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Processo nº 593/2006
2ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma
Acordam, em Conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I
Relatório
1. Nos presentes autos de reclamação, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu do
seguinte modo o recurso de revista então interposto pelos reclamantes:
I. RELATÓRIO
1. A. e B., identificados nos autos, vieram interpor recurso extraordinário do
acórdão de 10/2/2004, do Tribunal Judicial de Braga (Vara de Competência Mista),
confirmado pelos acórdãos de 3/5/2004, do Tribunal da Relação de Guimarães e de
26/01/2005 do Supremo Tribunal de Justiça (rejeição por manifesta
improcedência), não alterado pelos sucessivos acórdãos do Tribunal
Constitucional de 30/3/2005, 20/4/2005 e 13/9/205, e tendo finalmente transitado
em julgado.
Tal aresto condenou o recorrente A. pelos seguintes crimes tipificados no Código
Penal (CP): 1 crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203.°
e 204.°, n.° 1, alínea a), (1 ano e 6 meses de prisão), 2 crimes de roubo, ps. e
ps. pelo art. 210.°, n.° 1 (2 anos de prisão por cada um), 1 crime furto
simples, p. e p. pelo art. 203.°, n.° 1 (8 meses de prisão) e 1 crime de evasão,
p. e p. pelo art. 352.°, n.° 1 (8 meses de prisão), e na pena unitária de 4
(quatro) anos de prisão, e o recorrente B., por 2 crimes de roubo em co-autoria
com aquele, na pena única de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão.
Os recorrentes foram ainda condenados no pagamento de indemnizações aos lesados.
2. Os fundamentos invocados para a revisão foram os seguintes:
terem os lesados sido ressarcidos, «... o que inculca concessão de perdão e
aquiescência nas desistências das queixas»;
ter o recorrente B. consumado entretanto o divórcio que tinha pendente,
submetendo-se a tratamento, com vista a vencer a toxicodependência numa
comunidade terapêutica;
encontrar-se o recorrente A. inserido socialmente e abstinente do consumo de
drogas.
As pretensões manifestadas na petição comum dos recursos interpostos são, por um
lado, uma eventual suspensão da execução da pena de prisão, ainda que
condicionada à manutenção da frequência da terapêutica que vem efectuando (caso
do recorrente B.) e, por outro, a colocação em liberdade, ainda que
condicionada, atendendo a que vem cumprindo há mais de vinte e seis meses a
obrigação de se manter no domicílio (caso do recorrente A.).
2.1. Juntaram documentos, constituídos por declarações dos lesados em que estes
dão conta de terem sido ressarcidos de todos os danos causados pela prática dos
crimes; declaração da terapeuta que tem seguido o recorrente B. e da empresa
«C., SA», em que se dá conta de ter tido ao seu serviço este mesmo recorrente e
manifestando disponibilidade para o voltar a receber nos quadros da empresa,
onde era electricista.
2.2. Requereram a inquirição, como testemunhas de Dra. D. (psicóloga) e de E. e
F. (pais dos recorrentes).
2.3. Foram também juntas as certidões das decisões acima referidas, bem como a
nota de trânsito em julgado da decisão condenatória.
3. No juízo da condenação, foi produzida a prova requerida.
No final, o Ministério Público ofereceu a respectiva resposta, tendo concluído
pela não ocorrência de factos novos ou meios de prova susceptíveis de suscitar
quaisquer dúvidas sobre justiça da condenação, não encontrando fundamento para a
revisão.
Na informação a que alude o art. 454.° do CPP, o Sr. Juiz que procedeu às
diligências foi igualmente de entendimento de que não há fundamento para a
revisão, pois a situação de toxicodependência não constitui facto novo, tendo
sido considerado na decisão recorrida; o tratamento a essa toxicodependência e a
invocada abstinência também não podem agora justificar a suspensão da execução
da pena, que os recorrentes pretendem; o ressarcimento dos lesados, sendo
posterior ao acórdão condenatório, não tem qualquer influência no decidido. Em
suma, o fundamento do recurso não pode ser «uma redenção a posteriori».
4. Subidos os autos ao STJ, foram os mesmos mandados baixar com o objectivo de
serem apensos ao processo principal e de serem transcritos os depoimentos
prestados, que ficaram simplesmente registados por gravação magnetofónica.
5. Voltaram os autos a subir a este Supremo Tribunal, tendo o Ministério
Público sustentado não haver fundamento para a revisão, nomeadamente a
existência de factos novos, fundamento que, apesar de não expressamente
invocado, será o que está na base do recurso.
6. Colhidos os vistos nos termos do art. 455.° do CPP, o processo veio para
conferência para decisão.
II. FUNDAMENTAÇÃO
7. Factos em que assentou a decisão condenatória
7.1. Factos provados:
“No dia 12 de Agosto de 2003, cerca das 11 horas e 15 minutos, no Lugar de Vila
Nova, Nogueira, desta cidade e comarca de Braga, o arguido A. introduziu-se no
interior da viatura de matrícula ------, marca Hyundai, modelo Getz, propriedade
de G., no valor de 13 000 €, apropriando-se da mesma.
No interior do referido veículo encontravam-se os documentos referentes ao
mesmo, a carta de condução, 81, n.° de contribuinte, carta de residência em
França e chaves do apartamento pertencente a H..
Estando o arguido A. na posse do referido veículo, ambos os arguidos elaboraram
um plano para se apropriarem de bens e valores de outrem utilizando para tal a
viatura ------.
Na concretização desse plano, no dia 13 de Agosto de 2003, cerca das 12 horas,
seguindo ambos os arguidos no referido veículo, conduzido pelo A., quando a
ofendida I. circulava nas imediações do Office Center, sito em Fraião, desta
comarca de Braga, abeiraram-se da mesma e num gesto brusco e rápido o B.
arrancou-lhe uma bolsa em pano de cor preta, contendo no seu interior um
telemóvel da marca Motorola, no valor de € 300, uma carteira em nylon de cor
preta que continha diversos documentos pessoais, duas pulseiras em ouro amarelo,
15 € em dinheiro, um terço em prata.
Em consequência do gesto brusco, a ofendida foi arrastada pela estrada tendo
sofrido ferimentos descritos nos autos de fls. 3 do apenso n.° 3 e 211, que
foram causa directa e necessária de 10 dias de doença com igual período de
incapacidade de trabalho, resultando-lhe como consequências permanentes duas
cicatrizes de 2x1 cm na face anterior e lateral do punho direito e cicatriz
queloide de 8x4 cm.
Ainda no dia 13 de Agosto de 2003, cerca das 19 horas, o arguido A. dirigiu-se à
viatura ------, marca Seat, modelo Ibiza, de cor branco, pertencente a J. e, por
forma que não foi possível apurar, introduziu-se no seu interior, daí retirando
e fazendo seu um auto rádio, marca Blaupunkt, modelo Monchen, no valor de 250€.
Para retirar o auto rádio o arguido provocou danos na consola, no valor de 100€.
No mesmo dia 13 de Agosto de 2003, cerca das 23 horas e 30 minutos, os arguidos,
conduzindo a referida viatura, quando a ofendida K. passava na Rua Constantino
Ribeiro Coelho, desta comarca de Braga, aproximaram-se da mesma e num gesto
brusco e rápido arrancaram-lhe uma bolsa em pele, de cor preta, contendo no seu
interior, diversos documentos pessoais, a quantia monetária de 150€, um
telemóvel de marca Alcatel, modelo OT 311, no valor de 89€, e outro da marca
Motorola, modelo 920, um painel destacável do auto rádio de marca “Grundig” com
o n.º de modelo WKC5300RDS, no valor de 125€, pondo-se ambos em fuga.
Em consequência do esticão a ofendida caiu no passeio, provocando-lhe ferimentos
descritos e examinados a fls. 3 e 11 do apenso n.° 1 que foram causa directa e
necessária de 10 dias de doença com incapacidade para o trabalho.
Ficou, ainda, a ofendida com as calças de cor preta, no valor de 25€, rasgadas e
com uma das lentes dos seus óculos da Multiópticas, no valor de 110€, partida.
Foi o veículo Hyundai apreendido e entregue ao seu proprietário.
Na altura da apreensão tinha o veículo os dois pneus furados do lado direito,
porta e embaladeira do lado direito danificados, tendo-lhe sido retirado o auto
rádio de marca Grundig.
Na reparação destes estragos o ofendido despenderá 3.161,21€
O arguido A. foi detido e presente ao M.° Juiz para interrogatório judicial
tendo-lhe sido aplicada a medida de coacção, prevista no art.° 201 do CPP, de
obrigação de permanência na habitação.
Porém, conforme se constata de fls. 134 e seguintes, no dia 28 de Agosto de
2003, cerca das 00 horas e 45 minutos, na EN n. 0101, ao KM, 100, 600, na
localidade de Balazar, Caldas das Taipas, o arguido foi interveniente num
acidente de viação tendo sido hospitalizado no Hospital Senhora das Oliveiras,
Guimarães e depois transferido para o HSM de Braga.
Ao actuar conforme o supra descrito actuaram os arguidos, com o propósito
concretizado de, através de violência, se apoderarem das carteiras e telemóveis
e integrá-los nas suas esferas patrimoniais, bem sabendo que os mesmos não lhes
pertenciam e que actuavam sem o consentimento e contra a vontade das suas
legítimas donas.
Agiu o A. com vontade de se apropriar do auto-rádio contra a vontade do
proprietário do mesmo, sabendo que não se podia introduzir no interior dos
veículos automóveis já que para tal não estava autorizado.
Sabia ainda o arguido A. que se encontrava detido e, por tal facto privado da
liberdade, não se podendo ausentar da sua residência e não obstante isso,
ausentou-se.
Agiram os arguidos de vontade livre e consciente, sabendo que as suas condutas
eram criminalmente puníveis.
Tinham plena consciência do carácter proibido das suas condutas.
Os arguidos são irmãos e ambos toxicodependentes.
O A. confessou os factos relativos ao auto rádio que retirou da viatura Seat e
os relativos à saída da sua habitação no decurso da obrigação de nela
permanecer.
O arguido A. foi já antes condenado: no comum singular 32/02, por ter praticado
em Março de 2002 um crime de furto p e p no art.° 203 C. Penal, na pena de 6
meses de prisão suspensa pelo período de 18 meses, (decisão de 5.11.2002); no
comum colectivo 663/02 por ter praticado dois crimes de roubo, um em Fevereiro e
outro em Março de 2002, na pena única de 16 meses de prisão, suspensa pelo
período de dois anos, sujeito o arguido a regime de prova (acórdão de 11 de
Abril de 2003); no comum colectivo 2304/01 por ter cometido em Outubro de 2001
um crime de roubo foi condenado na pena de um ano de prisão suspensa por dois
anos (acórdão de 24.2.03); no comum singular 550/1 por ter praticado em Junho de
2001 e Agosto de 2001 um crime de furto qualificado e um crime de resistência e
coacção a funcionário, nas penas de dez e oito meses de prisão, e como autor de
um crime de condução ilegal na pena de cinco meses de prisão substituída por 150
dias de multa - em cúmulo foi o arguido condenado na pena única de 15 meses de
prisão, suspensa por 3 anos (sentença de 10.2.2003).
O arguido A. encontra-se desempregado e vive com os pais.
O arguido B. é casado, tem três filhos menores, exerce a profissão de
electricista, auferindo 635€ por mês e a mulher é cozinheira, auferindo 500€ por
mês.
Foi já antes condenado na pena de dois anos de prisão, suspensa pelo período, de
dois anos, por ter praticado um crime de furto qualificado
Em consequência dos factos praticados pelos arguidos a ofendida K. gastou 23,77€
em cancelamento de cartões e pedido de segunda via, 50€ na mudança de fechadura
da casa.
Em consequência dos factos praticados pelos arguidos a ofendida I. teve despesas
com tratamentos, consultas e medicamentos, de valor não apurado.
8. O recurso extraordinário de revisão de sentença é estabelecido e regulado
pelo Código de Processo Penal, como também pelo Código de Processo Civil, como
forma de obviar a decisões injustas, fazendo-se prevalecer o princípio da
justiça material sobre a certeza e segurança do direito, a que o caso julgado dá
caução.
Daí que a Constituição no art. 29.° n.° 6 estabeleça: «Os cidadãos injustamente
condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da
sentença e à indemnização pelos danos sofridos».
A revisão extraordinária de sentença transitada, se visa tais objectivos,
conciliando-os com a necessidade de certeza e segurança do direito, não pode,
por isso mesmo, ser concedida senão em situações devidamente clausuladas, pelas
quais se evidencie ou pelo menos se indicie com uma probabilidade muito séria a
injustiça da condenação, dando origem, não a uma reapreciação do anterior
julgado, mas a um novo julgamento da causa com base em algum dos fundamentos
indicados no n.° 1 do art. 449.° do CPP:
- A decisão transitada ter assentado em falsos meios de prova, reconhecidos em
outra sentença transitada em julgado;
- Tiver sido feita prova, também por sentença transitada, de crime cometido por
juiz ou jurado e relacionado com a sua função no processo;
- Os factos em que assentou a decisão serem inconciliáveis com os dados como
provados noutra sentença e daí resultarem graves dúvidas sobre a justiça da
condenação;
- Descoberta de novos factos ou meios de prova, que, de per si ou combinados com
os do processo suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
O caso dos autos, em boa realidade, não se enquadra em nenhum destes
fundamentos, estando o pedido de revisão completamente inquinado de base. Na
verdade, os recorrentes laboram num completo equívoco, ao invocarem novos factos
e meios de prova que indicaram (o que situaria aparentemente os recursos no
âmbito da última das hipóteses atrás alinhadas) para obterem uma alteração da
decisão condenatória como efeito típico de um recurso ordinário (caso do
recorrente B., que alude à «perspectiva de uma eventual suspensão da execução da
pena de prisão a que foi condenado» e à possibilidade de esta «ser condicionada
à manutenção da frequência da terapêutica supra-indicada») ou então como efeito
típico da execução da pena (caso do recorrente A., que alega vir «cumprindo
desde há mais de vinte e seis meses a obrigação de se manter no domicílio de
seus pais, o que - confia - não deixará de ser tomado em conta, quer em sede de
jurisdição de Execução das Penas, quer sobretudo no âmbito da agora pedida
revisão do acórdão condenatório, face às superveniências já documentadas nos
autos e à oportunidade que pensa já merecer de se afirmar como socialmente
reintegrado e abstinente há muito das drogas que o assediavam»).
Ora, o recurso extraordinário de revisão de sentença não serve para nada disso.
Com ele visa-se não a reapreciação do julgado (muito menos a modificação da
execução da pena), mas um novo julgamento da causa, por o julgamento anterior
estar inquinado por um erro de facto, consistente em não se ter levado em conta
um determinado facto ou meio de prova, que se tivessem sido considerados na
altura (e sublinha-se na altura), com toda a probabilidade teriam conduzido à
absolvição em vez da condenação que foi proferida.
Neste sentido, os novos factos ou meios de prova não podem ser outros senão «os
factos probandos», ou seja «os factos constitutivos do próprio crime, ou os seus
elementos essenciais» e ainda «os factos dos quais, uma vez provados, se infere
a existência ou inexistência de elementos essenciais do crime», como salienta
CAVALEIRO DE FERREIRA, «Revisão Penal» Scientia Juridica, cit. por SIMAS SANTOS
e LEAL HENRIQUES, Recursos em Processo Penal, 5 edição, ps. 214/215. E os
elementos ou meios de prova não podem ser outros, segundo o mesmo Autor, senão
«as provas destinadas a demonstrar a verdade de quaisquer factos probandos, quer
dos que constituem o próprio crime, quer dos que são indiciantes de existência
ou inexistência de crime ou seus elementos».
Ora, os pretensos factos novos e os novos meios de prova agora apresentados são
factos e meios de prova posteriores ao trânsito em julgado da decisão
condenatória que não contendem com «os factos constitutivos do próprio crime e
seus elementos essenciais», mas dizem respeito ao comportamento dos recorrentes
destinado a reparar o mal do crime e a obter uma recuperação pessoal no que diz
respeito à toxicodependência. De resto, os recorrentes não põem sequer em causa
a prática dos crimes pelos quais foram condenados. O que eles pretendem é que
esses novos factos tenham agora uma influência retroactiva na pena ou, quando
encarados contemporaneamente, na execução desta. Mas, como se disse, o recurso
extraordinário de revisão de sentença não é admissível com «o único fim de
corrigir a medida concreta da sanção aplicada» (art. 449.º, n.° 3 do CPP) e
muito menos com o fim de obter uma modificação na execução desta, tipo liberdade
condicional, a qual depende de pressupostos específicos que nada têm a ver com a
condenação (art. 61.º e segs. do CP).
Tendo de ser baseado em factos novos ou novos meios de prova desconhecidos no
momento da decisão, que suscitem «graves dúvidas sobre a justiça da condenação»
(artigo 449.°, n.° 1, alínea d), parte final do CPP), abrange «todos aqueles
casos em que o arguido não terá que cumprir uma pena e em que esta não teria que
ser aplicada no momento de decidir, se o tribunal tivesse acesso a tais factos»
(ac. do STJ de 30/4/90, Proc. n.° 41800).
Não é manifestamente o caso dos autos. Os factos invocados não têm qualquer
incidência na condenação propriamente dita. Ainda poderiam ter influência na
medida da pena aplicada, se tivessem tido lugar antes da decisão e nomeadamente
antes da audiência de julgamento em 1ª instância (caso da reparação a que se
refere o art. 206.° do CP). Pelo que diz respeito ao tratamento da
toxicodependência, também este facto poderia eventualmente ser levado em conta
na medida da pena se tivesse sido encetado a tempo de o tribunal o poder
conhecer e valorar, sendo irrelevante, como justamente salienta o Sr. Juiz que
elaborou a informação de fls. 80 e segs., a «redenção a posteriori».
De modo que, e resumindo, não se vê o mínimo fundamento para a pretendida
revisão.
III. DECISÃO
9. Nestes termos, acordam no Supremo Tribunal de Justiça em negar a revisão
pedida por A. e B., sendo o pedido manifestamente infundado.
10. Custas pelos recorrentes com 6 Ucs. de taxa de justiça (por cada um).
11. Os recorrentes pagarão ainda a quantia de 6 Ucs. cada um, nos termos do
art. 456.° do Código de Processo Penal.
A. e B. requereram a aclaração do acórdão que indeferiu o recurso de revisão,
aclaração indeferida por acórdão de 23 de Maio de 2006 (fls. 17 a 19).
2. A. e B. interpuseram recurso de constitucionalidade nos seguintes termos:
A. e B., inconformados com o Acórdão desse Tribunal que desatendeu o seu pedido
de Revisão do Acórdão condenatório proferido pela Vara de Competência Mista do
Tribunal Judicial da Comarca de Braga, vêm interpôr recurso para o Tribunal
Constitucional do primeiro Acórdão referido, ao abrigo do artigo 70º da Lei nº
28/82,de 15 de Novembro, na redacção dada pela Lei nº 85/89, de 7 de Setembro,
requerendo a admissão do presente recurso em Juízo, com o efeito próprio,
seguindo‑se os demais termos legais.
O recurso não foi admitido por despacho com o seguinte teor:
Não admito os recursos interpostos, dado que os recorrentes não formularam
durante o curso do processo e, nomeadamente no recurso interposto para este STJ
(recurso extraordinário de revisão de sentença) a inconstitucionalidade que
agora invocam – a do art. 449º, nº 3 do CPP na interpretação segundo a qual não
é de autorizar a revisão com o único fundamento de corrigir a medida concreta da
sanção aplicada – sendo certo que essa é a interpretação constante e sistemática
que este Supremo Tribunal vem fazendo do citado preceito.
Assim, nem se pode dizer que os recorrentes tenham sido surpreendidos com a
decisão.
Os recorrentes reclamaram com os seguintes fundamentos:
A. e irmão, B., vêm explicitar que o recurso para o Tribunal Constitucional vai
interposto ao abrigo dos artigos 70º, nº 1, alínea b) e 75º‑A da Lei nº 28/82, e
tem como especial objecto o preceito do nº 3 do artigo 449º do Código do
Processo Penal que nega a admissibilidade de revisão “com o único fim de
corrigir a medida concreta da sanção aplicada”, por ofensa, designadamente, dos
preceitos e princípios constitucionais consignados nos artigos 18º, 20º, 32º,
205º, 206º e 268º da Constituição da República.
Independentemente da questão dilucidanda de saber se o objecto do pedido de
revisão foi ou não o objectivo único de corrigir a medida concreta da sanção
aplicada, a regra do citado nº 3 do artigo 449º do CPP foi muito explicitamente
invocada no Acórdão desse Alto Tribunal para indeferir o requerimento de
aclaração, confirmando o decidido, apresentado pelos ora recorrentes, entende‑se
ser esta a peça processual a indicar agora como a mais adequada oportunidade
processual para levantar a questão da inconstitucionalidade visto que antes tudo
inculcava dever optar‑se por diversos enfoques, tanto no âmbito do presente
apenso de revisão como nos autos que lhes deram origem. — Cf. referência em
epígrafe.
E, especialmente, a referida peça processual, pelo seu especial relevo, enquanto
suporte da decisão que ora se pretende impugnar junto do Tribunal
Constitucional.
O Ministério Público pronunciou‑se do seguinte modo:
A presente reclamação carece manifestamente de fundamento, já que os ora
reclamantes não suscitaram, durante o processo, qualquer questão de
inconstitucionalidade normativa, susceptível de servir de base ao recurso
interposto para este Tribunal – e sendo evidente que a interpretação normativa
dos pressupostos de admissibilidade do recurso extraordinário de revisão, feita
pelo Supremo no acórdão recorrido, nada tem de surpreendente ou inovatório.
Cumpre apreciar.
3. Sendo o recurso que os reclamantes pretendem ver admitido interposto ao
abrigo dos artigos 280º, nº 1, alínea b), da Constituição e 70º, nº 1, alínea
b), da Lei do Tribunal Constitucional, é necessário, para que se possa tomar
conhecimento do seu objecto, que a questão de constitucionalidade haja sido
suscitada durante o processo.
O Tribunal Constitucional tem entendido este requisito num sentido funcional. De
acordo com tal entendimento, uma questão de constitucionalidade normativa só se
pode considerar suscitada de modo processualmente adequado quando o recorrente
identifica a norma que considera inconstitucional, indica o princípio ou a norma
constitucional que considera violados e apresenta uma fundamentação, ainda que
sucinta, da inconstitucionalidade arguida. Não se considera assim suscitada uma
questão de constitucionalidade normativa quando o recorrente se limita a
afirmar, em abstracto, que uma dada interpretação é inconstitucional, sem
indicar a norma que enferma desse vício, ou quando imputa a
inconstitucionalidade a uma decisão ou a um acto administrativo.
Por outro lado, o Tribunal Constitucional tem igualmente entendido que a questão
de constitucionalidade tem de ser suscitada antes da prolação da decisão
recorrida, de modo a permitir ao juiz a quo pronunciar-se sobre ela. Não se
considera assim suscitada durante o processo a questão de constitucionalidade
normativa invocada somente no requerimento de aclaração, na arguição de nulidade
ou no requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade (cf., entre
muitos outros, o Acórdão nº 155/95, D.R., II Série, de 20 de Junho de 1995).
Os reclamantes não suscitaram em momento algum dos presentes autos uma qualquer
questão de inconstitucionalidade normativa.
Por outro lado, a decisão recorrida não é surpreendente ou inovatória, em face
do entendimento que o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a seguir quanto aos
fundamentos dos recursos de revisão.
Nessa medida, não se verifica o pressuposto processual do recurso que os
reclamantes pretendem ver admitido, consistente na suscitação durante o processo
da questão de constitucionalidade normativa [artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei
do Tribunal Constitucional].
4. Por último, refira‑se que as considerações dos reclamantes na presente
reclamação em nada infirma o que se deixa dito, dado não se reportarem aos
pressupostos do recurso interposto não admitido.
5. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente
reclamação.
Custas pelos reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UCs, cada.
Lisboa, 20 de Setembro de 2006
Maria Fernanda Palma
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos