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Processo n.º 922/06
1ª Secção
Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
Acordam em Conferência no Tribunal Constitucional
O Município de Almada reclama para o Tribunal Constitucional pedindo a revogação
do despacho pelo qual lhe não foi admitido, no Supremo Tribunal de Justiça, o
recurso que pretendia interpor ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da
Lei 28/82, de 15 de Novembro (LTC).
Alega:
“...
1. O recurso não foi admitido com fundamento no facto de não se ter indicado a
norma eventualmente violadora da Constituição.
2. Efectivamente não foi identificado por números o algarismo cuja aplicação foi
considerada inconstitucional.
3. Porém, ao referir-se que o vício imputado era relativo à fundamentação do
douto acórdão, implicitamente se chamou à colação a interpretação normativa que
no aresto se fez dos números 2 e 3 do artigo 659° do CPC.
Termos em que esclarecida a questão se requer que a presente reclamação seja
julgada procedente e em consequência admitido o recurso interposto, devendo o
mesmo seguir a sua normal e legal tramitação.”
O Município reclamante pretendera interpor o dito recurso através de
requerimento formulado nos seguintes termos:
“O Município de Almada, notificado do douto acórdão que antecede que recaiu
sobre o pedido de reforma e arguição de nulidade, do mesmo vem interpor recurso
para o Venerando Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do art.
70° da LTC.
Com a interposição do presente recurso pretende a Recorrente ver apreciada a
inconstitucionalidade do douto acórdão recorrido com fundamento no facto de a
decisão consubstanciada no mesmo, não se encontrar minimamente fundamentada
quando ao não conhecimento das nulidades suscitadas pelo Município de Almada,
violando assim a norma constante do artigo 205°, nº 1, da Constituição da
República Portuguesa.
Porque está em tempo, tem legitimidade e a decisão é recorrível, requer a V.
Ex.ª que se digne admitir o presente recurso.”
Tal requerimento foi assim apreciado no Supremo Tribunal de Justiça:
“Requerimento de fls. 1090, apresentado pelo Município de Almada:
Com o mesmo pretende o requerente que seja admitido recurso para o Tribunal
Constitucional, com fundamento no disposto na al. b) do n.º 1 do art. 70° da
LTC.
Decidindo.
O Município de Almada vem dizer que considera inconstitucional a decisão
proferida sobre o seu pedido de reforma e arguição de nulidades por considerar
que a mesma não está fundamentada, tal como o exige o art. 205°, nº 1, da
Constituição.
Ao fazê-lo, não invoca qual a norma eventualmente violadora da Constituição,
antes sustenta a inconstitucionalidade da própria decisão.
Ora, tal não é fundamento para o recurso pretendido. Como salienta Gomes
Canotilho, “a questão suscitada perante o juiz da causa tem de ser uma questão
de inconstitucionalidade, isto é, tem de colocar-se o problema da conformidade
ou desconformidade de uma norma com a Constituição”, estando excluídas “as
questões de mérito da causa e as questões sobre a eventual constitucionalidade
ou inconstitucionalidade da decisão judicial” (in Direito Constitucional e
Teoria da Constituição – 7ª edição -, pág. 985).
Pelo que fica exposto, decido não admitir o recurso interposto para o Tribunal
Constitucional.”
O representante do Ministério Público no Tribunal Constitucional, ouvido sobre a
reclamação, entende que “a presente reclamação carece de fundamento, já que o
recurso de fiscalização concreta interposto carece manifestamente de objecto
normativo, visando impugnar, não qualquer norma ou interpretação normativa,
delineada de forma inteligível pelo recorrente, mas a concreta e específica
decisão proferida pelo STJ sobre os incidentes pós-decisórios colocados pelo
reclamante”.
Cumpre decidir.
Apura-se que, através do recurso cuja admissão está agora em causa, o reclamante
pretende impugnar – ao abrigo do disposto no artigo 70º n.º 1 alínea b) da LTC –
o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 27 de Junho de 2006.
Este tipo de recurso incide obrigatoriamente sobre normas jurídicas, cuja
inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, aplicadas na
decisão recorrida como seu fundamento jurídico.
Na verdade, conforme o Tribunal Constitucional tem repetidamente afirmado, o
controlo de constitucionalidade que, nos recursos das decisões dos outros
tribunais, lhe é atribuído, só pode ter por objecto normas jurídicas, não
podendo incluir-se no objecto destes recursos directamente as decisões
jurisdicionais recorridas.
Acontece que a acusação de inconstitucionalidade que o reclamante formula no
requerimento de interposição do recurso tem por objecto o acórdão recorrido e
não uma qualquer norma que o mesmo tenha aplicado.
Confrontado com este obstáculo à admissão do seu recurso, o Município de Almada
sustenta agora, na reclamação, que '...ao referir-se que o vício imputado era
relativo à fundamentação do douto acórdão, implicitamente se chamou à colação a
interpretação normativa que no aresto se fez dos números 2 e 3 do artigo 659° do
CPC'. É, todavia, irreparável a deficiência que apresenta a sua pretensão: o
requerimento de interposição do recurso não traduz a invocação de uma questão de
inconstitucionalidade normativa. Aliás, continua a não haver sequer uma
verdadeira alegação de desconformidade constitucional apontada a norma jurídica
aplicada na decisão recorrida como sua razão de decidir, pois o que, em suma, o
município de Almada invoca é que o acórdão recorrido violou os 'números 2 e 3 do
artigo 659° do CPC', bem como 'a Constituição', o que manifestamente não define
um objecto idóneo, neste recurso.
O recurso interposto não pode ser admitido.
Decide-se, por isso, indeferir a reclamação.
Sem custas
Lisboa, 28 de Novembro de 2006
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria Helena Brito
Rui Manuel Moura Ramos