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Processo n.º 622/06
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Mário Torres
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do
Tribunal Constitucional,
1. A. vem reclamar para a conferência da
decisão sumária do relator, de 10 de Julho de 2006, que decidiu, no uso da
faculdade conferida pelo n.º 1 do artigo 78.º‑A da Lei de Organização,
Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26
de Fevereiro (LTC), negar provimento ao recurso.
1.1. A decisão sumária reclamada tem o seguinte
teor:
“1. A. foi pronunciada pela co‑autoria material e em concurso
efectivo de um crime de burla qualificada, previsto nos artigos 217.º e 218.º,
n.ºs 1 e 2, alínea a), do Código Penal e punível com pena de prisão de 2 a 8
anos, e de um crime de falsificação de documento, previsto no artigo 256.º, n.º
1, alínea b), do mesmo Código, e punível com pena de prisão até 3 anos ou com
pena de multa.
De ambos os crimes foi absolvida pelo acórdão do Tribunal
Colectivo do Círculo Judicial de Leiria, de 25 de Fevereiro de 2005.
Interposto recurso pelo Ministério Público, restrito à
absolvição pelo crime de falsificação de documento, o Tribunal da Relação de
Coimbra, por acórdão de 2 de Novembro de 2005, dando‑lhe provimento, condenou a
arguida, pelo referido crime, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de €
10,00, o que perfaz a multa de € 1000,00.
A arguida interpôs recurso desse acórdão para o Supremo
Tribunal de Justiça (STJ), que não foi admitido, por despacho do Desembargador
Relator do Tribunal da Relação de Coimbra, por a tal se opor o disposto no
artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal (CPP).
Deste despacho reclamou a arguida para o Presidente do STJ,
sustentando que o recurso é admissível, quer nos termos da citada alínea e) do
n.º 1 do artigo 400.º, que deve ser interpretado no sentido de vedar o recurso
para o STJ apenas quando o acórdão condenatório da Relação confirme anterior
condenação proferida na 1.ª instância, e já não – como no caso ocorre – quando
esteja em causa acórdão condenatório da Relação que revogue anterior absolvição
proferida na 1.ª instância, quer ao abrigo da alínea f) do mesmo preceito,
atendendo a que a arguida foi pronunciada por crime punível com pena de prisão
superior a 8 anos e deve entender‑se que o direito de recurso dos arguidos se
sedimenta pelo tipo de crime por que são acusados e pronunciados, sendo
irrelevantes as alterações que se verifiquem ao longo do desenvolvimento do
processo (no caso, a absolvição por esse crime na 1.ª instância, absolvição com
a qual o Ministério Público se conformou). No entender da arguida, qualquer
outra interpretação destes preceitos violaria os artigos 9.º, alínea b), 20.º,
n.º 1, e 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP).
A reclamação foi indeferida por despacho de 31 de Maio de 2006
do Vice‑Presidente do STJ, com a seguinte fundamentação:
«No caso em apreço, está em causa um acórdão da Relação em
processo por crime a que é aplicável pena de multa ou de prisão não superior a
cinco anos, não sendo assim admissível o recurso, para este Supremo Tribunal,
nos termos do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP.
No respeitante à inconstitucionalidade imputada ao artigo
400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, refere‑se que o Tribunal Constitucional já
apreciou esta questão, no acórdão n.º 49/2003, de 29 de Janeiro (Diário da
República, II Série, de 16 de Abril de 2003), concluindo pela não
inconstitucionalidade do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP.
Diz‑se neste acórdão, na parte que releva, que não desrespeita
o n.º 1 do artigo 32.º da CRP a norma da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do
CPP, quando interpretada no sentido de não admitir o recurso para o STJ a
decisão condenatória proferida pela Relação em recurso de decisão absolutória
da 1.ª instância, por o acórdão da Relação consubstanciar a garantia do duplo
grau de jurisdição, tendo em conta que perante ela o arguido tem a possibilidade
de expor a sua defesa.»
É deste despacho que vem interposto, pela arguida, o presente
recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do
artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal
Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada,
por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), lendo‑se no
respectivo requerimento de interposição:
«A recorrente pretende ver declarada materialmente inconstitucional a
interpretação, realizada na decisão recorrida, da norma constante do artigo
400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, quando interpretada no sentido da não admissão
de recurso para o STJ de uma decisão condenatória proferida pela Relação, em
recurso de decisão absolutória da 1.ª instância, em violação das normas
inscritas nos artigos 32.º, n.º 1, e bem assim 9.º, alínea b), e 20.º, n.º 1,
todos da CRP.
Com efeito, a norma inscrita no artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP deve ser
interpretada no sentido de apenas excluir o direito de recurso nos casos em que
o Tribunal da Relação profere decisão que confirma anterior condenação,
proferida em primeira instância.
No caso, como o dos autos, em que o arguido foi absolvido em primeira instância
e em que, mercê de um recurso apresentado pelo Ministério Público, vem a ser
condenado pelo Tribunal da Relação, deve ser admitido o direito de recurso para
o Supremo Tribunal de Justiça,
Só assim se garantindo, ao arguido, uma instância de recurso, nos termos
consagrados no artigo 32.º, n.º 1, da CRP.»
2. Como resulta do requerimento de interposição de recurso, a
questão de inconstitucionalidade que se pretende ver apreciada cinge‑se à norma
da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º da CPP, interpretada no sentido de não
admitir recurso do arguido para o STJ de acórdãos condenatórios proferidos pelas
Relações, em recursos interpostos de decisões absolutórias da 1.ª instância, em
processo por crime a que seja aplicável pena de multa ou pena de prisão não
superior a 5 anos.
Nesse requerimento, na verdade, nenhuma alusão é feita à
questão de inconstitucionalidade reportada à norma da alínea f) do n.º 1 do
mesmo artigo 400.º, que havia sido suscitada na reclamação endereçada ao
Presidente do STJ, pelo que tal questão está definitivamente arredada do
objecto do presente recurso.
Assim delimitado este objecto, constata‑se que a questão a
apreciar já foi objecto de anteriores decisões deste Tribunal, o que permite
qualificá‑la como «simples» e possibilita a prolação de decisão sumária, ao
abrigo do n.º 1 do artigo 78.º‑A da LTC.
3. Na verdade, a específica dimensão normativa ora em causa já
foi julgada não inconstitucional pelos Acórdãos n.ºs 49/2003 e 255/2005 (com
texto integral disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
O juízo de não inconstitucionalidade emitido pelo Acórdão n.º
49/2003 foi assim fundamentado:
«3. Constitui objecto do presente recurso a alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º
do Código de Processo Penal, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 59/98, de
25 de Agosto, e que dispõe:
“Artigo 400.º (Decisões que não admitem recurso)
1. Não é admissível recurso:
(…)
e) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, em
processo por crime a que seja aplicável pena de multa ou pena de prisão não
superior a cinco anos, mesmo em caso de concurso de infracções, ou em que o
Ministério Público tenha usado da faculdade prevista no artigo 16.º, n.º 3;
(…).”
(…)
A questão de constitucionalidade suscitada reside, assim, em
saber se o n.º 1 do artigo 32.º da Constituição impõe o direito a recorrer de
decisões condenatórias proferidas pelo Tribunal da Relação em recurso de
decisões absolutórias, relativamente a crimes de pequena gravidade (puníveis
com pena de multa ou com prisão até cinco anos). Apenas se considera, portanto,
a norma contida na alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo
Penal quando aplicada a recursos interpostos de acórdãos condenatórios da
Relação proferidos em recursos interpostos de decisões absolutórias da 1.ª
instância, pois que é a esta dimensão que as alegações apresentadas neste
Tribunal pela recorrente restringem o objecto do recurso de
constitucionalidade.
4. A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem tido
oportunidade para salientar, por diversas vezes, que o direito ao recurso
constitui uma das mais importantes dimensões das garantias de defesa do arguido
em processo penal.
Este direito assenta em diferentes ordens de fundamentos.
Desde logo, a ideia de redução do risco de erro judiciário. Com
efeito, mesmo que se observem todas as regras legais e prudenciais, a hipótese
de um erro de julgamento – tanto em matéria de facto como em matéria de direito
– é dificilmente eliminável. E o reexame do caso por um novo tribunal vem sem
dúvida proporcionar a detecção de tais erros, através de um novo olhar sobre o
processo.
Mais do que isso, o direito ao recurso permite que seja um
tribunal superior a proceder à apreciação da decisão proferida, o que,
naturalmente, tem a virtualidade de oferecer uma garantia de melhor qualidade
potencial da decisão obtida nesta nova sede.
Por último, está ainda em causa a faculdade de expor perante um
tribunal superior os motivos – de facto ou de direito – que sustentam a posição
jurídico‑processual da defesa. Neste plano, a tónica é posta na possibilidade
de o arguido apresentar de novo, e agora perante um tribunal superior, a sua
visão sobre os factos ou sobre o direito aplicável, por forma a que a nova
decisão possa ter em consideração a argumentação da defesa.
Resulta do exposto que os fundamentos do direito ao recurso
entroncam verdadeiramente na garantia do duplo grau de jurisdição. A ligação
entre o direito ao recurso e o duplo grau de jurisdição é, pois, evidente, sendo
reconhecida pela recorrente nas alegações apresentadas neste Tribunal (cf. a
conclusão D).
5. A norma impugnada pela recorrente – contida na alínea e) do
n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal – exclui, nos casos nela
previstos, a possibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de
acórdãos proferidos em recurso pela Relação.
Importa ter presente, todavia, que tais acórdãos resultam
justamente da reapreciação por um tribunal superior (o Tribunal da Relação),
perante o qual o arguido tem a possibilidade de expor a sua defesa. Por outras
palavras, o acórdão da Relação, proferido em 2.ª instância, consubstancia a
garantia do duplo grau de jurisdição, indo ao encontro precisamente dos
fundamentos do direito ao recurso.
Dir-se-á – como faz a recorrente – que, tendo havido uma
decisão absolutória na primeira instância, o direito ao recurso implicaria a
possibilidade de recorrer da primeira decisão condenatória: precisamente o
acórdão da Relação.
Tal entendimento não só encara o direito ao recurso desligado
dos seus fundamentos substanciais (como resulta do que já se disse), mas levaria
também, em bom rigor, a resultados inaceitáveis, como se passa a demonstrar.
Se o direito ao recurso em processo penal não for entendido em
conjugação com o duplo grau de jurisdição, sendo antes perspectivado como uma
faculdade de recorrer – sempre e em qualquer caso – da primeira decisão
condenatória, ainda que proferida em recurso, deveria haver recurso do acórdão
condenatório do Supremo Tribunal de Justiça, na sequência de recurso interposto
de decisão da Relação que confirmasse a absolvição da 1.ª instância. O que
ninguém aceitará.
A verdade é que, estando cumprido o duplo grau de jurisdição,
há fundamentos razoáveis para limitar a possibilidade de um triplo grau de
jurisdição, mediante a atribuição de um direito de recorrer de decisões
condenatórias.
Tais fundamentos são a intenção de limitar em termos razoáveis
o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, evitando a sua eventual paralisação, e
a circunstância de os crimes em causa terem uma gravidade não acentuada. Esta
segunda justificação, aliás, explica a diferença entre as alíneas e) e f) do n.º
1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal; com efeito, se ao crime em causa
for aplicável pena de prisão “não superior a oito anos” (alínea f)) – não sendo
hipótese abrangida pela alínea e), naturalmente –, só não cabe recurso para o
Supremo Tribunal de Justiça do acórdão condenatório proferido pela Relação se
este confirmar “decisão de 1.ª instância”.
Não se pode, assim, considerar infringido o n.º 1 do artigo
32.º da Constituição pela norma que constitui o objecto do presente recurso, já
que a apreciação do caso por dois tribunais de grau distinto tutela de forma
suficiente as garantias de defesa constitucionalmente consagradas.
6. A concluir, refira‑se o artigo 2.º do Protocolo n.º 7 à
Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais
(aprovado, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República n.º
22/90, de 27 de Setembro, e ratificado pelo Decreto do Presidente da República
n.º 51/90, da mesma data), cujo texto é o seguinte:
“Artigo 2.º
1 – Qualquer pessoa declarada culpada de uma infracção penal
por um tribunal tem o direito de fazer examinar por uma jurisdição superior a
declaração de culpabilidade ou a condenação. O exercício deste direito, bem
como os fundamentos pelos quais ele pode ser exercido, são regulados por lei.
2 – Este direito pode ser objecto de excepções em relação a
infracções menores, definidas nos termos da lei, ou quando o interessado tenha
sido julgado em primeira instância pela mais alta jurisdição ou declarado
culpado e condenado no seguimento de recurso contra a sua absolvição.”
Como se vê, a parte final do n.º 2 ressalva, precisamente, a
hipótese que está em apreciação no presente recurso.»
É esta orientação – reafirmada no já citado Acórdão n.º
255/2005 – que ora se reitera.
4. Em face do exposto, decide‑se, ao abrigo do n.º 1 do artigo
78.º‑A da LTC:
a) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 400.º, n.º 1,
alínea e), do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de não admitir
recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdão do Tribunal da Relação,
proferido em recurso interposto de decisão absolutória da 1.ª instância, que
condene o arguido por crime punível com pena de multa ou pena de prisão não
superior a 5 anos; e, consequentemente,
b) Negar provimento ao recurso, confirmando a decisão
recorrida na parte impugnada.”
1.2. A reclamação da recorrente apresenta a
seguinte fundamentação:
“A recorrente pretende ver declarada materialmente
inconstitucional a interpretação, realizada na decisão recorrida, da norma
constante do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, quando interpretada no
sentido da não admissão de recurso para o STJ de uma decisão condenatória
proferida pela Relação, em recurso de decisão absolutória da 1.ª instância, em
violação das normas inscritas nos artigos 32.º, n.º 1, e bem assim 9.º, alínea
b), e 20.º, n.º 1, todos da CRP.
Uma vez que,
A recorrente foi pronunciada pela prática, em co‑autoria
material e em concurso efectivo, de um crime de burla, previsto e punido pelos
artigos 217.º e 218.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), e de um crime de falsificação,
previsto e punido pelo artigo 256.º, n.º 1, alínea b), todos do CP.
Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi a
recorrente absolvida da prática de ambos os crimes, com os fundamentos
enunciados no acórdão proferido.
O Ministério Público junto do Tribunal de primeira instância
recorreu deste acórdão para o Venerando Tribunal a quo, tendo obtido vencimento,
Tendo a recorrente sido condenada pela prática de um crime de
falsificação de documentos, na pena de cem dias de multa, à taxa diária de 10€.
A recorrente pretende que o Supremo Tribunal de Justiça aprecie
o acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra.
Nos termos do disposto no artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do
CPP: «Não é admissível recurso: (…) e) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas
relações, em processo por crime a que seja aplicável pena de multa ou pena de
prisão não superior a cinco anos, mesmo em caso de concurso de infracções, ou em
que o Ministério Público tenha usado da faculdade prevista no artigo 16.º, n.º
3.».
Porém, entende a recorrente que tal preceito deve ser interpretado no sentido de
apenas não ser admissível o recurso, nos casos em que o Tribunal da Relação
profere decisão que confirma anterior condenação proferida em primeira
instância,
Sob pena de violação do disposto no artigo 32.º, n.º 1, da CRP: «O processo
criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso».
Pois,
No caso dos presentes autos, a recorrente foi condenada apenas
pelo Tribunal da Relação de Coimbra.
Aceitar que tal decisão não pode ser atacada equivale a negar o
direito de recurso da recorrente,
Uma vez que não fica sequer assegurado um grau de recurso.
Nesse sentido, a norma inscrita no artigo 400.º, n.º 1, alínea
e), do CP deve ser interpretada no sentido de excluir o direito de recurso nos
casos em que o Tribunal de Relação profere decisão que confirma anterior
condenação proferida em primeira instância, estando assim assegurada ao arguido
uma instância de recurso,
Nos casos, como o dos autos, em que o arguido não recorreu,
resultando a sua condenação do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, deve
ser admitido o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. Garantindo‑se assim
ao arguido uma instância de recurso, nos termos consagrados no artigo 32.º, n.º
1, da CRP e bem assim na Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Só assim se assegura também os princípios constitucionais
inscritos nos artigos 9.º, alínea b), e 20.º, n.º 1, da CRP, no sentido de ser
garantido ao arguido o direito fundamental de recorrer contra uma decisão que
lhe é desfavorável.
Razão pela qual,
O acórdão proferido é recorrível, nos termos conjugados dos
artigos 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP e 32.º, n.º 1, 9.º, alínea b), e 20.º,
n.º 1, todos da CRP.
Nesse sentido,
Deve ser dado provimento à presente reclamação e em
consequência ser declarada a inconstitucionalidade da interpretação, realizada,
na decisão recorrida, da norma constante do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do
CPP, quando interpretada no sentido da não admissão de recurso para o STJ de
uma decisão condenatória proferida pela Relação, em recurso de decisão
absolutória da 1.ª instância, em violação das normas inscritas nos artigos
32.º, n.º 1, e bem assim 9.º, alínea b), e 20.º, n.º 1, todos da CRP, com as
demais consequências.”
1.3. O representante do Ministério Público
neste Tribunal apresentou resposta, do seguinte teor:
“1 – A presente reclamação é manifestamente improcedente.
2 – Na verdade, a argumentação da reclamante em nada abala a
firme e reiterada corrente jurisprudencial que – conforme relata a decisão
recorrida – conduz à formulação de um juízo de não inconstitucionalidade da
norma questionada.”
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
2. Como se assinala na resposta do Ministério
Público, a reclamante limita‑se a reafirmar, sem novos argumentos, a tese da
inconstitucionalidade que, sem sucesso, sustentara na reclamação para o
Presidente do STJ, sem esboçar sequer qualquer crítica aos fundamentos
expendidos no Acórdão n.º 49/2003, reiterados no Acórdão n.º 255/2005.
Nesses arestos se salientou que “os fundamentos
do direito ao recurso entroncam verdadeiramente na garantia do duplo grau de
jurisdição”, visando um triplo objectivo: redução do risco de erro judiciário,
por reexame do caso por um novo tribunal; garantia de melhor qualidade potencial
da decisão obtida em sede de recurso, com intervenção de um tribunal superior; e
possibilidade de apresentação de novo, e agora perante um tribunal superior,
dos argumentos da defesa. Ora, todos estas razões substantivas justificadoras do
direito de recurso foram preenchidas quando, no presente caso, a arguida,
perante recurso interposto pelo Ministério Público para a Relação – recurso este
limitado à impugnação da absolvição pelo crime de falsificação de documento,
pois o Ministério Público conformou‑se com a absolvição pelo crime de burla –
teve oportunidade de, no âmbito do reexame do caso, expor, perante um tribunal
superior, a sua defesa. Conclui‑se, assim, na senda da anterior jurisprudência
deste Tribunal, que “estando cumprido o duplo grau de jurisdição, há fundamentos
razoáveis para limitar a possibilidade de um triplo grau de jurisdição”,
consistindo tais fundamentos na “intenção de limitar em termos razoáveis o
acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, evitando a sua eventual paralisação, e
[n]a circunstância de os crimes em causa terem uma gravidade não acentuada” (no
caso, crime punível com prisão até 3 anos ou com pena de multa, tendo sido
aplicada a pena de 100 dias de multa à taxa de € 10,00, o que perfaz a multa de
€ 1000,00). Solução que, como se referiu, se mostra perfeitamente conforme ao
disposto no artigo 2.º do Protocolo n.º 7 Adicional à Convenção Europeia dos
Direitos do Homem, que justamente excepciona da garantia do direito ao recurso
em matéria penal a hipótese de condenação no seguimento de recurso contra a
absolvição (parte final do seu n.º 2).
3. Em face do exposto, acordam em indeferir a
presente reclamação, confirmando a decisão sumária reclamada, no sentido do
improvimento do recurso, por não se julgar inconstitucional a norma do artigo
400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de
não admitir recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdão do Tribunal da
Relação, proferido em recurso interposto de decisão absolutória da 1.ª
instância, que condene o arguido por crime punível com pena de multa ou pena de
prisão não superior a 5 anos.
Custas pela recorrente, fixando‑se a taxa de
justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 20 de Setembro de 2006.
Mário José de Araújo Torres
Paulo Mota Pinto
Rui Manuel Moura Ramos