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Processo nº 658/06
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Coimbra, em que é
recorrente A. e são recorridos o Ministério Público e B., foi interposto recurso
para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70º, nº 1,
alínea b), da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal
Constitucional (LTC), do acórdão daquele Tribunal, de 25 de Janeiro de 2006.
2. Em 27 de Julho de 2006, foi proferida decisão sumária, pela qual se entendeu
não tomar conhecimento do objecto do recurso interposto (artigo 78º-A, nº 1, da
LTC), com os seguintes fundamentos:
“Para se poder conhecer do objecto do recurso de constitucionalidade previsto na
alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC necessário é que o recorrente tenha
suscitado, durante o processo, a questão de inconstitucionalidade normativa
formulada no respectivo requerimento de interposição.
Dos presentes autos resulta que a questão de inconstitucionalidade formulada
neste requerimento não foi a suscitada, durante o processo, perante o Tribunal
da Relação de Coimbra, não podendo dar-se como verificado aquele requisito do
recurso de constitucionalidade interposto.
Segundo o requerimento de interposição de recurso para o Tribunal
Constitucional, o recorrente pretende «a apreciação da constitucionalidade da
norma do art° 80º n° 2 do CCJ, conjugada com o art° 146° n° 3 e 514° do CPC..,
quando interpretadas como foram, no sentido de “ser obrigação do recorrente
auto-liquidar a taxa de justiça devida pela interposição do recurso e pagar
através de guia a enviar pelo tribunal o acréscimo que aquele dispositivo
obriga, mesmo que objectivamente não possa o recorrente auto liquidar a taxa de
justiça devida acrescida de igual montante por inexistência de tal operação em
termos informáticos o que, com tal interpretação, implica a rejeição do recurso
mesmo que tenha sido paga a guia enviada pela secretaria, cabendo ao recorrente
informar-se perante o tribunal qual o procedimento que deveria adoptar”, por
violação dos art°s. 18°, 20° n° 1 32° n°1° da nossa Lei Fundamental»; quando
havia suscitado a inconstitucionalidade do artigo 80º, nº 2, do Código das
Custas Judiciais, interpretado «no sentido de que mesmo na impossibilidade
objectiva, e sem culpa, de o recorrente poder dar integralmente cumprimento à
citada lei, o recurso deve ser dado sem efeito, sem a possibilidade de notificar
o recorrente para proceder ao pagamento em falta da forma que o tribunal
entendesse por conveniente, seja através da autoliquidação do pagamento em
falta, seja através do envio de guia, pela secretaria, com o correspondente
valor em falta, por violação do art° 32° n° 1 da CRP e 20º n° 1 da mesma Lei
Fundamental».
Para além de a norma definida num e noutro momento processual não coincidir, foi
reportada a preceitos legais diferentes – ao artigo 80º, nº 2, do Código das
Custas Judiciais e, posteriormente, a este mesmo artigo, conjugadamente com os
artigos 146º, nº 3, e 514º do Código de Processo Civil –, o que obsta ao
conhecimento do objecto do recurso interposto e justifica a prolação da presente
decisão (artigo 78º-A, nº 1, da LTC)”.
3. Desta decisão vem agora o recorrente reclamar para a conferência, nos termos
do nº 3 do artigo 78º-A da LTC, com os fundamentos seguintes:
«1) Refere a decisão de que ora se reclama que: “...Dos presentes autos resulta
que a questão de inconstitucionalidade formulada neste requerimento não foi a
suscitada, durante o processo, perante o Tribunal da Relação de Coimbra, não
podendo dar-se como verificado aquele requisito do recurso de
constitucionalidade interposto.”. Pois,
2) “Para além de a norma definida num e noutro momento processual não coincidir,
foi reportada a preceitos legais diferentes – ao artigo 80°, nº 2, do Código das
Custas Judiciais e, posteriormente, a este mesmo artigo, conjugadamente com os
artigos 146°, nº 3, e 514° do Código de Processo Civil - , o que obsta ao
conhecimento do objecto do recurso interposto e justifica a prolação da presente
decisão...”.
3) Ora salvo o devido respeito, por opinião contrária, o ora reclamante, no
recurso que interpôs para o Tribunal da Relação de Coimbra definiu concretamente
o objecto do recurso e a norma que entendeu estar a ser interpretada
inconstitucionalmente.
4) Na verdade, como a decisão sumário reconhece, a interpretação da norma que
está e esteve sempre em causa, era, e continua a ser, a do artigo 80º nº 2 do
Código das Custas Judiciais, por violação do artigo do art° 32° nº1 da CRP e
art° 20º n°1 da mesma Lei Fundamental.
5) É certo que no requerimento para este Venerando Tribunal, acabamos por
indicar outras normas em conjugação com aquela, o que não invalida, salvo melhor
opinião, que se entendesse o alcance do requerimento de interposição do recurso.
6) Tanto assim é que a decisão ora reclamada, entendeu que o recorrente desde o
início põe em causa a “má interpretação do art° 80° nº2 do CCJ, que impõe ao
arguido o pagamento da sanção por guia e a auto liquidação da taxa de justiça,
quando a secretaria devia ter emitido uma guia no montante total das duas
quantias e notificar o recorrente para o seu pagamento”. (cfr. fls., 2 e 3 da
decisão).
7) A inclusão das normas dos artigos 146° nº 3 e 514º do CPC, aconteceu em
virtude da fundamentação da decisão posterior do Tribunal da Relação de Coimbra.
8) Como poderiam ser chamadas à colação em sede de alegações, e nem por isso
deixaria de estar em causa a interpretação inconstitucional do art° 80º nº2 do
CCJ, no «sentido de que mesmo na impossibilidade objectiva, e sem culpa, de o
recorrente poder dar integralmente cumprimento à citada lei, o recurso deve ser
dado sem efeito, sem a possibilidade de notificar o recorrente para proceder ao
pagamento em falta da forma que o tribunal entendesse por conveniente, seja
através da autoliquidação do pagamento em falta; seja através do envio de guia,
pela secretaria, com o correspondente valor em falta, por violação do art° 32°
nº 1 da CRP e art° 20° nº 1 da mesma Lei Fundamental».
9) Em todo o caso, a decisão sumário de não conhecer do objecto do recurso, por
- dizemos nós – a questão suscitada, durante o processo, não ter sido a mesma
que interpôs para o Tribunal da Relação de Coimbra, é deveras desproporcional se
atendermos a que desde o inicio do processo o recorrente delimitou o objecto do
presente recurso à interpretação da norma do artigo 80º nº 2 do Código das
Custas Judiciais nos moldes acima transcritos.
10) Daí que se houve discrepância entre o alegado e o requerimento, dever-se-ia,
salvo melhor opinião, talqualmente é jurisprudência uniforme e pacífica, no caso
de existir imperfeição nas conclusões de recurso ao abrigo do artº 412° nº 2 e
420º nº 1 do CPP, que nos escusamos de enunciar, convidar o recorrente ora
reclamante a aperfeiçoá-lo, antes de o rejeitar!
11) Na verdade, ficaríamos sem perceber porque decidiu dessa maneira este mais
Alto Tribunal, quando recursos que foram rejeitados por falta de conclusões,
foram revogados no sentido de se convidar os recorrentes a aperfeiçoá-los, e, no
nosso caso concreto, tal interpretação já não teria aplicação?!...».
O reclamante conclui que:
«(…) deve a presente decisão sumária ser substituída por outra que, se digne
ordenar a notificação do ora reclamante, para corrigir o requerimento de
interposição de recurso para este mais Alto Tribunal, ou, notificá-lo para
apresentar alegações no que concerne à interpretação por si assacada de
inconstitucional da norma do art° 80º nº 2 do CCJ, durante o processo, no
«sentido de que mesmo na impossibilidade objectiva, e sem culpa, de o recorrente
poder dar integralmente cumprimento à citada lei, o recurso dever ser dado sem
efeito, sem a possibilidade de notificar o recorrente para proceder ao pagamento
em falta da forma que o tribunal entendesse por conveniente, seja através da
autoliquidação do pagamento em falta, seja através do envio de guia, pela
secretaria, com o correspondente valor em falta, por violação do art 32° nº1 da
CRP e art 20° nº 1 da mesma Lei Fundamental».
4. Notificados os recorridos, veio dizer o Ministério Público que “a reclamação
apresentada não consegue pôr em causa os fundamentos e o sentido da decisão
sumária, razão pela qual deverá ser esta confirmada e aquela indeferida”.
Cumpre apreciar e decidir
II. Fundamentação
Como já se afirmou na decisão que é objecto de reclamação, o conhecimento do
objecto do recurso de constitucionalidade previsto na alínea b) do nº 1 do
artigo 70º da LTC depende da suscitação prévia, durante o processo, da questão
de inconstitucionalidade normativa formulada no requerimento de interposição de
recurso para este Tribunal.
Daí que tenha sido proferida decisão sumária, ao abrigo do disposto no primeiro
segmento do nº 1 do artigo 78º-A da LTC, uma vez que não havia coincidência
entre a questão de inconstitucionalidade suscitada durante o processo e a que
foi levada àquele requerimento. Decorrendo do teor daquela decisão que tal falta
de coincidência resultava, a título principal, de uma distinta definição da
norma nos momentos processuais relevantes, ao que acrescia a circunstância de a
norma definida durante o processo e a definida depois no requerimento de
interposição de recurso se reportarem a preceitos legais diferentes.
Sem contrariar o invocado a título principal – o recorrente definiu uma norma
diferente no requerimento de interposição de recurso –, o reclamante requer, em
alternativa à notificação para alegações, que seja notificado para corrigir o
requerimento de interposição de recurso para este Tribunal, invocando, para o
efeito os artigos 412º, nº 2, e 420º, nº 1, do Código de Processo Penal.
Para além de à tramitação dos recursos para o Tribunal Constitucional não serem
subsidiariamente aplicáveis a normas do Código de Processo Penal (cf. artigo 69º
da LTC), deve notar-se que o convite para que o recorrente aperfeiçoe o
requerimento de interposição de recurso tem lugar apenas quando nesta peça
processual não seja indicado um dos elementos previstos nos nºs 1 a 4 do artigo
75º-A da LTC, segundo o disposto nos nºs 5 e 6 deste artigo. Circunstância que
não se verificou nos presentes autos, uma vez que o recorrente indicou a norma
cuja inconstitucionalidade pretendia ver apreciada. Porém, uma norma diferente
da questionada durante o processo.
Pelo exposto e na medida em que não foi contrariado o decidido anteriormente no
sentido do não conhecimento do objecto do recurso interposto, importa confirmar
a decisão objecto da presente reclamação.
III Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência,
confirmar a decisão sumária proferida.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 14 de Novembro de 2006
Maria João Antunes
Rui Manuel Moura Ramos
Artur Maurício