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Processo n.º 198/03
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. A. pede a aclaração do acórdão de fls. 1481 e segs. (acórdão
n.º 436/2006), na parte em que decidiu pelo não conhecimento do objecto do
recurso quanto à norma da alínea c) do n.º 1 do artigo 379.º do Código de
Processo Penal.
Manifesta a dúvida que quer ver esclarecida nos seguintes
termos (fls. 1505 e segs.):
“[ … ]
7.Ora, o recorrente não entende porque se concluiu que o recorrente havia
solicitado a declaração da inconstitucionalidade do art.º 379.º. 1-c), por si
só, sem referência às normas também contidas no CPP reguladoras das questões
prévias cujo conhecimento, sem audição prévia (e o convite ao suprimento também
é uma modalidade de audição prévia), se considerava constituir o conteúdo
normativo violador dos Princípios Constitucionais do Estado de Direito e do
Direito de Defesa.
8. E todo o contexto deste recurso de constitucionalidade se vê que o recorrente
concretizou na falta ou imperfeição do integral cumprimento dos ónus do art.º
412.º do CPP, aquilo que na conclusão 7ª das suas alegações sublinhou como
questões prévias formais que obstam ao conhecimento do mérito”.
9. Ou seja, o recorrente invocou a inconstitucionalidade do conteúdo normativo
do mencionado art.º 379.º.1-c) tal como interpretado na Relação, por referência
ao não conhecimento, sem audiência prévia (incluído o convite ao suprimento), de
um recurso com fundamento em questões prévias formais, incluindo nelas as do
art.º 412.º do CPP.
10. Aliás, como se disse, todo o contexto do recurso de constitucionalidade
tinha presente que as ditas questões prévias formais se concretizavam no art.º
412.º do CPP – dentro da natureza relacional do art.º 379.º.1-c).
11. Salva a devida vénia, o próprio Tribunal Constitucional, mesmo quando
pretendeu referir que o recorrente solicitou a inconstitucionalidade do art.º
379.º.1-c), por si só (final do 2º parágrafo de fls. 9 do acórdão), escreveu e
não o de que aquela primeira norma, por si só, decorre que o Tribunal pode
decidir uma questão prévia sem antes ter dado a oportunidade ao recorrente de
sobre ela se pronunciar”,
12. ou seja, mesmo aqui o Tribunal Constitucional, entendeu que o julgamento de
inconstitucionalidade do conteúdo normativo do art.º 379.º.1-c) estava
referenciado à rejeição de recursos por ocorrência de questões prévias (em que
se incluem as do art.º 412.º).
13. Por isso, sempre salvo o devido respeito, não resulta inteligível ou lógico
concluir-se que o recorrente invocou a inconstitucionalidade do art.º 379.º.1-c)
por si só e que a norma aplicada pela Relação foi a do 379.º.1-c) reportada ao
art.º 412.º é que o que se percebe é que também foi essa a dimensão normativa
que o recorrente pôs em causa, que o art.º 412.º mais não é do que um dos
repositórios de questões prévias formais.
14. Aliás, quando se diz no acórdão do Tribunal Constitucional 320/2002 que são
inconstitucional as normas que sentenciam a rejeição dos recurso que padecem de
vícios de forma sem convite ao suprimento, o que está directamente em causa é o
art.º 379.º.1-c) do CPP, que é por ele que passa a permissão ou não da decisão
dessas questões de rejeição, sem audiência prévia, quando estão em causa meros
vícios de forma.
15. É que o mal – a inconstitucionalidade – não está em o art.º 412.º
regulamentar as normas de elaboração dos recursos, nem em o art.º 420.º prever a
rejeição: o mal está em conhecer-se da rejeição sem a audiência prévia, ou seja,
naquele conteúdo normativo do art.º 379.º.1-c).
Nos termos expostos, requer a V. Exas. Se dignem aclarar se efectivamente
resulta do acórdão que o recorrente identificou o referido art.º 379.º.1-c) do
CPP por si só ou, antes, por referência ao conhecimento da rejeição de recursos
por questões prévias formais (como no próprio acórdão acaba por se dizer na
parte final do 2º parágrafo de fls. 9).”
Em requerimento posterior (fls. 1510), o recorrente pediu que
fosse declarada a extinção do procedimento criminal, por prescrição.
2. O Ministério Público responde que o pedido de aclaração é
manifestamente improcedente, sendo o acórdão recorrido perfeitamente claro e
insusceptível de dúvida objectiva sobre o que nele se decidiu, mais não
traduzindo a alegação de pretensas obscuridades que a persistência do recorrente
em discordar da decisão definitiva do Tribunal.
Relativamente ao requerimento de fls. 1510, quer o Ministério
Público, quer o assistente se pronunciam no sentido da incompetência do Tribunal
para apreciar a questão agora suscitada.
3. O pedido de aclaração tem cabimento sempre que algum trecho essencial da
sentença – ou acórdão (artigo 716.º do Código de Processo Civil, ex vi do artigo
69.º da LTC) – seja obscuro (por ser ininteligível o pensamento do julgador) ou
ambíguo (por comportar dois ou mais sentidos distintos). Não é meio, ainda que
com uma retórica interrogativa, para demonstrar divergência com os fundamentos
ou com a decisão.
Ora, a passagem da decisão que o recorrente quer ver esclarecida é do seguinte
teor:
“5. Quanto ao artigo 379.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Penal
Pretende o recorrente ver julgada inconstitucional, por violação do n.º 5 do
artigo 32.º da Constituição, a norma da alínea c) do n.° 1 o artigo 379.° do
CPP, que diz ter sido interpretada e aplicada pelos acórdãos recorridos no
sentido de que as questões prévias, por eventual vício de forma que imponha a
rejeição do conhecimento do recurso, podem ser decididas, de surpresa, sem que
seja dada oportunidade ao recorrente de sobre elas se pronunciar.
Sucede que, da análise dos acórdãos recorridos, não resulta que o tribunal a quo
tenha aplicado a alínea c) do seu n.° 1 o artigo 379.° do Código de Processo
Penal com tal conteúdo normativo, ou, pelo menos, tal entendimento só poderia
considerar-se extraído da aplicação conjunta deste preceito com os preceitos
dos artigos 412º e 420º, n.º1, do mesmo Código, preceitos estes que o recorrente
não engloba na definição da norma.
Efectivamente, perante a decisão de não apreciar a impugnação da sentença no que
respeitava à matéria de facto, ou melhor, de apenas sindicar essa vertente da
sentença nos limites do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal, o
recorrente arguiu a nulidade do acórdão de 21 de Outubro de 2002, argumentando
que, impondo o princípio do contraditório a prévia audição do recorrente sobre
as razões que a tal conduziam e não tendo ele sido ouvido, não era lícito à
Relação conhecer da rejeição ou da manifesta improcedência do recurso nessa
parte, pelo que fora cometida a nulidade prevista na alínea c) do n.º 1 do
artigo 379.º do mesmo Código. No acórdão em que apreciou esta arguição de
nulidade, o tribunal a quo disse o seguinte:
“8. Julgamos também, que não há muito a dizer no que concerne a invocada
violação do princípio do contraditório.
De facto, este Tribunal não ouviu o recorrente sobre a rejeição do recurso
quanto á matéria de facto, nem a nosso ver tinha que ouvir.
Como salienta Maia Gonçalves (C.P.P. Anotado e Comentado, 12ª ed., pág.789), a
propósito do art.º 412° do C.P .P . «neste artigo estabelecem-se os requisitos
da motivação, sendo patente que a lei aqui é particularmente exigente, muito
mais até do que a lei anterior quanto à estruturação das alegações. E esta
tomada de posição da lei através desse artigo é secundada por outras
disposições, determinando a não admissão ou a rejeição do recurso, não só quando
falte a motivação mas ainda quando esta for manifestamente improcedente»
Parece-nos, pois, que este Tribunal de recurso não pode apreciar as questões
suscitadas pelo recorrente se este não cumpriu o ónus de apresentar esse recurso
nos termos legalmente exigidos.
Daí que ao não se ter ouvido o recorrente nos termos apontados pelo arguido, tal
não envolve qualquer violação de princípios consagrados na Lei Fundamental e
designadamente do princípio do contraditório.
Do mesmo passo que não se verifica a subsidiariamente impetrada nulidade do
art.º 379°, 1, c) do C.P.P.”
Daqui decorre que o tribunal a quo conclui que não tinha sido cometida qualquer
nulidade por se ter rejeitado o conhecimento do recurso quanto à matéria de
facto sem prévia audição do recorrente sobre o incumprimento dos ónus
estabelecidos pelo artigo 412.º do CPP, mas não extraiu a norma que legitimava o
modo de proceder julgado correcto e, consequentemente, a validade do acórdão,
directamente da alínea c) do n.º 1 do artigo 379.º, mas do artigo 412.º, n.º 4 e
do artigo 420.º, n.º 1, norma esta que servira de fundamento à rejeição do
recurso decidida no acórdão principal.
Assim, a única conclusão que legitimamente se pode tirar da afirmação do acórdão
de 18 de Dezembro de 2002 no sentido de que o acórdão anterior não incorrera na
nulidade prevista na alínea c) do n.° 1 do artigo 379.° é a de que não constitui
nulidade da sentença a falta de audição do recorrente antes de o tribunal
superior julgar improcedente o recurso em matéria de facto, ao abrigo do n.º 1
do artigo 420.º por incumprimento dos ónus estabelecidos no artigo 412.º, todos
do Código de Processo Penal, e não o de que daquela primeira norma, por si só,
decorre que o tribunal pode decidir uma questão prévia sem antes ter dado
oportunidade ao recorrente de sobre tal questão se pronunciar.
Assim, só podendo o Tribunal julgar inconstitucional a norma que a decisão
recorrida tiver aplicado (artigo 79.º-C da LTC) e tendo o recorrente o ónus de
identificação precisa dessa norma, não pode o Tribunal substituir-se à definição
do objecto do recurso e, consequentemente, não pode conhecer-se do recurso nesta
parte. “
Como se vê, o texto do acórdão não sofre de qualquer dos vícios
para cuja correcção a lei processual institui o incidente de aclaração, sendo
perfeitamente claro e inequívoco ao enunciar as razões pelas quais se decidiu
não tomar conhecimento do recurso, nesta parte. Assim, não traduzindo o pedido
de aclaração qualquer dúvida objectiva perante os termos do acórdão, mas antes a
persistência do recorrente em discordar do entendimento do Tribunal quanto ao
ónus de identificação do objecto do recurso de constitucionalidade, o pedido de
esclarecimento tem de ser indeferido.
4. Proferido o acórdão final, o Tribunal Constitucional esgotou
o seu poder jurisdicional quanto à matéria da sua competência (artigo 666.º, n.º
1, do CPC e artigo 79.º- C da LTC), nada lhe competindo, nesta fase, decidir ou
ordenar quanto à questão da alegada extinção do procedimento criminal.
5. Pelo exposto, decide-se indeferir o pedido de aclaração e
não tomar conhecimento do pedido de declaração de extinção do procedimento
criminal.
Custas do incidente pelo recorrente, fixando a taxa de justiça
em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 27 de Setembro de 2006
Vítor Gomes
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Bravo Serra
Gil Galvão
Artur Maurício