Imprimir acórdão
Processo nº 170/2006
2ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I
Relatório
1. A. e B., denunciantes do processo crime a correr termos no Tribunal Judicial
da Comarca de Loures, requereram ao Tribunal a declaração de formação de acto
tácito de deferimento do pedido de apoio judiciário pelos requerentes
apresentado.
O requerimento foi indeferido por despacho do seguinte teor:
Em 14.03.2003 A. e mulher B. vieram, para os efeitos do disposto no art. 26°,
n.° 1 a 3 da Lei n.° 30-E/2000, de 20.12., informar que o pedido por si
efectuado à Segurança Social deve considerar-se tacitamente aprovado.
Compulsados os autos verifica-se que:
- Em 05.02.2003 deu entrada nos serviços o pedido de apoio judiciário;
- Em 27.02.2003 foi enviada carta ao requerente informando da intenção dos
serviços de indeferir o pedido e para, no prazo de 10 dias úteis, alegar o que
tivesse por conveniente;
- Em 28.02.2003 o requerente alegou que os rendimentos do seu agregado familiar
se contêm dentro dos limites previstos no art. 20°, n.° 1, al. c) e n.° 2 da Lei
n.° 30‑E/2000, de 20.12.;
- Em 26.03.2003 foi enviada carta a este tribunal informando que o pedido foi
indeferido por despacho de 21.03.2003.
Visto o disposto nos art. 22°, 24° e 26° da Lei n.° 30-E/2000, de 20.12, o facto
de o requerente ter sido notificado que era intenção dos serviços de indeferir o
pedido, ficando o prazo suspenso por 10 dias úteis, forçoso é concluir que não
assiste razão ao requerente, não tendo acorrido deferimento tácito.
Notifique e devolva os autos ao M.P.
Por despacho de fls. 5 foi nomeado advogado para o recurso do despacho de fls.
4.
Os recorrentes interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa,
concluindo o seguinte:
1 .°
Em processo administrativo de apoio judiciário a correr termos ao abrigo da Lei
n.° 30-E/2000, de 20 de Dezembro, o prazo suspenso por via do disposto no art.
24°, n.° 1 e do n.° 3 do art. 100°, do Código de Procedimento Administrativo,
reinicia‑se com a prática do acto para o qual o respectivo requerente foi
notificado;
2.°
Sendo que um tal prazo se conta contínuo, como em processo civil de carácter
urgente, como resulta, aliás, do disposto no art. 41° da supra citada lei, do
art. 144° n.° 1, do Código de Processo Civil e 104° n.° 1, do Código de Processo
Penal;
3.º
Assim, em 2003.03.14, data da entrada em juízo da menção a que se refere o n.° 3
do art. 26° da Lei n.° 30‑E/2000 de 20 de Dezembro, haviam decorridos já 36 dias
desde a data de entrada do requerimento, suspenso que esteve tal prazo entre os
dias 27 e 28 de Fevereiro desse ano;
4.º
Estando, por isso, o peticionado benefício tacitamente deferido e concedido de
acordo com o imperativo do art. 26, n.°s 1 e 2 da aludida lei;
5.º
Normativos estes, que resultam manifestamente violados na decisão aqui
sindicada, a qual é proferida em 1a instância, logo passível de recurso;
6.°
Diferente interpretação dessas normas legais violará os imperativos dos nºs 4 e
5 do art° 20º da Constituição da República Portuguesa, o que ad cautelam se
argui desde já;
7.º
A Lei n.° 30-E/2000 não prevê qualquer condicionante geográfica à escolha de
defensor do abstracto interveniente processual, seja ele arguido ou vítima, nem
ao pagamento das despesas efectuadas, quaisquer que sejam, desde que devidamente
comprovadas;
8°
Nem poderia prever tal condicionante territorial sob pena de ter que se nomear
patronos diferentes conforme o processo decorra em tribunais de 1ª Instância,
nos Tribunais da Relação ou noutras instâncias superiores;
9.º
Pelo que a douta decisão em crise viola, salvo o devido respeito, os normativos
contidos nos art. 15°, alínea c) e 48° n.° 1 da correspondente lei;
10.º
Qualquer interpretação diferente destas normas legais viola manifestamente os
imperativos plasmados nos art.s 20° n.° 1, 32° n.°s 3 e 7 e 13º, todos da
Constituição da República Portuguesa, que aqui expressamente se argui;
11.º
Carecendo, por tudo isto, as doutas decisões do Tribunal a quo, proferidas em
primeira instância, de revogação e substituição por uma outra, superior, que
defira a formação de acto tácito, concedendo aos recorrentes o beneficio de
apoio judiciário nas modalidades requeridas, mormente o integral pagamento de
todas as despesas devidamente comprovadas que sejam apresentadas pelo defensor
oficioso escolhido e nomeado;
12.°
Sendo que as decisões ora recorridas não estão tomadas no âmbito do recurso
impugnatório da decisão administrativa, ainda pendente, sendo por isso
recorríveis;
13.º
Pelo que a eventual rejeição do presente recurso fundada em interpretação
diferente do art. 29° n° 1, da Lei 30-E/2000, inaplicável in casu, violará o
direito ao recurso imposto no art. 32°, n.°s 1 e 7 da Lei Fundamental,
inconstitucionalidade esta também aqui arguida cautelarmente;
14.º
Termos em que, devem as doutas decisões supra referenciadas ser revogadas e
consequentemente substituídas por uma outra superior que defira a formação de
acto tácito, concedendo para tanto aos ora recorrentes o benefício da concessão
do apoio judiciário nas modalidades requeridas.
Assim decidindo se fará a necessária e a costumada
JUSTIÇA!!!
O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 30 de Novembro de 2005,
considerou o seguinte:
2.2 - Com interesse refere-se:
1 - O Recorrente requereu, nos serviços do Instituto de Solidariedade e
Segurança Social, IP, a concessão de apoio judiciário, em 5 de Fevereiro de
2003, conforme consta de fls. 30 a 32;
2 - O I.S.S.,I.P., em 27 de Fevereiro desse mesmo ano, comunicou ao Recorrente a
intenção de indeferir o referido requerimento, nos termos constantes da certidão
de fls. 33;
3 - Em 28 de Fevereiro de 2003, o Recorrente juntou documentação adicional ao
requerimento referido em 1, conforme consta de fls. 34;
4 - Em 14.03.2003 A. e mulher B. vieram, para os efeitos do disposto no art.
26°, ns.° 1 a 3, da Lei n.° 30-E/2000, de 20.12, informar e requerer que o
pedido, por si efectuado à Segurança Social, deva considerar-se tacitamente
aprovado, nos termos constantes da certidão de fls. 2.
5 - Face à documentação adicional junta, o I.S.S.,I.P. proferiu a sua decisão
final, de indeferimento do pedido de apoio judiciário formulado pelos
recorrentes, em 21 de Março, nos termos constantes de fls. 35 e 36.
2.3 - O recurso restringe-se às questões de direito avançadas pelo recorrente e
à apreciação de eventuais vícios do art. 410°, n.° 2 CPP ou de nulidades que não
devam considerar-se sanadas. E dentro destes limites, são as conclusões da
motivação que delimitam o objecto do recurso (art. 412°, n.° 1 CPP), uma vez que
as questões submetidas à apreciação da instância de recurso são as definidas
pelo recorrente.
“Os recursos não podem ser utilizados com o único objectivo de uma “melhor
justiça. O recorrente tem de indicar expressamente os vícios da decisão
recorrida. A motivação do recurso consiste exactamente na indicação daqueles
vícios.” - Cunha Rodrigues, Jornadas de Direito Processual Penal, CEJ, p.387.
Trata-se de um verdadeiro ónus de alegação e motivação do recurso, devendo o
recorrente” formular com rigor o que pede ao tribunal”.
São as conclusões que irão habilitar o tribunal superior a conhecer dos motivos
que levam o recorrente a discordar da decisão recorrida, quer no campo dos
factos quer no plano do direito.
Ora, as conclusões destinam-se a resumir essas razões que servem de fundamento
ao pedido, não podendo confundir-se com o próprio pedido pois destinam-se a
permitir que o tribunal conhecer, de forma imediata e resumida, qual o âmbito do
recurso e os seus fundamentos.
E, sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recurso (art. 412°,
n.° 1 CPP), às quais o tribunal se deve restringir (AC. STJ de 9.12.98, BMJ
482°, 68), não basta que na motivação se indique, de forma genérica, a pretensão
do recorrente pois a lei impõe a indicação especificada de fundamentos do
recurso, nas conclusões, para que o tribunal conheça, com precisão, as razões da
discordância em relação à decisão recorrida.
Essa definição compete exclusivamente ao recorrente e tem a finalidade útil e
garantística de permitir que não existam dúvidas de interpretação acerca dos
motivos que levam o recorrente a impugnar a decisão, o que poderia acontecer
perante a mera leitura das alegações, por natureza mais desenvolvidas,
definindo-se claramente quais os fundamentos de facto e/ou de direito, já que é
através das conclusões que se conhece o objecto do recurso.
Neste sentido se pronunciaram, entre outros, os Acs. STJ 21.4.93, 19.4.94,
9.11.94, C.J, do STJ, tomos 2°, 2° e 3° dos anos respectivos, p. 206, 189, 245.
Como se viu, a lei exige conclusões em que o recorrente sintetize os fundamentos
e diga o que pretenda que o juiz decida, certamente porque são elas que
delimitam o objecto do recurso.
Não pode o tribunal seleccionar as questões segundo o seu livre arbítrio nem
procurar encontrar no meio das alegações, por vezes extensas e pouco
inteligíveis, o que lhe pareça ser uma conclusão.
As conclusões nada têm de inútil ou de meramente formal.
Constituem, por natureza e definição, a forma de indicação explícita e clara da
fundamentação das questões equacionadas pelo recorrente e destinam- se, à luz da
cooperação devida pelas partes, a clarificar o debate, quer para exercício do
contraditório, quer para enquadramento da decisão.
2.4 - Feita esta introdução de âmbito geral e analisadas as conclusões de
recurso, facilmente se constatará que, importa, desde logo, apreciar da questão
prévia suscitada, da rejeição do recurso.
2.5 - Análise jurídica.
O regime de apoio judiciário a aplicar no caso “sub judicie” é o estabelecido na
Lei n.° 30-E/2000, de 20/12, pois o pedido foi formulado antes de 01/09/04 (vide
art. 51° n.° 1, da Lei n.° 34/2004, de 29/07).
A citada Lei 30-E/2000, de 20.12 regula, em conformidade com o imperativo
constitucional de acesso ao direito e aos tribunais, a protecção jurídica de
todos aqueles que se encontrem numa situação de insuficiência
económico-financeira para, designadamente, custearem as normais despesas do
patrocínio judiciário (Cfr. arts. 1°, 7° e 15° do diploma acima mencionado).
A concessão do beneficio de apoio judiciário está, assim, dependente da
verificação de uma situação de carência económico-financeira, devendo esta
aferir‑se, essencialmente, em função dos rendimentos e encargos do requerente.
O n.° 2 do art. 1°, da Lei 30-E/2000 de 20/12, preceitua que “o apoio judiciário
pode ser requerido em qualquer estado da causa, mantém-se para efeitos de
recurso qualquer que seja a decisão sobre o mérito da causa”.,
Acresce que, face ao estabelecido no art. 21°, n.° 1, da referida Lei, “A
decisão sobre a concessão de apoio judiciário compete ao dirigente máximo dos
serviços de segurança social da área de residência do requerente.
Mais se estipula no artigo seguinte - art. 22° - que “São aplicáveis ao
procedimento administrativo de concessão de apoio judiciário as disposições do
Código do Procedimento Administrativo em tudo o que não esteja especialmente
regulado na presente lei.”
Ora, atendendo ao Código do Procedimento Administrativo, designadamente, os seus
arts. 1° e 2°, verifica-se que o procedimento administrativo é uma sucessão
ordenada de actos e formalidades tendentes à formação e manifestação da vontade
da Administração Pública ou à sua execução”.
O art. 2° n.° 2, do referido Código, define os órgãos da Administração Pública
para efeitos do mesmo.
O art. 108°, do C.P.A., preceitua e estabelece “o deferimento tácito”.
A entidade competente para sobre ele se pronunciar e decidir é a entidade
administrativa.
Por outro lado, há que ter presente que a decisão final (expressão utilizada
pelo n.° 1, do art. 27°, dessa mesma Lei) sobre o pedido de apoio judiciário é
susceptível de impugnação judicial nos termos do arts. 28° e 29°, da citada Lei
n° 30-E/2000, conforme determina o art. 27°, n°4, da mesma Lei, sendo que,
recebido o recurso, o serviço de segurança social dispõe de 10 dias para revogar
a decisão sobre o pedido de apoio judiciário ou, mantendo-a, enviar aquele e
cópia integral do processo administrativo ao tribunal competente (art. 28°, n°
4, da Lei n° 30-E/2000, de 20DEZ), sendo que é competente para decidir o recurso
em última instância o tribunal da comarca em que está sediado o serviço de
segurança social que apreciou o pedido de apoio judiciário, por força do art.
29°, n°1, da citada Lei.
Do exposto resulta que a decisão sobre o apoio judiciário tem uma fase prévia
administrativa, da competência do serviço de segurança social, que se não for
impugnada judicialmente nos termos dos citados arts. 27° e 28° da Lei nº
30‑E/2000, de 20DEZ, confere-lhe um valor em tudo igual ao caso julgado de uma
decisão judicial, ou seja, uma vez proferida a decisão administrativa, que não
foi objecto de impugnação judicial, por não ter sido interposta em tempo, ou
porque o não foi mesmo, por o interessado com ela se ter conformado, constitui
caso decidido ou caso resolvido, que em direito é considerada como uma excepção,
que obsta a que a questão seja de novo apreciada, e consequentemente obsta ao
conhecimento do recurso, porque não foi impugnada judicialmente, consolidando-se
o acto administrativo na ordem jurídica, atendendo ao princípio da estabilidade
dos actos administrativos, e que a doutrina faz uma equiparação entre o caso
julgado judicial, decisão judicial que já não pode ser objecto de recurso, por
ter transitado em julgado (art. 677°, do CPC), e o caso decidido ou resolvido
dos actos administrativos.
Ora, in casu, não há dúvida que, na data - 14/03/03 - em que foi requerido,
pelos recorrentes, no tribunal recorrido, o pedido de “se considerar tacitamente
aprovada a sua pretensão de apoio judiciário”, nos termos constantes da certidão
desse requerimento, junta a fls. 2, destes autos de recurso, a decisão da
autoridade administrativa não constitui caso decidido ou resolvido, porquanto, a
administração ainda não se tinha pronunciado definitivamente, só se tendo
tornado definitiva em 21/03/03, com a decisão final de indeferimento, constante
da certidão de fls. 45 e 46.
Ao requerente do apoio judiciário só após tal decisão definitiva da autoridade
administrativa [no caso o serviço de segurança social] e no caso de não se
conformar com a mesma decisão, designadamente por não lhe ter sido deferido o
apoio judiciário, constituindo acto lesivo, então é que poderia impugnar
judicialmente a mesma, para o tribunal competente, nos termos das disposições
conjugadas dos arts. 28° e 29°, da Lei n° 30-E/2000, de 20DEZ.
Portanto, face às explanações jurídicas supra desenvolvidas, importa, desde
logo, apreciar da questão prévia suscitada, da rejeição do recurso.
Ora, “A possibilidade de rejeição de recurso, em caso de manifesta
inadmissibilidade ou improcedência, - art. 4200, n.° 1, do citado C.P.P. - tem
em vista moralizar o uso do recurso e a sua desincentivação como instrumento de
demora e chicana processuais. O recurso ter-se-á por manifestamente improcedente
quando, através de uma avaliação sumária dos seus fundamentos, se puder
concluir, sem margens para dúvidas, que o mesmo está claramente votado ao
insucesso, que os seus fundamentos são inadmissíveis” Ac. do S.T.J., de
12/04/00, Proc. n.° 1184/99 – 3ª Secção.
Pelo ora exposto, nestes autos, os recorrentes carecem de fundamento legal para
interpor o presente recurso.
Portanto, pelas razões retro expostas, afigura-se-nos que o recurso, deverá, ser
rejeitado, nos termos do disposto no art. 420° n.° 1, com remissão para o n.s°
2 e 3, do art. 414°, ambos do C.P.P., por ser manifesta a sua inadmissibilidade
e inviabilidade.
Concluindo, a aplicação das normas, nomeadamente, do citado art. 29° n.° 1, da
mencionada Lei n.° 30-E/2000 de 20/12, não violam qualquer preceito legal,
nomeadamente os arts. 13°, 20° e 32°, da CRP.
V - Decisão
Por todo o exposto, e pelos fundamentos indicados acorda-se em rejeitar o
recurso, condenando os recorrentes em 5 UCs, nos do disposto no art. 420° n.° 4
do CPP, e na taxa de justiça que se fixa em 5UCs.
Consequentemente, o recurso foi rejeitado.
2. Os requerentes interpuseram recurso de constitucionalidade nos seguintes
termos:
A. e mulher B., com os sinais dos Autos em epígrafe, notificados do douto
Acórdão que rejeita o recurso tirado sobre indeferimento em primeira instância
do requerido reconhecimento de formação de acto tácito no que tange ao benefício
de Protecção Jurídica, não podendo com ele concordar, muito menos
conformarem-se, vêm interpor
RECURSO
para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.° 1 do
art.° 70.° da Lei n.° 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual redacção,
requerendo a sua admissão para os subsequentes termos processuais.
O recurso é interposto em face da errada interpretação ali dada ao art.° 29.°.
n° 1, da Lei n.° 30-E/2000, de 20 de Dezembro, no sentido expresso de que a
garantia de recurso ali assegurada, se restringe à instância do tribunal da
comarca em que está sediado o serviço da segurança social que apreciou o pedido
ou aquele onde se encontra pendente a acção para onde é requerido o instituto,
sem verificar da impossibilidade de recurso assim gerada no caso de invocação da
formação de acto tácito previsto no n.° 3 do art. 25.° da mesma Lei, a qual é
efectuada directamente e em primeira instância junto desse tribunal sem
submissão prévia à autoridade administrativa.
Consideram os Recorrentes uma tal interpretação dessa norma contrária à letra e
ao espírito da lei e violadora do princípio constitucional do direito ao recurso
imposto, de forma peremptória, nos n.°s 1 e 7 do art° 32.° da Constituição da
República Portuguesa, questão suscitada previamente pelos Recorrentes na
conclusão 13ª do recurso em causa.
A correcta interpretação será, no modesto entender dos Recorrentes, a emergente
sumariamente na conclusão 12ª desse recurso qual seja a de que a decisão que
indefere o requerido reconhecimento de formação de acto tácito não faz parte
integrante do processo administrativo, é-lhe autónomo, necessariamente anterior
à decisão administrativa, emergente de um direito à celeridade decisória com
tramitação própria prevista no art. 25°, n.° 3, dessa mesma Lei, e, em
consequência, apresentado ante o tribunal competente em primeira instância, logo
passível de recurso.
O presente recurso não prejudica o eventual recurso sobre as demais questões
suscitadas inapreciadas no Venerando Acórdão recorrido, violadoras dos
imperativos constitucionais, devendo subir imediatamente, nos próprios Autos e
com efeito suspensivo, salvo melhor e mais douta aplicação do Direito.
Os recorrentes apresentaram alegações que concluíram do seguinte modo:
1. - O Tribunal a quo erra ao rejeitar o recurso interposto sem conhecer do seu
mérito uma vez que para tal se sustenta em razões de manifesta improcedência da
matéria que o consubstancia ao interpretar erradamente, à luz dos preceitos
constitucionais contidos nos n°s 1 e 7 do artigo 32.° da Constituição da
República Portuguesa, a norma do n° 1 do artigo 29.° da Lei n° 30-E/2000, de 29
de Dezembro;
2. - De facto, aquela norma prevê o recurso num único grau em relação ao
processado administrativo de petição de apoio judiciário, matéria que tem que
ser aplicada, em razão das normas constitucionais supra invocadas, à decisão
judicial que, proferida em primeira instância, decide não reconhecer e homologar
a menção de formação de acto tácito prevista no n° 3 do artigo 26.° da referida
Lei n° 30‑E/2000;
3. - Esta menção, ao contrário do que o Tribunal a quo interpreta na decisão ora
em crise, depende apenas e só do decurso do prazo de 30 dias imposto pelo n° 1
do mesmo artigo e lei para poder ser efectuada pelo cidadão interessado perante
o tribunal competente;
4. - Sendo absolutamente independente de qualquer decisão administrativa que, a
posteriori e extemporaneamente, venha a ser proferida no sentido do
indeferimento cuja constituiria, então e nesse caso, uma verdadeira revogação do
direito constituído pela figura da formação de acto tácito, esvaziando-a de
sentido, conteúdo e eficácia, sem razão qualquer válida das de vêm previstas no
nº 2 do artigo 140.° do Código de Procedimento Administrativo;
5. - Ao contrário do que vem interpretado no texto decisório aqui em crise,
afigura-se mesmo que a falta dessa menção em momento anterior à decisão
administrativa configuraria uma concordância à revogação do acto tacitamente
aprovado segundo a regra da alínea b) deste artigo;
6. - Logo, por maioria de razão, a menção do deferimento tácito do instituto de
apoio judiciário terá sempre que ser anterior à decisão administrativa que se
apresente extemporânea ao prazo legal;
7. - Tendo que se verificar na contabilização desse prazo que a sua suspensão
operada com a audição prévia do interessado cessa no momento de apresentação
dessas alegações se ele for anterior ao termo do prazo máximo para esse acto
essencial, como resulta pacificamente das regras do n° 1 do artigo 144.° e
alínea d) do n° 1 do artigo 284.° ambos do Código de Processo Civil;
8. - Estas normas, conjugadas entre si, dão cumprimento total ao imperativo
emergente dos n°s 4 e 5 do artigo 20.° da Constituição da República Portuguesa,
sendo a sua posterga grave violação desses preceitos fundamentais;
9. - Assim, a decisão judicial que aprecia e homologa, ou não, a formação do
acto tácito administrativo, é proferida em primeira instância pelo tribunal
competente em razão da matéria e território, pelo que terá sempre que ser
submetida à sindicância superior se, inconformados, os cidadãos interessados
recorrerem;
10. - Recurso que, ainda que num só grau, corre nos termos gerais em face da
omissão do texto da Lei 30-E/2000, equiparando-se, nesse caso ao recurso
judicial que vem expressamente previsto, também ele num só grau, na norma
violada, o n° 1 do artigo 29.° da citada Lei;
11. - Interpretação diferente, como a constante na decisão aqui sob recurso,
prevista antecipadamente pelos Recorrentes em cumprimento das normas do n° 2 do
artigo 72.° da Lei n° 28/82, de 15 de Novembro, viola flagrantemente o direito
dos Recorrentes a ver ajuizado em tribunal superior uma decisão judicial
proferida em primeira instância, direito esse previsto nos n°s 1 e 7 do artigo
32.° da Constituição da República Portuguesa;
Impondo-se a intervenção deste Tribunal Constitucional no sentido de plasmar em
Acórdão interpretação correcta para a sobredita norma legal e subsequente
tramitação processual em perseguição da sempre almejada
JUSTIÇA !!!
A entidade recorrida não contra‑alegou.
A Relatora proferiu o seguinte Despacho:
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos
do Tribunal da Relação de Lisboa, em que figuram como recorrentes A. e outra e
como recorrido o Instituto da Solidariedade e Segurança Social, é submetida à
apreciação do Tribunal Constitucional a norma do artigo 29º, nº 1, da Lei nº
30‑E/2000, de 29 de Dezembro, nos termos da qual da decisão do tribunal de
comarca sobre a decisão adstrita relativa ao pedido de apoio judiciário não cabe
recurso.
Os recorrentes pretendem impugnar a decisão que considerou não ter sido formado
acto tácito de deferimento do pedido de apoio judiciário deduzido.
O Tribunal da Relação de Lisboa, no acórdão que apreciou o recurso que os
recorrentes afirmam não ter sido admitido, fez aplicação expressa do artigo 29º,
nº 1, da Lei nº 30‑E/2000, de 29 de Dezembro (cf. o último parágrafo do aresto,
a fls. 93). No entanto, o Tribunal apreciou concomitantemente a questão da
formação do acto tácito, tendo concluído, com fundamento autónomo e suficiente
(fls. 88 e 92), que não houve acto tácito, mas antes indeferimento expresso.
Verifica‑se, portanto, que o tribunal a quo apreciou a questão que os
recorrentes suscitaram, tendo concluído, quanto a esse aspecto, pela “manifesta
inviabilidade” do recurso.
Em face da fundamentação alternativa do acórdão recorrido, a apreciação da
questão de constitucionalidade que os recorrentes suscitam no presente recurso
levanta fortes dúvidas sobre a sua utilidade, já que a decisão recorrida sempre
subsistiria, independentemente do sentido do julgamento do Tribunal
Constitucional, uma vez que o Tribunal da Relação de Lisboa apreciou o mérito do
recurso que os recorrentes afirmam não ter sido admitido.
2. Notifique os recorrentes da presente questão prévia, relativa à inutilidade
do conhecimento do objecto do presente recurso, ao abrigo do artigo 3º, nº 3, do
Código de Processo Civil, aplicável nos presentes autos nos termos do artigo 69º
da Lei do Tribunal Constitucional.
Os recorrentes responderam o seguinte:
A. e mulher B., Recorrentes melhores identificados com os sinais dos autos em
referência, tendo sido notificados para tomar posição quanto à questão prévia
suscitada nos presentes Autos, vêm dizer o seguinte:
Estando na génese do presente recurso a menção de formação de suscita-se a
questão de, entrementes, a autoridade administrativa haver tomado decisão no
sentido de indeferir o peticionado Benefício de Protecção Jurídica,
inviabilizando assim o conhecimento dessa questão submetida a este Tribunal por
inutilidade efectiva.
Haverá, no entanto, que verificar que a decisão administrativa com esse
“indeferimento expresso” está datada de 2003.03.21, notificada apenas em 26
seguinte, quando a menção de formação de acto tácito a antecede em vários dias
uma vez que foi apresentada em juízo segundo as regras do n.° 3 do art.° 26.° da
Lei n.° 30-E/2000, de 20 de Dezembro, em 2003.03.14.
Tem assim, por estas substanciais razões, que se haver tal decisão
administrativa como extemporânea sendo por isso mesmo que surge a antecedente
questão submetida a este Superior Tribunal como verdadeira causa prejudicial em
relação a essa decisão extemporânea.
É a menção em juízo da formação de acto tácito efectuada nos termos previstos na
lei e após o decurso do prazo legal que prejudica a legalidade da extemporânea
decisão administrativa e não esta que, fora de tempo, faz precludir o direito
assim adquirido por imposição expressa da lei.
Surgindo do sui generis entendimento do Venerando Tribunal a quo que resulta da
decisão expressa, um facto gerador de posterga daqueloutro primordial, a razão
do presente recurso, como é clarividente quer no inicial requerimento de
interposição do recurso quer nas alegações apresentadas.
Quis o sábio legislador - posição que manteve da Lei seguinte sobre esta
matéria, a Lei n.° 34/2004, de 29 de Julho, e consta também no projecto de
alteração legislativa actualmente proposto à consulta dos vários agentes
judiciários - que a inércia da administração pública, não prejudicasse direitos
reconhecidos constitucionalmente quanto à celeridade necessária na apreciação de
um tal instituto essencial para a boa administração da justiça, prevendo prazo
cuja derroga é havida como acto constitutivo do direito assim protegido
legalmente.
Não pode ser admitido que a administração, ultrapassado o prazo imposto
peremptoriamente por lei expressa para tomar decisão sobre pretensão apresentada
em tempo e forma próprias, venha pretender revogar a constituição desse direito
de acesso ao Direito e aos Tribunais com uma decisão que poderia ter proferido
em tempo oportuno.
Na modesta opinião dos Recorrentes não se verifica in casu qualquer das
possibilidades de revogação do acto administrativo válido, emergente do
deferimento tácito como consequência da inércia administrativa, nem tal foi
invocado expressamente na decisão administrativa de que aqui se fala, antes a
vinculação desse deferimento tácito resulta da lei, o art.° 25.° da Lei n.°
30-E/2000, como previsto na alínea a) do n.° 1 do art.° 140.° do Código de
Procedimento Administrativo, e o direito foi assim constituído por essa via
prévia e expressamente prevista e incumprida culposamente pela autoridade
administrativa (idem, alínea b).
É, pois, a questão submetida a este Tribunal Constitucional da maior relevância
não sendo tangível pela decisão administrativa que, repete-se, por culposamente
extemporânea, não é válida, não produz efeitos, pelo mínimo antes de resolvida a
vexata quaestio sub judice.
Carecendo de apreciação e decisão consentânea sob pena de se violar os direitos
legais e constitucionais dos Recorrentes, designadamente os do citado art.° 25.°
da Lei n.° 30-E/2000 e os art.°s 20.°, n.°s 1, 4 e 5, 202°, n.° 2, 203.° e
268.°, n°s 4 e 5, estes da Constituição da República Portuguesa, e aqueloutros
que são taxativamente reconhecidos nos artigos 6.° e 17.°, entre os demais, da
Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais,
ratificada pelo Estado Português e a ela sujeita.
Cumpre apreciar.
II
Fundamentação
Questão prévia
3. Os recorrentes pretendem submeter à apreciação do Tribunal Constitucional a
norma do artigo 29º, nº 1, da Lei nº 30‑E/2000, de 29 de Dezembro, segundo a
qual da decisão do tribunal de comarca sobre decisão relativa ao pedido de apoio
judiciário não cabe recurso. No recurso que os recorrentes pretendem ver
apreciado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, os recorrentes intentam impugnar a
decisão que considerou não ter sido formado acto tácito de deferimento do pedido
de apoio judiciário.
O Tribunal da Relação de Lisboa, no acórdão ora recorrido, entendeu não haver
fundamento legal para a interposição do recurso, aplicando o artigo 29º, da Lei
nº 30‑E/2000, de 29 de Dezembro.
No entanto, o Tribunal da Relação de Lisboa, no mesmo aresto, considerou, como
fundamento autónomo, que não houve decisão definitiva de deferimento a qual se
pudesse considerar caso decidido. Desse modo, verifica‑se que o Tribunal da
Relação de Lisboa apreciou a questão que os recorrentes pretendiam submeter à
apreciação dessa instância no recurso que afirmam não ter sido admitido.
Os recorrentes referem que a decisão administrativa de “indeferimento expresso”
do pedido de apoio judiciário é “extemporânea”, já que foi proferida
posteriormente ao deferimento tácito.
Ora, tal argumentação dá por demonstrado o que importa demonstrar, ou seja, o
discurso dos recorrentes pressupõe a formação de acto tácito de deferimento
definitivo, questão que pretendem submeter à apreciação do Tribunal da Relação
de Lisboa, instância que já afirmou fundamentadamente que não ocorreu acto
tácito de deferimento definitivo.
Os recorrentes entendem que houve deferimento tácito definitivo. O Tribunal da
Relação de Lisboa assim não entendeu. Submeter à apreciação desse Tribunal essa
mesma questão é, pois, do ponto de vista processual, inútil, já que nada mais há
a apreciar, para além daquilo que foi apreciado na decisão recorrida.
Assim, mesmo um eventual juízo de inconstitucionalidade que o Tribunal
Constitucional viesse a proferir teria por efeito a sujeição à apreciação do
Tribunal da Relação de Lisboa de uma questão que esse Tribunal já decidiu. Tal
juízo seria, portanto, inútil.
4. Não se tomará, nessa medida, conhecimento do objecto do presente recurso.
III
Decisão
5. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide não tomar conhecimento
do objecto do presente recurso.
Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 15 UCs.
Lisboa, 27 de Setembro de 2006
Maria Fernanda Palma
Paulo Mota Pinto
Benjamim Rodrigues
Mário José de Araújo Torres
Rui Manuel Moura Ramos