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Processo n.º 565/06
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Mário Torres
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do
Tribunal Constitucional,
1. A. vem reclamar para a conferência da
decisão sumária do relator, de 26 de Junho de 2006, que decidiu, no uso da
faculdade conferida pelo n.º 1 do artigo 78.º‑A da Lei de Organização,
Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26
de Fevereiro (LTC), não conhecer do objecto do recurso.
1.1. A decisão sumária reclamada tem o seguinte
teor:
“1. A. interpôs, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de
Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada
pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º
13‑A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), recurso do acórdão do Pleno da Secção de
Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo (STA), de 4 de
Maio de 2006, que julgou improcedente recurso jurisdicional deduzido contra o
acórdão da 2.ª Subsecção do STA, de 21 de Setembro de 2004, que, por seu turno,
negara provimento ao recurso contencioso de anulação da deliberação do Plenário
do Conselho Superior do Ministério Público, de 14 de Junho de 2000, que
aplicara ao recorrente a pena disciplinar de aposentação compulsiva.
Lê‑se no requerimento de interposição de recurso de
constitucionalidade:
«A., não se conformando com a douta decisão recorrida, vem da
mesma interpor recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos e ao abrigo
do estatuído nos artigos 70.º e seguintes da Lei do Tribunal Constitucional.
1 – O sumário do douto aresto recorrido é o seguinte:
“I – O CSMP, ao referir no acórdão punitivo que «os factos
praticados pelo arguido … revelam grave violação dos deveres gerais de isenção
e lealdade e integram a prática de … crimes … que demonstram, além de falta de
lisura, uma definitiva incapacidade de adaptação às exigências da função»,
está tão‑só, no exercício do poder disciplinar que lhe compete – artigo 27.º,
alínea a), da LOMP, redacção da Lei n.º 60/98, de 27 de Agosto –, a qualificar,
a título incidental e no âmbito do procedimento disciplinar, certo comportamento
como integrando ilícito criminal para efeitos de avaliar da viabilidade ou não
da manutenção da relação funcional do arguido.
II – Não está, pois, a invadir a reserva de jurisdição dos
tribunais criminais para a qualificação e punição de tais condutas como
crimes, nem está a afirmar que a conduta do arguido cai no âmbito do direito
penal ou, sequer, que deve ser punida como crime, razão por que é de todo
indiferente, para os efeitos que vimos tratando, que tais factos tenham ou não
sido objecto de decisão, condenatória ou absolutória, de um tribunal criminal
transitada em julgado, como pretende o recorrente.
III – Assim, a Administração, ao formular o juízo referido em I, ponderando o
desvalor daqueles factos na aplicação da sanção disciplinar, não está a violar
o princípio da presunção de inocência do arguido ou o princípio da separação de
poderes e exclusividade da jurisdição penal, decorrentes dos artigos 2.º e 32.º,
n.ºs 2 e 9, da CRP.”
2 – Apesar da interpretação doutamente levada a efeito por este Alto Tribunal da
decisão administrativa recorrida, entende o recorrente que, no mínimo, não foi
alheia, à tort, a esta decisão punitiva (e ao juízo levado a efeito pela
Administração relativo à inadaptação que daquela decisão sancionatória emerge) o
desvalor de natureza jurídico‑criminal que as suas condutas supostamente
revelam.
As grandes questões onde se enquadram as que se discutem nos presentes autos
são, aliás e também, como é consabido, objecto de viva e intensa controvérsia na
Corte Costituzionale italiana.
3 – Por isso, a interpretação que foi levada a efeito do artigo 184.º, n.º 1,
alíneas a) e b), ofende não só o princípio da presunção da inocência (artigo
32.º, n.º 2, da CRP), como, ademais, o princípio da separação de poderes e
exclusividade da jurisdição penal (artigos 2.º e 32.º, n.º 9, da CRP).
Em suma:
– A alínea do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional com fundamento na
qual se interpõe o recurso é a alínea b).
– As normas cuja constitucionalidade se pretende ver aferida são as alíneas a)
e b) do artigo 184.º, bem como o artigo 27.º, alínea a), todos do EMP.
– Os princípios e normas que se entendem ter sido violados são os artigos 32.º,
n.ºs 2 e 9, da CRP e o artigo 2.º desta mesma Lei fundamental, como tal
expressamente referidas nas alegações para este Alto Tribunal.”
O recurso foi admitido por despacho do Conselheiro Relator do
STA, decisão que, como é sabido, não vincula o Tribunal Constitucional
(artigo 76.º, n.º 3, da LTC), e, de facto, entende‑se que, no caso, o recurso é
inadmissível, o que permite a prolação de decisão sumária, ao abrigo do
disposto no artigo 78.º‑A, n.º 1, da LTC.
2. No sistema português de fiscalização de constitucionalidade,
a competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge‑se ao controlo da
inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade
constitucional imputada a normas jurídicas (ou a interpretações normativas,
hipótese em que o recorrente deve indicar, com clareza e precisão, qual o
sentido da interpretação que reputa inconstitucional), e já não das questões de
inconstitucionalidade imputadas directamente a decisões judiciais, em si
mesmas consideradas. A distinção entre os casos em que a
inconstitucionalidade é imputada a interpretação normativa daqueles em que é
imputada directamente a decisão judicial radica em que na primeira hipótese é
discernível na decisão recorrida a adopção de um critério normativo (ao qual
depois se subsume o caso concreto em apreço), com carácter de generalidade, e,
por isso, susceptível de aplicação a outras situações, enquanto na segunda
hipótese está em causa a aplicação dos critérios normativos tidos por
relevantes às particularidades do caso concreto.
Por outro lado, tratando‑se de recurso interposto ao abrigo da
alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC – como ocorre no presente caso –, a sua
admissibilidade depende da verificação cumulativa dos requisitos de a questão
de inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo
processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão
recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2 do artigo
72.º da LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio
decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo
recorrente.
3. No presente caso, no local indicado pelo recorrente como
sendo aquele em que teria suscitado, perante o tribunal recorrido, as questões
de inconstitucionalidade que pretende ver apreciadas – a saber: as alegações do
recurso jurisdicional interposto para o Pleno da 1.ª Secção do STA –, a
violação de preceitos constitucionais é directamente imputada a
«entendimentos» que teriam sido adoptados pelo acto administrativo
contenciosamente impugnado e pelo acórdão da 2.ª Subsecção do STA, então
recorrido, sem qualquer referência a normas identificadas pelos preceitos legais
que as suportariam, «entendimentos» esses que surgem como indissociáveis das
particularidades específicas do caso concreto.
As referidas alegações terminam com a formulação das seguintes
conclusões (e no teor daquelas nada mais se aduz de relevante para a questão
ora em apreço):
«1. A decisão punitiva entendeu que o magistrado recorrente não se adaptava às
funções que desempenhou, porquanto havia cometido três crimes – cf. decisão
recorrida.
2. O magistrado recorrente à data da prática do acto (o que
sucede ainda na actualidade) estava simplesmente pronunciado pela prática de
tais crimes.
3. Foi assim assacado ao acto vício de violação de lei (por
erro de facto nos pressupostos), decorrente da circunstância de aquela decisão
punitiva ter sido proferida com fundamento em pressupostos errados e estranhos
ao processo disciplinar, tendo‑se adiantado que deve ser tida por irrelevante
qualquer consideração que se faça em função de juízos do foro criminal,
sobretudo quando o magistrado recorrente apenas está pronunciado pelos crimes
que a Administração diz que o mesmo praticou.
4. O Tribunal recorrido, depois de concluir connosco no sentido
de que os ilícitos, disciplinares e criminais, são efectivamente diferentes,
julgou que, do ponto de vista da reserva de relevância em sede disciplinar da
ilicitude penal, seriam três as razões pelas quais não se verificaria a
ilicitude assacada ao acto.
A primeira dessas razões é a seguinte:
5. “É a distinção de ilícitos que justifica a implicação
disciplinar dos factos passíveis de sanção disciplinar e penal em simultâneo.”
6. Face a estes dizeres, até algo genéricos, importa concluir,
com rigor e precisão, que os mesmos não têm qualquer força justificativa lógica
que seja apta a contrariar o vício de violação de lei assacado ao acto.
7. Ou seja, ninguém nega ou negou que a distinção de ilícitos
justifica a implicação disciplinar dos factos simultaneamente justificadores
de uma sanção disciplinar e penal em simultâneo.
8. Só que ... isso, como defende a lei, só ocorre depois da
condenação criminal, que se não verificou!!!!!
A segunda das razões é a seguinte:
9. “... sem unidade de ilicitude, o desvalor jurídico de
natureza penal releva no ilícito disciplinar como mero índice de qualificação da
infracção disciplinar, pelo alarme social que provoca e pela danosidade
associada que, em regra, terá para a eficácia funcional do serviço a prática de
uma falta disciplinar que seja, ao mesmo tempo, tipificada como crime.”
10. Se o desvalor jurídico de natureza penal releva no ilícito
disciplinar como mero índice de qualificação da infracção disciplinar, então
não pode o mesmo, como se frisou no recurso contencioso e sob pena de ocorrer
violação de lei, fundar uma condenação disciplinar!!!!
A terceira das razões é a seguinte:
11. “... porque no quadro de autonomia dos ilícitos e
independência dos processos, justificados pela diferenciação dos bens a
proteger, os comportamentos são apreciados à luz de normativos diversos, a
partir de enfoques distintos, com critérios de prova diferentemente orientados,
sem perigo de contradição entre a decisão disciplinar e a sentença penal, em
termos que ponham em causa a unidade da ordem jurídica.”
12. A aludida inexistência de contradição, a insusceptibilidade
de poder ocorrer quebra da unidade da ordem jurídica, não invalida, comprime,
prejudica, ou sequer ... belisca a conclusão de que não se afigura possível
concluir que um funcionário não se adapta definitivamente à função, com
fundamento no alegado, mas suposto, cometimento de crimes relativamente aos
quais o arguido apenas se encontra pronunciado!!!!
13. Numa palavra, não é possível aceitar uma campanuda
qualificação jurídico‑administrativa de uma conduta como tendo constituído
crime apenas para efeitos disciplinares, quando o arguido na sede própria apenas
foi pronunciado por esse crime que a Administração diz que o magistrado
supostamente cometeu.
14. A Administração poderia ter entendido fundadamente que as
condutas subjacentes aos ilícitos (também eventualmente passíveis de uma
qualificação jurídico‑criminal) eram de molde a revelar a inadaptação para o
exercício da função, nunca poderia era ter dito expressa e literalmente que essa
inadaptação se verificou em virtude de o magistrado recorrido ter cometido
crimes, conforme se lê da decisão punitiva.
15. Entender que a Administração pode qualificar como crime uma
determinada conduta, para efeitos estritamente disciplinares, sem atender à
qualificação criminal que está a ser levada a efeito na jurisdição penal onde o
arguido apenas está pronunciado por esse crime, ofende o princípio da separação
de poderes e a exclusividade da jurisdição penal (cf. artigos 2.º e 32.º, n.º
9, da CRP).
16. Entender que a Administração pode aplicar uma sanção
disciplinar qualificando as condutas como constituindo crimes ofende o
princípio da presunção da inocência, plasmado no artigo 32.º, n.º 2, da CRP.”
Como é patente, nesta peça processual, designadamente nas
conclusões 15.ª e 16.ª, não é adequadamente suscitada nenhuma questão de
inconstitucionalidade normativa, não se identificando qualquer norma de direito
ordinário que, no entender do recorrente, violasse normas ou princípios
constitucionais. Nas referidas alegações nenhuma referência é feita aos artigos
27.º, alínea a) [«Compete ao Conselho Superior do Ministério Público: a) Nomear,
colocar, transferir, promover, exonerar, apreciar o mérito profissional, exercer
a acção disciplinar e, em geral, praticar todos os actos de idêntica natureza
respeitantes aos magistrados do Ministério Público, com excepção do
Procurador‑Geral da República»], e 184.º, n.º 1, alíneas a) e b) [«1 – As penas
de aposentação compulsiva e de demissão são aplicáveis quando o magistrado: a)
Revele definitiva incapacidade de adaptação às exigências da função; b) Revele
falta de honestidade, grave insubordinação ou tenha conduta imoral ou
desonrosa»], do Estatuto do Ministério Público (Lei n.º 60/98, de 27 de Agosto),
pela primeira vez referidos no requerimento de interposição de recurso para o
Tribunal Constitucional.
Não tendo sido adequadamente suscitada pelo recorrente, perante
o tribunal que proferiu a decisão recorrida, qualquer questão de
inconstitucionalidade normativa, o recurso interposto surge como inadmissível
(o que nos dispensa de apurar se o acórdão recorrido efectivamente aplicou,
como ratio decidendi, os critérios normativos referidos no requerimento de
interposição de recurso de constitucionalidade), o que determina o não
conhecimento do respectivo objecto.
4. Em face do exposto, decide‑se, ao abrigo do disposto no n.º
1 do artigo 78.º‑A da LTC, não conhecer do objecto do presente recurso.”
1.2. A reclamação do recorrente apresenta a
seguinte fundamentação:
“Dá‑se como reproduzido todo o teor da consulta escrita que acompanha o
presente requerimento, cujas conclusões nesta sede se reproduzem, pela seguinte
forma:
1) A falta de menção expressa dos artigos 27.º e 184.º do Estatuto do Ministério
Público nas alegações do recurso jurisdicional interposto para o Pleno da 1.ª
Secção do STA constitui o cerne da decisão sumária agora objecto de reclamação
para a conferência, nos termos do artigo 78.º‑A, n.º 3, da LTC.
2) Pelo facto de não terem sido mencionados os preceitos mencionados em 1., o
Ex.mo Juiz Conselheiro Relator terá entendido não ter sido adequadamente
suscitada uma qualquer questão de inconstitucionalidade normativa. Não é, porém,
possível ao recorrente saber a que tipo de questão de inconstitucionalidade
normativa se refere o Ex.mo Juiz Conselheiro Relator. Mais ainda, não resulta
com total clareza se afinal a inadmissibilidade do recurso interposto pelo
recorrente não decorrerá de o Ex.mo Juiz Conselheiro Relator ter entendido
tratar‑se de um recurso de decisão judicial. Não sendo totalmente seguro para o
recorrente «quem são os seus inimigos», torna‑se difícil escolher «as melhores
armas» para se defender, para defender direitos básicos à tutela da dignidade
humana – valor essencial de um Estado de Direito –, direitos que, como pessoa e
cidadão, lhe assistem.
3) Admitindo a hipótese, que nos parece a mais provável (mas, sublinhamos, não
totalmente líquida), de que o Ex.mo Juiz Conselheiro Relator considerou que não
foi adequadamente suscitada uma questão de inconstitucionalidade normativa
resultante de interpretação, essa desadequação só poderá decorrer de não terem
sido expressamente mencionados os citados preceitos legislativos. Com efeito,
nas alegações do recurso jurisdicional interposto para o Pleno da 1.ª Secção do
STA, está patente quais são as interpretações feitas pela Administração que, no
entender do recorrente, se afiguram notoriamente inconstitucionais, por violação
das normas constitucionais devidamente identificadas pelo mesmo nas várias
peças processuais apresentadas.
4) No caso presente, o entendimento dos artigos 27.º e 184.º do Estatuto do
Ministério Público, que o recorrente pretende que se declare inconstitucional,
é claramente uma interpretação das normas referidas, o que corresponde portanto
ainda [a] uma inconstitucionalidade normativa, de acordo com a jurisprudência
firmada pelo Tribunal Constitucional. Diversamente, num outro aresto deste
Tribunal – o Acórdão n.º 612/94 – o «entendimento» a que o recorrente se
reportava correspondia, aí sem margem para dúvidas, aos termos da própria
decisão judicial, desligados de uma qualquer interpretação normativa, como o
próprio Juiz Relator doutamente soube fundamentar. E só por isso, aliás, o
Tribunal Constitucional veio então indeferir o requerimento em causa.
5) O artigo 75.º‑A da LTC, nos seus n.ºs 5 e 6, estabelece que deverá ser
endereçado ao requerente um convite no sentido de este prestar as indicações
relativas a elementos exigidos neste preceito e que se considere estarem em
falta.
6) A importância deste convite é por demais evidente pois que, desde logo, teria
permitido ao Ex.mo Juiz Conselheiro Relator divisar com total certeza qual o
sentido da pretensão do recorrente no recurso de inconstitucionalidade
interposto e, em consonância, lhe permitiria ter dado uma resposta cabal ao
recurso de constitucionalidade por ele interposto. Ainda que se entenda que essa
pretensão está devidamente identificada – não foi adequadamente suscitada uma
questão de inconstitucionalidade normativa resultante de interpretação –, o
facto de não ter sido feito aquele convite ao recorrente impediu‑o de suprir uma
irregularidade do seu requerimento, o que parece motivar a decisão sumária
objecto de reclamação para a conferência.
7) Quer a indeterminação da motivação da decisão sumária, quer a circunstância
de não ter sido concedida ao recorrente a possibilidade de regularizar o
recurso jurisdicional por si interposto, cerceiam completamente, em planos
distintos, o direito do recorrente a uma tutela jurisdicional efectiva, pedra
basilar de um Estado que se quer de Direito (constituindo uma densificação da
ideia ineliminável da protecção jurídica dos cidadãos), e constante
genericamente do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa («Acesso
ao direito e tutela jurisdicional efectiva»). O princípio do acesso ao direito e
tutela jurisdicional efectiva constitui ainda uma dimensão essencial do regime
geral dos direitos fundamentais dos cidadãos.
Termos em que,
pelas aí razões invocadas, deve ser dado provimento à presente reclamação, com
todas as consequências legais.”
A reclamação é acompanhada de parecer jurídico,
da autoria de Maria Benedita Urbano, cujas conclusões foram transcritas como
fundamentação daquela reclamação.
1.3. O recorrido (Conselho Superior do
Ministério Público), notificado da dedução da presente reclamação, não
apresentou qualquer resposta.
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
2. Resulta claramente da decisão sumária
reclamada que a razão determinante do não conhecimento do objecto do recurso
assentou na constatação de não ter sido pelo recorrente, perante o tribunal que
proferiu a decisão recorrida, “adequadamente suscitada nenhuma questão de
inconstitucionalidade normativa, não se identificando qualquer norma de direito
ordinário que, no entender do recorrente, violasse normas ou princípios
constitucionais”. E isto porque “no local indicado pelo recorrente como sendo
aquele em que teria suscitado, perante o tribunal recorrido, as questões de
inconstitucionalidade que pretende ver apreciadas – a saber: as alegações do
recurso jurisdicional interposto para o Pleno da 1.ª Secção do STA –, a
violação de preceitos constitucionais é directamente imputada a
«entendimentos» que teriam sido adoptados pelo acto administrativo
contenciosamente impugnado e pelo acórdão da 2.ª Subsecção do STA, então
recorrido, sem qualquer referência a normas identificadas pelos preceitos
legais que as suportariam, «entendimentos» esses que surgem como indissociáveis
das particularidades específicas do caso concreto”. Nessas alegações,
designadamente, “nenhuma referência é feita aos artigos 27.º, alínea a) (…), e
184.º, n.º 1, alíneas a) e b) (…), do Estatuto do Ministério Público (…), pela
primeira vez referidos no requerimento de interposição de recurso para o
Tribunal Constitucional”.
É certo que, como refere Fernando Alves Correia
(Direito Constitucional – A Justiça Constitucional, Coimbra, 2001, pp. 69‑70),
“de harmonia com a jurisprudência reiterada do Tribunal Constitucional, objecto
do controlo de constitucionalidade são as normas jurídicas e não os preceitos
normativos que as contêm”, mas, prossegue o mesmo autor, “de qualquer modo, o
controlo de «normas» há‑de sempre incidir sobre um «texto» ou um «preceito»
(legal ou regulamentar) que lhe sirva de suporte ou, por outras palavras, o
pedido de fiscalização de constitucionalidade tem sempre por objecto normas
vasadas ou concretizadas em preceitos legais ou regulamentares (em determinados
suportes formais)”. Na verdade, apesar da autonomia dos conceitos de norma e de
preceito (cf., quanto às relações entre norma e preceito, designadamente em sede
de fiscalização abstracta sucessiva da constitucionalidade, o Acórdão n.º
57/95) e embora uma norma sujeita a controlo de constitucionalidade possa
resultar da conjugação de vários preceitos ou reportar-se apenas a parte de um
preceito ou mesmo a um seu segmento ideal, o certo é que – tirando o caso
excepcionalíssimo das normas consuetudinárias (autor e obra citados, p. 70) – a
identificação da norma que se pretende submeter ao juízo do Tribunal
Constitucional sempre terá de ser feita por referência aos preceitos que a
suportam.
Já no Acórdão n.º 302/94 se afirmava que “o
Tribunal Constitucional vem entendendo, em jurisprudência uniforme e constante,
que ao suscitar qualquer questão de inconstitucionalidade de uma norma, deverá
sempre ser indicado o preceito ou preceitos de que ela se extrai, sem o que
essa norma não estará devidamente identificada”.
E no Acórdão n.º 57/95, tirado em sede de
fiscalização abstracta sucessiva de constitucionalidade, consignou‑se:
“Ora, como tem salientado este Tribunal em jurisprudência reiterada e uniforme,
objecto de fiscalização da constitucionalidade são normas jurídicas, entendidas
estas como todo e qualquer acto do poder público que contiver uma «regra de
conduta» para os particulares ou para a Administração, um «critério de decisão»
para esta última ou para o juiz ou, em geral, «um padrão de valoração de
comportamento» [cf., inter alia, os Pareceres da Comissão Constitucional n.ºs
3/78, 6/78 e 13/82 (in Pareceres da Comissão Constitucional, 4.º vol., pp. 221 e
segs. e 303 e segs., e 19.º vol., pp. 149 e segs.) e os Acórdãos do Tribunal
Constitucional n.ºs 26/85, 63/91, 146/92, 255/92 e 186/94, publicados no Diário
da República, II Série, de 26 de Abril de 1985, 3 de Julho de 1991, 24 de Julho
de 1992, 26 de Agosto de 1992 e 14 de Maio de 1994, respectivamente]. Não se
trata, porém, de normas abstractamente consideradas, mas de normas vasadas ou
concretizadas num preceito. Por outras palavras, o Tribunal Constitucional,
quando aprecia a constitucionalidade de uma norma jurídica, tem de referir essa
norma a um preceito concreto, que constitui o seu suporte formal.”
De acordo com estes critérios, que se reiteram,
é óbvio que não constitui modo adequado de suscitar uma questão de
inconstitucionalidade normativa a alegação de que “entender que a Administração
pode qualificar como crime uma determinada conduta, para efeitos estritamente
disciplinares, sem atender à qualificação criminal que está a ser levada a
efeito na jurisdição penal onde o arguido apenas está pronunciado por esse
crime, ofende o princípio da separação de poderes e a exclusividade da
jurisdição penal (cf. artigos 2.º e 32.º, n.º 9, da CRP)” (conclusão 15.ª da
alegação do recorrente) ou de que “entender que a Administração pode aplicar uma
sanção disciplinar qualificando as condutas como constituindo crimes ofende o
princípio da presunção da inocência, plasmado no artigo 32.º, n.º 2, da CRP”
(conclusão 15.ª da alegação do recorrente), sem a mínima referência aos
preceitos legais que suportariam esses “entendimentos”, directamente imputados
ao órgão administrativo autor do acto punitivo e à decisão judicial que negou
provimento ao recurso contencioso de anulação desse acto.
Por outro lado, tratando‑se de deficiência
localizada na fase de suscitação da questão de inconstitucionalidade perante o
tribunal que proferiu a decisão recorrida, é manifesto que se trata de
deficiência insusceptível de ser corrigida através de eventual aperfeiçoamento
do requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, razão
pela qual não pode proceder a pretensão do reclamante no sentido de ser
formulado o convite previsto no n.º 6 do artigo 75.º‑A da LTC.
3. Em face do exposto, acordam em indeferir a
presente reclamação.
Custas pelo recorrente, fixando‑se a taxa de
justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 20 de Setembro de 2006.
Mário José de Araújo Torres
Paulo Mota Pinto
Rui Manuel Moura Ramos