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Processo n.º 425/2000
1ª Secção
Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
1. A., UCRL, deduziu oposição à execução fiscal instaurada para
cobrança coerciva de taxas de comercialização de lacticínios devidas ao IROMA –
INSTITUTO REGULADOR E ORIENTADOR DOS MERCADOS AGRÍCOLAS, no valor de
1.048.417$00, correspondente a Maio de 1992.
Por sentença do Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa foi julgada
procedente a oposição. Para o efeito, a referida sentença recusou a aplicação,
por inconstitucionalidade orgânica, do 'artigo 1º do D.L. n.º 235/88, de 05/07'
julgando que a execução em causa deveria 'ser instaurada nos tribunais comuns'.
Todavia, na sequência do provimento do recurso dela interposto para o Tribunal
Constitucional, a referida sentença veio a ser substituída por outra que julgou
improcedente a oposição referida.
Inconformada, A. impugnou este último aresto por via de recurso admitido como
dirigido ao Tribunal Central Administrativo; este Tribunal julgou-se, porém,
incompetente para conhecer desse recurso, em razão da hierarquia, por ter 'por
fundamento exclusivamente matéria de direito', cabendo o seu julgamento à Secção
de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, para onde acabou
por ser remetido o processo, a requerimento da A..
O Supremo Tribunal Administrativo veio, porém, a negar provimento ao recurso,
pelas seguintes razões:
A dívida exequenda respeita às taxas de comercialização liquidadas por laboração
da oponente no mês de Maio de 1992, nos termos do art. 1 ° do DL 309/86, de
23.9, seja, as taxas que incidem sobre os lacticínios de origem nacional ou
importados que se destinem ao consumo público.
Como consta do intróito daquele diploma governamental, o mesmo foi editado no
uso da autorização legislativa concedida pelo artigo 72° da Lei 9/86, de 30 de
Abril (Lei do Orçamento do Estado para 1986), o qual, no seu nº 1, reza: fica o
Governo autorizado a criar ou rever receitas a favor dos organismos de
coordenação económica ou dos que resultarem da sua reestruturação e a
estabelecer a incidência, as isenções, as taxas, as garantias dos contribuintes,
as penalidades e o regime de cobrança das mesmas.
O diploma delegado veio actualizar as taxas ditas de comercialização dos
lacticínios, a cobrar pela Junta Nacional dos Produtos Pecuários, em vigor desde
1976, uniformizadas e revistas pelo DL 183/82, de 15.5, que as considerou
necessárias para ocorrer aos encargos daquele organismo com as suas intervenções
no abastecimento público, quer importando leite e produtos lácteos em períodos
de escassez, quer intervindo no escoamento de excessos de produção.
Pelo DL 15/87, de 9.1, a JNPP foi extinta, sucedendo-lhe o IROMA, que assumiu as
obrigações e os direitos adquiridos emergentes de contrato, de acto jurídico ou
de lei constituídos na esfera jurídica da referida Junta (cf. art. 12° /1 e 2).
Na linha de orientação da sentença recorrida e da jurisprudência constitucional
que apreciou a constitucionalidade de tributos de teor e finalidades idênticas,
considera-se a taxa em causa como forma de financiar uma actividade do Estado
vocacionada para a satisfação de necessidades públicas em geral ou de uma certa
categoria de pessoas, sem os atributos de uma taxa, de uma contraprestação de um
serviço prestado, mas antes de um imposto, ou de algo a tratar como imposto para
o efeito de o submeter à reserva da lei fiscal.
E assim o viu o legislador governamental, tanto que obteve da Assembleia da
República a autorização legislativa contida na Lei Orçamental 9/86.
Que é suficientemente definidora do objecto e sentido autorizado, tal como o
exige o art. 168°/2 da CR, na redacção da Reforma de 1982, em vigor ao tempo da
entrada em vigor do referido diploma, mesmo que pensadas as ditas receitas como
figuras tributárias como impostos ou afins, sujeitas ao princípio da reserva de
lei formal, decorrente dos art. 106°/1 e 2 e 168°/1/i da CR.
Tal definição ocorre na medida em que a autorização engloba o estabelecimento da
incidência, as isenções, as taxas, as garantias dos contribuintes, as
penalidades e o regime de cobrança das mesmas, quando as quatro primeiras
referências correspondem precisamente aos elementos que a Constituição manda
determinar pela lei criadora de impostos (art. 106°/2)
Poderá afirmar-se que outras autorizações legislativas são mais precisas e até
envolvem aspectos quantitativos, não dando ao Governo a margem de liberdade que
esta confere, mas daí não se segue a sua inconstitucionalidade por infracção do
art. 168°/2 referido, nem a inconstitucionalidade consequente do diploma
delegado.
Tanto mais que as receitas em causa há muito estavam instituídas (desde 1976) e
tinham sido revistas por decreto-lei autorizado em 1982 por Lei (art. 58° da Lei
4/81, de 31.12) que não havia sido mais precisa na definição do poder tributário
delegado.
E que precisões são essas de que carece a lei de 86 não o refere concretamente a
recorrente, que se limita a assacar-lhe 'vaguidade (que) não permite ao Governo
legislar em matéria de criação de impostos '.
Quando nem sequer o tributo veio a ser criado pelo diploma autorizado, mas tão
só alterado o valor da taxa e normas de liquidação, de cobrança e penalidade.
Não está, assim, o tribunal em condições de densificar o discurso nesta sede,
concluindo por não se pronunciar pela inconstitucionalidade imputada pela
recorrente ao diploma em que se fundou a liquidação das taxas de comercialização
em causa, por a edição do mesmo caber na competência legislativa do Governo, nos
termos do art. 201°/1/ b da CR (redacção da Reforma de 82).
2. Deste acórdão foi, pela cooperativa A., interposto o recurso ora
em análise para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do
n.º 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, sustentando a
'inconstitucionalidade formal e orgânica do Decreto-Lei n.º 309/86, de 23 de
Setembro', questão que diz ter suscitado na oposição à execução e nas alegações
do recurso interposto da sentença do Tribunal Tributário de 1ª Instância.
Em seu entender, teriam sido violados 'os artigos 168º, n.º 1, al. i) e n.º 2,
106º, n.ºs 1 e 2, bem como o 202º, n.º 1, al. b), da CRP, de acordo com o texto
em vigor na altura'.
Admitido o recurso, formulou a recorrente as seguintes conclusões:
1- A designada “taxa de comercialização” respeitante ao mês de Maio de 1992,
para que a Recorrente foi citada para pagar, e à qual se opôs, no montante de
Pte. 1.048.417$00, não é realmente uma taxa mas um verdadeiro imposto;
2- Esse foi, aliás, o entendimento, do Tribunal Tributário de 1ª Instância
quando muito claramente expôs que a referida 'taxa de comercialização' se
deveria visualizar como um verdadeiro imposto '... atentas as suas
características unilaterais (o contribuinte nada recebe e nada pode exigir do
IROMA pelo facto de ter pago a taxa sob análise e, por outro lado, é posto
perante a situação de ter de a pagar porque pratica determinado acto que cai na
previsão da lei…”;
3- Esta distinção entre imposto e taxa assume particular importância, porquanto,
no nosso ordenamento a criação de um imposto está sujeita ao princípio da
legalidade, ou seja, o imposto terá de ser criado por lei da Assembleia da
República, apenas o podendo ser mediante decreto-lei do Governo quando haja
autorização legislativa nesse sentido;
4- O Decreto-Lei nº 309/86, de 23 de Setembro, que instituiu as designadas
'taxas de comercialização', refere que estas taxas são criadas ao abrigo de uma
autorização legislativa concedida pela Lei nº 9/86, de 30 de Abril (a qual
aprovou o Orçamento do Estado para 1986), designadamente ao abrigo do artigo 72°
n.º 1 dessa lei;
5- Nos termos do disposto no nº 2 do artigo 165° da CRP, as leis de autorização
legislativa devem definir o objecto, o sentido, a extensão e a duração da
autorização, ou seja, devem pré-determinar o conteúdo essencial da lei a criar;
6- Na situação sub judice, é manifesta a vaguidade da lei de autorização contida
no artigo 72°, nº 1 da Lei que aprovou o Orçamento do Estado para o ano de 1986,
porquanto esta autorização legislativa mais não é do que a reprodução do que
consta da CRP, usando conceitos gerais e abstractos, e concedendo ao Governo
toda a liberdade na concretização dos mesmos;
7- O Governo só poderia legislar em matéria de criação de impostos, havendo
autorização legislativa específica e concreta nesse sentido, o que na situação
sub judice não sucedeu;
8- Assim, só se pode concluir que o Decreto-lei n° 309/86, de 23 de Setembro que
criou a designada 'taxa de comercialização' enferma de inconstitucionalidade,
quer formal, quer orgânica, uma vez que não tem a suportá-lo qualquer
autorização legislativa válida, tendo sido emitido em violação do disposto nos
artigos 165°, 168°, nº 1, alínea i) e nº 2, 106°, n.ºs 1 e 2 e 202º,n.º 1,
alínea b) da CRP.
9- Pelo que se requer que seja declarada a inconstitucionalidade, orgânica e
formal, do Decreto-Lei nº 309/86, de 23 de Setembro.
Por sua vez, a entidade recorrida pronunciou-se no sentido de não ocorrer
qualquer inconstitucionalidade pois, não obstante estar em causa um tributo que
deve ser considerado um imposto, 'a chamada taxa de comercialização foi criada
dentro dos parâmetros constitucionais como receita da extinta J.N.P.P. no uso da
autorização legislativa concedida pelo artigo 72º da Lei 9/86, de 30/4, e nos
termos da al. b), do n.º 1, do artigo 201º da C.R.P:'
Tendo o relator do processo cessado funções no Tribunal Constitucional,
procedeu-se a nova distribuição.
3. Visa a recorrente questionar a conformidade constitucional –
'orgânica e formal' – do Decreto-Lei n.º 309/86 de 23 de Setembro (entretanto
revogado pelo Decreto-Lei n.º 365/93, de 22 de Outubro), diploma com base no
qual foi liquidada à ora recorrente A., UCRL a já referida taxa de
comercialização de lacticínios devida pela laboração correspondente ao mês de
Maio de 1992.
Todavia, o presente recurso, previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da
LTC, tem carácter normativo, razão pela qual se tem entender que o seu objecto
deve necessariamente concretizar-se em norma efectivamente aplicada na decisão
recorrida, como sua ratio decidendi.
Está, assim, excluído que no objecto do recurso caiba a impugnação genérica de
diplomas.
É, porém, certo que foi efectivamente aplicada na decisão recorrida a norma
contida no artigo 1º do citado Decreto-Lei n.º 309/86 de 23 de Setembro, com
base na qual a autoridade administrativa procedeu à mencionada liquidação. E
também é certo que a inconstitucionalidade invocada pela recorrente afectará a
referida norma, que constitui a ratio decidendi da decisão recorrida, por
radicar em vício que afecta a totalidade do diploma.
Deste modo, a 'questão de inconstitucionalidade' que a recorrente definiu como
objecto do presente recurso no requerimento de interposição, circunscreve-se à
norma contida no artigo 1º do mencionado Decreto-Lei n.º 309/86 de 23 de
Setembro que o acórdão recorrido aplicou na decisão em causa.
A recorrente aponta, como fundamento da acusação de inconstitucionalidade, a
circunstância de a referida taxa dever ser considerada como um imposto, estando
portanto a correspondente criação abrangida pela reserva de competência
legislativa da Assembleia da República, nos termos do disposto na alínea i) do
n.º 1 do artigo 168º da Constituição (na redacção agora relevante, e
correspondente à alínea i) do n.º 1 do actual artigo 165º). Argumenta que não
contendo a Lei n.º 9/86 de 30 de Abril, com base em cujo artigo 72º foi aprovado
o diploma, uma 'autorização legislativa específica e concreta nesse sentido', o
referido Decreto-Lei n.º 309/86 enfermaria, assim, de inconstitucionalidade
'orgânica e formal'.
O acórdão recorrido entendeu, como se viu, que a autorização legislativa era
suficiente, e que o tributo já existia, tendo apenas sido alterados 'o valor da
taxa' e as 'normas de liquidação, de cobrança e penalidade'.
4. Deve começar-se por constatar que a recorrente não aponta
qualquer vício susceptível de provocar a alegada inconstitucionalidade formal do
diploma e, por esta via, da norma impugnada. Ora, não sendo, por outro lado,
manifesta a ocorrência de vício dessa natureza, é de excluir desde já, e sem
necessidade de melhores argumentos, a verificação da dita inconstitucionalidade.
5. Cumpre, assim, unicamente apurar se o Governo tinha ou não
competência legislativa para aprovar a aludida norma. O que – partindo do
princípio aceite pelo Tribunal recorrido de que a designada taxa de
comercialização de lacticínios tem as características próprias de um imposto,
submetida, portanto, a regime mais exigente do que qualquer outra obrigação
pecuniária de natureza tributária –, se reconduz a saber se os elementos
efectivamente alterados em relação ao regime anterior não estão abrangidos pela
reserva de competência legislativa da Assembleia da República, ou se a
autorização legislativa com base na qual foi aprovado o Decreto-Lei n.º 309/86 é
suficiente para o efeito.
6. O Tribunal Constitucional já analisou as implicações decorrentes
da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República para
legislar em matéria de impostos e sistema fiscal.
Escreveu-se, por exemplo, no Acórdão n.º 451/2002 (DR, II série, de 2 de Janeiro
de 2003):
'[...] não se ignora, naturalmente, que “em matéria de regime de impostos,
aquilo que é reserva de lei segundo o artigo 106º, n.º 2, é reserva de lei da
Assembleia da República segundo o artigo 168º” (actuais artigos 103º e 165º),
como se afirmou no Acórdão n.º 274/86 (in Acórdãos do Tribunal Constitucional,
8º vol., 1986, p. 49; cfr., ainda, os Acórdãos n.ºs 358/92 e 57/95, in Acórdãos
do Tribunal Constitucional, 23º vol., pp. 109 e ss., e 30º vol., 1995, p. 199,
respectivamente).
As duas disposições da Constituição citadas consagram os dois subprincípios do
princípio da legalidade fiscal, entendido como reserva material de lei formal.
Deste modo, o artigo 106º, n.º 2, clarifica o significado da referência à
“criação de impostos” do artigo 168º, ao estabelecer que a lei deverá determinar
“a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes”
(cfr., neste sentido, José Manuel Cardoso da Costa, “O Enquadramento
Constitucional do Direito dos Impostos em Portugal: A Jurisprudência do Tribunal
Constitucional”, in Jorge Miranda (ed.), Perspectivas Constitucionais, Nos 20
Anos da Constituição de 76, vol. II, Coimbra, 1997, p. 409; cfr., ainda, José
Casalta Nabais, “Jurisprudência do Tribunal Constitucional em Matéria Fiscal”,
in Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, vol. LXXIX, 1993, p. 405).
[...]'
Dentro desta orientação jurisprudencial, é de aceitar que – depois da revisão
constitucional de 1982 – as leis de autorização legislativa para a criação de
impostos devem igualmente autorizar a fixação da incidência, taxa, benefícios
fiscais e garantias dos contribuintes explicitando o objecto, o sentido e a
extensão da autorização (artigos 103º n.º 2 e 165º n.º 1 alínea i) e n.º 2 CR).
O que se passa é que, quando a autorização legislativa se reporta já não à
criação, mas à alteração do regime jurídico de um imposto já existente, parece
seguro que bastará que a respectiva lei explicite, com o detalhe exigido pelo
n.º 2 do citado artigo 165º da Constituição, apenas as alterações que se
pretende introduzir naquele regime, sendo obviamente dispensável que enumere o
objecto, o sentido e a extensão da autorização quanto aos aspectos que se mantém
inalterados. Assim se compreende, por exemplo, que se aceite que um diploma não
autorizado inclua a regulamentação tributária já em vigor, mesmo a respeitante a
matéria incluída na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da
República, sem que, com isso, enferme de incompetência orgânica (cfr., embora
quanto a outras matérias, os Acórdãos n.ºs 26/2001, 90/2004 ou 340/2005, in DR,
II série, de 5 de Junho de 2001, de 16 de Março de 2004 e de 29 de Julho de
2005, respectivamente).
Em suma, a circunstância de não ocorrer inovação substantiva do regime, quer na
sua totalidade, quer quanto a aspectos específicos, permite que a lei tributária
se não submeta às mesmas exigências de competência impostas pela Constituição
quanto à criação dos impostos, e à fixação da incidência tributária, taxa,
benefícios fiscais e garantias dos contribuintes.
7. O já citado Decreto-Lei n.º 309/86 de 23 de Setembro foi aprovado
'no uso da autorização legislativa concedida pelo artigo 72º da Lei n.º 9/86, de
30 de Abril' (lei que aprovou o Orçamento de estado para 1986) visando, como se
explica no respectivo preâmbulo, 'proceder a um ajustamento dos valores das
taxas' que incidem sobre a comercialização de leite e lacticínios. Pretendeu
assim o legislador, declaradamente, proceder a uma actualização de tais valores,
mantidos 'constantes desde o ano de 1982, não obstante o aumento substancial dos
custos dos serviços prestados'. A concretização desta medida seguiu a praxe
legislativa usada até então; com efeito, o valor das referidas taxas havia sido
anteriormente alterado pelo Decreto-Lei no 183/82 de 15 de Maio, aprovado ao
abrigo da autorização legislativa constante do artigo 58º da Lei n.º 40/81 de 31
de Dezembro (lei que aprovou o Orçamento de Estado para o ano de 1982). Tais
taxas, então cobradas pela Junta Nacional dos Produtos Pecuários (criada pelo
Decreto-Lei n.º 29.749 de 13 de Julho de 1939), passaram desde a vigência do
Decreto-Lei n.º 15/87 de 9 de Janeiro, que a extinguiu, a ser cobradas pelo
IROMA – Instituto Regulador e Orientador dos Mercados Agrícolas (entretanto
também extinto pelo Decreto-Lei n.º 197/94, de 21 de Julho), nos termos do
disposto no seu artigo 13º (norma sobre cuja não inconstitucionalidade o
Tribunal Constitucional se pronunciou já, por exemplo, nos Acórdãos n.ºs 419/6 e
621/98, in DR, II série, respectivamente, de 17 de Julho de 1996 e de 18 de
Março de 1999, e a jurisprudência citada no último).
8. Através do artigo 72º da Lei n.º 9/86 de 30 de Abril ficou o
Governo autorizado, designadamente, a 'criar ou a rever receitas a favor dos
organismos de coordenação económica [...] e a estabelecer a incidência, as
isenções, as taxas, as garantias dos contribuintes, as penalidades e o regime de
cobrança das mesmas'. Todavia, no exercício desta autorização, isto é, ao editar
o referido Decreto-Lei n.º 309/86 de 23 de Setembro, o Governo não procedeu à
criação de um novo tributo, limitando-se a actualizar o valor das taxas já
existentes, e a alterar as regras relativas à liquidação e cobrança das mesmas.
Com efeito, conforme, aliás, observa o acórdão recorrido, apura-se do confronto
entre o Decreto-Lei n.º 309/86 e o Decreto-Lei n.º 183/82 que aquele diploma
apenas alterou o regime anterior quanto ao 'valor da taxa' e às 'normas de
liquidação, de cobrança e penalidade'.
É, aqui, indiferente que o Decreto-Lei n.º 309/86 contenha normas de incidência,
pois, como já se viu, o Tribunal Constitucional tem entendido que a repetição,
em decreto-lei não autorizado, da regulamentação vigente, mesmo a respeitante a
matéria incluída na reserva relativa de poder legislativo da Assembleia da
República, não importa inconstitucionalidade orgânica (por exemplo, os já
citados Acórdãos n.ºs 26/2001, 90/2004 ou 340/2005, in DR, II série, de 5 de
Junho de 2001, de 16 de Março de 2004 e de 29 de Julho de 2005,
respectivamente). Também não relevam – desde logo porque se não incluem na norma
impugnada – nem as alterações em matéria de penalidades (onde a lei anterior
previa contravenções, passou o Decreto-Lei n.º 309/86 a definir
contra-ordenações), já que não está em causa nenhuma penalidade aplicada à
recorrente, nem as alterações relativas ao regime da liquidação e cobrança, por
se tratar de matéria não abrangida pela reserva de competência legislativa da
Assembleia da República, ainda que relativas à cobrança e liquidação de impostos
(cfr. acórdãos deste Tribunal com os n.ºs 504/98 ou 63/2001, publicados no DR,
II série, de 10 de Dezembro de 1998 e de 27 de Março de 2001, respectivamente).
9. Quanto às alterações introduzidas na fixação do valor da taxa –
que estarão abrangidas pela reserva de lei da Assembleia da República (como
expressamente observa José Manuel Cardoso da Costa, 'Sobre as Autorizações
Legislativas na Lei do Orçamento', Coimbra, 1982, p. 4, nota 1) –, há que partir
da constatação de que a taxa agora em apreço não foi criada pelo Decreto-Lei n.º
309/86, pelo que, conforme se observou já, só poderá colocar-se um problema de
inconstitucionalidade orgânica se as inovações trazidas pelo novo diploma se
incluírem no âmbito da reserva de lei e, em caso afirmativo, se não estiverem
cobertas pela lei de autorização legislativa.
O Decreto-Lei n.º 309/86 actualizou os valores das taxas anteriormente definidos
pelo Decreto-Lei n.º 183/82, de 15 de Maio; ora, do confronto entre os valores
fixados nos dois diplomas, e tendo em conta a erosão monetária entretanto
ocorrida, não é possível concluir que o aumento das taxas excedeu o
correspondente à actualização dos ditos valores, tal como o preâmbulo do
Decreto-Lei n.º 309/86 afirma.
A tarefa de actualização do valor destas taxas estava coberta pela Lei n.º 9/86,
pois é de interpretar a autorização concedida ('... autorizado a criar ou a
rever receitas...') como permitindo a mera actualização dos referidos valores.
Assim sendo, entende-se não haver razão para considerar ter sido alterado o
valor da taxa em termos constitucionalmente censuráveis.
10. Aqui chegados, torna-se desnecessário averiguar a exacta natureza
da taxa de comercialização em causa, uma vez que se concluiu que, mesmo que se
trate de um imposto, a alteração provocada pelo artigo 1º do Decreto-Lei n.º
309/86 de 23 de Setembro estava coberta pela respectiva lei de autorização
legislativa.
Nestes termos, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida
no que respeita à questão de constitucionalidade.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 14 de Novembro de 2006
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria Helena Brito
Rui Manuel Moura Ramos
Maria João Antunes
Artur Maurício