atribuída aos
beneficiários legais tenha a natureza de uma prestação de carácter alimentício,
que, se para uns funcionará como um complemento aos seus meios de subsistência,
para outros será o principal, se não mesmo o único meio de assegurar uma
subsistência condigna.
Em qualquer caso, o direito constitucional à justa reparação dos danos
emergentes de acidente de trabalho postula que, à semelhança do que sucede no
caso do pensionista ser o próprio trabalhador sinistrado, seja o beneficiário
legal, no seu livre arbítrio, a decidir qual a forma de reparação que melhor lhe
convém, isto é, a optar entre o recebimento da sua pensão em duodécimos e o
recebimento de um capital de remição, ponderando os riscos inerentes à sua
aplicação.
Em abono de tal entendimento, transcreve-se uma passagem do douto Acórdão do
Tribunal Constitucional n.º 379/2002, Proc. 172/02, de 26/2/2002, publicado no
D.R. II, 290, de 16/1/2002 (citado, aliás, no Ac. n.º 56/03 supra referido), que
embora se tivesse pronunciado pela conformidade constitucional da remição de
pensões por morte de reduzido montante perspectivada sob o prisma do princípio
da igualdade quando comparadas com outras pensões por morte que não sejam
consideradas de reduzido montante, não deixou de adiantar a desconformidade
constitucional da remição das mesmas pensões à luz do princípio da justa
reparação dos acidentes de trabalho:
5. – (...).
No caso sub judice o beneficiário da pensão não é o próprio sinistrado, uma vez
que este morreu, mas poder-se-á defender que, também aqui, haverá que proceder a
idêntica ponderação: se, face a um quadro em que as pensões tendem
inevitavelmente a degradar-se, se consideraram inconstitucionais as normas que
estabelecem «uma limitação ao poder do trabalhador de pedir ou não a remição»,
justificar-se-ia também um juízo de inconstitucionalidade para uma interpretação
normativa que, por morte do trabalhador, impõe a remição obrigatória das
pensões, sujeitas a actualizações anuais e ajustes por idade dos beneficiários,
para assim se salvaguardar a liberdade de o beneficiário correr os riscos do
capital de remição (...).
A mesma ponderação é feita, num caso semelhante, no Ac. n.º 21/2003, do
T.Const., de 15/1/2003, publicado no D.R. II, n.º 42 de 19/2/2003, no qual se
refere, a dado passo, que «tal como naquelas [Acórdãos n.ºs 302/99 e 482/99]
anteriores decisões (face a um quadro em que as pensões tendiam inevitavelmente
a degradar-se) se consideraram inconstitucionais as normas que estabeleciam ‘uma
limitação ao poder do trabalhador de pedir ou não a remição’, dir-se-ia que
haveria que chegar agora a um juízo de inconstitucionalidade da interpretação da
norma (...) que impõe a remição obrigatória de pensões, por morte do
trabalhador, sujeitas a actualizações anuais e reajustes por idade dos
beneficiários, desde que tenham a oposição destes, para se salvaguardar a
liberdade de o beneficiário ‘correr os riscos de aplicação do capital de
remição’, como naquelas decisões».
Conclui-se, pois, que a interpretação do art. 56° n.º 1 al. a) do D.L. 143/99 de
30/4 no sentido de impor a remição obrigatória total, isto é independentemente
da vontade do titular, de pensões vitalícias atribuídas por morte aos
beneficiários legais do sinistrado falecido, defendida pela seguradora
responsável e pela Digna Procuradora da República, põe em causa o princípio
constitucional do direito à justa reparação por acidente de trabalho ou doença
profissional estabelecido no art. 59° n.º 1 al. f) da Constituição, na medida em
que impõe uma limitação ao direito do beneficiário-pensionista poder optar, ou
pela remição, ou, antes, pelo recebimento da sua pensão sob a forma de renda
anual.
5. Pelo exposto, considerando que a beneficiária nestes autos, pelo seu
silêncio, se opôs à remição da sua pensão, decide-se não aplicar, por
inconstitucional, por violação do art. 59° n.º 1 al. f) da Constituição, a norma
resultante do art. 56° n.º 1 al. a) do D.L. 143/99 de 30/4, quando interpretada
no sentido de impor a remição obrigatória total, isto é independentemente da
vontade do titular, de pensões atribuídas por incapacidades parciais permanentes
superiores a 30% ou por morte, e, consequentemente, indeferir a requerida
remição obrigatória da pensão fixada nestes autos à beneficiária B..
[…].”.
3. Desta sentença recorreu o Ministério Público para o Tribunal
Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 70º da Lei
do Tribunal Constitucional, pretendendo a apreciação da conformidade
constitucional da norma do artigo 56º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º
143/99, de 30 de Abril, “quando interpretada no sentido de impor a remição
obrigatória total, isto é, independentemente da vontade do titular, de pensões
atribuídas por incapacidades parciais permanentes superiores a 30% ou por morte”
(fls. 78).
O recurso foi admitido por despacho de fls. 79.
4. Nas alegações (fls. 94 e seguintes), concluiu assim o Ministério
Público:
“1 – Face à firme corrente jurisprudencial, formada na esteira do decidido no
acórdão n.º 56/05, não se conforma com o princípio constitucional da justa
reparação dos danos emergentes de acidentes laborais, estabelecido no artigo
59°, n.º 1, alínea f) da Constituição da República Portuguesa o regime que se
traduz em impor ao trabalhador/sinistrado ou, no caso de morte, ao
familiar/beneficiário – contra a sua vontade, tida por tacitamente manifestada
no processo – a obrigatória remição das pensões vitalícias que –
independentemente do seu montante pecuniário – visam compensar graus elevados –
superiores a 30% – de incapacidade laboral.
2 – Tal entendimento tanto se justifica quanto às pensões fixadas anteriormente
à vigência do Decreto-Lei n.º 143/99 (previstas no artigo 74°), como às pensões
decorrentes de acidentes já ocorridos após vigorar este diploma legal, cuja
remição obrigatória está prevista e regulada no artigo 56°.
3 – Não viola o princípio da igualdade a circunstância de – em consequência da
remição da pensão – certos trabalhadores ou beneficiários receberem um capital
indemnizatório, que passam a administrar livremente, enquanto os restantes
continuam a receber uma indemnização expressa em pensão ou renda vitalícia, não
objecto de remição.
4 – Porém, a norma constante do artigo 56°, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º
143/99, ao impor, independentemente da vontade do trabalhador ou beneficiário, a
remição obrigatória total de pensões atribuídas por incapacidades parciais
permanentes superiores a 30%, ou por morte do sinistrado, ofende o princípio
constitucional da justa reparação de danos causados por acidentes laborais.
5 – Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade constante
da decisão recorrida.”.
A recorrida não contra-alegou (fls. 105).
Cumpre apreciar e decidir.
II
5. Já depois da produção de alegações pelo Ministério Público, veio o
Tribunal Constitucional a proferir um acórdão sobre a questão de
constitucionalidade que constitui o objecto do presente recurso.
No Acórdão n.º 457/2006, de 18 de Julho (disponível em
www.tribunalconstitucional.pt), o Tribunal Constitucional julgou
“inconstitucional, por violação do artigo 59º, n.º 1, alínea f), da Constituição
da República Portuguesa, a norma do artigo 56º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei
n.º 143/99, de 30 de Abril, interpretada no sentido de impor a remição
obrigatória de pensões devidas por acidentes de trabalho, ocorridos
anteriormente à data da entrada em vigor desse diploma, de que haja resultado a
morte do sinistrado, que não sejam superiores a seis vezes a remuneração mínima
mensal garantida mais elevada à data da fixação da pensão, opondo-se o
beneficiário à remição”.
É a seguinte a fundamentação deste acórdão:
“[…]
Conforme se refere nas alegações do Ministério Público, era sustentável – face à
situação de facto subjacente à decisão recorrida, reportada a acidente de
trabalho ocorrido em 1986 [no caso dos presentes autos, em 1985] – que se
considerasse aplicável o disposto no artigo 74.º, e não directamente o
estatuído no artigo 56.º, n.º 1, alínea a), do Decreto‑Lei n.º 143/99, de 30 de
Abril.
No entanto, foi esta última a norma cuja aplicação foi expressamente recusada,
com fundamento na sua inconstitucionalidade, pela decisão recorrida, pelo que é
a questão da sua conformidade constitucional que constitui objecto do presente
recurso, embora circunscrita à dimensão delimitada pela situação subjacente à
decisão. Isto é: constitui objecto do presente recurso a norma constante do
artigo 56.º, n.º 1, alínea a), do Decreto‑Lei n.º 143/99, de 30 de Abril,
interpretada no sentido de impor a remição obrigatória de pensões devidas por
acidentes de trabalho, ocorridos anteriormente à data da entrada em vigor desse
diploma, de que haja resultado a morte do sinistrado, que não sejam superiores
a seis vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada à data da
fixação da pensão, opondo‑se o beneficiário à remição.
São numerosas as decisões deste Tribunal sobre a presente problemática, embora
incidindo em casos em que beneficiário da pensão é o próprio sinistrado e do
acidente haja resultado incapacidade parcial permanente superior a 30%.
Pelo Acórdão n.º 34/2006, na sequência do Acórdão n.º 56/2005 e das Decisões
Sumárias n.ºs 234/2005 e 247/2005, foi declarada «a inconstitucionalidade, com
força obrigatória geral, da norma constante do artigo 74.º do Decreto‑Lei n.º
143/99, de 30 de Abril, na redacção dada pelo Decreto‑Lei n.º 382‑A/99, de 22 de
Setembro, interpretado no sentido de impor a remição obrigatória total de
pensões vitalícias atribuídas por incapacidades parciais permanentes do
trabalhador/sinistrado, nos casos em que estas incapacidades excedam 30%, por
violação do artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição da República
Portuguesa». Esse juízo de inconstitucionalidade foi reiterado no Acórdão n.º
73/2006 e da aludida declaração de inconstitucionalidade foi feita aplicação
nos Acórdãos n.ºs 82/2006 e 112/2006 e nas Decisões Sumárias n.ºs 34/2006,
36/2006, 38/2006, 39/2006, 48/2006, 76/2006, 180/2006, 219/2006 e 234/2006.
E, relativamente à norma, ora em causa, do artigo 56.º, n.º 1, alínea a), do
Decreto‑Lei n.º 143/99, cuja aplicação fora recusada, com fundamento em
inconstitucionalidade, pelas decisões recorridas (embora se tratasse de
acidentes ocorridos antes da entrada em vigor desse diploma), o Tribunal
Constitucional, considerando transponível a fundamentação desenvolvida a
propósito do artigo 74.º, julgou‑a inconstitucional nos Acórdãos n.ºs 58/2006,
118/2006, 204/2006, 292/2006, 322/2006 e 323/2006. Este juízo de
inconstitucionalidade foi reiterado nas Decisões Sumárias n.ºs 87/2006,
102/2006, 110/2006, 111/2006, 128/2006, 129/2006, 131/2006, 144/2006, 145/2006,
148/2006, 159/2006, 160/2006, 195/2006, 207/2006, 261/2006 e 262/2006, na
generalidade das quais nenhuma alusão se faz à data do acidente. Constituiu
fundamento do juízo de inconstitucionalidade constante de todos os Acórdãos e
Decisões Sumárias acabados de citar a violação do artigo 59, n.º 1, alínea f),
da Constituição da República Portuguesa, e, nos Acórdãos n.ºs 322/2006 e
323/2006 (embora com votos dissidentes quanto a este fundamento), ainda a
violação do princípio da confiança.
Recentemente, pelo Acórdão n.º 438/2006, o Tribunal Constitucional apreciou,
pela primeira vez, embora reportada ao artigo 74.º do citado diploma, a mesma
questão de inconstitucionalidade ora em causa, em que beneficiário da pensão não
era o sinistrado, já que do acidente resultou a sua morte, mas sim a sua viúva,
e decidiu «julgar inconstitucional, por violação conjugada do disposto na alínea
f) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição e do princípio da confiança,
inerente ao princípio do Estado de Direito, consagrado no artigo 2.º da
Constituição, a norma constante do artigo 74.º do Decreto‑Lei n.º 143/99, de 30
de Abril (na redacção emergente do Decreto‑Lei n.º 382‑A/99, de 22 de Setembro),
interpretada no sentido de impor a remição obrigatória total de pensões
vitalícias atribuídas por morte, opondo‑se o titular à remição, pretendida pela
seguradora».
Como nesse Acórdão se reconhece, «pese embora a circunstância de o titular (por
direito próprio, não por sucessão) do direito à pensão não ser, aqui, o
trabalhador, não se afasta o critério da tutela constitucional do direito à
‘assistência e justa reparação’ por ‘acidentes de trabalho’ para aferir a
validade constitucional da norma em apreciação, já que o direito a pensão
desempenha, no fundo, uma função de substituição da contribuição que o
vencimento do trabalhador significava para a subsistência do beneficiário».
Na verdade, apesar da formulação literal do preceito constitucional («1. Todos
os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de
origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito: (…) f) A
assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou de
doença profissional.»), não parece sustentável que o direito à justa reparação
de acidente de trabalho fique circunscrito à pessoa do trabalhador. Nenhuma
razão material justificaria que, exactamente nos casos em que o sinistro laboral
teve mais graves consequências – a morte do trabalhador –, se tornasse mais
ténue a exigência constitucional da justiça da reparação.
É certo que para as situações em que o beneficiário da pensão não é o
trabalhador sinistrado não valem todos os argumentos aduzidos na jurisprudência
deste Tribunal atrás citada, em especial o que apela à maior ou menor valia do
salário que o trabalhador poderá continuar a auferir de acordo com a sua
capacidade residual de trabalho.
No entanto, o cerne do juízo de inconstitucionalidade radica em que a imposição
da remição de pensões, que o beneficiário já vinha auferindo e que não são de
reduzido montante, apesar da oposição desse beneficiário a essa remição (e,
assim, com desrespeito da autonomia da sua vontade), atenta a maior
aleatoriedade dos proventos que se poderão obter com a aplicação do capital face
à percepção regular da pensão, não assegura a «justa reparação»
constitucionalmente imposta.
Neste contexto, assume relevância a consideração, exposta na passagem
transcrita do Acórdão n.º 438/2006, da função, que a pensão tem, de
substituição da contribuição que o vencimento do trabalhador significava para a
subsistência do beneficiário.
Consideração que é assim desenvolvida:
«Essa função é, aliás, revelada pelos termos em que o artigo 20.º da Lei n.º
100/97 define, quer o círculo dos titulares, quer as condições da sua
atribuição.
Basta verificar que o direito é reconhecido a pessoas a quem o sinistrado, em
vida, estava legalmente obrigado a prestar alimentos ou, em certos casos, os
prestava de facto: cônjuge (cfr. artigos 1672.º, 1675.º, 2009.º, n.º 1, alínea
a), e 2015.º do Código Civil), ex‑cônjuge ou cônjuge judicialmente separado de
pessoas e bens com direito a alimentos (cfr. artigos 2009.º, n.º 1, alínea a), e
2016.º do Código Civil), filhos (cfr. artigos 1874.º, 1880.º, 2009.º, n.º 1,
alínea b), do Código Civil), ascendentes (cfr. artigo 2009.º, n.º 1, alínea b),
do Código Civil) e quaisquer parentes sucessíveis, desde que o sinistrado
‘contribuísse com regularidade para o seu sustento’. No último caso, há um
alargamento (subjectivo) em relação ao que consta do artigo 2009.º, alíneas d) e
e), do Código Civil, todavia contrabalançado com a exigência acabada de referir.
Quanto ao direito a pensão reconhecido ao unido de facto, há que ter em conta
que o artigo 6.º da Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, exige, como condição de
atribuição da pensão, a reunião das condições constantes do artigo 2020.º do
Código Civil, ou seja, para que o agora interessa, a titularidade do ‘direito a
exigir alimentos da herança do falecido’.».
Concluindo‑se, como se conclui, que a dimensão normativa ora em apreço viola o
disposto no artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da CRP, torna‑se desnecessário
apreciar se também ocorre violação do princípio da confiança.
[…].”.
É para esta fundamentação que agora também se remete,
confirmando-se consequentemente a decisão recorrida, na parte em que recusou a
aplicação, com fundamento em inconstitucionalidade, da interpretação normativa
que constitui o objecto do presente recurso.
III
6. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal
Constitucional decide:
a) Julgar inconstitucional, por violação do artigo 59º, n.º 1, alínea
f), da Constituição da República Portuguesa, a norma do artigo 56º, n.º 1,
alínea a), do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, interpretada no sentido de
impor a remição obrigatória de pensões devidas por acidentes de trabalho,
ocorridos anteriormente à data da entrada em vigor desse diploma, de que haja
resultado a morte do sinistrado, que não sejam superiores a seis vezes a
remuneração mínima mensal garantida mais elevada à data da fixação da pensão,
opondo-se o beneficiário à remição;
b) Consequentemente, negar provimento ao recurso, confirmando a
decisão recorrida, na parte impugnada.
Lisboa, 26 de Setembro de 2006
Maria Helena Brito
Rui Manuel Moura Ramos
Maria João Antunes
Carlos Pamplona de Oliveira – com declaração
Artur Maurício (com declaração)
Declaração de Voto
Votei a decisão com um fundamento não totalmente coincidente.
Entendo – conforme, aliás, já escrevi em declaração ao Acórdão n.º 204/06 –, que
a norma impugnada atinge elementos essenciais da pensão infortunística já
fixada, prejudicando de forma inadmissível a reparação a que se destina. Na
verdade, o modo como a pensão foi integrada no património do beneficiário
durante o período de tempo em que lhe foram regularmente pagas as prestações
pecuniárias devidas a este título, confere ao interessado o direito a não
sofrer, independentemente da sua vontade ou da ocorrência de uma causa
superveniente, inesperadas alterações no montante, na periodicidade, e na
regularidade do processamento desses abonos.
Em suma, é a violação do princípio da confiança que conduz – em minha opinião –
ao juízo de inconstitucionalidade da norma.
Carlos Pamplona de Oliveira
Declaração de Voto
Muito embora aceite um julgamento de inconstitucionalidade da norma em causa, na
dimensão apreciada, com o fundamento autónomo da violação do artigo 59º, nº 1,
alínea f), da Constituição, entendo na linha dos Acórdãos nºs. 322/06 e 323/06,
que subscrevi, que se verifica igualmente a violação do referido preceito
constitucional em conjugação com o princípio da confiança.
Artur Maurício