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Processo n.º 528/06
1ª Secção
Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
Acordam em Conferência no Tribunal Constitucional
1. A fls. 764 foi preferida a seguinte decisão sumária:
'A. recorre para o Tribunal Constitucional, dizendo:
O presente recurso é interposto ao abrigo da al. b) do art. 70° da mesma Lei
28/82 e as normas cuja inconstitucionalidade se pretende sejam apreciadas são as
do art. 21º, nº 1, al. d) e 23° da chamada LGT – Lei Geral do Trabalho (Dec. Lei
49.408, de 24/11/69), o art. 6°, nº 1, al. b) e 15° do Dec. Lei 519-C-1/79, de
29/12 e ainda o Anexo I e a cláusula 130ª, ambos do Acordo de Empresa da
Portugal Telecom, publicado no BTE – Boletim do Trabalho e Emprego, 1ª Série, nº
39, de 22/10/90.
A inconstitucionalidade em geral daqueles normativos (com excepção da do art.
15° do Dec. Lei 519-C-1/79) foi ad cautelam arguida desde logo na p.i. (art. 93°
e segs), foi reafirmada nas alegações de recurso de apelação interposto pelo A e
nas contra-alegações de recurso do A. relativamente ao recurso da Ré para este
Supremo Tribunal de Justiça.
A inconstitucionalidade do artº 21º, nº 1, al. d) da LGT, dos artºs 6° e 15° do
Dec. Lei 519-C-1/79 e da clª 130ª do AE de 1990 – na tão surpreendente quanto
inconcebível e inacreditável vertente normativa que lhe foi atribuída pelo
Acórdão ora sob recurso (ou seja, no sentido de que uma cláusula de um dado
instrumento de regulamentação colectiva de 1990 poderia permitir e
consubstanciar o legalmente proibido abaixamento de categoria dos trabalhadores
por aquele abrangidos, desde que ao abrigo de uma declaração formal do mesmo IRC
de que ele contém tratamento mais favorável) só agora e por esta via pode ser
arguida por virtude de ter sido o Supremo Tribunal de Justiça a, pela primeira
vez, abordar tal questão (nunca antes, sequer, suscitada pelas partes ou pelas
instâncias) de um modo inteiramente insólito e inesperado, não sendo de todo
razoável que qualquer interessado previsse semelhante possibilidade
interpretativa e logo não podendo ter sido anteriormente arguida – cfr. Ac. TC,
v.g. de 5/11/96 in DR, II Série, de 6/12/97, p. 1567 e nº 370/94 in DR, II Série
de 7/9/94 – sendo que ela contraria toda a anterior uniforme orientação
jurisprudencial do Supremo Tribunal de Justiça sobre esta matéria, com a única
excepção do Acórdão de 6/7/05 que aliás o aresto ora recorrido praticamente se
limita a citar e a reproduzir.
Apreciando.
Conforme o Plenário deste Tribunal decidiu no Acórdão do n.º 224/05 (disponível
em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), inteiramente aplicável ao
presente caso, o Tribunal Constitucional não pode conhecer do objecto do recurso
na parte relativa à invocada inconstitucionalidade do Anexo I e da cláusula
130ª, ambos do Acordo de Empresa da Portugal Telecom, publicado no BTE – Boletim
do Trabalho e Emprego, 1ª Série, nº 39, de 22/10/90. Com efeito, o Tribunal
perfilha maioritariamente o entendimento de que as cláusulas das convenções
colectivas de trabalho não têm natureza de “normas” para efeito de fiscalização
concreta de constitucionalidade que lhe incumbe exercer, nos termos do artigo
280º n.º 1 alínea b) da Constituição e artigo 70º n.º 1 alínea b) da LTC.
Quanto ao resto: o acórdão recorrido não aplicou normas constantes nos artigos
21º n.º 1 alínea d) e 23º da LGT e dos artigos 6º n.º 1 alínea b) e 15º do
Decreto-Lei 519-C1/79 como ratio decidendi da decisão recorrida, pois julgou a
questão com fundamento no Acordo de Empresa aplicável. Tais normas não foram,
portanto, aplicadas na decisão recorrida.
Não se mostram, por estes motivos, verificados os pressupostos de
admissibilidade do recurso de constitucionalidade previsto na alínea b) do n.º 1
do artigo 70º da LTC.
Nestes termos, decide-se, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da LTC,
não conhecer do objecto do recurso. (...)'
Contra esta decisão reclama o interessado, nos seguintes termos:
A., A. e recorrente nos autos à margem indicados, notificado da decisão sumária
neles proferida, dela vem apresentar a competente reclamação, o que faz nos
termos do nº 3 do art° 78°-A da Lei 28/82, de 15/11, e com os fundamentos
seguintes:
1°
Não desconhece também e desde logo o recorrente que constitui hoje igualmente
facto público e notório o da prática inutilidade de reclamações como aquela que
ora é apresentada, desde logo dada a simples circunstância estatística de ser
absolutamente ínfimo o número de casos em que aquelas — em cuja decisão aliás
intervém, por força do já citado nº 3 do art° 78°-A, em claríssima violação do
art° 6° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem na vertente do direito a um
Tribunal independente e imparcial (violado quando o mesmo magistrado profere a
decisão “a quo” e participa na instância recursória “ad quem” — vide Acórdão de
23/5/91 do TEDH no “caso Oberschlick”, in Acórdão TEDH 204, p. 23, §§ 50-51) o
próprio autor da decisão reclamada !? — são julgadas procedentes. Em qualquer
caso,
2°
Se dirá desde logo que o Exm° Conselheiro Relator proferiu uma autêntica e
fulminante “decisão surpresa”.
3º
Decisão surpresa, porquanto — sem ouvir o recorrente e violentando assim de
forma grave, ostensiva e em absoluto ilícita e ilegal, por contrariar os
princípios do contraditório e da audiência prévia do interessado, inerentes a
todas as formas de processo e hoje (ainda mais) claramente consagrados no art°
3º do CPC, em particular nos seus n°s 1 e 3, aplicáveis também aos processos de
fiscalização sucessiva concreta por força do art° 69° da Lei n° 28/82 — de uma
penada e sem qualquer outra necessidade que não seja a de fazer cessar
rapidamente a intervenção processual do recorrente, resolver as questões
decidendas sem dar a este a possibilidade de sobre as mesmas se pronunciar,
4°
E em particular pela via processual adequada que são, nos termos das disposições
conjugadas dos art°s 690° do CPC e 79° e 49° da Lei 28/82 de 15/11, as alegações
de recurso, assim ilegitimamente impedidas.
5°
E fulminante porque, em menos de um mês, e com esta grave violação do
contraditório — consumada aliás ao abrigo de uma disposição (o art° 78°-A da Lei
28/82) que se deve entender por manifestamente inconstitucional, já que a
Constituição da República (art° 224°, n° 2) prevê que o Tribunal Constitucional
funcione, para o julgamento das questões que lhe estão cometidas, em plenário ou
eventualmente por secções, mas não por “relatores”... — se pretende “arrumar” o
presente recurso. Com efeito,
6°
Permitir a um Juiz singular, relator, decidir das questões de
inconstitucionalidade (que não sejam meramente adjectivas) constituirá sem
dúvida uma forma expedita de baixar as pendências neste Tribunal Constitucional,
mas em absoluto contrária à Constituição por cujo respeito deveria aquele acima
de tudo administrar a Justiça (art° 221° da CRP).
7°
Acresce que o Sr. Juiz Relator decide “não se mostrar, por estes motivos,
verificados os pressupostos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade
(...). Nestes termos, decide-se, ao abrigo do disposto no n° 1 do art° 78°-A da
LTC não conhecer do objecto do recurso” (sic, com sublinhado nosso) e, claro,
logo taxando um já idoso trabalhador por conta de outrém, reformado, no
astronómico montante de 7 UC’s de Taxa de Justiça.
8°
Ora, estabelece imperativamente o citado art° 78°-A no seu nº 1 “que se entender
que não pode conhecer-se do objecto do recurso (...), o relator faz uma sucinta
exposição escrita do seu parecer e manda ouvir cada uma das partes”, o que
precisamente o Sr. Juiz Relator fez.
9°
E desde logo por aqui, a decisão ora reclamada não poderia deixar de ser
revogada, já que é o seu próprio autor que invoca o citado nº 1 — relativo ao
não conhecimento do objecto do recurso — e não o nº 3 — respeitante à decisão
imediata — para fundamentar a sua decisão.
10°
Acresce que a decisão ora reclamada labora num manifesto lapso, e de gravidade
extrema ao pretender — numa argumentação absolutamente sofística, digna de um
processo de Kafka — que o Acórdão do STJ não teria aplicado as normas constantes
dos art°s 21°, n° 1 e 23° da LGT (que proíbem todo e qualquer abaixamento de
categoria) e o 6°, n° 1, al. b) e 15° da LRCT — Dec. Lei 519-C1/79 (que proíbem,
respectivamente, que uma norma de contratação colectiva contenha tratamento
menos favorável que o da lei e o retrocesso de condições, direitos e regalias
consagrada em IRC anterior) “pois julgou a questão com fundamento no Acordo de
Empresa aplicável” (sic).
11º
Mas, Oh Deuses do Olimpo, se o Acórdão do STJ o que sustenta é que a referida
norma do Acordo de Empresa pode ser interpretada e aplicada de molde a permitir
a desvalorização profissional dos trabalhadores como o A., precisamente porque
aquelas normas legais não só não a proíbem (?l) mas até o permitem (?‘), como se
pode lógica e validamente sustentar então que o Acórdão recorrido não procedeu à
interpretação e aplicação, ao caso sub júdice, das referenciadas normas legais
??!!
12°
Dito de outra forma: segundo este absolutamente extraordinário argumento (de
que, quando o Tribunal a quo invoca que certo comando legal possibilita certo
efeito jurídico que realmente ele proíbe não está a interpretar e aplicar, de
forma errónea embora, o referido comando) está descoberta a forma de se fazer
eximir à verificação da constitucionalidade as mais bárbaras violações, no
âmbito das relações de trabalho e por via de normas de contratação colectiva,
dos preceitos e princípios constitucionais.
13º
Se ad absurdum amanhã for publicada uma Convenção Colectiva de Trabalho que
contenha uma cláusula a proibir a contratação de negros ou de judeus e houver um
Tribunal a quo que entenda que o art° 22°, n°s 1 e 2 do Código do Trabalho não
proíbe esse regime de contratação colectiva, e se interponha recurso para este
Tribunal Constitucional desse Acórdão, alegando que, interpretado e aplicado
como tal permitindo, esse preceito do Código do Trabalho viola grosseiramente o
art° 13° da CRP, os Ilustríssimos Juízes Conselheiros deste Tribunal
Constitucional dormirão tranquilamente o sono dos justos quando um deles
decidir, por decisão sumária, não conheceu do objecto do recurso com o argumento
de que o Acórdão recorrido não aplicou norma constante do artigo do Código do
Trabalho, pois julgou a questão (apenas) com fundamento na convenção colectiva
aplicável ?!...
14°
Por último, se dirá também que a teoria de que as cláusulas de convenções
colectivas de trabalho não teriam natureza de “normas” para efeitos de
fiscalização concreta de constitucionalidade — sendo uma vez mais bastante útil
para permitir diminuir pendências — não tem qualquer fundamento constitucional,
15°
Desde logo, porquanto os instrumentos de regulamentação colectiva,
designadamente as convenções colectivas, são clarissimamente fontes de Direito e
as suas cláusulas claramente normas de Direito do Trabalho — neste sentido ver,
muito claramente, o art° 1° do C.T. (e já antes o art° 12° da LCT).
16°
Depois porquanto a alínea a) do n° 1 do art° 280º da CRP refere “qualquer norma”
e tendo aquelas cláusulas natureza clarissimamente normativa (desde as
magníficas lições de Calamandrei e de Hueck e Nipperdey, que não deverá hoje,
com excepção porventura do Tribunal Constitucional português, um único
jus-laboralista que sustente o inverso — Neste sentido, ver Bernardo da Gama
Lobo Xavier, in “Iniciação ao Direito do Trabalho”, 3ª ed., p. 174, onde este
autor afirma expressamente: “As CCT’s criam verdadeiras normas jurídicas”), onde
a lei não distingue, não é ao intérprete lícito distinguir.
17º
E não estando assim “constitucionalmente limitado o recurso para o Tribunal
Constitucional às questões que envolvam as categorias superiores das fontes de
direito (nomeadamente as leis)” — neste sentido ver Gomes Canotilho e Vital
Moreira, CRP anot., 3ª ed., p. 1016, a limitação imposta por tal teoria é, ainda
e uma vez mais, patentemente inconstitucional e como tal deveria ser declarada,
com todas as consequências legais.
18°
Mas se tal declaração de inconstitucionalidade compete afinal ao próprio órgão
judiciário que a cometeu, quem nos guarda dos “Guardas” da já tão maltratada
Constituição da República Portuguesa?
19°
Porém, o que impressiona igualmente é o verdadeiro e medieval “argumento de
autoridade” que o Sr. Juiz Relator ousa invocar e que no fundo conduziria ao
completo imobilismo, para não dizer fossilização, deste mesmo Tribunal
Constitucional. Isto é,
20°
Como agora — porque nem sempre foi assim, como se sabe perfeitamente (nesse
sentido ver Ac. n.º 392/89 de 17/5/89, in Rec.. 200/88, no 249/90 de 12/7/90 in
Rec. 102/89, n° 431/91 de 14/11/91 in Rec. 102/89, n° 368/97, de 14/5/97, in
Rec. 21/95, n.º 47/98 de 3/2/98, in Rec. 551/97, n° 239/98, de 5/3/98 in Rec.
486/93, n° 276/99 de 5/5/99, in Rec. 695/98, n° 277/99, de 5/5/99, in Rec.
706/98, etc., etc., etc.) — o Plenário maioritariamente tem entendido assim, nem
se permite que a questão vá à Secção (independentemente da opinião que os
membros desta possam ter da matéria), e muito menos se permite que as questões
sejam mais aprofundadamente reflectidas e os espíritos (e os entendimentos ...)
evoluam Ou seja,
21°
É o impedimento, autoritário e sem contraditório, da discussão — por isso nem se
chega à fase das alegações — ao pior estilo do “sempre foi assim (e já vimos que
não foi) e sempre assim será !”.
22°
É por fim de salientar que o A. não é uma qualquer espécie de sujeito
incomodativo que vem fazer o Exm° Sr. Juiz Conselheiro Relator perder o seu
precioso tempo — e nem assim se poderiam aceitar alguns dos termos desta decisão
sumária... — mas um trabalhador gravemente lesado nos seus direitos e garantias
essenciais, agindo em defesa da Lei Fundamental do País,
23°
E naturalmente usando de todos os meios legítimos de reacção processual perante
decisões (inclusive a ora reclamada) que considera violadoras da lei, maxime da
Lei Constitucional. Tudo isto,
24°
Na firme convicção de que também para a Justiça Constitucional o processo não
seja um qualquer “estereótipo autista que a si próprio se contempla e impede que
seja prosseguida a Justiça, afinal o que os cidadãos pretendem quando vão a
Juízo”.
25°
Por todas as razões, adjectivas e substantivas, que ficam explanadas, a decisão
sumária ora em apreço denega, de forma totalmente ilegítima, ilícita e
inconstitucional, a fiscalização da constitucionalidade das normas que,
interpretadas e aplicadas do modo como o foram no Acórdão recorrido,
consubstanciariam uma autêntica “brutalidade normativa” que nunca jamais nos
tempos áureos das leis do Trabalho do tempo da Ditadura e da vigência da
Constituição de 1933 a então 3ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo
admitiu que se pudesse praticar e defender!
26°
E por isso deve ser sumária, fulminante e integralmente revogada!
Termos em que,
Deve a presente reclamação ser julgada procedente, revogando-se integralmente a
decisão sumária reclamada e ordenando-se a notificação para alegações, nos
termos do art° 79° da LTC.
A isto respondeu a recorrida da seguinte forma:
PT COMUNICAÇÕES, S.A., tendo sido notificada da reclamação apresentada pelo
Autor,
Vem dizer o seguinte:
Salvo melhor opinião que muito se respeita, o Autor não tem razão na reclamação
por si apresentada.
A
Em primeiro lugar e num gesto deselegante para com os Exmos. Senhores Juízes
Conselheiros do presente Tribunal, vem o Reclamante colocar em questão toda a
natureza da reclamação processual, fazendo desde logo um juízo de valor negativo
quanto à apresentação da reclamação por si efectuada, que adivinhando o seu
resultado, a apelida expressamente de recurso inútil.
Contudo, do argumento por este enunciado, subsistem desde logo as seguintes
questões:
1. Se o Reclamante entende ser inútil a reclamação para a conferência, qual a
razão pela qual o Autor pratica tal inutilidade?
2. Ou será que aquilo que o Reclamante pretende é proceder, subrepticiamente, a
um tipo de pressão sobre a eventual decisão que já adivinha ser negativa face
aos fundamentos da sua pretensão?
De qualquer modo e independentemente dos motivos relativamente aos quais foram
proferidos tão infelizes e desagradáveis comentários, o instituto da reclamação
para a conferência em nada belisca nem diminui os direitos dos reclamantes.
Na verdade, a conferência é constituída por um colégio constituído pelo relator
que proferiu a decisão sumária, o presidente ou vice-presidente e por um Juiz da
secção indicado pelo pleno da secção (n.º 3 do art.° 78.°-A da Lei n.° 28/82, de
15 de Novembro com as diversas alterações).
Consequentemente, é aviltante presumir, insinuar ou sugerir que o facto do
Senhor Juiz Relator que decidiu de forma sumária sobre a não admissão do recurso
fazer parte do Órgão Colegial que compõe a conferência, que condicione a livre
opinião dos outros membros do Órgão e consequente decisão que vier a ser
proferida.
Mas não é por acaso que o Autor já “adivinha” que tal pretensão deverá
improceder.
“Adivinha” a decisão final porque conhece perfeitamente que aquilo que reclama
versa sobre matéria que já várias vezes foi decidido por este Tribunal
Constitucional, levando-o ao cúmulo de, na ausência de argumento substantivo,
propalar exemplos que em nada têm de semelhante com o que se discute in casu.
B
Realmente, vem o Autor nas suas Alegações afirmar que a reclamação a que dá uso
através do presente requerimento mostrar-se ilegal por “... claríssima violação
do art° 6° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem na vertente do direito a
um tribunal independente e imparcial (violado quando o mesmo magistrado profere
a decisão “a quo” e participa na instância recursória “ad quem — vide Acórdão de
23/5/91 do TEDH no “caso Oberschlick...”
Aqui e uma vez mais, parece-nos que o Autor confunde e mistura questões
díspares.
B 1
Por um lado, porque vem perante o Tribunal Constitucional questionar a
legalidade da sua própria Organização, Funcionamento e Processo, pretendendo,
eventualmente, substituir-se à Assembleia da República no que concerne a
matérias da reserva absoluta daquele Órgão previstas na alínea e) do artigo
164.° da Constituição da República Portuguesa.
Consequentemente, se o Autor não se conforma com a Lei n.° 28/82 (se a decisão
da conferência lhe for desfavorável como antevê), não será esta a instância
própria para apresentar tal discordância, pelo menos nos termos alegados.
B 2
Mas o Autor vai mais longe.
Para fundamentar a sua suspeição quanto à decisão que venha a ser proferida pela
Conferência (unicamente pelo facto de em tal Órgão intervir o Senhor Juiz
Relator que decidiu sumariamente pela não admissão do recurso), invoca o Acórdão
de 23/5/91 do TEDH no “caso Oberschlick”, in Acórdão TEDH 204, p. 23 §§ 50-51.
Contudo, tal exemplo é manifestamente infeliz e não tem qualquer enquadramento
com a situação em apreço.
Porquanto e em síntese, em tal Acórdão o Tribunal Europeu pronunciou-se,
relativamente a questão suscitada no âmbito do Direito Penal, no sentido de que
a renúncia a um direito protegido pela Convenção — na forma em que fosse
admissível — deveria ser feita de forma inequívoca.
O que estava em questão é que, em determinada decisão, não só o Presidente como
também outros dois membros do Colectivo de Recurso deveriam ter sido impedidos
de decidir naquele caso em concreto, uma vez que tinham participado em duas
decisões em momentos distintos. Ora, tal só seria permitido se o autor em tal
processo tivesse renunciado ao seu direito de ver o seu caso julgado por um
tribunal independente.
Uma vez que foi entendido que o autor em tal acção não renunciou a tal direito,
verificou-se que tinha sido violado o Artigo 6.°, parágrafo 1 da Convenção para
Protecção de Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais.
Face ao exposto, para em boa fé se estabelecer relação entre este caso e a
presente acção seria necessário, pelo menos:
a) Ter havido em instâncias ou fases diferentes do processo, a participação dos
mesmos Juízes;
b) O Autor ter direito a pronunciar-se sobre a admissão ou de poder exigir a
substituição dos juízes em causa;
c) Estarmos no âmbito dum processo penal (que não é o caso), com todas as
vicissitudes deste tipo específico de processo.
De qualquer modo,
d) Aqui, o legislador pretendeu que a questão objecto de recurso fosse
previamente analisada por um Juiz de modo a expurgar da apreciação de fundo os
recursos que não tinham sequer condições para ser apreciados.
e) Ora, se em caso de reclamação esse mesmo Juiz constituir o Órgão Colegial que
vai decidir na Conferência, em nada belisca o resultado final tendo em conta que
os membros que compõem a Conferência são em número ímpar.
Consequentemente, entendemos serem despropositadas, mesquinhas e inaceitáveis as
suspeições sugeridas pelo Autor.
C
Ainda assim, são devidos alguns “esclarecimentos/opiniões” à Reclamação
apresentada pelo Autor e respectivos fundamentos.
C 1
Em primeiro lugar e na sequência do que atrás foi alegado, entender como
entendeu o Autor que a decisão do Exmo. Senhor Juiz Relator é “uma autêntica e
fulminante “decisão surpresa “, só deverá ser levada a sério se aquele esteve
distraído nos últimos anos.
Na verdade, pelo menos desde o ano de 1993, que o Tribunal Constitucional,
através do Acórdão n.º 172/93 de 10 de Fevereiro, vem entendendo
maioritariamente “... que as normas das convenções colectivas de trabalho não
estão sujeitas à fiscalização concreta da constitucionalidade, ..., pois que não
integram o conceito de norma utilizado na alínea b) do n.° 1 do artigo 280. ° da
constituição [e, consequentemente, na alínea b) do n.° 1 do artigo 70. ° da Lei
do Tribunal Constitucional]” (vide Acórdão do TC n.º 224/2005 — Processo n.°
68/2005)
Face ao exposto, apelidar tal decisão como “decisão surpresa”, decorridos pelos
menos três anos da data em que foram proferidas decisões semelhantes, é,
concerteza, brincar com conceitos, com o direito e com a inteligência dos demais
intervenientes.
C 2
O problema é outro. De facto, a questão de fundo para este Autor/Legislador, foi
em primeira linha ver negada pelo Supremo Tribunal de Justiça pretensão que
julgava pertencer-lhe,…
…e depois, verificar que por decisão sumária do Exmo. Senhor Juiz Relator do
Tribunal Constitucional, tal recurso não seria admitido.
Atordoado com tal pancada e em desvario de propósitos, o Autor optou por tecer
considerações aluadas sobre a realização de actos que estão previstos na lei,
designadamente, na Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal
Constitucional.
De facto, só assim se interpretam as comparações que o Autor tece entre a
decisão do Exmo. Senhor Relator do Tribunal Constitucional e FRANZ KAFKA, a não
ser, que aquilo que o Autor pretendia retratar na comparação elaborada, era a
racional lucidez com que Kafka via, observava e relatava o mundo.
E com todo o respeito e consideração, que aliás é muito, vendo-se o Autor na
necessidade de pedir o apoio dos “Deuses do Olimpo” para sustentar a sua tese, é
porque já não se encontra seguro daquilo que defende.
Só que neste caso, provavelmente, o Deus que tem apoiado o Autor, tem sido
“Poseidon”, Deus dos Mares…
D
D 1
O problema é que o Autor parou no tempo, refugiando-se, não tanto no passado
correspondente à época da mitologia grega, mas ao passado mais recente, não
aceitando que as sociedades evoluem, e aquilo que é um entendimento
jurisprudencial em determinado momento ou período não o tem de ser para sempre,
sob risco de assim o fazendo, ser legítimo defender teses jurisprudenciais
saídas da Constituição de 21 de Agosto de 1911, caso estas nos fossem
favoráveis.
Só que depois, na ânsia de explicar o inexplicável, o Autor parte para o
absurdo, quando no artigo 13° das suas Alegações formula um exemplo infeliz e
que provavelmente só cativaria a atenção de estudantes de direito em conversa de
café, verificando-se que afinal o Autor não percebeu a razão pela qual o seu
recurso para este Tribunal não foi aceite.
Não é uma decisão surpresa o Tribunal Constitucional não apreciar a
constitucionalidade das cláusulas das convenções colectivas de trabalho, e nós
podemos ou não concordar com tal tese, que aliás não é unânime.
O problema é que, concordando ou não, temos que respeitar as decisões do
Plenário do Tribunal Constitucional.
Agora o que não podemos aceitar são os exemplos despropositados que o Autor
formula e que não se enquadram no verdadeiro problema.
D 2
Ou seja, o exemplo formulado com os negros e judeus é desadequado. Não só por
ser absurdo que situação tão extrema fosse admitida por qualquer instância dos
Tribunais (a não ser que o Autor tenha sobre tais instituições opinião de tal
modo negativa que admita a existência de Juízes a decidirem em favor de hipótese
tão absurda), mas essencialmente porque o Tribunal Constitucional in casu não
foi colocado perante a eventualidade da constitucionalidade de disposições da
Lei Geral do Trabalho ou da Lei da Regulamentação Colectiva de Trabalho.
Note-se que não foi colocado em questão pelo Autor nas suas Alegações para o STJ
da inconstitucionalidade da decisão por violação do disposto no art.° 21.º n.° 1
d) da LCT ou da alínea b) e/ou c) do n.° 1 do art.° 6° da LIRC, mas sim da
inconstitucionalidade da Cláusula 130.° do AE/90 dos TLP relativamente àqueles
normativos.
E como resulta da Decisão Sumária do presente Tribunal Constitucional, “... o
Tribunal perfilha maioritariamente o entendimento de que as cláusulas das
convenções colectivas de trabalho não têm natureza de “normas” para efeito de
fiscalização concreta de constitucionalidade que lhe incumbe exercer, nos termos
do artigo 280° n.° 1 alínea b) da Constituição e artigo 70° n.° 1 alínea b) da
LTC.”
D 3
Por outro lado e tal como resulta da Douta Fundamentação do STJ, o Autor não
provou que desempenhasse funções cujo núcleo fundamental pertencesse a outra
categoria ou nível diferente da sua, nem sequer que os trabalhadores das
categorias ex-Assistentes tivessem ficado “amalgamados” na mesma categoria dos
ex-Electrotécicos e dos ex-Técnicos de telecomunicações, comprometendo assim, se
fosse caso disso, a verificação de qualquer inconstitucionalidade na decisão
proferida pelo Venerando Supremo Tribunal de Justiça.
E
A restante matéria alegada pelo Autor não é de direito nem com interesse para
esclarecimento dos factos e da verdade material.
E uma vez que grande parte do articulado se destina apenas a ofender o Tribunal,
unicamente por discordância de opinião, e porque nos parece inaceitável que a
este nível instância se teçam comentários tais como os que vêm proferidos no
artigo 19° das Alegações - “Porém, o que impressiona igualmente é o verdadeiro e
medieval “argumento de autoridade” que o Sr. Juiz Relator ousa invocar e que no
fundo conduziria ao completo imobilismo, para não dizer fossilização, deste
mesmo Tribunal Constitucional. ...“ — Discorde-se ou não com tal opinião,
abstemo-nos de mais considerações.
Termos em que a presente reclamação deverá improceder, mantendo-se na íntegra a
decisão sumária objecto de reclamação.
2. Cumpre decidir.
2.1. O recurso que o reclamante pretendia interpor para este Tribunal ao
abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC não foi admitido por se ter
considerado, em primeiro lugar, que as regras contidas em cláusulas das
convenções colectivas de trabalho não podem – de acordo com a jurisprudência
adoptada pelo plenário deste Tribunal no já citado Acórdão 224/05, reafirmado,
mais recentemente, pelo Acórdão n.º 407/06, da mesma formação – constituir o
objecto do recurso de inconstitucionalidade, por lhes faltar o carácter
normativo exigido pelo artigo 280º n.º 1 alínea b) da Constituição. Daí que a
matéria relativa à invocada inconstitucionalidade do Anexo I e da cláusula 130ª,
ambos do Acordo de Empresa da Portugal Telecom, publicado no BTE – Boletim do
Trabalho e Emprego, 1ª Série, nº 39, de 22/10/90 não possa ser conhecida.
O reclamante pugna por entendimento contrário, mas o certo é que os argumentos
que melhor sustentam esta tese foram já devidamente analisados e afastados nos
citados Acórdãos n.ºs 224/05 e 407/06 (in DR, II série, de 19 de Julho de 2006 e
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20060407.html respectivamente).
O Tribunal limita-se, aqui, a aplicar a doutrina dessas decisões, remetendo para
a respectiva fundamentação.
2.2. Por outro lado, quanto aos artigos 21º n.º 1 alínea d) e 23º da LGT
e dos artigos 6º n.º 1 alínea b) e 15º do Decreto-Lei 519-C1/79, considerou-se
que o Tribunal recorrido não aplicara normas retiradas destes preceitos como
ratio decidendi da decisão recorrida, pois julgou a questão com fundamento no
aludido Acordo de Empresa.
E é de confirmar tal julgamento.
O reclamante insurge-se contra aquela decisão, mas a verdade é que a reclamação
espelha – como nota a parte contrária – um errado entendimento do específico
regime do recurso de inconstitucionalidade previsto na alínea b) do n.º 1 do
artigo 70º da LTC. Nele, não é possível sindicar a decisão recorrida em si mesma
considerada, ou seja, a avaliação dos factos adquiridos no processo e a sua
qualificação jurídica, bem como a opção pelo direito ordinário aplicável. O
objecto do recurso circunscreve-se à norma concretamente aplicada como ratio
decidendi da decisão, pois só assim a eventual procedência do recurso tem
utilidade processual, determinando a reforma da decisão expurgada da norma
constitucionalmente desconforme.
Ora, ao enunciar como objecto do recurso uma norma retirada dos apontados
preceitos legais com o sentido de que uma cláusula de um dado instrumento de
regulamentação colectiva de 1990 poderia permitir e consubstanciar o legalmente
proibido abaixamento de categoria dos trabalhadores por aquele abrangidos, desde
que ao abrigo de uma declaração formal do mesmo IRC de que ele contém tratamento
mais favorável o recorrente está a pretender incluir no objecto do recurso
preceitos legais que não constituem a verdadeira causa de decidir da decisão
recorrida, enunciando uma 'norma' que efectivamente o Tribunal recorrido não
aplicou. Na verdade, a leitura do acórdão recorrido esclarece, sem margem para
dúvidas, que a decisão não se fundamentou nas normas questionadas, pois entendeu
não ter ficado demonstrado que o autor sofrera a baixa de categoria profissional
invocada como fundamento da acção. É certo que o recorrente contesta este
julgamento; mas terá que aceitar que ele resulta de uma determinada qualificação
jurídica dos factos apurados – agora insindicável –, e nunca da interpretação
normativa dos preceitos que quer, desrazoavelmente, fazer incluir no objecto do
presente recurso.
2.3. Sustenta ainda o reclamante ser inconstitucional a norma que permite
ao relator decidir sumariamente a não admissão de recurso e a que permite à
conferência, na qual se integra o relator, confirmar tais decisões.
É de notar que a argumentação do reclamante se apoia, em parte, numa versão da
Lei do Tribunal Constitucional que já não está em vigor e que, obviamente, não
foi aplicada.
E não é certo pretender que as normas que – actualmente – disciplinam o regime
da decisão de não admissibilidade dos recurso infringem a Constituição. Nesse
regime, constante do artigo 78º-A da LTC, prevê-se uma forma expedita de afastar
liminarmente as petições manifestamente impertinentes, ou as que nem sequer
preenchem os requisitos de que a lei e a Constituição fazem depender a
admissibilidade do recurso. Da decisão sumária do relator cabe sempre reclamação
para a conferência, mecanismo que obviamente permite ao interessado contrariar
os fundamentos da primitiva decisão, mediante o processo usualmente utilizado
nos tribunais superiores, isto é, perante uma outra formação de julgamento,
ainda que nela se inclua o relator.
Nada, na Constituição, impõe uma outra solução; tais normas não ofendem,
portanto, qualquer preceito constitucional, conforme, de resto, se tem
pacificamente entendido.
3. É, assim, de indeferir a reclamação, mantendo a decisão de não
conhecimento do recurso.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 15 de Setembro de 2006
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria Helena Brito
Rui Manuel Moura Ramos. Com a
declaração de que votei ponto
2.1. do acórdão nos termos da declaração que apuz ao
acórdão n.º 425/2006, deste Tribunal