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Processo nº 833/2006.
3ª Secção.
Relator: Conselheiro Bravo Serra.
1. Inconformado com o acórdão proferido em 14 de Fevereiro de
2006 pela Vara Mista do Tribunal de comarca de Setúbal que o condenou na pena de
quatro anos e um mês de prisão pela autoria de factos que foram subsumidos ao
cometimento de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo
artº 21º do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, recorreu o arguido A. para o
Tribunal da Relação de Évora.
Como o recurso versava tão só matéria de direito, veio ele a
ser apreciado Supremo Tribunal de Justiça.
Este Alto Tribunal, por acórdão de 8 de Junho de 2006, julgou
improcedente o recurso, corrigindo, porém, um lapso manifesto detectado no
aresto recorrido, por forma a manter a condenação, mas na pena de quatro anos de
prisão.
Nesse acórdão foi dito, no que ora releva: –
“(…)
I – A., então com 45/46 anos de idade, «foi aliciado por B., por volta de AGO04,
para proceder à venda a terceiros de produto estupefaciente por si fornecido; o
arguido por vezes adquiria-lhe a droga pagando-a de imediato e outras vezes
vendia-a primeiro e pagava-a depois; aceitou a proposta por ter muitas
dificuldades económicas, nomeadamente por ter a casa degradada e a necessitar
de obras urgentes e precisar de pagar as despesas relativas à assistência médica
de um dos seus filhos; geralmente, B. fornecia ao arguido 8 sabonetes de haxixe,
com o peso aproximado de 2 kg, ao preço de € 175,00 cada, uma a duas vezes por
semana, que este vendia a cerca de € 200,00 cada; quando o arguido vendia os
‘sabonetes’ em metades, tirava uma pequena parte para o seu consumo; no dia
l5FEV05, B. entregou droga ao arguido; no dia 19FEV05, B. entregou-lhe mais
droga; pouco depois, o arguido foi detido, transportando consigo, no seu
veículo, 10 sabonetes com o peso de 2,493 kg de haxixe e, no interior de um
casaco, 1,15 g de liamba. Tinha ainda consigo € 82,58, um telemóvel Panasonic e
uma faca; em casa, tinha dois pedaços de haxixe com o peso de 5,35 g e 1,53 g, €
2040 em dinheiro (obtido com a venda de haxixe) e diversos telemóveis (que
utilizava na actividade de aquisição e/ou venda de produtos estupefacientes).
Preventivamente preso entre 19FEV e llMAR05, tem estado, desde então, obrigado a
permanecer na habitação (tendo «usufruído, até 13MAR06, de 17 autorizações de
ausência, 8 para acompanhar o filho a consultas de pedopsiquiatria e 9 por
motivos judiciais»; porém, «desde 21MAR05 que usufrui de ausências regulares
para trabalho de 2.ª à 6.ª (8:45/19:45), período alargado em 08ABR05 para os
sábados e feriados (8:30/18:30) e domingos (8:30/13:30»>; «autorizado em 110UT05
a trabalhar por turnos para outra empresa», o que «dificulta a gestão das
confirmações e verificações da presença do arguido no local de trabalho» - fls.
2711).
II – Trabalha como electricista auferindo € 500 por mês. A mulher faz limpezas
aos fins-de-semana. Vive com a mulher e três filhos de 7, 10 e 20 anos de
idade. O filho de 7 anos tem problemas do foro respiratório e atraso global do
desenvolvimento com perturbação emocional grave e tendência à agressividade, o
que exige uma dedicação quase constante da progenitora. O arguido é trabalhador
e dedicado à família. Mostra-se arrependido. Não tem antecedentes criminais
registados. Sabia que a posse, cedência e venda a outrem de produtos
estupefacientes, quando não autorizada, é punida por lei.
III - Foi condenado em 1.ª instância, pela prática de um crime de tráfico de
estupefacientes p. p. 21º do DL 15/93, na pena de quatro anos e um mês de
prisão: «O arguido A. confessou os factos que lhe eram imputados na sua
essencialidade e com relevância. e mostrou-se muito arrependido. A sua conduta
foi no essencial motivada pela difícil situação económica e familiar vivida na
altura dos factos. Tem bom comportamento anterior e posterior ao facto. Está
integrado na sociedade e na família. Entende-se .. pois puni-lo com o mínimo da
pena aplicável ao crime que lhe é imputado».
IV - Em recurso, pugna agora pela atenuação especial e pela suspensão da pena:
«O acórdão reconheceu que o arguido, sem antecedentes criminais, confessou os
factos, se mostrou arrependido e foi motivado por circunstâncias pessoais que,
de algum modo. explicam a sua conduta». Porém, «não foram sopesadas todas as
circunstâncias atenuantes que conduziriam à atenuação especial da pena
efectivamente aplicada», se se «atendesse a que as penas devem ter uma função
ressocializadora que em certos casos não é possível alcançar com o cumprimento
de uma pena de prisão efectiva». De facto, «o arguido não obteve qualquer
vantagem patrimonial decorrente da actividade ilícita, manifestou-se
arrependido e tem todas as condições, pessoais e familiares, para pautar o seu
comportamento futuro de acordo com as normas sociais e legais em vigor, o que
faz diminuir consideravelmente o grau de ilicitude». «A atenuação especial pode
fundar-se não só no princípio da culpa como também, ou simplesmente. em razões
de prevenção especial, isto é, de reintegração do agente na sociedade». Aliás,
«a aplicação de penas visa não só a protecção de bens jurídicos mas também a
reintegração do agente na sociedade» e, «quanto aos delinquentes primários, a
finalidade da pena deve sobrepor-se a protecção dos bens jurídicos e de defesa
social e deverá impor, independentemente da culpa, o recurso à atenuação
especial da pena desde que dessa atenuação resultem vantagens para a reinserção
social do condenado». Por efeito da atenuação, «o limite máximo e mínimo da pena
prisão a ser aplicada ao arguido ficariam balizados entre 8 anos e os 9 meses e
19 dias, pelo que a aplicação de uma pena de prisão situada nos 3 anos
satisfaria as necessidades de prevenção geral e especial».
V – O MP, em resposta, sustentou a confirmação do julgado, ante a «gravidade do
crime praticado e, bem assim, as quantidades transaccionadas e o lapso de tempo
em que as transaccionou»: «As atenuantes verificadas apenas podem funcionar
como atenuantes gerais: (...) Basta pensarmos [no que aconteceria se] se todas
as pessoas que têm dificuldades económicas e problemas de saúde com os filhos
se dedicassem ao tráfico de estupefacientes».
VI – «Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as
circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do
agente ou contra ele, considerando, nomeadamente: a) O grau de ilicitude do
facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o
grau de violação dos deveres impostos ao agente; b) A intensidade do dolo ou da
negligência; c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou
motivos que o determinaram; d) As condições pessoais do agente e a sua situação
económica; e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente
quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; f) A falta de
preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa
falta deva ser censurada através da aplicação da pena» (art. 71.2 do CP).
VII – Ora, no caso, é muito elevado o grau de ilicitude do facto. Entre AGO04 e
FEV05 (ou seja, durante 20 semanas), o arguido – uma a duas vezes por semana –
comprou ao coarguido B. dois quilos de haxixe (em oito ‘sabonetes’ de 250 g),
ao preço de € 175,00 cada ‘sabonete’, que logo revendia, a terceiros, a € 200
por unidade. Terá pois transaccionado cerca de 20 x 1.5 x 2 = 60 kg de haxixe
(ou seja, 240 ‘sabonetes’) e lucrado na sua revenda cerca de € 6000 (240 x €
25). O seu ‘negócio’, aliás, estaria – quando da sua detenção em 15FEV05 – numa
fase de algum incremento, pois que, em vez dos habituais oito ‘sabonetes’,
acabara de comprar, ao seu habitual fornecedor, dez ‘sabonetes’ (cerca de 2,5
kg) e tinha em casa, como fundo de maneio, nada menos que € 2040 em dinheiro
‘ganho’ em anteriores revendas.
VIII – Este invulgar grau de ilícito demandaria no caso (em que a moldura penal
abstracta do crime de tráfico comum de drogas ilícitas - art. 21.º do DL 15/93 -
é de «4 a 12 anos de prisão»), como ponto óptimo de realização das necessidades
preventivas da comunidade – ou seja, a medida de pena que a comunidade
entenderia necessária à tutela das suas expectativas na validade e no reforço
da norma jurídica afectada pela conduta do arguido – uma pena não inferior a 7
anos de prisão. Se bem que, «abaixo dessa medida (óptima) da pena de prevenção,
outras houvesse [até, pelo menos, 6 anos de prisão] que a comunidade ainda
entenderia suficientes para proteger as suas expectativas na validade da
norma».
IX – Porém, o arguido, apesar dos seus quase 46 anos de idade, não tinha
antecedentes criminais; foi «aliciado» e «aceitou a proposta por ter muitas
dificuldades económicas, nomeadamente por ter a casa degradada e a necessitar
de obras urgentes e precisar de pagar as despesas relativas à assistência médica
de um dos seus filhos»; detido em 19FEV05 e sujeito a prisão preventiva até
11MAR05, passou então a beneficiar de um regime ultra-liberal de «obrigação de
permanência (?) na habitação» (tendo «usufruído, até 13MAR06, de 17
autorizações de ausência, 8 para acompanhar o filho a consultas de
pedopsiquiatria e 9 por motivos judiciais»; porém, «desde 21MAR05 que usufrui de
ausências regulares para trabalho de 2.ª a 6.ª (8:45/19:45), período alargado em
08ABR05 para os sábados e feriados (8:30/18:30) e domingos (8:30/13:30)»;
«autorizado em 110UT05 a trabalhar por turnos para outra empresa», o que
«dificulta a gestão das confirmações e verificações da presença do arguido no
local de trabalho» – fls. 2711).
X – O arguido – embora obrigado a «permanecer na habitação» (onde vive com a
mulher e três filhos de 7, 10 e 20 anos de idade) – tem, pois, continuado a
trabalhar no seu ramo «como electricista»), durante a semana e, mesmo, aos
sábados e feriados e, até, nas manhãs de domingo. Tem aproveitado o regime
especial de que desfruta para acompanhar o filho de 7 anos – com «problemas do
foro respiratório e atraso global do desenvolvimento com perturbação emocional
grave e tendência à agressividade» – a consultas de pedopsiquiatria. XI - Estas
circunstâncias (incluindo o seu «bom comportamento anterior e posterior ao
facto» e a sua «integração na sociedade e na família») – acrescidas da de ter
«confessado, na sua essencialidade e com relevância, os factos que lhe eram
imputados» e da de se ter «mostrado [muito] arrependido» - e, especialmente, a
de «a sua conduta ter sido no essencial motivada pela difícil situação
económica e familiar vivida na altura dos factos» conduziram o tribunal de 1.ª
instância a «puni-lo com o mínimo da pena aplicável ao crime que lhe é
imputado».
XII – E isso porque, nesse sentido (o da concretização da pena abaixo do patamar
inferior da própria moldura de prevenção), não poderia nem deveria dispensar-se
a convocação da culpa algo mitigada do arguido (decorrente da «difícil situação
económica e familiar vivida na altura dos factos»), a «desempenhar o papel de
limite que lhe cabe no direito penal preventivo» (art. 40.2 CP: «Em caso algum
a pena pode ultrapassar a medida da culpa»).
XIII – Mas já não se vê que tais circunstâncias – que de algum modo «diminuem a
culpa do agente» e, mesmo. a «necessidade da pena», a ponto de terem determinado
o tribunal colectivo a fixar a pena no limite mínimo da moldura abstracta da
pena (e dois anos aquém do limite mínimo da moldura de prevenção) – pudessem
justificar, pois que não tão acentuadas assim, a «atenuação especial da pena»
consentida, para situações excepcionais, pelo art. 72.1 do CP: «A acentuada
diminuição da culpa ou das exigências de prevenção constitui o autêntico
pressuposto material da atenuação especial da pena. A diminuição da culpa ou das
exigências da prevenção só poderá, por seu lado, considerar-se acentuada quando
a imagem global do facto, resultante da actuação da(s) circunstância(s)
atenuantes(s), se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa
razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando
estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo. Por
isso tem plena razão a nossa jurisprudência – e a doutrina que a segue – quando
insiste em que a atenuação especial só em casos extraordinários ou excepcionais
pode ter lugar: para a generalidade dos casos, para os ca[s]os «normais», lá
estão as molduras penais normais. com os seus limites máximo e mínimo próprios.»
XIV – Aliás, o recorrente, para «justificar» a atenuação especial, lança mão –
deslocadamente – da argumentação que o Supremo tem usado, com base no art. 4.º
do dec. lei 401/82 (Regime Penal do Jovem Adulto), para explicar por que,
relativamente ao «jovem» («o agente que, à data do crime, tiver completado 16
anos e sem ter atingido os 21 anos»), as exigências de prevenção especial
(nomeadamente de «reintegração do agente na sociedade») prevalecem sobre as
exigências de prevenção geral (designadamente de «protecção dos bens
jurídicos»). O que não é o caso, obviamente, do ora recorrente (com 45 e 46 anos
de idade à data do crime), relativamente a quem, como é de regra, as exigências
de prevenção geral hão-de prevalecer sobre as de prevenção especial: «Os limites
de pena definida pela necessidade de protecção de bens jurídicos não podem ser
desrespeitados em nome da realização da finalidade de prevenção especial, que
só pode intervir numa posição subordinada à prevenção geral».
XV – Por outras palavras: «Até que ponto podem considerações de socialização
fazer descer a pena? Ou, mais explicitamente: a partir de que ponto devem as
exigências mínimas de prevenção geral positiva tornar inadmissível uma tal
descida? A ideia de Roxin de ver um tal limite no marco mínimo da moldura
abstractamente aplicável não deve ser aceite. Este marco constitui, sem dúvida,
o mínimo dos mínimos; mas pode acontecer que considerações retiradas do caso
concreto obriguem a fixar [o] mínimo suportável de prevenção geral positiva
acima do limite mínimo da moldura penal: esse será então o ponto abaixo do qual
não pode, em caso algum, fixar-se a medida da pena. Tudo o que o aplicador tem
de perguntar-se é qual o mínimo da pena capaz de, perante as circunstâncias
concretas do caso relevantes, se mostrar ainda comunitariamente suportável à luz
da necessidade de tutela dos bens jurídicos e da estabilização das expectativas
comunitárias na validade da norma violada.»
XVI – No caso, porque o tribunal a quo fixou a pena naquele «mínimo dos
mínimos», nada haverá – da parte do tribunal ad quem e pois que se trata de
recurso do arguido – senão confirmar a decisão recorrida (corrigindo-se, embora,
o manifesto lapso – quanto à medida exacta da pena – dela constante: art.s 425.4
e 380.1.b e 2 do CPP).
(…)”
Do aresto de que relevante parte se encontra extractada
suscitou o arguido a respectiva nulidade por falta de fundamentação, tendo, no
requerimento corporizador da suscitação, sido escrito, em dados passos: –
“(…)
«De facto, dizer-se que «a acentuada diminuição da culpa ou das exigências de
prevenção constitui o aut[ê]ntico pressuposto material da atenuação especial da
pena. A diminuição da culpa ou das exigências da prevenção só poderá, por seu
lado, considerar-se acentuada quando a imagem global do facto, resultante da(s)
circunst[â]ncias (s) atenuantes, se represente com uma gravidade tão diminuída
que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais
quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto
respectivo. Por isso tem plena razão a nossa jurisprudência – e a doutrina que a
segue - quando insiste em que a atenuação especial só em casos extraordinários
os excepcionais pode ter lugar: para a generalidade dos casos, para os casos
«normais» lá estão as molduras penais normais, com os limites máximo e mínimo
próprios».
Ora, se o recorrente invoca, exactamente, as circunstâncias’diferentes’ no caso
concreto, destacando-se na caracterização da conduta do arguido numa dupla
projecção de motivos: por ter a casa degradada e a necessitar de obras urgentes
e a precisar de pagar as despesas relativas à assistência médica de um dos seus
filhos que tem problemas de saúde com problemas do foro respiratório a atraso
global do desenvolvimento com perturbação emocional grave e tendência à
agressividade, assim sendo, se a «ilicitude não é determinada pela natureza do
fim, e se a finalidade do agente é indiferente à afectação do bem jurídico, a
posição subjectiva perante a tipicidade do fim tem [de] ser de compreendida na
avaliação da intensidade do grau de culpa.
E, nesta dimensão, a censura ética por ter agido como agiu revela-se, na
compreensão da natureza humana e das suas fragilidades e circunstâncias, de
menor grau do que em outras situações de tipicidade comportamental para a
normalidade das quais o legislador pensou o tipo e a moldura penal do artigo
21º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.» (neste sentido vide Acd.
05P1566 de 25-05-2005, Relatado pelo Exmo. Conselheiro Henriques Gaspar,
proferido em processo em tudo semelhante ao dos presentes autos)
E é por estas razões que a fundamentação se mostra, do ponto de vista do
recorrente, manifestamente insuficiente: Ao equiparar-se o presente casu a uma
situação de «normalidade», remetendo-se, por isso, para as molduras penais a
aplicar ao tipo de crime, resta a dúvida de quais poderão ser os caso
«extraordinários», mormente em situações de tráfico de estupefacientes! Só
mediante a explicitação do processo lógico ou racional que esteve subjacente à
Decisão de se entender que as condutas do arguido integram os critérios de
«normalidade» que impedem a atenuação especial da pena, aduzindo quais os
critérios que são, do ponto de vista desse Alto Tribunal Constitucional
«extraordinários», se alcançará o perfeito conhecimento dos interessados no «bom
fundamento da decisão».
(…)
As sentenças penais condenatórias são decisões judiciais que requerem maiores
exigências de fundamentação. Por força da regra constitucional do art. 205º, n.º
1 a liberdade do legislador ordinário é, a esse nível, mais estreita que noutros
tipos de decisões. A falta do processo lógico que conduziu à Decisão constitui
interpretação materialmente inconstitucional do art. 371º, n.º 2 do CPP por
infringir o art. 205.º, n.º 1 da CRP conjugado com o art. 32º. n.º 1 da
Constituição. (garantia do direito ao recurso).
Ao não mostrar-se fundamentada a Decisão, nos exactos termos sobreditos,
proferindo Acórdão esse Supremo Tribunal, S.M.O., violou o direito ao recurso
previsto no art. 32º, n.º 1, conjugado com a 2ª parte do artº 205º da C.R.P.,
relativa ao direito de fundamentação das decisões dos tribunais que não sejam de
mero expediente, o que é inconstitucional por violação das referidas normas.
(…)”
O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 14 de Julho de
2006, disse, no tocante à pretensão formulada pelo arguido: –
“(…)
I – «O tribunal atenua especialmente a pena (…) quando existirem circunstâncias
anteriores ou posteriores, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma
acentuada (…) a culpa do agente (…)», nomeadamente, «ter sido a conduta do
agente determinada por motivo honroso» ou «ter havido actos demonstrativos de
arrependimento sincero do agente» (art 72.1 e 2.b e c do CP).
II – Alega o reclamante que «não obteve qualquer vantagem patrimonial decorrente
da actividade ilícita». Porém, entre AGO04 e FEV05 (ou seja, durante 20
semanas), o arguido – uma a duas vezes por semana - comprou ao co-arguido B.
dois quilos de haxixe (em oito ‘sabonetes’ de 250 g. ao preço de € 175,00 cada
‘sabonete’, que logo revendeu, a terceiros, a € 200 por unidade. Terá pois
transaccionado cerca de 20 x 1,5 x 2 = 60 kg de haxixe (ou seja, 240
‘sabonetes’) e lucrado na sua revenda cerca de € 6.000 (240 x € 25). O seu
‘negócio’, aliás, estaria – quando da sua detenção em l5FEV05 – numa fase de
algum incremento, pois que, em vez dos habituais oito ‘sabonetes’, acabara de
comprar, ao seu habitual fornecedor, dez ‘sabonetes’ (cerca de 2,5 kg) e tinha
em casa, como fundo de maneio, nada menos que € 2.040 em dinheiro ‘ganho’ em
anteriores revendas.
III – Provou-se, é certo, que o arguido, em julgamento, se «mostrou
arrependido», mas não se provaram quaisquer «actos demonstrativos de
arrependimento sincero do agente» («nomeadamente a reparação (…) dos danos
causados»).
IV – Também se provou que o arguido «aceitou a proposta de B. [«de proceder à
venda a terceiros de produto estupefaciente por si fornecido»] por ter muitas
dificuldades económicas, nomeadamente por ter a casa degradada e a necessitar
de obras urgentes e precisar de pagar as despesas relativas à assistência médica
de um dos seus filhos». Contudo, não poderá considerar-se «honroso» o primeiro
motivo (o de ter a casa a precisar de obras) e, quanto ao segundo (a assistência
médica de um dos filhos), não se provou que o arguido lhe haja dedicado, dos
6.000 euros obtidos no tráfico, sequer um cêntimo. Aliás, o arguido – mesmo
depois de cessado o tráfico com a sua detenção e posterior obrigação de
permanência na habitação – continuou a cuidar do filho (tendo-se deslocado
entretanto «Oito vezes para acompanhar o filho a consultas de pedopsiquiatria»),
não constando que lhe tenham feito falta – para tanto - os réditos provenientes
do tráfico de droga.
V - De qualquer modo, mesmo que se admita que o arguido «tem todas as condições,
pessoais e familiares, para pautar o seu comportamento futuro de acordo com as
normas sociais e legais em vigor», a verdade é que o ora recorrente, apesar de,
à época do crime já reunir essas «condições» (sem, aliás, os constrangimentos
advindos da sua actual situação – ainda que insolitamente benigna - de
«obrigação de permanência na habitação») nem por isso logrou «pautar o seu
comportamento» em conformidade com essas «normas». Não há, assim, quaisquer
garantias de que, mesmo que essas condições se mantenham no futuro, o arguido
não venha a reincidir. Tanto mais que este, revelando afinal frouxas exigências
morais, considera não só ter sido «motivado por circunstâncias pessoais que, de
algum modo, explicam a sua conduta» como, «por ter agido como agiu». merecer
uma «censura ética de menor grau do que nas situações para a normalidade das
quais o legislador pensou o tipo e a moldura penal».
VI – Aliás, o arguido/recorrente pretendeu fundar a invocada «atenuação
especial» em «razões de prevenção especial, isto é, de reintegração do agente na
sociedade», tendo, despropositadamente, ensaiado a aplicação genérica a
«delinquentes primários» de certa jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça
– alicerçada em norma específica (a do art. 4.º do DL 401/82) – relativa a
«jovens delinquentes», única situação em que «as exigências de prevenção
especial (nomeadamente de «reintegração do agente na sociedade») prevalecerão
sobre as exigências de prevenção geral (designadamente de «protecção dos bens
jurídicos»). O que, porém, não é o caso do ora recorrente (com 45 e 46 anos de
idade à data do crime), relativamente a quem, como é de regra, as exigências de
prevenção geral hão-de prevalecer sobre as de prevenção especial. «Os limites de
pena definida pela necessidade de protecção de bens jurídicos não podem ser
desrespeitados em nome da realização da finalidade de prevenção especial, que só
pode intervir numa posição subordinada à prevenção geral».
VII – Não tem, pois, o mínimo cabimento sustentar-se, como sustentou o arguido,
que, «quanto aos delinquentes primários, a finalidade da pena deve [por um lado]
sobrepor-se à protecção dos bens jurídicos e de defesa social e deverá [por
outro] impor, independentemente da culpa, o recurso à atenuação especial da
pena desde que dessa atenuação resultem vantagens para a reinserção social do
condenado».
VIII - Foi isso o que, no acórdão reclamado, se realçou ao recordar a lição de
FIGUEIREDO DIAS a respeito da questão de saber «até que ponto podem
considerações de socialização fazer descer a pena»: «A partir de que ponto devem
as exigências mínimas de prevenção geral positiva tornar inadmissível uma tal
descida? A ideia de Roxin de ver um tal limite no marco mínimo da moldura
abstractamente aplicável não deve ser aceite. Este marco constitui, sem dúvida,
o mínimo dos mínimos; mas pode acontecer que considerações retiradas do caso
concreto obriguem a fixar o mínimo suportável de prevenção geral positiva acima
do limite mínimo da moldura penal: esse será então o ponto abaixo do qual não
pode, em caso algum, fixar-se a medida da pena. Tudo o que o aplicador tem de
perguntar-se é qual o mínimo da pena capaz de, perante as circunstâncias
concretas do caso relevantes, se mostrar ainda comunitariamente suportável à luz
da necessidade de tutela dos bens jurídicos e da estabilização das expectativas
comunitárias na validade da norma violada.»
IX – O acórdão reclamado teve, de resto, o cuidado de salientar que, o «invulgar
grau de ilícito demandaria no caso (…), como ponto óptimo de realização das
necessidades preventivas da comunidade (…) uma pena não inferior a 7 anos de
prisão, se bem que, «abaixo dessa medida (óptima) da pena de prevenção, outras
houvesse [até, pelo menos, 6 anos de prisão) que a comunidade ainda entenderia
suficientes para proteger as suas expectativas na validade da norma». X – E,
apesar destas altas exigências de prevenção geral, o tribunal de 1.ª instância
acabou por «puni-lo com o mínimo [4 anos] da pena aplicável ao crime que lhe é
imputado», na consideração – deduz-se agora – de o arguido, I) «apesar dos seus
quase 46 anos de idade, não ter antecedentes criminais», II) ter sido
«aliciado», III) ter «aceite a proposta [do co-arguido B.] por ter muitas
dificuldades económicas, nomeadamente por ter a casa degradada e a necessitar de
obras urgentes e precisar de pagar as despesas relativas à assistência médica de
um dos seus filhos», IV) ter continuado, embora obrigado a «permanecer na
habitação», a «trabalhar no seu ramo («como electricista»), durante a semana e,
mesmo, aos sábados e feriados e, até, nas manhãs de domingo»; V) «ter
aproveitado o regime especial de que desfruta para acompanhar o filho de 7 anos
a consultas de pedopsiquiatria»; VI) ter «bom comportamento anterior e posterior
ao facto»; VII) estar «integrado na sociedade e na família»; VIII) ter
«confessado, na sua essencialidade e com relevância, os factos que lhe eram
imputados», e IX) ter-se «mostrado arrependido».
XI – É certo que, nesse sentido (o da concretização da pena abaixo do patamar
inferior da própria moldura de prevenção) não poderia nem deveria dispensar-se a
convocação da culpa algo mitigada do arguido (decorrente da «difícil situação
económica e familiar vivida na altura dos factos») a «desempenhar o papel de
limite que lhe cabe no direito penal preventivo» (art. 40.2 CP: «Em caso algum
a pena pode ultrapassar a medida da culpa»). Todavia, tais circunstâncias (que
«diminuindo de algum modo a culpa do agente» e, mesmo, a «necessidade da pena, a
ponto de terem determinado o tribunal colectivo a fixar a pena no limite mínimo
da moldura abstracta da pena – e dois anos aquém do limite mínimo da moldura de
prevenção), jamais justificariam – pelas razões já acima aduzidas – a «atenuação
especial da pena», apenas consentida, pelo art. 72.1 do CP, em situações
excepcionais. Mas, no caso, «a imagem global do facto, resultante da actuação
da(s) circunstância(s) atenuantes(s), não se apresenta» – longe disso! – «com
uma gravidade tão diminuída que, razoavelmente, seja de supor que o legislador
não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura
cabida ao tipo de facto respectivo» (FIGUEIREDO DIAS, As Consequências Jurídicas
do Crime. Editorial Noticias, 1993 §§ 453 e 454, onde se aplaudem a «nossa
jurisprudência e a doutrina que a segue quando insistem em que «a atenuação
especial só em casos extraordinários ou excepcionais pode ter lugar»). E isso
porque, «para a generalidade dos casos, para os casos «normais» [como o dos
autos], lá estão as molduras penais normais, com os seus limites máximo e mínimo
próprios».
XII – Daí que a decisão do tribunal de recurso – na ausência de circunstâncias
anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuíssem por
forma acentuada a ilicitude o facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena
– não pudesse ser outra, tanto mais que o tribunal a quo fixara a pena no
«mínimo dos mínimos», que a confirmação da decisão recorrida.
XIII – Fica assim, finalmente, «explicitado» (se, porventura o não estava antes)
o «processo racional que esteve subjacente à decisão de se entender que a
conduta do arguido integra critérios de normalidade que impedem a atenuação
especial da pena».
XIV – Aliás, um acórdão proferido em recurso (art. 425.4 do CPP) só poderia
considerar-se nulo, por razões de falta ou insuficiência de fundamentação, se
«não contivesse as menções referidas no art. 374.2» (art. 379.1.a). E o acórdão
reclamado não poderá ser acusado de não conter «uma exposição tanto quanto
possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que
fundamentam a decisão». Mas, se porventura a não contivesse, a correspondente
«nulidade» obterá, com este, o adequado suprimento (art. 379.2).
(…)”
Deste último aresto intentou o arguido recorrer para o
Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro, fazendo-o por intermédio de requerimento em que,
substancialmente, repetiu o que já dissera no requerimento consubstanciador da
arguição de nulidade dirigida ao acórdão de 8 de Junho de 2006, vindo, a final a
consignar que, “Em conclusão, e nesta interpretação, que conduziu à não
explicitação do processo lógico que conduziu à Decisão, por entender não ser
necessário responder à questão devidamente levantada[ ] em sede de recurso e
reclamação, bastando-se pela forma tabelar da norma, o art.º 374º do CPP é
materialmente inconstitucional, por violação do artigo 32º n.º 1 artigo 205º
n.º 1, ambos da Constituição da República Portuguesa”.
O Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça, por
despacho de 28 de Agosto de 2006, não admitiu o recurso.
Para tanto, após efectuar um «historial» completo da
situação, escreveu no mencionado despacho: –
“(…)
5.1. Inconformado, o arguido recorreu em 3IJUL06 – para o Tribunal
Constitucional – do «acórdão proferido em sede de reclamação», invocando, como
norma alegadamente inconstitucional, a do art. 374.2 do CPP, enquanto
interpretada/aplicada como o terá feito o tribunal reclamado – como não fazendo
sentido que o tribunal, ao negar a atenuação especial da pena com fundamento na
não verificação dos respectivos pressupostos (art. 72.1 e 2 do CP), houvesse de
«aduzir quais os critérios que, do seu ponto de vista, seriam extraordinários»:
5.2. No fundo, o recorrente pretenderia que o tribunal – uma vez que não
concedera especial valor atenuativo, no caso, à circunstância (entre outras
oportunamente negadas) – de ter «aceite a proposta de B. [«de proceder à venda a
terceiros de produto estupefaciente por si fornecido»] por ter muitas
dificuldades económicas, nomeadamente por ter a casa degradada e a necessitar
de obras urgentes e precisar de pagar as despesas relativas à assistência médica
de um dos seus filhos», indicasse quais as circunstâncias que deveriam ter
ocorrido para que a atenuação especial da pena pudesse ter lugar. 5.3. Ora, «não
faria sentido que o tribunal – tendo em conta não «o que aconteceu» mas o que
«poderia ter acontecido» – «aduzisse quais ‘os critérios’ que, do ponto de vista
do tribuna], seriam extraordinários».
5.4. Por um lado, esses critérios – para além dos «casos expressamente previstos
na lei» – constam, genericamente, do próprio art. 72.1 do CP («O tribunal atenua
especialmente a pena quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores
ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude
do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena»).
5.5. Por outro lado, o art. 72.2 do CP enumera as circunstâncias que – «entre
outras» – «são consideradas para efeito do disposto no número anterior».
5.6. E, quanto às «outras», só a casuística os poderá determinar: (art. 72.2 do
CP), no quadro do «critério matriz» – a que se referiram, expressamente, o
acórdão reclamado e o acórdão ora recorrido – de que «a diminuição da culpa ou
das exigências da prevenção só poderá considerar-se acentuada quando a imagem
global do facto, resultante da actuação da(s) circunstância(s) atenuantes(s), se
apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o
legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da
moldura cabida ao tipo de facto respectivo».
5.7. Já não poderia o recorrente, porém, exigir que o tribunal – depois de
fundamentadamente negar especial valor atenuativo a cada uma das circunstâncias
invocadas e a todas elas no seu conjunto – concretizasse quais as circunstâncias
virtuais que, a ocorrerem, seriam «extraordinárias de molde a permitir a
atenuação especial da pena». 5
.8. Aliás, o ora recorrente, ao invocar a «atenuação especial» no seu recurso
para o STJ, fê-lo com base em «razões de prevenção especial. isto é, de
reintegração do agente na sociedade», ensaiando, despropositadamente, a
aplicação genérica a «delinquentes primários» de certa jurisprudência do
Supremo Tribunal de Justiça – alicerçada em norma específica (a do art. 4.º do
DL 401/82) – relativa a «jovens delinquentes», única situação em que «as
exigências de prevenção especial (nomeadamente de «reintegração do agente na
sociedade») prevalecerão sobre as exigências de prevenção geral (designadamente
de «protecção dos bens jurídicos»). O que, porém, não era o caso do ora
recorrente (com 45 e 46 anos de idade à data do crime), relativamente a quem,
como de regra, as exigências de prevenção geral haveriam de prevalecer sobre as
de prevenção especial: «Os limites de pena definida pela necessidade de
protecção de bens jurídicos não podem ser desrespeitados em nome da realização
da finalidade de prevenção especial, Que só pode intervir numa posição
subordinada à prevenção geral».
5.9. Não tinha, pois, o mínimo cabimento sustentar-se, como sustentou o arguido,
que, «Quanto aos delinquentes primários. a finalidade da pena deve [por um lado]
sobrepor-se à protecção dos bens jurídicos e de defesa social e deverá [por
outro] impor, independentemente da culpa, o recurso à atenuação especial da
pena desde que dessa atenuação resultem vantagens para a reinserção social do
condenado».
5.10. Falhada esta argumentação, é que o ora recorrente (no aparente intento de
retardar a execução da pena, pois que beneficia de um liberalíssimo regime de
obrigação de permanência na habitação) resolveu, já na reclamação, questionar o
tribunal – a coberto de uma fundamentação pretensamente insuficiente – a
respeito de «quais os critérios que o egrégio tribunal entendia serem
extraordinários de molde a permitir a atenuação especial da pena».
5.11. Enfim, o STJ – considerando embora que o acórdão reclamado já «continha»,
«quanto possível completas», as menções referidas no art. 374.2 [do CPP]» –
acedeu explicitar os motivos de facto e de direito que o haviam conduzido – ao
longo de 5 páginas, 21 parágrafos, 2385 palavras e 14504 caracteres – à
confirmação da decisão do tribunal colectivo que negara ao ora recorrente a
atenuação especial da pena.
6. DECISÃO
Assim sendo, e uma vez que «o requerimento ele interposição de recurso para o
Tribunal Constitucional deve ser indeferido quando for manifestamente
infundado» (art. 76.2 da L TC), indefiro o requerimento, de 31JUL06, do
condenado A..”
É deste despacho que, pelo arguido, vem deduzida reclamação
para o Tribunal Constitucional, dizendo-se nela que “De facto, se se argui a
inconstitucionalidade de uma norma aplicada segundo o entendimento perfilhado
pelo Douto Acórdão em crise, aduzindo-se para sustentar esta convicção do
reclamante os argumentos que constam do recurso para o TC, não parece ser
possível concluir que a norma foi interpretada sem violação da Constituição da
República Portuguesa pelo próprio Tribunal que proferiu a Decisão”, pelo que, no
entender do reclamante, “a questão de inconstitucionalidade arguida terá de ser
apreciada pelo próprio Tribunal Constitucional, em sede de recurso”.
Ouvido sobre a reclamação, o Ex.mo Representante do
Ministério Público junto deste órgão de administração de justiça pronunciou-se
no sentido de a mesma ser manifestamente infundada, já que “o reclamante não
definiu, como objecto do recurso de constitucionalidade que interpôs, qualquer
critério normativo atinente ao nível de exigência na fundamentação da decisão
judicial condenatória – limitando-se a dissentir da concreta, específica e
peculiar valoração que o STJ terá feito das circunstâncias, de modo a excluir a
pretendida atenuação especial da pena, sendo manifesto que tal matéria não
constitui objecto idóneo de fiscalização da constitucionalidade cometida ao
Tribunal Constitucional”.
Cumpre decidir.
2. É por demais óbvio que a reclamação em apreço não tem a
mínima razão de ser.
Deve, desde logo, anotar-se que aquilo que foi aduzido no
requerimento consubstanciador da arguição de nulidade referente ao acórdão
lavrado em 8 de Junho de 2006, em boa verdade, corresponde ao apontar de uma
divergência relativamente ao decidido no particular de tal aresto não ter levado
a efeito a atenuação especial da pena aplicada ao arguido.
Efectivamente, como deflui do relato supra efectuado, o que o
arguido intentou com tal requerimento foi a modificação do decidido, esgrimindo
com argumentos segundo os quais, no seu ponto de vista, as circunstâncias do
caso deveriam conduzir à aplicação de uma pena especialmente atenuada, sendo
que, ainda na sua perspectiva, o mais elevado Tribunal da ordem dos tribunais
judiciais não teria indicado quais seriam as circunstâncias «excepcionais» que
eram permissoras de tal atenuação, o que, em seu entender, implicaria uma
indevida explicitação do processo lógico que levou ao decidido.
Mas, sendo assim, verdadeiramente, o que o arguido colocou em
causa foi a forma de subsunção operada pelo acórdão então reclamado
relativamente ao que se contém no artº 374º do diploma adjectivo criminal, e não
a forma interpretativa (implícita) que teria sido utilizada pelo acórdão de 8 de
Junho de 2006.
Ora, como se sabe, escapa aos poderes cognitivos deste órgão
de fiscalização concentrada da constitucionalidade normativa a questão da
subsunção fáctica às normas ordinárias efectuada pelos tribunais ou o modo como,
sem recurso a um critério interpretativo próprio, tal subsunção é levada a
efeito. E daí que, no caso sub specie, nunca pudesse o recurso de
constitucionalidade servir para censurar o raciocínio lógico concreto que foi
utilizado pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Seja como for, a existir uma questão de inconstitucionalidade
em situações com contornos semelhantes à presente que permitisse a intervenção
deste Tribunal, haveria ela de ser perspectivada e equacionada caso a decisão
desejada recorrer tivesse interpretado o mencionado normativo adjectivo em
termos de não exigir o mesmo a qualquer explicitação de um raciocínio lógico
conducente à decisão.
Só que, em primeiro lugar, não é isso o que resulta do
acórdão de 8 de Junho de 2006.
E, de todo o modo, o mais relevante é que, incidindo o
recurso sobre o posterior aresto de 14 de Julho seguinte, é a todos os títulos
evidente que, nessa peça processual, ao aludido artº 374º não foi conferida a
dimensão interpretativa de harmonia com a qual tal preceito não demanda a
explicitação de um raciocínio lógico no qual é ancorado o decidido (in casu, o
raciocínio que conduziu a que não deveria a pena a aplicar ser objecto de
atenuação extraordinária).
Como sabido é – e tem sido defendido pela jurisprudência
deste Tribunal – nas reclamações a que alude o artº 77º da Lei nº 28/82, tendo
em conta que a decisão nelas a proferir faz caso julgado quanto à admissão do
recurso, incumbe a este órgão apreciar se porventura se congrega a totalidade
dos requisitos do recurso desejado interpor e que não foi admitido, e isso
independentemente do fundamento que levou à não admissão.
Como resulta do que acima se disse, não tendo o acórdão
querido impugnar perante este Tribunal interpretado e aplicado o preceito
adjectivo criminal pela forma que, ainda que de modo inidóneo (como deflui do
que acima se disse), foi indicada no requerimento de arguição de nulidade,
torna-se claro que a norma questionada não foi objecto de aplicação na decisão
desejada recorrer, o que, consequentemente, conduz a que se não assista à
congregação, no caso, desse específico requisito do recurso a que alude a alínea
b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82.
Neste contexto, indefere-se a reclamação, condenando-se o
recorrente nas custas processuais, fixando-se em vinte unidades de conta a taxa
de justiça, sem prejuízo de, não havendo pagamento voluntário, se atentar no
benefício de apoio judiciário de que o mesmo desfruta.
Lisboa, 16 de Outubro de 2006
Bravo Serra
Gil Galvão
Artur Maurício