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Processo nº 517/2006.
3ª Secção.
Relator: Conselheiro Bravo Serra.
1. Inconformado com o acórdão proferido pelo tribunal
colectivo do Tribunal de comarca de Lousada interpôs o arguido A. recurso para o
Tribunal da Relação do Porto, tendo, na motivação adrede apresentada, formulado
as seguintes «conclusões»: –
“1 – O Acórdão ora recorrido condenou o ora Recorrente como coautor de um crime
de extorsão p. e p. pelo n.º 1 do art. 223º do Código penal na pena de 2 anos de
prisão [e] ainda no pedido de indemnização civil deduzido pelo assistente.
2 – Todavia, pela prova produzida em julgamento, entendemos que o arguido ora
recorrente não praticou qualquer crime.
3 – Em primeiro lugar o arguido recorrente apenas conhecia de vista, como ficou
provado, o arguido Norberto, como conhece centenas de pessoas e não tem com ele
nenhuma afinidade ou amizade.
4 – Em segundo lugar em nosso entendimento nunca ficou provado, nem poderia
ficar, que o arguido aqui recorrente na noite dos factos tivesse conduzido o
veiculo Ford Fiesta propriedade da ex-esposa.
5 – Como também não ficou provado que os arguidos e bem assim o recorrente
tivessem de alguma forma analisado o percurso do assistente.
6 – Por outro lado não é possível a dinâmica descrita pelo Tribunal ‘a quo’
quando refere que: ‘depois dirigiu -se na mesma viatura para uma casa antiga e
degradada, sita num lugar descampado não concretamente apurado na zona de
Lousada para onde estava planeado encaminharem através do uso da força física o
aludido assistente’
7 – Quando mais abaixo vem referido que: ‘Alguns minutos após este assistente
ter sido forçado a entrar no veículo automóvel de cor vermelha os três
indivíduos que então o acompanhavam obrigaram-no a mudar para veículo ligeiro
misto de Marca Ford Fiesta ... com lotação de apenas duas pessoas, ve[í]culo no
qual já se encontrava o arguido A. ...’
8 – Aqui cabe perguntar: afinal o assistente foi conduzido do local onde entrou
para o veículo para a casa abandonada ou antes trocou de veículo n[o] caminho
...
9 – Quando o assistente diz que quando entrou na viatura Ford Fiesta de dois
lugares já estaria sentado a pessoa que com dificuldade foi dizendo ser o
arguido ora recorrente que entrou pelo lugar onde estaria ele sentado e foi
colocar-se no meio dos dois homens dentro da carrinha. Diz ainda que entrou na
viatura com [o] arguido já lá sentado.
10 – Tudo isto para dizer que foi com base nestas declarações, as do assistente,
que o Tribunal ‘a quo’ condenou o recorrente na pena de dois anos de prisão
efectiva.
11 – Mesmo que entend[e]ssemos que o arguido tivesse qualquer intervenção, o que
não concebemos, esta sempre seria não determinativa do fim.
12 – Se atentarmos que as testemunhas que se dirigiram a casa do arguido
Norberto para descarregar os bens descriminados, sempre disseram que o arguido
A. não estava presente, como não estava sequer presente quando se procedeu a
carga dos bens.
13 – O Tribunal ‘a quo’ a fls 41 do douto acórdão aceita que as declarações do
assistente não foram totalmente escorreitas, mas em nosso entendimento, com o
devido respeito, foram comprovadamente falsas.
14 – E em caso de dúvida sempre é preferível não condenar um culpado que
prender-se um inocente.
15 – Por outro lado, ainda que se aplicasse qualquer pena esta sempre teria que
ser suspensa na sua execução tendo em conta que o Recorrente está perfeitamente
sociabilizado, trabalhador, profissional competente, em fase de reconciliação
matrimonial, com um filho a quem presta alimentos e com a mulher desempregada.
16 – Por último, não se poderá esquecer que o assistente vai ser reembolsado de
todos os seus bens e que os onerados nem seus eram o que sempre terá que ter
influência na medida da pena, que com a maior respeito nunca deveria ser de
prisão relativamente a todos os arguidos e nem sequer de multa relativamente ao
arguido aqui recorrente.
17 – Assim, o recorrente não poderá ser condenado pois não praticou os factos.
Todavia, se Vossas Excias assim não o entenderem a pena que foi aplicada [deve
ser ?] suspensa na sua execução sob pena de ser cometida uma irremediável
injustiça.
18- O presente recurso funda-se no artigo 410º n.º 2 do C.P.P. e ainda por
violação, entre outros, do disposto nos artigos 70 e 71º do C.P”.
Assinale-se, por outro lado, que, no «teor» da motivação,
não se surpreende qualquer asserção de onde decorra, directa ou indirectamente,
explícita ou implicitamente, a imputação, a qualquer normativo, constante do
ordenamento jurídico ordinário (ainda que alcançado por via de um processo
interpretativo), de um vício de contraditoriedade com a Constituição.
Tendo aquele Tribunal de 2ª instância, por acórdão de 22
de Junho de, negado provimento ao recurso, fez o arguido apresentar nos autos
requerimento em que manifestou a sua vontade de interpor, daquele aresto,
recurso para o Tribunal Constitucional nos termos da alínea b) do nº 1 do artº
70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, dizendo nesse requerimento que a “norma
violada é o artigo 29º n.º 1 da C.R.P. no princípio constitucional «in dubio pro
re[o]» e o artigo 13º n.º 1 da C.R.P.”.
O Desembargador Relator do Tribunal da Relação do Porto,
porém, não admitiu o recurso intentado interpor, carreando, em síntese, a
argumentação de harmonia com a qual, não obstante a inobservância, por banda do
requerimento de interposição de recurso, dos requisitos previstos no artº 75º-A
da Lei nº 28/82, o que era certo era que a formulação do convite a que se
reporta o nº 5 do mesmo artigo representaria a prática de um acto inútil, já que
dos autos resultava que na motivação de recurso para o Tribunal de 2ª instância,
o recorrente não suscitara qualquer questão de inconstitucionalidade, razão pela
qual se não assistia, no caso, à ocorrência do pressuposto do recurso ancorado
na alínea b) do nº 1 do artº 70º daquela Lei.
Desse despacho reclamou o arguido para o Tribunal
Constitucional dizendo, no requerimento corporizador da reclamação: –
“(…)
O recorrente interpôs recurso do Ac[ó]rdão do Tribunal Judicial de Lousada para
o Venerando Tribunal da Relação do Porto.
O douto Acórdão foi confirmado.
Não se conformando com o referido Acórdão que confirmou o anterior acórdão, o
recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, o qual não foi
admitido por despacho, e tão pouco foi notificado para proceder um convite ao
aperfeiçoamento do ora reclamado despacho, por não ter procedido de acordo com o
artº 75º-A n °2 da L TC .
Refere ainda o Sr. Relator que nunca o recorrente nas suas conclusões alega
alguma inconstitucionalidade no momento e local oportuno para o fazer.
Ora tal não é correcto uma vez que nas suas conclusões no ponto 3, 4, 5, 6,
refere expressamente que fora violado além doutros dispositivos legais, Artº 29
nº 1 e 13 da CRP de resto, o princ[í]pio constitucionalmente consagrado que
ninguém pode ser condenado sem certeza do crime cometido.
Quanto muito aqui surgia a necessidade de um convite ao aperfeiçoamento o que
não aconteceu e que rogamos seja feito.
O que se pretende é recorrer do despacho que não aceita o recurso baseado na
informação errónea convicção de que o recorrente jamais invocou o preceito
constitucional referido ‘ in d[u]bio pr[o] r[eo]’
O referido despacho entendemos deveria ser no sentido de convidar o recorrente a
esclarecer qual o principio violado, como referido nas conclusões no item
referido.
Visando a Justiça do caso concreto e tendo em conta os direitos do recorrente
constitucionalmente consagrados,
Requer, com a devida Vénia, que o despacho que não admitiu
o Recurso para Tribunal Constitucional seja revogado.
(…)”
Ouvido sobre a reclamação, o Ex.mo Representante do
Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido de a mesma
dever ser indeferida.
Cumpre decidir.
2. Como deflui do relato supra efectuado, é por demais
clara a improcedência da vertente reclamação.
Na verdade, aquando do recurso interposto para o Tribunal
da Relação do Porto, o arguido não suscitou, reportadamente a qualquer norma
ínsita no ordenamento jurídico infra-constitucional, uma questão de
desconformidade com a Lei Fundamental, limitando-se a sustentar, no que ora
releva, que a decisão prolatada na 1ª instância violou os artigos 29º e 13º do
Diploma Básico.
Ora, como sabido é – e resulta inequivocamente dos
artigos 70º, nº 1, da Lei nº 28/82 e 280º, nº 1, da Constituição –, o objecto
dos recursos visando a fiscalização concreta da constitucionalidade é
constituído por normas do ordenamento ordinário e não quaisquer outros actos
emanados do poder público tais como, verbi gratia, as decisões judiciais qua
tale consideradas.
Por isso, quando se assaca o vício de contraditoriedade
com a Lei Fundamental à decisão judicial e não à norma ou às normas jurídicas
ordinárias que serviram de suporte a tal decisão, pretendida recorrer, não pode
abrir-se a via do tipo de impugnação acima referido, justamente porque aqueles
supra indicados preceitos exigem, de entre o mais, que, precedentemente ao
proferimento da decisão judicial, se suscite a questão da desarmonia
constitucional normativa.
Não merece, consequentemente, censura, neste particular, o
despacho reclamado.
De outra banda, igualmente não merece censura o passo
daquele despacho onde se vincou que se não justificava lançar mão do convite a
que alude o nº 5 do artº 75º-A da Lei nº 28/82.
Efectivamente, são realidades diversas a congregação dos
pressupostos do recurso de constitucionalidade e os requisitos a que deve
obedecer o requerimento de interposição. E, se a primeira não ocorre, porque,
por esse motivo, se não pode admitir o recurso, ainda que o requerimento de
interposição, na sua primeira apresentação, contenha a totalidade dos
requisitos, é por demais óbvio que, numa situação em que o requerimento padeça
de défice da indicação dos citados requisitos, a formulação do convite se
apresenta como a realização de um acto inútil, precisamente porque a superação
daquela indicação não pode suprir o ónus de não suscitação atempada e
processualmente adequada da questão de inconstitucionalidade.
Neste contexto, indefere-se a reclamação, condenando-se o
impugnante nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em vinte unidades
de conta.
Lisboa, 21 de Setembro de 2006
Bravo Serra
Gil Galvão
Artur Maurício