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Processo n.º 568/06
3ª Secção
Relatora: Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, em conferência, na 3ª Secção
do Tribunal Constitucional:
1. A fls. 350 foi proferida a seguinte decisão sumária:
«1. A. foi condenado por acórdão do 1.º Juízo do Tribunal
Judicial da Figueira da Foz de 18 de Maio de 2005, de fls. 195, como autor de um
crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pelo
artigo 25.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na
pena de um ano e seis meses de prisão, suspensa na sua execução pelo prazo de
três anos.
Inconformado, o arguido interpôs recurso para o Tribunal da
Relação de Coimbra que, por acórdão de 25 de Janeiro de 2006, de fls. 295,
rejeitou o recurso por 'manifesta inviabilidade/ improcedência'.
Ainda inconformado, A. arguiu a nulidade do acórdão da Relação
de Coimbra de 25 de Janeiro de 2005, o que foi indeferido por acórdão do mesmo
tribunal de 10 de Maio de 2006, de fls. 337.
2. A. veio então interpor recurso para o Tribunal
Constitucional, “ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da
Lei 28/82, de 15 de Novembro”.
Invoca no seu requerimento o seguinte:
“As normas constitucionais que foram violadas foram as dos
artigos 26.º, n.º 1, 32.º, n.º 4 e n.º 8, e 34.º, n.º 1, todas da Constituição
da República Portuguesa.
Na verdade, nos termos do disposto no artigo 32.º, n.º 2 e n.º
5 da Constituição da República Portuguesa, estatui-se, respectivamente, o
princípio in dubio pro reo e o princípio do acusatório no nosso processo penal.
A interpretação feita no Acórdão do princípio da livre
apreciação da prova, do artigo 127.º do Cód. Proc. Penal, violou o princípio do
in dubio pro reo, artigos 32.º, n.º 2 e 5, da Constituição da República
Portuguesa.
A interpretação feita no Acórdão do artigo 2.º, n.º 2, da Lei
n.º 30/2000, de 29 de Novembro que equipara o tráfico à posse de determinadas
quantidades de droga para consumo e é determinante para equiparar a situação de
detenção de droga para consumo e aplicação do artigo 25.º da lei da droga, em
vez de qualificar o arguido como consumidor viola o princípio da legalidade
penal, artigo 29.º, n.º 1 e 3, da CRP.
Estas inconstitucionalidades foram arguidas em sede de recurso
para o Tribunal da Relação de Coimbra, que não se pronunciou sobre elas.
A interpretação da norma que consagra o dever de fundamentação
da prova produzida em audiência.
A interpretação feita da norma do artigo 375.º, n.º 1 e 4, e
379.º, n.º 1 f) aplicável em sede de recurso por força do disposto no artigo
425.º, n.º 4, todos do Código de Processo Penal, de que o tribunal não tem de
pronunciar-se sobre todas as questões submetidas a juízo e o fornecimento dos
critérios de resolução desses problemas, onde se inclui a não pronúncia sobre
inconstitucionalidades arguidas viola o disposto nos artigos 32.º, n.º 5, e
205.º, n.º 1, ambos da CRP.
Estas inconstitucionalidades foram suscitadas em sede de
arguição da nulidade do Acórdão proferido pelo tribunal da Relação de Coimbra.”
O recurso foi admitido, por decisão que não vincula este Tribunal (nº 3 do
artigo 76º da Lei nº 28/82).
3. O recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade de
normas interposto ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da
Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, como é o caso, destina-se a que este Tribunal
aprecie a conformidade constitucional de normas, ou de interpretações
normativas, que foram efectivamente aplicadas na decisão recorrida, não obstante
ter sido suscitada a sua inconstitucionalidade “durante o processo” (al. b)
citada), e não das próprias decisões que as apliquem. Assim resulta da
Constituição e da lei, e assim tem sido repetidamente afirmado pelo Tribunal
(cfr. a título de exemplo, os acórdãos nºs 612/94, 634/94 e 20/96, publicados no
Diário da República, II Série, respectivamente, de 11 de Janeiro de 1995, 31 de
Janeiro de 1995 e 16 de Maio de 1996).
É, ainda, necessário e que tal norma tenha sido aplicada com o sentido acusado
de ser inconstitucional, como ratio decidendi (cfr., nomeadamente, os acórdãos
nºs 313/94, 187/95 e 366/96, publicados no Diário da República, II Série,
respectivamente, de 1 de Agosto de 1994, 22 de Junho de 1995 e de 10 de Maio de
1996); e que a inconstitucionalidade haja sido “suscitada durante o processo”
(citada al. b) do nº 1 do artigo 70º), como se disse, o que significa que há-de
ter sido colocada “de modo processualmente adequado perante o tribunal que
proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer”
(nº 2 do artigo 72º da Lei nº 28/82).
Conforme o Tribunal Constitucional tem repetidamente afirmado, o recorrente só
pode ser dispensado do ónus de invocar a inconstitucionalidade ”durante o
processo” nos casos excepcionais e anómalos em que não tenha disposto
processualmente dessa possibilidade, sendo então admissível a arguição em
momento subsequente (cfr., a título de exemplo, os acórdãos deste Tribunal com
os nºs 62/85, 90/85 e 160/94, publicados, respectivamente, nos Acórdãos do
Tribunal Constitucional, 5º vol., págs. 497 e 663 e no Diário da República, II,
de 28 de Maio de 1994).
4. Posto isto, verifica-se que são três as questões de constitucionalidade que o
recorrente pretende submeter à apreciação deste Tribunal.
Em primeiro lugar, coloca a questão da violação do princípio in dubio pro reo
pela 'interpretação feita no Acórdão' do artigo 127.º do Código de Processo
Penal.
Sucede, todavia, que, quanto a este ponto, resulta claramente, quer do
requerimento de interposição de recurso para este Tribunal, quer da motivação do
recurso que interpôs para o Tribunal da Relação de Coimbra, que o recorrente não
esboça qualquer norma contida no artigo 127º do Código de Processo Penal que
seja inconstitucional. O arguido considera que foi condenado 'sem prova', e que
ocorreu uma errada apreciação da prova produzida.
Por esta via, o ora recorrente está a manifestar a sua discordância quanto à
matéria de facto dada como provada; mas está igualmente a pretender que o
Tribunal Constitucional aprecie uma questão que não cabe no âmbito do recurso
que interpôs.
Note-se, aliás, que resulta do acórdão recorrido que não houve sequer recurso ao
princípio in dubio pro reo, pois que afirma expressamente ser manifesto que tal
princípio 'não foi violado, pois que tanto do elenco dos factos provados como da
motivação da convicção onde eles se apoiam resulta que nenhuma dúvida existiu no
espírito do julgador acerca do modo como os factos ocorreram, pois só se
resultasse da motivação que o tribunal teve dúvidas é que se podia dizer que o
referido princípio tinha sido violado'
O Tribunal Constitucional não pode, pois, conhecer do recurso quanto a este
ponto.
5. Em segundo lugar, o recorrente sustenta que o artigo 2.º, n.º 2, da Lei n.º
30/2000, de 29 de Novembro, interpretado no sentido de equiparar “o tráfico à
posse de determinadas quantidades de droga para consumo”, sendo “determinante
para equiparar a situação de detenção de droga para consumo e aplicação do
artigo 25.º da lei da droga, em vez de qualificar o arguido como consumidor
viola o princípio da legalidade penal”, viola o artigo 29.º, n.º 1 e 3, da
Constituição.
Ora o acórdão recorrido não aplicou o artigo 2º, n.º 2, da Lei n.º 30/2000. Nem
directamente, nem indirectamente, na medida em que não alterou a decisão de
direito proferida em 1ª instância.
Ora o acórdão proferido em primeira instância não fez qualquer equiparação, nos
termos pretendidos pelo recorrente. Diferentemente, deu como provado que a
substância encontrada na posse do arguido se destinava a venda, concluindo
portanto pela verificação do crime de tráfico de droga, tráfico que veio a
enquadrar no artigo 25º , n.º 1, al. a) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de
Janeiro (e não no n.º 1 do artigo 21º do mesmo diploma, como constava da
acusação) pelas razões que apontou.. Decisão que o Tribunal da Relação de
Coimbra confirmou.
Assim sendo, também se não pode conhecer desta questão.
6. Por último, o recorrente sustenta que a “interpretação feita da norma do
artigo 375.º, n.º 1 e 4, e 379.º, n.º 1 f) aplicável em sede de recurso por
força do disposto no artigo 425.º, n.º 4, todos do Código de Processo Penal, de
que o tribunal não tem de pronunciar-se sobre todas as questões submetidas a
juízo e o fornecimento dos critérios de resolução desses problemas, onde se
inclui a não pronúncia sobre inconstitucionalidades arguidas viola o disposto
nos artigos 32.º, n.º 5, e 205.º, n.º 1, ambos da CRP”.
Admite-se que esta afirmação signifique que o presente recurso seja também
interposto do acórdão de fls.337, uma vez que afirma que invocou a
inconstitucionalidade quando arguiu a nulidade do anterior acórdão do Tribunal
da Relação de Coimbra.
A verdade, todavia, é que, nem o acórdão de fls. 337 fez esta interpretação dos
preceitos referidos pelo recorrente, nem o recorrente suscitou qualquer questão
de inconstitucionalidade dos mesmos.
Com efeito, no requerimento de arguição de nulidade, de fls.312, o recorrente
acusa o acórdão de fls. 295 de ter violado o 'artigo 205º n.º 1 da CRP,
inconstitucionalidade essa que se arguiu pelo presente meio, e os artigos 375º
n.º 1 e 4, constituindo nulidade do Acórdão, por força do disposto no artigo
379º n.º 1 c) do Cód. Proc. Penal, aplicáveis por força do disposto no artigo
425º n.º 4 daquele diploma legal'.
Ora a apreciação da questão colocada pelo recorrente implicaria que o Tribunal
Constitucional fosse apreciar o acórdão de fls. 295 e verificar se, tal como
sustenta, deixou ou não de conhecer de questões sobre as quais tinha o dever de
se pronunciar, o que está mais uma vez fora do âmbito possível do recurso de
constitucionalidade, tal como a Constituição e a lei o prevêem.
7. Estão, pois, reunidas as condições para que se proceda à emissão da decisão
sumária prevista no nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82.
Nestes termos, decide-se não conhecer do objecto do recurso. 1
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 8 ucs. »
2. Veio então o recorrente apresentar o requerimento de fls. 359, cujo conteúdo
é o seguinte:
«A., arguido, recorrente e já melhor identificado nos presentes autos, em face
da decisão sumária proferida, vem requerer a sua aclaração, o que faz nos termos
e com os seguintes fundamentos:
a) Segundo a melhor e a que temos por boa teoria do Tribunal Constitucional, é a
este Tribunal que cumpre dizer qual a norma que foi concretamente aplicada,
independentemente da proclamação feita pelo tribunal recorrido. E é importante
saber se a aplicação da norma foi feita em conformidade com o disposto na norma
normarum.
b) Ora tanto faz constar expressamente do Acórdão que foi ou não aplicada a
norma x ou y. Dizendo-se ou não a verdade é que o Tribunal Constitucional tem o
dever de identificar se e qual a norma que foi aplicada. E isso o recorrente
fez: disse quais as normas aplicadas.
c) Ora para decidir como decidiu os Tribunais recorridos obviamente que tiveram
que aplicar o disposto no artigo 2.° n.° 2 da Lei n.° 30/2000 de 29 de Novembro.
d) Esta norma do artigo 2.° n.° 2 da dita Lei encerra em si mesmo uma presunção
de tráfico, isto é, se detiver uma quantidade que exceda o consumo médio
individual diário por 10 dias, presume-se o tráfico.
e) Admitindo-se que é possível a presunção existir, atento que se trata de um
crime abstracto e se encontra conforme com o disposto na constituição, então,
nesse caso, tem de se admitir à defesa a possibilidade de defender que a droga
não se destina a tráfico.
f) Interpretar e aplicar uma norma que estabelece uma presunção de tráfico como
uma norma que não admite contraprova, implicaria uma violação do princípio da
culpa, artigo 2.° da Constituição da República Portuguesa e do princípio da
necessidade da pena, artigo 18.° n.° 2 da CRP.
g) Tem de se admitir a contra-prova. Ademais, segundo jurisprudência do Tribunal
Constitucional a fixação do nível médio do consumo vale como prova pericial que
pode ser posta em causa pelo Tribunal, nos termos estabelecidos no Cód. Proc.
Penal para o efeito, nomeadamente no Ac. n.° 534/98.
h) No caso o Tribunal tomou a norma do artigo 2.° n.° 2 como um critério legal
inderrogável o que viola o artigo 29.° e 165.° 1c) da CRP.
i) Em tudo estão em causa interpretações normativas em desconformidade com a
Constituição da República Portuguesa.
Atento todo o exposto, o arguido, recorrente, vem pedir que sejam esclarecidos
os seguintes pontos e aclarado o Acórdão:
1.º - O facto de não constar do texto recorrido que a norma é ou não aplicada ou
que o princípio é ou não aplicado, o facto é que essa é uma das atribuições em
última instância, do Tribunal Constitucional. Ora quer no caso de faltar a
indicação concreta da norma aplicável, o que não pode ser imputado ao
recorrente, quer de ser indicada uma que não seja a concretamente aplicada, cabe
ao Tribunal Constitucional decidir se a norma foi ou não aplicada?
2.° - Se para que se possa apreciar da inconstitucionalidade do princípio in
dubio pro reo é necessário o Tribunal dizer expressamente na decisão recorrida
que apesar das dúvidas e na dúvida condene-se o arguido?
3.º - Se a questão posta pelo arguido em sede de recurso para o Tribunal
Constitucional da interpretação do princípio da livre apreciação da prova,
artigo 127.° do Cód. Proc. Penal, violou o princípio do in dubio pro reo foi
suscitada neste processo em sede de recurso para o Tribunal da Relação de
Coimbra nas conclusões 6.ª, 7.ª, 8.ª, 12.ª, 13.ª e 14.º e cabe ou não no âmbito
das questões do recurso interposto?
4.º - O facto de fazer ou não a equiparação dita na Lei, a verdade é que para se
chegar ao conceito de tráfico tem que se analisar o disposto no artigo 2.° n.° 1
e 2 da dita Lei. Só depois é que se poderá partir para a qualificação como
tráfico ou não?
5.º - O recorrente não pede que seja o Tribunal Constitucional a decidir as
questões colocadas nos outros Tribunais e que ficaram sem resposta. O que o
recorrente pede é que se declare o vício suscitado e que o Tribunal recorrido se
pronuncie sobre as questões colocadas por ele. Por isso, o arguido vem dizer que
foi violado o princípio do acusatório, o que arguiu em tempo. Cabe aos tribunais
aplicarem o direito ao caso, mas os sujeitos processuais têm a possibilidade de
intervir na definição do direito, fornecendo os critérios de resolução legal. E
de acordo com o princípio do acusatório cabe ao Tribunal dar resposta a estas
questões e não pura e simplesmente ignorá-las.
Está de fora dos poderes do Tribunal Constitucional e dos recursos a violação do
princípio do acusatório, no processo penal?
6.° - Se em todas as questões colocadas, estão em causa interpretações
normativas em desconformidade com a Constituição da República Portuguesa?»
Notificado para o efeito, o Ministério Público pronunciou-se no sentido de que
«1 – O pedido de “aclaração” – deduzido sob a forma de enunciação de múltiplas
questões a que cumpriria ao Tribunal responder – é obviamente inadmissível: na
verdade, o acórdão reclamado é perfeitamente claro e insusceptível de dúvida
sobre o que nele se decidiu, quanto à inverificação dos pressupostos do recurso,
não consentindo a lei de processo que as partes possam endereçar aos tribunais
uma espécie de “questionário” complementar, visando o aprofundamento dogmático
da matéria dos pressupostos do recurso.
2 – Traduzindo tal actuação processual desvio manifesto da funcionalidade típica
do incidente pós-decisório invocado pelo reclamante.
3 – E sendo certo que a maneira, idónea e adequada, de este controverter o
sentido da decisão sumária questionada seria o da reclamação para a
conferência.»
3. O requerimento não aponta nenhum problema de interpretação da decisão
sumária, antes revelando discordância quanto às razões apresentadas para o não
conhecimento do recurso e fazendo, seguidamente, uma série de perguntas que se
não podem reconduzir a pedidos de esclarecimento da própria decisão sumária.
Ora a via prevista pela lei aplicável, a Lei nº 28/82, para reagir contra uma
decisão sumária é a da reclamação para a conferência (n.º 3 do artigo 78º-A
respectivo).
Considera-se, assim, o requerimento de fls. 359 como uma reclamação para a
conferência, na parte em que manifesta discordância das razões apontadas para a
decisão de não conhecimento do recurso.
Quanto ao mais, nada há a dizer, não cabendo de forma alguma ao Tribunal
Constitucional esclarecer quaisquer dúvidas que o reclamante possa ter quanto ao
acórdão recorrido (cfr. pontos 1º e segs. do requerimento).
4. O ora reclamante sustenta que é ao Tribunal Constitucional que incumbe 'dizer
qual a norma, que foi concretamente aplicada, independentemente da proclamação
feita pelo tribunal recorrido'.
Quanto a isto, e para além do que já se observou na decisão reclamada, apenas
cabe reafirmar que o sistema português de fiscalização concreta da
constitucionalidade é um sistema de fiscalização da constitucionalidade de
normas e não de decisões, administrativas ou judiciais.
Justamente por isso, a Lei nº 28/82, depois de listar as espécies de recurso de
constitucionalidade admissíveis, no artigo 70º, determina, no artigo 79º-C, que
'O Tribunal só pode julgar inconstitucional ou ilegal a norma que a decisão
recorrida, conforme os casos, tenha aplicado ou a que haja recusado aplicação
(…)'.
É manifesto que o Tribunal Constitucional tanto pode apreciar normas que a
decisão recorrida afirma expressamente ter aplicado, como normas que apenas
implicitamente foram nela aplicadas. O que não pode é julgar normas que os
recorrentes entendem que foram ou deveriam ter sido aplicadas, com um ou outro
sentido, a cuja aplicação a decisão recorrida, interpretada segundo os cânones
habituais, realmente não recorreu.
Caso contrário, o Tribunal Constitucional estaria a exorbitar da sua
competência, passando a censurar a decisão recorrida por ter ou não escolhido
determinadas normas, o que não é possível no direito português.
Senão, vejamos.
O reclamante sustenta que 'para decidir como decidiu os Tribunais recorridos
obviamente tiveram que aplicar o disposto no artigo 2º da Lei n.º 30/2000 (…)',
norma que, em seu entender, 'encerra em si (…) uma presunção de tráfico (…)'.
Ora, como se disse na decisão reclamada, o acórdão recorrido confirmou a decisão
da 1ª instância de considerar provado o tráfico. Não pode, naturalmente, o
Tribunal Constitucional ignorar essa decisão e passar à análise de um preceito
legal que o reclamante pretende ter sido aplicado, e que não foi.
O reclamante afirma ainda que suscitou uma questão normativa relacionada com o
artigo 127º do Código de Processo Penal e com o princípio in dubio pro reo.
Como, todavia, se disse na decisão reclamada, o acórdão recorrido considerou não
haver qualquer dúvida quanto à matéria de facto que implicasse recorrer a tal
princípio.
5. Nestes termos, indefere-se que reclamação, confirmando-se a
decisão de não conhecimento do recurso.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 ucs.
Lisboa, 22 de Setembro de 2006
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Vítor Gomes
Artur Maurício