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Processo n.º 998/06
1ª Secção
Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
Acordam em Conferência no Tribunal Constitucional
A. reclama para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no n.º 4 do
artigo 76º da Lei 28/82 de 25 de Novembro (LTC), contra a decisão que, no
Tribunal Judicial de Faro, lhe não admitiu o recurso que pretendia interpor nos
termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da citada Lei. Alega o seguinte:
“[…]
1º
A reclamante não se conforma com o teor do despacho que considera que o pedido
de aclaração “se mostra inadequado” para suscitar pela primeira vez a questão de
inconstitucionalidade.
2°
Para fundamentar essa posição baseia-se o despacho ora reclamado em
“jurisprudência pacífica e uniforme do Tribunal Constitucional”, nomeadamente o
Acórdão nº 340/2000.
3º
Acontece que a orientação dessa jurisprudência admite excepções.
4º
Veja-se, por exemplo, o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 93-188-1 (N°
Convencional ACTC00003858) no Processo nº 92-0412, disponível em www.dgsi.pt, o
qual refere: “VI - Daí que, quando esse poder se esgote na sentença (ou no
acórdão), como é de regra, um pedido de aclaração dela ou uma reclamação da sua
nulidade não sejam já meios idóneos e atempados para suscitar a questão de
inconstitucionalidade. VII - Todavia, esta jurisprudência uniforme admite
situações excepcionais em que a impugnação da constitucionalidade pode ser feita
depois de esgotado o poder jurisdicional do tribunal “a quo”: serão os casos
contados de situações anómalas em que o interessado não disponha de oportunidade
processual para levantar a questão antes de proferida a decisão e, por
conseguinte, de esgotado aquele poder”.
5º
Veja-se ainda o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 94-025-2 (N° Convencional
ACTC00004565) no Processo nº 92-0771, disponível em www.dgsi.pt, segundo o qual
“II - O poder jurisdicional esgota-se, em princípio, com a prolação da sentença,
pelo que o pedido de aclaração de uma decisão judicial ou a reclamação da sua
nulidade não são já, em princípio, meios idóneos e atempados para suscitar a
questão de inconstitucionalidade. III - Só assim não será, em situações
excepcionais, anómalas, nas quais o interessado não disponha de oportunidade
processual para suscitar a questão de inconstitucionalidade antes de proferida a
decisão final”.
6°
Assim, é de concluir que a questão de inconstitucionalidade foi tempestivamente
suscitada pela recorrente e ora reclamante, uma vez que não teve oportunidade de
suscitá-la antes.
7°
Na verdade, a inconstitucionalidade suscitada refere-se a aplicação/ou
interpretação de normas na própria sentença, daí a imprevisibilidade de tal
aplicação e/ou interpretação antes de proferida tal sentença.
8°
Termos em que a presente reclamação deve proceder, sendo admitido o recurso para
o Tribunal Constitucional. ”
Sobre o mérito esta reclamação diz o representante do Ministério Público neste
Tribunal:
“A presente reclamação é manifestamente improcedente – desde logo porque, no
próprio requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, não se
mostra delineada qualquer questão de inconstitucionalidade normativa,
susceptível de constituir objecto idóneo da fiscalização da constitucionalidade,
limitando-se a dissentir do juízo subsuntivo, da “aplicação no caso concreto” do
preceito legal que invoca, sem especificar, em termos minimamente inteligíveis,
qual o “critério normativo” ou “dimensão normativa” que considera colidente com
a Lei Fundamental.
Por outro lado – e como é evidente – não cabem no âmbito dos poderes específicos
deste Tribunal meras questões de pretensa “ilegalidade” na aplicação de normas
processuais, como erroneamente se parece supor na parte final do requerimento da
fls. 48 dos autos.”
A reclamante pretendera interpor o dito recurso através de requerimento nos
seguintes termos:
“A., requerida nos autos acima identificados, vem interpor recurso da decisão
final proferida, abrangendo a decisão proferida sobre o requerimento de
aclaração, para o Tribunal Constitucional ao abrigo do artigo 70º nº 1, alínea
b) da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, com as alterações introduzidas pela Lei
143/85, de 26 de Novembro, pela Lei nº 85/89, de 7 de Setembro, pela Lei nº
88/95, de 1 de Setembro, e pela Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro, com efeito
suspensivo por aplicação do artigo 78º nº 1 da supra citada lei, por referência
aos artigos 734º nº 1, al. a), 736º e 740º nº 1 do Código de Processo Civil.
O objecto do recurso ora interposto é invocar a inconstitucionalidade nos
presentes autos relativamente à conformidade constitucional da interpretação das
normas constantes nos artigos 312º e 314º do Código Civil na sua aplicação ao
caso concreto na decisão recorrida, bem como a conjugação de tais normas com a
alínea c) do artigo 317º do Código Civil, por consequentemente violar o artigo
60º nº 1 da Constituição da República Portuguesa, o qual determina que o
consumidor tem direito à protecção dos seus interesses económicos.
Pretende ainda o presente recurso suscitar a ilegalidade da interpretação que
foi dada aos pedidos deduzidos na defesa não conforme ao previsto no artigo 469º
do C.P.C. A impugnação da constitucionalidade e ilegalidade da interpretação
perfilhada pela decisão recorrida ocorreu no requerimento de aclaração.”
O requerimento foi indeferido por despacho do seguinte teor:
“[…]
Cumpre apreciar.
Desde já se diga que são pressupostos gerais do recurso de fiscalização concreta
da constitucionalidade:
a) a impugnação de uma decisão de natureza jurisdicional, proferida por um
tribunal, que não se configure como meramente “provisória” ou “não definitiva”;
b) tendo por objecto uma “norma” ou “interpretação normativa” sindicável pelo
Tribunal Constitucional, a que é imputado o vício de inconstitucionalidade
“directa”;
c) carácter “instrumental” dos recursos para o Tribunal Constitucional: a
inutilidade do recurso, por falta de interesse em agir, quando a dirimição da
questão de constitucionalidade se não puder repercutir no sentido da decisão
recorrida.
A estes pressupostos gerais, acrescem os de natureza específica.
No caso vertente, interessa analisar os pressupostos de que depende o recurso de
constitucionalidade estribado no art. 70º, n° 1, al. b), da Lei n° 28/82, de 15
de Novembro, (com as alterações introduzidas pela Lei n° 143/85, de 26 de
Novembro, pela Lei n° 85/89, de 7 de Setembro, pela Lei n° 88/95, de 1 de
Setembro e pela Lei n° 13-A/98, de 26 de Fevereiro), adiante designada por LTC.
Dispõe, com efeito, tal preceito que: “Cabe recurso para o Tribunal
Constitucional, em secção, das decisões dos tribunais: (...);
b) Que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o
processo;”.
Retira-se de tal normativo que a procedência deste tipo de recurso está
dependente da suscitação, durante o processo e em termos processualmente
adequados, de uma questão de inconstitucionalidade normativa, de modo a que o
Tribunal “a quo” dela devesse necessariamente conhecer, ou seja antes de
esgotado o seu poder jurisdicional — art. 72°, n° 2, da LTC.
Constitui, destarte, jurisprudência pacífica e uniforme do Tribunal
Constitucional, o entendimento de que a suscitação da questão de
inconstitucionalidade apenas no requerimento de aclaração ou no de interposição
de recurso não se pode considerar como feita “durante o processo”, por ocorrer
depois de esgotado o poder jurisdicional do tribunal quanto à apreciação dessa
mesma questão de inconstitucionalidade, (cfr., por todos, o Ac. do TC n°
340/2000, disponível em www.tc.pt).
Ora, no caso vertente, foi apenas no requerimento em que a ora recorrente
solicitou a aclaração da decisão proferida por este tribunal, que levantou pela
primeira vez a questão de inconstitucionalidade, sendo certo contudo, pelos
motivos já aduzidos, que tal instrumento se mostra inadequado para se suscitar
pela primeira vez tais questões, em termos de se abrir a via do recurso para o
Tribunal Constitucional.
Pelo exposto, não admito o presente recurso.”
Cumpre decidir.
O recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC tem
carácter normativo e só pode ser interposto por quem haja suscitado, durante o
processo, a inconstitucionalidade de uma norma, de modo processualmente adequado
perante o Tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar
obrigado a dela conhecer (n.º 2 do artigo 72º da citada Lei).
De acordo com a jurisprudência do Tribunal Constitucional, o requerimento a
pedir, no tribunal recorrido, a aclaração da decisão final não constitui o
momento adequado para se considerar cumprido o ónus de suscitar uma questão de
constitucionalidade durante o processo, uma vez que o poder jurisdicional do
tribunal recorrido se encontra já esgotado, o que lhe não permite, nesse
momento, conhecer de questões novas.
Por outro lado, é manifesto que se não verifica nenhuma das hipóteses em que o
Tribunal tem excepcionalmente admitido conhecer das questões de
inconstitucionalidade normativa que o recorrente não teve oportunidade de
suscitar no processo.
De resto, a questão que o recorrente levanta no tal pedido de aclaração nem
sequer pode qualificar-se como uma questão normativa, pois a acusação de
inconstitucionalidade é dirigida à própria decisão recorrida (cfr. fls. 19) e
não a qualquer norma que esta tenha aplicado, deficiência que se mantém no
requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, e na presente
reclamação – que, de qualquer forma, não poderiam ser considerados momentos
adequados para o cumprimento do ónus da suscitação durante o processo –, uma vez
que o reclamante nunca identifica com clareza a interpretação normativa aplicada
na decisão recorrida e por si tida por inconstitucional, de forma a definir o
objecto idóneo de um recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade.
Em face do exposto, decide-se indeferir a reclamação, confirmando o despacho de
não admissão do recurso. Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em
20 UC.
Lisboa, 9 de Janeiro de 2007
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria Helena Brito
Rui Manuel Moura Ramos