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Processo nº 708/06
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
A – Relatório
1 – A. reclama para a conferência, ao abrigo do n.º 3 do art. 78.º-A da Lei
n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), da decisão sumária
proferida pelo relator que decidiu não conhecer do recurso de
constitucionalidade interposto dos acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação
de Évora, de 28/03/2006 e 30/05/2006, que, respectivamente, negou provimento ao
recurso interposto da sentença do Tribunal Judicial da Comarca de Faro (2.º
Juízo) que o condenou na pena unitária de quatro meses de prisão, suspensa na
sua execução pelo período de um ano e seis meses, pela prática de dois crimes de
injúria agravada, p. e p. pelos art.ºs 181.º e 184.º, por referência ao art.
132.º, n.º 2, alínea i), do Código Penal, e indeferiu o pedido de reforma do
mesmo acórdão, por falta de cumprimento do requisito específico do recurso de
adequada suscitação da questão de constitucionalidade.
2 – Refutando a decisão ora reclamada, o reclamante argumentou do seguinte
jeito:
«A., arguido nos presentes autos não se conformando com a douta decisão sumária
proferida pelo Excelentíssimo Juiz Conselheiro Relator, que decidiu não tomar
conhecimento do objecto do recurso, vem nos termos do nº 3 do artigo 78º-A da
LTC (redacção da Lei nº 13º-A/98, de 26 de Fevereiro), reclamar para a
conferência, o que faz nos termos e fundamentos seguintes:
O Excelentíssimo Senhor Juiz Relator a fls. 8 do seu douto despacho, diz: “(…) o
recorrente nunca suscitou perante o tribunal a quo qualquer questão de
constitucionalidade de uma qualquer dimensão normativa, susceptível de ser
inferida dos preceitos do Código de Processo Penal que identifica no seu
requerimento de interposição de recurso”
Salvo o devido respeito e melhor opinião, permita-nos Vossas Excelências que
discordemos do Excelentíssimo Senhor Juiz Conselheiro Relator.
Vejamos o porquê da discordância
Nas alegações de recurso para a Relação e transcritas pelo Senhor Relator a fls.
6 e 7 do seu douto despacho, o arguido diz:
“- 5º - A contestação destina-se a assegurar o princípio do contraditório
expressamente consagrado no art. 32º, nº 5 da Constituição da República
- 6º - Nos termos do art.374º, nº2 do CPP, é obrigatória a enumeração na
sentença dos factos provados e não provados alegados pelo arguido na contestação
e a indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
- 7º - No caso sub judice o tribunal singular ignorou por completo, na
fundamentação, a matéria alegada pelo arguido na contestação escrita
- 8º- Nestas circunstâncias, o arguido foi seriamente afectado na garantia da
sua defesa.
- 9º - É nula a sentença onde falte a enumeração dos factos alegados pela
defesa, provados e não provados contidos na contestação e nula é também a
sentença onde falte a indicação dos meios de prova, igualmente alegados pela
defesa, que serviram para formar a convicção do tribunal – art. 379º. Al. A) do
CPP.
- 10º - O arguido apresentou atempadamente e em ambos os processos
(918/01.3TAFAR e 278/01.2TAFAR) o rol de testemunhas.
- 11º - A audiência de julgamento decorreu sem que fossem inquiridas as
testemunhas de defesa arroladas pelo arguido.
- 12º - Ou seja, o tribunal singular ignorou por completo as testemunhas de
defesa arroladas pelo arguido.
- 13º - Nestas circunstâncias, o arguido foi seriamente afectado nas garantias
da sua defesa – art. 32º, nºs 1 e 5 da Constituição da República.
- 14º - A falta da notificação das testemunhas de defesa arroladas pelo arguido
e, claro está, a sua inquirição em audiência de julgamento, porque se trata de
omissões posterior de diligência de actos essencialíssimos para a descoberta da
verdade material, meta ou finalidade primacial do Direito Criminal, determinam a
nulidade da audiência e subsequente sentença, pois, tratam-se de nulidades
atento o disposto no artigo 120º, nº 2, alínea d) in fine, do Código de processo
Penal.
- 15º - As declarações do arguido em audiência de julgamento são credíveis e
consentâneas com aprova documental.
- 16º - A prova documental feita na audiência de julgamento, prova a sequência
dos factos que levaram arguido a utilizar as expressões de que vem acusado, que
denota apenas inconformismo, critica e censura.
- 19º -A sentença recorrida omitiu na enumeração dos factos provados, toda a
matéria alegada e provada documentalmente pelo arguido na audiência de
julgamento.
- 20º - O arguido foi assim, seriamente afectado nas garantias da sua defesa.
- 21º - É nula a sentença onde falte a enumeração dos factos alegados pela
defesa, provados e não provados, e nula é também a sentença onde falte a
indicação dos meios de prova, igualmente alegados pela defesa, que serviram para
formar a convicção do tribunal”.
E conclui:
- A sentença recorrida violou o disposto nos artºs 32º, nºs 1 e 5 da CRP 120º,
nº 2 alínea d) in fine, 97º, nº 4, 374º, nº 2, 379º, nº 1 alínea c) r 410º, nº 2
todos do Código de Processo Penal e artigo 2º, nº 1, al. 3 da Lei nº 43/86”.
Ora, quando o arguido alega que a sentença recorrida viola os artigos 120º, nº
2, alínea d) in fine, artigo 374º, nº 2 e artigo 379º, nº 1 alínea c) do Código
de Processo Penal, está, implicitamente, a suscitar perante as Instâncias, que
estas aplicaram normas inconstitucionais, na medida que fizeram uma
interpretação dos artigos 120º, nº 2 alínea d) in fine, 374º, nº 2 e 379º, nº 1,
alínea c) do Código de Processo Penal, contrárias aos princípios consignados ao
artigo 32º, nº 1 e 5 da Constituição.
Pelas razões pelas quais, é nosso entendimento, que o Senhor Juiz Conselheiro
Relator ao decidir não tomar conhecimento do objecto do recurso, com o
fundamento que o recorrente não suscitou durante o processo qualquer questão de
constitucionalidade normativa, fez uma errónea aplicação da alínea b) do nº 1 do
artigo 70º da LTC.
Termos em que deverá ser concedido provimento à presente reclamação e, em
consequência, revogar-se a decisão sumária do Excelentíssimo Juiz Conselheiro
Relator e substituir-se por outra que decida conhecer do objecto do recurso.
Decidindo nesta conformidade será feita,
JUSTIÇA. ».
3 – A decisão reclamada tem o seguinte teor:
«1 – A. recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na
alínea b) do n.º 1 do art. 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua
actual versão (LTC), dos acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação de Évora,
de 28/03/2006 e 30/05/2006, que, respectivamente, negou provimento ao recurso
interposto da sentença do Tribunal Judicial da Comarca de Faro (2.º Juízo) que o
condenou na pena unitária de quatro meses de prisão, suspensa na sua execução
pelo período de um ano e seis meses, pela prática de dois crimes de injúria
agravada, p. e p. pelos art.ºs 181.º e 184.º, por referência ao art. 132.º, n.º
2, alínea i), do Código Penal, e indeferiu o pedido de reforma do mesmo acórdão,
pretendendo “ver apreciada a inconstitucionalidade da norma do art. 97.º, n.º 4,
123.º, n.º 2, 315.º, 340.º, 374.º e 379.º do Código de Processo Penal”.
2 – O recurso foi admitido pelo tribunal a quo. Como, porém, se estabelece
no art. 76.º, n.º 3, da LTC, tal decisão não vincula o Tribunal Constitucional.
Por isso, e, porque se configura uma situação que se enquadra no n.º 1 do art.
78.º-A, da LTC, passa a decidir-se imediatamente.
3.1 – O objecto do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade,
previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 280.º da Constituição e na alínea b) do
n.º 1 do artigo 70º da LTC, disposição esta que se limita a reproduzir o comando
constitucional, apenas se pode traduzir numa questão de (in)constitucionalidade
da(s) norma(s) de que a decisão recorrida haja feito efectiva aplicação ou que
tenha constituído o fundamento normativo do aí decidido.
Trata-se de um pressuposto específico do recurso de constitucionalidade
cuja exigência resulta da natureza instrumental (e incidental) do recurso de
constitucionalidade, tal como o mesmo se encontra recortado no nosso sistema
constitucional, de controlo difuso da constitucionalidade de normas jurídicas
pelos vários tribunais, bem como da natureza da própria função jurisdicional
constitucional (cf. Cardoso da Costa, «A jurisdição constitucional em Portugal»,
in Estudos em homenagem ao Professor Doutor Afonso Rodrigues Queiró, Boletim da
Faculdade de Direito de Coimbra, I, 1984, pp. 210 e ss., e, entre outros, os
Acórdãos n.º 352/94, publicado no Diário da República II Série, de 6 de Setembro
de 1994, n.º 560/94, publicado no mesmo jornal oficial, de 10 de Janeiro de 1995
e, ainda, na mesma linha de pensamento, o Acórdão n.º 155/95, publicado no
Diário da República II Série, de 20 de Junho de 1995, e, aceitando os termos dos
arestos acabados de citar, o Acórdão n.º 192/2000, publicado no mesmo jornal
oficial, de 30 de Outubro de 2000).
Por outro lado, importa acentuar que, neste domínio da fiscalização
concreta de constitucionalidade, a intervenção do Tribunal Constitucional se
limita ao reexame ou reapreciação da questão de (in)constitucionalidade que o
tribunal a quo apreciou ou devesse ter apreciado.
Na verdade, a resolução da questão de constitucionalidade há-de poder,
efectivamente, reflectir-se na decisão recorrida, implicando a sua reforma, no
caso de o recurso obter provimento.
Tal só é possível quando a norma cuja constitucionalidade o Tribunal
Constitucional aprecie haja constituído a ratio decidendi da decisão recorrida,
ou seja, o fundamento normativo do aí decidido.
3.2 – Concretizando, ainda, aspectos do seu regime, cumpre acentuar que,
sendo o objecto do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade
constituído por normas jurídicas que violem preceitos ou princípios
constitucionais, não pode sindicar-se, no recurso de constitucionalidade, a
decisão judicial em sim própria, mesmo quando esta faça aplicação directa de
preceitos ou princípios constitucionais, quer no que importa à correcção, no
plano do direito infraconstitucional, da interpretação normativa a que a mesma
chegou, quer no que tange à forma como o critério normativo previamente
determinado foi aplicado às circunstâncias específicas do caso concreto
(correcção do juízo subsuntivo).
Deste modo, é sempre forçoso que, no âmbito dos recursos interpostos para o
Tribunal Constitucional, se questione a (in)constitucionalidade de normas, não
sendo, assim, admissíveis os recursos que, ao jeito da Verfassungsbeschwerde
alemã ou do recurso de amparo espanhol, sindiquem, sub species constitutionis, a
concreta aplicação do direito efectuada pelos demais tribunais, em termos de se
assacar ao acto judicial de “aplicação” a violação (directa) dos parâmetros
jurídico-constitucionais. Ou seja, não cabe a este Tribunal apurar e sindicar a
bondade e o mérito do julgamento efectuado in concreto pelo tribunal a quo. A
intervenção do Tribunal Constitucional não incide sobre a correcção jurídica do
concreto julgamento, mas apenas sobre a conformidade constitucional das normas
aplicadas pela decisão recorrida, cabendo ao recorrente, como se disse, nos
recursos interpostos ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º, o ónus de
suscitar o problema de constitucionalidade normativa num momento anterior ao da
interposição de recurso para o Tribunal Constitucional [cf. Acórdão n.º 199/88,
publicado no Diário da República II Série, de 28 de Março de 1989; Acórdão n.º
618/98, disponível em www.tribunalconstitucional.pt, remetendo para
jurisprudência anterior (por exemplo, os Acórdãos nºs 178/95 - publicado no
Diário da República II Série, de 21 de Junho de 1995, 521/95 e 1026/9,
disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt, e o Acórdão n.º 269/94, publicado
no Diário da República II Série, de 18 de Junho de 1994)].
A este propósito escreve Carlos Lopes do Rego («O objecto idóneo dos
recursos de fiscalização concreta de constitucionalidade: as interpretações
normativas sindicáveis pelo Tribunal Constitucional», in Jurisprudência
Constitucional, 3, p. 8) que “É, aliás, perceptível que, em numerosos casos –
embora sob a capa formal da invocação da inconstitucionalidade de certo preceito
legal tal como foi aplicado pela decisão recorrida – o que realmente se pretende
controverter é a concreta e casuística valoração pelo julgador das múltiplas e
específicas circunstâncias do caso sub judicio […]; a adequação e correcção do
juízo de valoração das provas e de fixação da matéria de facto provada na
sentença (…) ou a estrita qualificação jurídica dos factos relevantes para a
aplicação do direito […]».
Finalmente, deve referir-se que decorre, ainda, dos referidos preceitos que
a questão de inconstitucionalidade tenha de ser suscitada em termos adequados,
claros e perceptíveis, durante o processo, de modo que o tribunal a quo ainda
possa conhecer dela antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre tal
matéria e que desse ónus de suscitar adequadamente a questão de
inconstitucionalidade, em termos do tribunal a quo ficar obrigado ao seu
conhecimento, decorre a exigência de se dever confrontar a norma sindicanda com
os parâmetros constitucionais que se têm por violados, só assim se
possibilitando uma razoável intervenção dos tribunais no domínio da fiscalização
da constitucionalidade dos actos normativos.
É evidente a razão de ser deste entendimento: o que se visa é que o
tribunal recorrido seja colocado perante a questão da validade da norma que
convoca como fundamento da decisão recorrida e que o Tribunal Constitucional,
que conhece da questão por via de recurso, não assuma uma posição de
substituição à instância recorrida, de conhecimento da questão de
constitucionalidade, fora da via de recurso.
É por isso que se entende que não constituem já momentos processualmente
idóneos aqueles que são abrangidos pelos incidentes de arguição de nulidades,
pedidos de aclaração e de reforma, dado terem por escopo não a obtenção de
decisão com aplicação da norma, mas a sua anulação, esclarecimento ou
modificação, com base em questão nova sobre a qual o tribunal não se poderia ter
pronunciado (cf., entre outros, os acórdãos n.º 496/99, disponível em
www.tribunalconstitucional.pt; n.º 374/00, publicado no Diário da República II
Série, de 13 de Julho de 2000, BMJ 499º, p. 77, e Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 47º vol., p.713; n.º 674/99, publicado no Diário da República II
Série, de 25 de Fevereiro de 2000, BMJ 492º, p. 62, e Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 45º vol., p.559; n.º 155/00, publicado no Diário da República II
Série, de 9 de Outubro de 2000, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 46º vol.,
p. 821, e n.º 364/00, inédito).
Por outro lado, importa reconhecer que não basta que se indique a norma que
se tem por inconstitucional, sendo, antes, necessário que se problematize a
questão de validade constitucional da norma (dimensão normativa) através da
alegação de um juízo de antítese entre a norma/dimensão normativa e o(s)
parâmetro(s) constitucional(ais), indicando-se, pelo menos, as normas ou
princípios constitucionais que a norma sindicanda viola ou afronta.
Tais exigências têm sido deveras reiteradas pela nossa jurisdição
constitucional.
De forma contínua e sistemática, tem este Tribunal estabelecido que
«“Suscitar a inconstitucionalidade de uma norma jurídica é fazê-lo de modo tal
que o tribunal perante o qual a questão é colocada saiba que tem uma questão de
constitucionalidade determinada para decidir. Isto reclama, obviamente, que
(...) tal se faça de modo claro e perceptível, identificando a norma (ou um
segmento dela ou uma dada interpretação da mesma) que (no entender de quem
suscita essa questão) viola a Constituição; e reclama, bem assim, que se aponte
o porquê dessa incompatibilidade com a lei fundamental, indicando, ao menos, a
norma ou princípio constitucional infringido.” Impugnar a constitucionalidade de
uma norma implica, pois, imputar a desconformidade com a Constituição não ao
acto de aplicação do Direito – concretizado num acto de administração ou numa
decisão dos tribunais – mas à própria norma, ou, quando muito, à norma numa
determinada interpretação que enformou tal acto ou decisão (cf. Acórdãos nºs
37/97, 680/96, 663/96 e 18/96, este publicado no Diário da República, II Série,
de 15-05-1996). [§]É certo que não existem fórmulas sacramentais para formulação
dos pedidos, nem sequer para suscitação da questão de constitucionalidade.
[§]Esta tem, porém, de ocorrer de forma que deixe claro que se põe em causa a
conformidade à Constituição de uma norma ou de uma sua interpretação (...)» –
cf. o referido Acórdão n.º 618/98 e os acórdãos para os quais remete.
3.3 – Ora, no caso em apreço, constata-se que o recorrente nunca
problematizou, perante o tribunal a quo, seja, nas alegações de recurso
interposto da sentença proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Faro,
seja, no pedido de reforma, efectuado perante aquele, qualquer questão de
validade “da norma do art. 97.º, n.º 4, 123.º, n.º 2, 315.º, 340.º, 374.º e
379.º do Código de Processo Penal”, com qualquer interpretação de que sejam
passíveis estes preceitos.
O recorte da questão de constitucionalidade passaria pelo
equacionamento/hipotização da eventual invalidade dos critérios normativos com
base em cuja aplicação o tribunal viria a decidir, sob pretexto de que os mesmos
ofenderiam normas ou princípios constitucionais.
Nada disso, porém, fez o recorrente. Este limitou-se, antes, a confrontar
as concretas decisões tomadas pelo tribunal, no que importa à correcção da não
admissão do rol de testemunhas apresentado com a contestação e à sua não
inquirição, bem como no que diz respeito à correcção ou inexistência de qualquer
nulidade, relativas aos termos adoptados pelo tribunal quanto à fundamentação da
sentença, no que tange à enumeração dos factos dados como provados e não
provados, com o princípio do contraditório “expressamente consagrado no art.
35.º n.º 5, da Constituição” e com o princípio da plenitude das garantias de
defesa, concluindo ter “nestas circunstâncias, o arguido [sido] foi seriamente
afectado nas garantias da sua defesa – art. 32.º, nºs 1 e 5, da Constituição da
República.
Na verdade, nas alegações de recurso para a Relação, o arguido discorreu do
seguinte jeito:
«1º - O arguido foi notificado do despacho de fls. 201, que ordenou a apensação
do processo nº 918/01.3TAFAR aos presentes autos, por carta simples com prova de
depósito, em 3/12/2002.
2º- Nesta data – 3/12/2002 – foi igualmente notificado para no prazo de vinte
dias apresentar a contestação e rol de testemunhas.
3º- Em 13/01/2003, via postal registada sob o nº RR 3463 092 6 PT na Estação dos
CTT de Olhão enviou a contestação e rol de testemunhas, ou seja, dentro do prazo
concedido por lei.
4º- Contestação escrita que se encontra a fls. 250 a 288.
5º- A contestação destina-se a assegurar o princípio do contraditório
expressamente consagrado no art. 32º, nº 5 da Constituição da República.
6º - Nos termos do art. 374º, nº 2 da CRP, é obrigatória a enumeração na
sentença dos factos provados e não provados alegados pelo arguido na contestação
e a indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
7º - No caso sub judice o tribunal singular ignorou por completo, na
fundamentação, a matéria alegada pelo arguido na contestação escrita.
8º - Nestas circunstâncias, o arguido foi seriamente afectado na garantia da sua
defesa.
9º - É nula a sentença onde falte a enumeração dos factos alegados pela defesa,
provados e não provados contidos na contestação e nula é também a sentença onde
falte a indicação dos meios de prova, igualmente alegados pela defesa, que
serviram para formar a convicção do tribunal – art. 379º, al. a) do CPP.
10º - O arguido apresentou atempadamente e em ambos os processos (918/01.3TAFAR
e 278/01.2TAFAR) o rol de testemunhas.
11º - A audiência de julgamento decorreu sem que fossem inquiridas as
testemunhas de defesa arroladas pelo arguido.
12º - Ou seja, o tribunal singular ignorou por completo as testemunhas de defesa
arroladas pelo arguido.
13º - Nestas circunstâncias, o arguido foi seriamente afectado nas garantias da
sua defesa – art. 32º, nºs 1 e 5 da Constituição da República.
14º - A falta da notificação das testemunhas de defesa arroladas pelo arguido e,
claro está, a sua não inquirição em audiência de julgamento, porque se trata de
omissões posterior de diligência de actos essencialíssimos para a descoberta da
verdade material, meta ou finalidade primacial do Direito Criminal, determinam a
nulidade da audiência e subsequente sentença, pois, tratam-se de nulidades
atento o disposto no artigo 120º, nº 2, alínea d), in fine, do Código de
Processo Penal.
15º - As declarações do arguido em audiência de julgamento são credíveis e
consentâneas com a prova documental.
16º - A prova documental feita na audiência de julgamento, prova a sequência dos
factos que levaram arguido a utilizar as expressões de que vem acusado, que
denota apenas inconformismo, critica e censura.
19º - A sentença recorrida omitiu na enumeração dos factos provados, toda a
matéria alegada e provada documentalmente pelo arguido na audiência de
julgamento.
20º - O arguido foi assim, seriamente afectado nas garantias da sua defesa.
21º - É nula a sentença onde falte a enumeração dos factos alegados pela defesa,
provados e não provados, e nula é também a sentença onde falte a indicação dos
meios de prova, igualmente alegados pela defesa, que serviram para formar a
convicção do tribunal.
22º - O arguido fez prova dos factos que o levaram ao estado de inconformismo,
critica e censura.
23º - As imputações à Mmª. Juízas foram feitas para realizar interesses
legítimos.
24º - O arguido tem fundamento sério para, em boa fé, a refutar verdadeira.
A sentença recorrida violou o disposto nos art°s 32º, nºs 1 e 5 da CRP, 97º, nº
4, 374º nº 2, 379º, nº 1 alínea c) e 410º, nº 2 todos do Código de Processo
Penal e artigo 2º, nº 1, al. e) da Lei nº 43/86».
Por seu lado, no pedido de reforma do anterior acórdão, alegou o recorrente
do seguinte modo, concluindo o discurso antes expendido:
«a) O arguido foi notificado para a audiência de julgamento em 03/12/2002.
b) O dia 13/01/2003, foi o último dia do prazo para o arguido apresentar a
contestação e rol de testemunhas.
c) O arguido apresentou a contestação e rol de testemunhas em 13/01/2003, ou
seja, tempestivamente.
d) O prazo para apresentar a contestação e rol de testemunhas é um prazo
peremptório.
e) Os prazos peremptórios são de conhecimento oficioso e as normas que os
cominam são de interesse e ordem pública.
f) O Tribunal tem o poder-dever de tomar conhecimento sobre a tempestividade da
contestação apresentada pelo arguido em 13/01/2003.
g) O Tribunal ao não apreciar a nulidade arguida pelo arguido nas alegações de
recurso, violou o nº 1 do artigo 32º da Constituição da República, dado que
impossibilitou o arguido de impugnar uma decisão judicial, que se destinava a
provocar o reexame e novo julgamento por um tribunal superior.
h) «Todas as garantias de defesa» previstas no artigo 32º da CRP, engloba
indubitavelmente todos os direitos e instrumentos necessários e adequados para o
arguido defender a sua posição e contrariar a acusação, entre eles, o direito de
apresentar contestação.
i) Foram violados entre outros, os artigos 340º, 379º, 315º, 123º, nº 2 do
Código de Processo Penal, 265º ─ A e 266º do Código de Processo Civil e 32º nº 1
da Constituição da República.
Nestes termos,
Requer a Vossas Excelências, se dignem julgar procedente o presente pedido de
reforma do douto acórdão, julgando-se a contestação apresentado pelo arguido em
13/01/2003 tempestiva e, consequentemente,
- Anulando-se o julgamento efectuado, para ser repetido com expressa indicação,
na sentença que vier a ser proferida, dos factos contidos na contestação,
inserindo-se na parte da fundamentação, a matéria de facto provada e não provada
da contestação, e bem assim a indicação das provas que serviram para o tribunal
formar a sua convicção».
Temos, portanto, de concluir que o recorrente nunca suscitou, perante o
tribunal a quo, qualquer questão de constitucionalidade de uma qualquer dimensão
normativa, susceptível de ser inferida dos preceitos do Código de Processo Penal
que identifica no seu requerimento de interposição de recurso.
Assim sendo, não pode o Tribunal Constitucional tomar conhecimento do
objecto do recurso.
4 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide não
tomar conhecimento do recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7 UCs.».
4 – O Procurador-Geral Adjunto, no Tribunal Constitucional, respondeu
dizendo:
“ 1 – A presente reclamação carece manifestamente de fundamento.
2 – Na verdade, o reclamante não tem na devida conta que o ónus – incidente
sobre o recorrente nos recursos tipificados na alínea b) do n.º 1 do art. 70.º
da Lei n.º 28/82 – lhe impõe a suscitação em termos processualmente adequados,
de uma questão de inconstitucionalidade normativa.
3 – Sendo manifesto – como dá conta a decisão reclamada – que tal ónus não
foi minimamente cumprido pelo ora reclamante”.
B – Fundamentação
5 – Analisado o teor da reclamação, verifica-se que o reclamante não abala
minimamente os fundamentos em que se abonou a decisão reclamada, de não
suscitação adequada de qualquer questão de constitucionalidade relativa a
qualquer dimensão normativa, inferida ou inferível dos art.ºs 97.º, n.º 4,
123.º, n.º 2, 315.º, 340.º, 374.º e 379.º do Código de Processo Penal, que erige
a objecto do recurso de constitucionalidade, no requerimento de interposição, e
que haja sido aplicada como ratio decidendi da decisão recorrida.
Desta sorte, e pela sua bondade, são de manter tais fundamentos.
Deve notar-se, aliás, que o reclamante, mesmo no seu articulado da
reclamação, continua a não colocar qualquer questão de constitucionalidade em
termos processualmente adequados. Na verdade, o reclamante continua a alegar que
a “sentença recorrida viola os artigos 120.º, n.º 2, alínea d), in fine, artigo
374.º, n.º 2 e artigo 379.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Penal” e que
por isso “está implicitamente, a suscitar perante as instâncias” a questão de
inconstitucionalidade. Todavia, a colocação de uma questão de
constitucionalidade traduz-se em uma problematização da validade constitucional,
por ofensa de normas ou princípios constitucionais, de uma certa norma ou
critério normativo de decisão, de direito infraconstitucional, que tenha sido ou
possa vir a ser efectivamente aplicado, na concreta acepção em que o mesmo foi
determinado perante os respectivos preceitos legais, e não em um problema de
violação da própria norma de direito infraconstitucional, ainda que corporizada
numa errada interpretação ou aplicação ao caso concreto dos preceitos de direito
positivo. A questão da violação, por erro de interpretação ou de aplicação, de
certa norma de direito infraconstitucional é completamente distinta da questão
da validade constitucional dessa concreta norma, tal como foi determinada e
aplicada ao caso concreto, não podendo fazer-se equivaler à suscitação de uma
questão de constitucionalidade normativa a alegação de que a decisão violou a
norma de direito infraconstitucional em qualquer acepção da mesma.
Conclui-se, pois, pelo indeferimento da reclamação.
C – Decisão
6 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide
indeferir a reclamação e condenar o reclamante nas custas, fixando a taxa de
justiça em 20 UCs.
Lisboa.16.11.2006
Benjamim Rodrigues
Maria Fernanda Palma
Rui Manuel Moura Ramos