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Processo n.º 227/06
3ª Secção
Relator: Conselheiro Gil Galvão
Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. A. (ora recorrente) interpôs, no Tribunal Central Administrativo, recurso
contencioso de uma acto de indeferimento tácito imputado ao Secretário de Estado
dos Assuntos Fiscais (ora recorrido), que se teria formado sobre um requerimento
dirigido a este último. O Tribunal Central Administrativo, por acórdão de 8 de
Julho de 2004, negou provimento ao recurso. Inconformado com esta decisão o
recorrente recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo que, por acórdão de 7
de Abril de 2005, julgou o recurso improcedente.
2. Novamente inconformado, recorreu com fundamento em oposição de julgados.
Alegou, então, para o que ora releva, que:
“[...] o douto Acórdão recorrido nos termos explicitados no douto Acórdão
fundamento violou efectivamente os arts. 30° e 32° ambos do DL 353-A/89
conjugados com o art. 3° n.º 4 do DL 187/90 de 7/6 e com o despacho ministerial
de 19-4-91, ou, subsidiariamente, faz uma interpretação das normas supracitadas
conjugadas com o art. 2° do mesmo DL 187/90 (que prevê, singelamente, que o
«presente diploma» se aplica ao pessoal do quadro da DGCI) violadora do
princípio da igualdade previsto nos arts. 13° e 59 n.º 1 a) da Constituição, e
como tal inconstitucional”
3. O Supremo Tribunal Administrativo, reunido o Pleno da Secção de Contencioso
Administrativo, decidiu, por acórdão de 19 de Janeiro de 2006, negar provimento
ao recurso. Para tanto, fundamentou assim a decisão:
“[...] Quanto à resolução da oposição a questão jurídica a decidir consiste em
saber se podem ser computadas na aplicação do regime de transição para o novo
sistema retributivo da função pública estabelecido pelo D.L. 353-A/89, de 16.10,
as remunerações acessórias auferidas após 30 de Setembro de 1989 por
funcionários requisitados depois dessa data (como sucedia com o recorrente
contencioso), para o exercício de funções na D.G.C.I. e, posteriormente
integrados no respectivo quadro de pessoal. E, foi tratada pelo Pleno deste
Tribunal, entre outros, no Acórdão de 27.11.2003, P. 47727 e solucionada no
sentido de que as remunerações acessórias auferidas pelos funcionários
vinculados à Direcção Geral das Contribuições e Impostos antes de 1 de Outubro
de 1989 não deveriam ser atribuídas a funcionários requisitados após 30 de
Setembro de 1989 para o exercício de funções na Direcção-Geral das Contribuições
e Impostos, nem deveriam ser levadas em consideração na respectiva transição
para o novo sistema retributivo criado pelo D.L. 353-A/89 de 16 de Outubro, não
lhes sendo aplicável o regime do D.L. 187/90, de 7 de Junho, que estabelece o
estatuto remuneratório do pessoal das carreiras da administração tributária e
aprova a respectiva escala salarial.
A decisão ali proferida na parte relevante assenta nos fundamentos que se
transcrevem:
«[...] O citado DL 184/89 definiu os princípios gerais em matéria de emprego
público, remunerações e gestão de pessoal da função pública, prevendo o
respectivo art. 43.º que seria objecto de desenvolvimento e regulamentação
noutros diplomas legais e entraria em vigor conjuntamente com os diplomas legais
de desenvolvimento relativo a matéria salarial.
Este desenvolvimento, em matéria de estatuto remuneratório dos funcionários e
agentes da Administração Pública, foi estabelecido pelo DL 353-A/89, de 16 de
Outubro, o qual, nos termos do respectivo art. 45, n° 1, produziu efeitos a
partir de 1 de Outubro de 1989.
Ora, aquele DL 184/89, visando devolver coerência e equidade ao sistema de
remunerações da função pública, determinou (art. 38) a extinção de todas as
remunerações acessórias não previstas ou enquadráveis nos suplementos previstos
nos arts 15 e 19.
Para salvaguarda de direitos eventualmente adquiridos, estabeleceu este mesmo
diploma legal, no art. 39, que as remunerações acessórias extintas pelo artigo
anterior deveriam ser levadas em conta na remuneração a considerar para efeitos
de transição para o novo sistema retributivo, garantindo, ainda, que desta não
poderia resultar redução da remuneração auferida pelo funcionário ou agente
(art. 40). Porém, aquele art. 39 expressamente estabelece que o diferencial de
integração, correspondente à diferença entre a remuneração indiciária e o
montante já percebido, «tem carácter de remuneração pessoal e não pode ser
atribuído a situações constituídas após a entrada em vigor do novo sistema
retributivo» (n.º 6). Assim, como bem conclui o acórdão fundamento, o legislador
quis salvaguardar as remunerações que cada um auferisse a título pessoal, mas à
data da entrada em vigor do DL 184/89. O que, como se viu, aconteceu em 1 de
Outubro de 1989.
No caso da ora recorrida, só com a respectiva requisição e início de funções na
DGCI, em 14.5.90, passou a mesma a auferir a remuneração acessória a que tinham
direito os funcionários que ali prestavam serviço antes daquela entrada em vigor
do DL 184/89 (1.10.89).
Daí que tal remuneração acessória lhe não deveria ter sido atribuída nem, por
consequência, levada em conta para efeitos da respectiva transição para o novo
sistema retributivo.
[...]
Assim, a recorrente não pertencia, ainda, ao quadro da DGCI na data da
respectiva integração no novo sistema retributivo, estabelecido pelo DL
353-A/89, diploma que, como já se viu, passou a produzir efeitos a partir de 1
de Outubro de 1989, por força do disposto no respectivo art. 45, n.° 1.
Daí também que não lhe fosse aplicável o regime estabelecido, designadamente no
citado art. 3, n.° 4, do DL 187/90, de 7.6, cujo “âmbito” de aplicação se limita
ao pessoal da DGCI, como expressamente determina o respectivo art. 2° (“O
presente diploma aplica-se ao pessoal do quadro da Direcção-Geral das
Contribuições e Impostos dos seguintes grupos: ...”).
A transição da recorrida para o novo sistema retributivo fez-se, pois, segundo o
regime do DL 353-A/89, de 16.10 (vd. art. 2, n.° 1), E, para efeito desta
transição, não havia que considerar remunerações acessórias (art. 30, n.º 2 e
3). Pois que, à data da produção de efeitos desse diploma, ainda não iniciara
funções como requisitada na DGCI, encontrando-se a exercer funções no serviço de
origem, o IROMA, sem auferir tais remunerações.”»
Estas considerações são inteiramente transponíveis para a situação do recorrente
que sendo funcionário do quadro do IROMA requisitado na DGCI depois de 1.10.89
viria a ser integrado no quadro desta DG a partir de 5.9.94. E, não existem
razões para inverter o sentido da jurisprudência que decorre do Acórdão
transcrito, [...]
Isto apesar da argumentação suplementar do recorrente que se passa a analisar.
Vem sustentado que o recorrente não pode ser tratado de modo diferente dos
funcionários do quadro da DGCI, mas esta proposição não pode ser acolhida porque
existe diferença nas situações em causa que não é meramente formal, já que a
experiência anterior em área diversa não é igual em termos substanciais à dos
funcionários do quadro da DGCI e os emolumentos que o recorrente auferia desde a
requisição até à integração no NSR eram devidos a titulo precário, isto é,
enquanto requisitado, podendo suceder que nunca tivesse sido integrado no quadro
do serviço requisitante. Além disso a igualdade a que o recorrente podia aspirar
legitimamente era a em relação aos funcionários em iguais condições do quadro do
IROMA.
Também não há dúvida de que o momento relevante para aplicação dos critérios
legais de integração no NSR é a situação remuneratória em 30.9.89 como decorre
do n.º 2 do art.º 30.º do DL 353-A/89, de 16.10.
Quanto à argumentação do recorrente relativa a interpretação correcta do art.º
2.º do DL 187/90, de 7.6, é verdade que nele se refere singelamente a respectiva
aplicação ao pessoal do quadro da DGCI, mas o recorrente esquece que não
integrava aquela categoria de pessoal no momento relevante para aplicar o DL
187/90, por não pertencer a tal quadro. E, de todo o modo, aquele artigo nunca
podia deixar de ser aplicado em consonância com as demais normas que regulam a
integração no NSR designadamente a que dispõe que os elementos relevantes a ter
em conta são os relativos à situação do funcionário em 30.9.1989 e quer nessa
data quer nos doze meses anteriores o recorrente não tinha senão as
diuturnidades e os emolumentos ou outras remunerações acessórias que lhe tinham
sido pagas pelo IROMA, pelo que não pode beneficiar naquela integração na DGCI
da consideração de remunerações acessórias ou outras que tenha auferido a título
transitório depois de 1.10.1989 até à efectiva integração no novo quadro para o
qual transitou. [...]”
4. É desta decisão que vem interposto, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo
70º, da Lei do Tribunal Constitucional, o presente recurso, através de um
requerimento que tem o seguinte teor:
“[...], não se conformando com o douto Acórdão proferido nos presentes autos vem
dele interpor recurso para o Tribunal Constitucional nos termos da alínea b) do
n.º 1 e n.º 2 do art.º 70 da Lei 28/82 de 15 de Novembro com a alteração
introduzida pela Lei 85/89 de 7-9, por considerar que a interpretação que no
Acórdão recorrido se faz dos art. 2° e 3° n.º 4 do DL 187/90 de 7.6 e art. 30°
do DL 353-A/89 de 16.10 viola os artºs 13° e 59° da Constituição o que nos
termos requeridos pelo art.º 75 - A n.º 2 da Lei 28/82 foi oportunamente
suscitado pelo ora recorrente nas suas alegações de recurso por oposição de
julgados e levado às respectivas conclusões (alíneas b) e d)).
O recorrente nas suas alegações de recurso por oposição de julgados, veio
sustentar, designadamente nas suas conclusões, o seguinte entendimento:
a) Como sustenta o douto Acórdão fundamento aqui em causa, embora o DL 187/90 de
7/6 não aluda, no seu art. 3º, às normas do art. 32º do DL 353-A/89 nem por isso
este último preceito deixa de produzir os seus efeitos naqueles casos, como o
dos autos, em que à data da publicação do DL 187/90 de 7.6 se não tinha ainda
produzido a integração no quadro de funcionários que se encontravam então
requisitados na DGCI e só mais tarde foram integrados no respectivo quadro.
b) Para efeitos remuneratórios, a situação dos funcionários que não estavam
ainda integrados no quadro mas que já exerciam funções na DGCI como requisitados
e recebendo as remunerações acessórias, tem de ser resolvida pela conjugação das
aludidas normas dos dois diplomas conjugado com o despacho do Sr. SEO por forma
a que da aplicação do NSR lhes não resulte qualquer diferenciação de vencimentos
em relação aos funcionários já integrados na mesma categoria. A tal obriga o
princípio da igualdade de tratamento vertido nos arts. 13º e 59º da
Constituição, sendo certo que o facto de não estar o recorrente, já integrado no
quadro da DGCI, à data de 1-10-89 atento a implementação do NSR só se ter
concretizado quanto ao pessoal ao serviço da DGCI após o despacho ministerial de
19/4/91, não justifica esse desigual tratamento com a consequente redução da
remuneração efectivamente auferida à data daquela integração e que incluía as
remunerações acessórias.
c) Ora, o douto Acórdão “a quo” sustenta, ao invés, que os funcionários que
iniciaram funções na Direcção Geral dos Impostos, na situação de requisitados
após 1-10-89, como é o caso do recorrente, não podiam beneficiar na transição
para o NSR dos respectivos abonos emolumentares, não existindo violação quer do
art. 3º n.º 4 do DL 187/90 de 7/6 quer dos arts. 30º e 32º do DL 353-A/89 por
não se encontrarem, então já integrados no quadro da DGCI nos termos do art. 2º
do DL 187/90 de 7-6.
d) Mas sendo assim, o douto Acórdão recorrido nos termos explicitados no douto
Acórdão fundamento violou efectivamente os arts. 30º e 32º ambos do DL 353-A/89
conjugados com o art. 3º n.º 4 do DL 187/90 de 7/6 e com o despacho ministerial
de 19-4-91, ou, subsidiariamente, faz uma interpretação das normas supracitadas
conjugadas com o art. 2º do mesmo DL 187/90 (que prevê, singelamente, que o
“presente diploma” se aplica ao pessoal do quadro da DGCI) violadora do
princípio da igualdade previsto nos arts. 13º e 59 n.º 1 a) da Constituição, e
como tal inconstitucional.
Ora, precisamente, o douto Acórdão sob recurso, ao negar ao recorrente a
aplicação do regime do art.º 30 do DL 353-A/89 conjugado com o art.º 3 n° 4 do
DL 187/90 de 7/6 por força do art.º 2° deste último diploma fez uma
interpretação restritiva destes preceitos a qual é violadora do princípio da
igualdade vertido nos arts. 13° e 59º da Constituição. É assim a interpretação
restritiva dos preceitos constantes do artº 30 do DL 353-A/89 de 16/10 e dos
artºs 2º e 3 n° 4 do DL 187/90 de 7 - 6 - por alegadamente, os mesmos não
abrangerem os funcionários que à data precisa da transição para o NSR ainda não
tivessem iniciado funções na DGCI mas que as iniciaram, como requisitados, antes
da publicação do DL 187/90 de 7- 6 e muito especialmente, no caso concreto,
foram integrados no quadro próprio da DGCI antes da publicação deste diploma (no
caso da recorrente tal sucedeu em 18-06-89) que regulou o regime de transição
(embora com efeitos reportados a 1-10-89), que está em causa no presente recurso
para esse Meritíssimo Tribunal Constitucional.
Na verdade, no entender do recorrente (acompanhado, aliás, de parte da
jurisprudência do STA) não há nenhuma razão atendível para rejeitar a aplicação
do regime de transição para o NSR de acordo com o disposto no art.º 30 do DL
353A/89 ao recorrente (maxime os n.ºs 3 e 4) concretizado pelo DL 187/90 de 7-6
(vide o art.º 3 n.º 4) quando o recorrente, à data da publicação do DL 187/90 de
7-6 já se encontrava ao serviço da DGCI em regime de requisição (desde 18/06/89)
a receber como os demais funcionários da DGCI, com a mesma categoria e número de
diuturnidades as mesmas remunerações acessórias, pelo que uma tal interpretação
restritiva da lei (art.º 30 do DL 353-A/89 e arts. 2 e 3 n.º 4 do DL 187/90)
sufragada pelo Acórdão recorrido - segundo a qual aquelas normas só se
aplicariam ao pessoal integrado no quadro da DGCI à data da entrada em vigor do
NSR (1-10-89) - é atentatória do princípio da igualdade de tratamento consagrado
nos arts. 13 e 59° da Constituição da República. [...]”
5. Já neste Tribunal foi, pelo relator, proferido o seguinte despacho:
“Considera o recorrente, no requerimento de interposição de recurso, que “a
interpretação que no Acórdão recorrido se faz dos art. 2° e 3° n.º 4 do DL
187/90 de 7.6 e art. 30° do DL 353-A/89 de 16.10 viola os artºs 13° e 59° da
Constituição”. Por outro lado, acrescenta que a questão de inconstitucionalidade
“foi oportunamente suscitad[a] pelo ora recorrente nas suas alegações de recurso
por oposição de julgados e levado às respectivas conclusões (alíneas b) e d)).”
Ora, tendo em atenção o teor do requerimento e daquelas conclusões, bem como o
facto de vir questionada uma determinada interpretação daqueles preceitos,
convido o recorrente, nos termos do n.º 6 do artigo 75º-A da Lei do Tribunal
Constitucional, a esclarecer, em termos concisos, claros e perceptíveis, qual
(ou quais) a(s) exacta(s) interpretação (interpretações) normativa(s) da(s)
norma(s) questionada(s), cuja constitucionalidade pretende ver apreciada pelo
Tribunal Constitucional, de tal modo que, se este Tribunal a(s) vier a julgar
desconforme(s) com a Constituição, a(s) possa enunciar claramente na decisão que
proferir. Na verdade, incumbindo ao recorrente a definição do objecto do
recurso, deve o mesmo, quando pretenda questionar determinada interpretação
normativa de um certo preceito, explicitar com precisão e clareza essa dimensão
normativa, sob pena de, não o fazendo, transferir para o Tribunal
Constitucional, de forma inaceitável, o ónus que sobre ele impende, não sendo
suficiente, afirmar, como se faz no requerimento de interposição do recurso para
este Tribunal, que “a interpretação que no Acórdão recorrido se faz [...] viola
os artºs 13° e 59° da Constituição”.
6. O recorrente veio dizer o seguinte:
“[...] - O recorrente submete à apreciação do Tribunal Constitucional as normas
do arts. 2º e 3° n° 4 do DL 187/90 de 7/6, e arts. 30 e 32° do DL 353-A/89 de
16-10, enquanto preceitos que consagram o regime de transição dos funcionários
do regime geral (da função pública) integrados na DGCI para o Novo Sistema
Retributivo implementado, precisamente, pelo DL 187/90 de 7 -6 conjugado com o
Despacho Ministerial de 19-4-91 que lhe deu execução.
- É que de acordo com a interpretação que deles faz o Acórdão recorrido, por
força de uma interpretação literal (e restritiva) do artº2º do DL 187/90 de 7-6
a transição para o NSR dos funcionários no exercício de funções na DGCI e a
receber remunerações acessórias à data de implementação do NSR (o que sucedeu só
após a publicação do DL 187/90 de 7/6 conjugado com o Despacho Ministerial de
19-4-91) só seria feita, com integração dessas mesmas remunerações acessórias,
se o funcionário em questão estivesse em 30-9-89 já integrado no quadro da mesma
DGCI, o que não sucedeu no caso concreto.
- Entende, ao invés, o recorrente (e com ele alguma jurisprudência do STA, vide
o Acórdão Fundamento citado no Acórdão 'a quo') que o que está em causa é o
regime de transição para o NSR do recorrente, enquanto integrado no pessoal do
regime geral da DGCI (art.º 3 n.º 4 do DL 187/90) para efeitos das remunerações
acessórias a considerar na sua transição para o NSR de acordo com o n.º 3 do
art.º 30 do DL 353-A/89 de 16-1 0 atenta a regra de transição do pessoal
requisitado constante do art.º 32 b) do mesmo DL 353-A/89 de 16-10 segundo o
qual, se o lugar de destino conferir direito a remuneração acessória de qualquer
natureza, a remuneração a abonar no lugar de destino enquanto se mantiver a
requisição é apurada nos termos dos nºs 2 a 5 do art.º 30 do mesmo diploma, não
havendo pois razão a justificar um desigual tratamento daqueles que ainda não
estavam no quadro da DGCI em 30-9-89 mas que, apesar disso, estavam requisitados
na DGCI à data da implementação do NSR (o que só sucedeu com a aplicação do DL
187/90 de 7-6 pelo Despacho Ministerial de 19-4-91) e que assim receberam
legalmente as remunerações acessórias devidas ao pessoal do quadro.
Nem se diga como faz o douto Acórdão recorrido que e passamos a transcrever:
'Vem sustentando que o recorrente não pode ser tratado de modo diferente dos
funcionários do quadro da DGCI, mas esta diferença nas situações em causa que
não é meramente formal, já que a experiência anterior em área diversa não é
igual em termos substanciais à dos funcionários do quadro da DGCI e os
emolumentos que o recorrente auferia desde a requisição até à integração no NSR
eram devidos, a título precário, isto é, enquanto requisitado, podendo suceder
que numa tivesse sido integrado no quadro do serviço requisitante. Além disso a
igualdade a que o recorrente podia aspirar legitimamente era em relação aos
funcionários em iguais condições do quadro do IROMA'.
- Com o devido respeito não é, de todo, assim.
Há efectivamente violação do princípio constitucional da igualdade de tratamento
(artsº 13 e 59 da Constituição) na interpretação feita pelo Acórdão “a quo” dos
arts. 2, e 3 n.º 4 do DL 187/90 de 7/6 conjugados com os arts. 30 e 32 do DL
353-N89 de 16-10, porquanto naquele douto Acórdão parece esquecer-se que estamos
perante trabalhadores do regime geral (da função pública) conforme decorre do
n.º 4 do art.º 3 do DL 187/90 e não de pessoal integrado nas carreiras da
administração tributária.
Ora, o pessoal do regime geral, seja ele motorista de ligeiros seja ele “2°
oficial” (como era o caso do ora recorrente) exerce funções idênticas quer ao
serviço da DCGI quer ao serviço de outro organismo do Estado.
Daí que tendo transitado - como 2º oficial - em regime de requisição para a
DGCI, e auferindo, por isso, remunerações acessórias à data da efectiva
integração no NSR, deveria ter tido tratamento igual aos demais funcionários (do
regime geral) integrados no quadro de DGCI em exercício nesta, das mesmas
funções e categoria idêntica. E isto enquanto se mantivesse requisitado ou, por
maioria de razão, se após a requisição fosse integrando no quadro da DGCI como
sucedeu, 'in casu'.
- Donde, com todo o respeito, se afigura claro ao recorrente que a interpretação
dos arts. 2º e 3° n.º 4 do DL 187 /90 de 7-6 conjugados com os arts. 30 e 32 do
DL 353-A/89 dada pelo douto Acórdão recorrido, enquanto restringindo aos
funcionários (do regime geral) já integrados no quadro da DGCI em 30-9-89, a
transição para o NSR incluindo nesta as remunerações acessórias, legalmente
recebidas por todos, no exercício das mesmas funções e com a mesma categoria até
à implementação do NSR, é violadora do princípio da igualdade previsto nos arts.
13 e 59 da Constituição, devendo como tal ser declarada.[...]”
7. Foi, então, o recorrente notificado para alegar, o que fez, concluindo assim:
“IV - Conclusões
a) Vem o presente recurso interposto do douto Acórdão do Pleno da Secção do
Contencioso Administrativo do STA que considerou que não pertencendo o
recorrente ao quadro da DGCI na data da integração no NSR, não lhe era aplicável
o regime estabelecido no art.º 3 n.º 4 do DL 187/90 cujo âmbito de aplicação se
limitaria ao pessoal do quadro da DGCI naquela aludida data.
b) Assim, a transição do recorrente para o NSR fez-se pois, segundo o regime do
DL 353-A/89 de 16-10. E, para o efeito dessa transição não haveria que
considerar remunerações acessórias (art.º 30 n.º 2 e 3 deste diploma) pois que à
data da produção de efeitos desse diploma ainda não iniciara funções como
requisitado na DGCI encontrando-se no serviço de origem sem auferir tais
remunerações.
c) Ora, ainda que o recorrente não fosse funcionário do quadro da DGCI à data de
1-10-89, já era funcionário público, possuindo a mesma categoria e
diuturnidades, razão pela qual teria de ser integrado como os restantes
funcionários da DGCI, na mesma situação funcional, no mesmo índice remuneratório
e a receber o mesmo diferencial de integração, ainda que estes apenas lhe fossem
devidos desde a sua tomada de posse como requisitado na DGCI em 18-6-90.
d) Na verdade, o que sumamente releva “in casu” é saber se ele já se encontrava
requisitado na DGCI e a receber as inerentes remunerações acessórias aquando da
transição para a nova estrutura salarial, o que apenas ocorreu após a publicação
do DL 187/90 de 7-6, conjugado com o Despacho Ministerial de 19-4-91.
e) É que o pessoal do regime geral da função pública, seja ele motorista de
ligeiros ou 2° oficial (como era o caso do ora recorrente) exerce funções
idênticas quer ao serviço da DGCI quer ao serviço de outros organismos do
Estado.
f) Assim sendo, no entender do recorrente (acompanhado de parte de
jurisprudência do STA) não há nenhuma razão atendível para rejeitar a aplicação
ao recorrente do regime de transição do NSR de acordo com o art° 30 e por força
do art° 32 ambos do DL 353-A/89 quando aquele à data da publicação do DL 187/90
de 7-6 conjugado como Despacho ministerial de 19-4-91 já se encontrava ao
serviço na DGCI em regime de requisição (desde 18-6-90) a receber como os demais
funcionários da DGCI, com a mesmas categoria e n° de diuturnidades as mesmas
remunerações acessórias, pelo que uma tal interpretação restritiva da lei (arts.
30 e 32 do DL 353-N90) sufragada pelo Acórdão recorrido — segundo a qual aquelas
normas só se aplicariam ao pessoal integrado na DGCI à data da entrada em vigor
do NSR (1-10-89) é atentatória do princípio da igualdade consagrado nos arts. 13
e 59 da Constituição e, como tal, deve ser declarada inconstitucional por esse
Meritíssimo Tribunal Constitucional”.
8. Contra-alegou o recorrido, tendo dito, a concluir:
“I. A questão objecto do presente recurso é a da apreciação da
constitucionalidade dos artigos 2° e 3° n.º 4 do DL 187/90 de 7/6, conjugados
com os artigos 30º e 32° do DL 353-A/89 de 16/10, na interpretação deles feita
pelo Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do STA proferido
em 19/01/2006, que considerou que não pertencendo o recorrente ao quadro da DGCI
na data da respectiva integração do NSR, não lhe era aplicável o regime
estabelecido no artigo 3° n.º 4 do acima mencionado DL 187/90, cujo âmbito de
aplicação se limitaria ao pessoal do quadro da DGCI em 01/10/89.
II. Defende o recorrente, por outro lado, que não há nenhuma razão atendível
para rejeitar a aplicação do regime de transição do NSR de acordo com o art.º
30° em conjugação com o artigo 32° do DL 353-A/89, uma vez que, à data da
publicação do DL 187/90 de 07/06, já se encontrava ao serviço da DGCI em regime
de requisição (desde 18.06.90) a receber como os demais funcionários da DGCI,
com a mesma categoria e o mesmo número de diuturnidades as mesmas remunerações
acessórias.
III. Considera por isso o recorrente, que o Acórdão recorrido, ao considerar que
as normas referidas só seriam de aplicar ao pessoal integrado na DGCI à data da
entrada em vigor do NSR, fez uma interpretação restritiva da lei, e violadora do
princípio da igualdade consagrado nos art°s 13° e 59° da C.R.P.
IV. Ora, como esse Digníssimo Tribunal tem vindo a considerar, o princípio da
igualdade não proíbe que a lei estabeleça distinções. Proíbe, isso sim, o
arbítrio; ou seja, proíbe as diferenciações de tratamento sem fundamento
material bastante, que o mesmo é dizer sem qualquer justificação razoável,
segundo critérios objectivos constitucionalmente relevantes.
V. Proíbe também que se tratem por igual situações essencialmente desiguais. E
proíbe ainda a discriminação, ou seja: as diferenciações de tratamento fundadas
em categorias meramente subjectivas.
VI. Ora, a situação do recorrente não era igual à situação dos funcionários que,
à data da entrada em vigor do NSR, já pertenciam ao quadro da DGCI.
VII. No caso do recorrente só com a respectiva requisição e início de funções na
DGCI em 18.06.90, passou a auferir a remuneração acessória a que tinham direito
os funcionários que pertenciam ao quadro antes da entrada em vigor do NSR
(01/10/89); mas tal aconteceu a título precário, pois como bem refere o Ac.
recorrido, o recorrente poderia não ter sido integrado no quadro do serviço
requisitante.
VIII. Assim, enquanto os funcionários vinculados ao quadro da DGCI, à data da
entrada em vigor do NSR já auferiam remunerações acessórias nos 12 meses
imediatamente anteriores a essa data, os requisitados e integrados após essa
data já não beneficiavam delas por, entretanto, terem sido extintas.
IX. Acresce que, tais remunerações acessórias, não faziam parte do estatuto
remuneratório dos serviços de onde o recorrente era originário.
X. Daí que a situação do recorrente, que prestou serviço em organismo diferente
da DGCI, por ser materialmente diferente da situação daqueles que prestavam
serviço e eram funcionários do quadro da DGCI na data entrada em vigor do NSR,
constitui fundamento material bastante segundo critérios objectivos relevantes,
para que as remunerações acessórias a que tinham direito os funcionários da DGCI
que aí prestavam serviço antes da entrada em vigor do NSR, não fossem levadas em
conta para efeitos da transição do recorrente para o NSR”.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
II. Fundamentação.
9. É o seguinte, na parte ora relevante, o teor dos artigos 30º e 32º do
Decreto-Lei n.º 353-A/89, de 16 de Outubro, e 2º e 3º, nº 4, do Decreto-Lei n.º
187/90, de 7 de Junho, preceitos dos quais o recorrente extrai a norma cuja
constitucionalidade, por alegada violação do princípio da igualdade, pretende
ver apreciada:
“Artigo 30º
Regime de transição
1 – A integração na nova estrutura salarial faz-se de acordo com as seguintes
regras:
a) Na mesma carreira e categoria;
b) Em escalão a que corresponda na estrutura da categoria remuneração igual ou,
se não houver coincidência, a remuneração imediatamente superior.
2 – A remuneração a considerar para efeitos da transição referida no nº 1
resulta do valor correspondente à remuneração base decorrente do Decreto-Lei nº
98/89, de 29 de Março, actualizada a 12%, acrescida do montante da remuneração
acessória a que eventualmente haja direito, com excepção das que sejam
consideradas suplementos, nos termos do Decreto-Lei nº 184/89, de 2 de Julho, e
deste diploma.
3 – Para efeitos do número anterior, as remunerações acessórias de montante
variável são fixadas no valor médio das remunerações acessórias percebidas nos
12 meses imediatamente anteriores à data da produção de efeitos do presente
diploma.
4 – Sempre que o montante apurado nos termos dos números anteriores ultrapasse o
valor do escalão máximo da respectiva categoria, é criado um diferencial de
integração correspondente à diferença entre a remuneração indiciária e o
montante a que o funcionário ou o agente tem direito nos termos dos números
anteriores.
5 – Da aplicação do presente diploma não pode resultar a redução das
remunerações efectivamente auferidas.
[...]
Artigo 32º
Regime de transição do pessoal destacado, requisitado e em comissão de serviço
A transição do pessoal destacado, requisitado e em comissão de serviço obedece
ao disposto no artigo 30º, devendo ainda atender-se às seguintes regras:
a) [...]
b) Se o lugar de destino conferir direito a remuneração acessória de qualquer
natureza, a remuneração a abonar no lugar de destino, enquanto se mantiverem o
destacamento, a requisição e a comissão de serviço, é apurada nos termos dos nºs
2 a 5 do artigo 30º.
***
Artigo 2º
Âmbito
O presente diploma aplica-se ao pessoal do quadro da Direcção-Geral das
Contribuições e Impostos dos seguintes grupos:
a) Administrador tributário do grupo do pessoal dirigente superior;
b) Pessoal dirigente
c) Pessoal técnico superior do Centro de Estudos Fiscais;
d) Pessoal técnico superior (economistas/juristas) que desempenhe funções na
área da fiscalização tributária;
e) Pessoal técnico de orientação e supervisão;
f) Pessoal técnico tributário;
g) Pessoal técnico de fiscalização tributária;
h) Pessoal técnico judicial.
Artigo 3º
Transição
[...]
4 – Para efeitos de aplicação do nº 3 do artigo 30º do Decreto-Lei nº 353-A/89,
de 16 de Outubro, ao pessoal do regime geral da Direcção-Geral das Contribuições
e Impostos, incluindo o pessoal dirigente abrangido pelo artigo 31º do referido
decreto-lei, adoptar-se-á critério idêntico ao utilizado para as carreiras de
pessoal da administração tributária, sendo os respectivos montantes fixados por
categoria, mediante despacho do Ministro das Finanças”.
10. Para melhor compreender e delimitar a exacta questão de constitucionalidade
normativa que vem colocada, importa começar por, ainda que de forma breve,
descrever a evolução do quadro legal que conduziu à solução normativa que o
recorrente pretende ver confrontada com a Constituição. Vejamos.
10.1. Com o objectivo assumido. no próprio preâmbulo. de “devolver coerência” e
“dotar de equidade” o sistema retributivo da função pública, o Governo aprovou o
Decreto-Lei nº 184/89, de 2 de Junho, diploma que veio lançar as bases de um
Novo Sistema Retributivo (NSR) da função pública. Com particular relevância para
a questão que agora nos ocupa, dispunha o artigo 38º daquele diploma que seriam
“extintas todas as remunerações não previstas ou enquadráveis no artigo 15º”,
preceito que, por sua vez, estabelecia, no seu nº 1, que “o sistema retributivo
da função pública é composto por a) remuneração base; b) prestações sociais e
subsídio de refeição; c) suplementos [concretizados depois no artigo 19º]”,
acrescentando-se ainda, no nº 2, que não seria “permitida a atribuição de
qualquer tipo de abono que não se enquadre nas componentes referidas no número
anterior”. Porém, para salvaguarda dos direitos já adquiridos, foi estatuído no
n.º 3 do artigo 39º deste mesmo diploma, que “nos casos de percepção de
remunerações acessórias extintas pelo artigo anterior, a remuneração a
considerar para efeitos de transição resulta do somatório dos montantes
correspondentes à remuneração base, às diuturnidades e às remunerações
acessórias”, e, no nº 4, que, “sempre que o montante apurado nos termos do nº 3
ultrapasse o valor do escalão máximo da respectiva categoria”, seria criado um
diferencial de integração correspondente à diferença entre a remuneração
indiciária e o montante já percebido, o qual, no entanto, e nos termos do nº 6
do mesmo artigo, “tem carácter de remuneração pessoal e não pode ser atribuído a
situações constituídas após a entrada em vigor do novo sistema retributivo”.
Finalmente, no nº 2 do artigo 40º, garantia-se ainda que, em caso algum, poderia
“resultar da introdução do novo sistema retributivo redução da remuneração que o
funcionário ou agente já aufere [...]”. Em suma: com este conjunto de preceitos,
o legislador pretendeu, por um lado, “devolver coerência” e “dotar de equidade”
o sistema, pondo “cobro à vasta teia de subsistemas retributivos e de
remunerações acessórias praticadas” e, simultaneamente, como se ponderou na
decisão recorrida, salvaguardar as remunerações que cada um já auferisse a
título pessoal à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 184/89 (o que, nos
termos do seu artigo 43º, n.º 1, articulado com o artigo 45º, n.º 1, do
Decreto-Lei nº 353-A/89, de 16 de Outubro, aconteceu em 1 de Outubro de 1989).
10.2. O Decreto-Lei n.º 184/89 previa, contudo, no seu artigo 43º, nº 1, que os
princípios gerais que nele se estabeleciam seriam objecto de desenvolvimento e
regulamentação por outros diplomas legais, o que, no que respeita ao estatuto
remuneratório dos funcionários e agentes da Administração Pública, foi feito
através do Decreto-Lei nº 353-A/89, de 16 de Outubro (o qual, nos termos do
respectivo art. 45, n.º 1, produziu efeitos a partir de 1 de Outubro de 1989). É
neste último diploma que se inserem dois dos preceitos de que se extrai a norma
que o recorrente pretende ver confrontada com a Constituição. Por um lado,
estatui-se no n.º 2 do artigo 30º, que “a remuneração a considerar para efeitos
da transição referida no nº 1 resulta do valor correspondente à remuneração base
decorrente do Decreto-Lei nº 98/89, de 29 de Março, actualizada a 12%, acrescida
do montante da remuneração acessória a que eventualmente haja direito, com
excepção das que sejam consideradas suplementos, nos termos do Decreto-Lei nº
184/89, de 2 de Julho, e deste diploma”, e, no n.º 3, que “para efeitos do
número anterior, as remunerações acessórias de montante variável são fixadas no
valor médio das remunerações acessórias percebidas nos 12 meses imediatamente
anteriores à data da produção de efeitos do presente diploma”, preceituando-se
ainda, no n.º 5, que “da aplicação do presente diploma não pode resultar a
redução das remunerações efectivamente auferidas”. No que se refere ao regime de
transição do pessoal destacado, requisitado e em comissão de serviço,
estabeleceu-se no artigo 32º, n.º 2, que, “se o lugar de destino conferir
direito a remuneração acessória de qualquer natureza, a remuneração a abonar no
lugar de destino, enquanto se mantiverem o destacamento, a requisição e a
comissão de serviço, é apurada nos termos dos nºs 2 a 5 do artigo 30º”.
10.3. Em virtude da sua especificidade, porém, as remunerações dos funcionários
da administração tributária foram objecto de regulação autónoma, através do
Decreto-Lei nº 187/90, de 7 de Junho. Pertencem a este diploma os dois últimos
artigos questionados pelo recorrente. O artigo 2º, que supra já transcrevemos
integralmente e que se limita a definir o âmbito pessoal de aplicação do
diploma, e o n.º 4º do artigo 3º, que preceitua que “para efeitos de aplicação
do nº 3 do artigo 30º do Decreto-Lei nº 353-A/89, de 16 de Outubro, ao pessoal
do regime geral da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, incluindo o
pessoal dirigente abrangido pelo artigo 31º do referido decreto-lei,
adoptar-se-á critério idêntico ao utilizado para as carreiras de pessoal da
administração tributária, sendo os respectivos montantes fixados por categoria,
mediante despacho do Ministro das Finanças”.
11. A partir do quadro legal que, em síntese, se descreveu, considerou a decisão
recorrida que, no caso do ora recorrente, uma vez que só foi requisitado e
iniciou funções na Direcção-Geral das Contribuições e Impostos em 18 de Junho de
1990 – vindo, aliás, a ser integrado no quadro desta Direcção-Geral somente a
partir de 5 de Setembro de 1994 -, as remunerações acessórias a que tinham
direito os funcionários que ali prestavam serviço antes da entrada em vigor do
Decreto-Lei n.º 184/89 (em 1 de Outubro de 1989) não lhe deveriam ter sido
atribuídas nem, por consequência, deveriam ser levadas em conta para efeitos de
transição para o novo sistema retributivo.
É esta a interpretação, cuja compatibilidade com a Constituição o recorrente
questiona. No seu entendimento, sintetizado na conclusão f) da alegação para
este Tribunal, “não há nenhuma razão atendível para rejeitar a aplicação ao
recorrente do regime de transição do NSR de acordo com o art° 30 e por força do
art° 32, ambos do DL 353-A/89, quando aquele à data da publicação do DL 187/90
de 7-6 conjugado como Despacho ministerial de 19-4-91 já se encontrava ao
serviço na DGCI em regime de requisição (desde 18-6-90) a receber como os demais
funcionários da DGCI, com a mesmas categoria e n.° de diuturnidades as mesmas
remunerações acessórias, pelo que uma tal interpretação restritiva da lei (arts.
30 e 32 do DL 353-A/89) sufragada pelo Acórdão recorrido - segundo a qual
aquelas normas só se aplicariam ao pessoal integrado na DGCI à data da entrada
em vigor do NSR (1-10-89) é atentatória do princípio da igualdade consagrado nos
arts. 13 e 59 da Constituição e, como tal, deve ser declarada inconstitucional
por esse Meritíssimo Tribunal Constitucional”. Em suma, a questão de
constitucionalidade que vem colocada pode, pois, enunciar-se nos seguintes
termos: é compatível com a Constituição, designadamente com o princípio da
igualdade consagrado nos seus artigos 13º e 59º, a norma, extraída por
interpretação dos artigos 30º e 32º do Decreto-Lei n.º 353-A/89, de 16 de
Outubro, e 2º e 3º, n.º 4 do Decreto-Lei n.º 187/90, de 7 de Junho, que estatui
que não devem ser consideradas, para efeitos de transição para o novo sistema
retributivo da função pública estabelecido pelo Decreto-Lei nº 353-A/89, de 16
de Outubro, as remunerações acessórias auferidas, após 30 de Setembro de 1989,
por funcionários requisitados, após essa data, para o exercício de funções na
Direcção-Geral das Contribuições e Impostos e posteriormente integrados no
respectivo quadro de pessoal?
Vejamos.
12. Unanimemente reconhecido como princípio estruturante do Estado de Direito
democrático, o princípio da igualdade postula, na sua formulação mais sintética,
que se dê tratamento igual a situações de facto essencialmente iguais e
tratamento diferente para as situações de facto desiguais (cfr., por todos,
entre inúmeros nesse sentido, os Acórdão n.ºs 563/96, 319/00, 232/03 e 96/2005,
disponíveis na página Internet deste Tribunal em
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/, que procederam, cada um no
seu tempo, a uma síntese da abundante jurisprudência constitucional sobre o
tema). Correctamente entendido, o princípio da igualdade não proíbe as
distinções, mas apenas aquelas que se afigurem destituídas de um fundamento
racional. Como se ponderou, por exemplo, no Acórdão n.º 187/01 (igualmente
disponível naquela página): “como princípio de proibição do arbítrio no
estabelecimento da distinção, tolera, pois, o princípio da igualdade a previsão
de diferenciações no tratamento jurídico de situações que se afigurem, sob um ou
mais pontos de vista, idênticas, desde que, por outro lado, apoiadas numa
justificação ou fundamento razoável, sob um ponto de vista que possa ser
considerado relevante”. Em suma, e no essencial, o que o princípio constante do
artigo 13º da Constituição impõe, sobretudo, é uma proibição do arbítrio e da
discriminação sem razão atendível. O que importa, como afirma, sugestivamente,
Vieira de Andrade (Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976,
2ª edição, 2001, pág. 272), e tem sido repetido em inúmeras ocasiões pelo
próprio Tribunal Constitucional, “[...] é que não se discrimine para
discriminar”.
Por sua vez, o artigo 59º, n.º 1, alínea a), da Constituição, concretiza o
princípio da igualdade no que à retribuição do trabalho diz respeito, podendo
servir de parâmetro de aferição da igualdade no domínio específico do seu âmbito
de aplicação. Aí se estatui, designadamente, o princípio de que para “trabalho
igual, salário igual”, devendo a retribuição do trabalho atender à “quantidade,
natureza e qualidade” daquele. Caracterizando o conteúdo do princípio da
igualdade, na dimensão de “trabalho igual salário igual”, escreveu-se, por
exemplo, no Acórdão n.º 584/98 (igualmente disponível em
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/):
“O artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição da República Portuguesa – ao
preceituar que «todos os trabalhadores […] têm direito à retribuição do
trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio
de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência
condigna» – impõe que a remuneração do trabalho obedeça a princípios de justiça.
Ora a justiça exige que quando o trabalho prestado for igual em quantidade,
natureza e qualidade seja igual a remuneração. E reclama (nalguns casos apenas
consentirá) que a remuneração seja diferente, pagando-se mais a quem tiver
melhores habilitações ou mais tempo de serviço. Deste modo se realiza a
igualdade pois que, como se sublinhou no Acórdão n.º 313/89 (publicado nos
Acórdãos do Tribunal Constitucional, 13.º vol. T. II, pp. 917 e segs.), do que
no preceito constitucional citado se trata é um direito de igualdade.
Escreveu-se neste aresto:
«O direito de que aqui se trata é um direito de igualdade – mas de uma igualdade
material que exige que se tome sempre em consideração a realidade social em que
as pessoas vivem e se movimentam – e não de uma igualdade meramente formal e
uniformizadora (cf. Francisco Lucas Pires, Uma Constituição para Portugal,
Coimbra, 1975, pp. 62 e segs.).
Uma justa retribuição do trabalho é, no fundo, o que os princípios enunciados no
preceito visam assegurar: a retribuição deve ser conforme à quantidade, natureza
e qualidade do trabalho; deve garantir uma existência condigna e a trabalho
igual – igual em quantidade, natureza e qualidade – deve corresponder salário
igual.
O princípio «para trabalho igual salário igual» não proíbe, naturalmente, que o
mesmo tipo de trabalho seja remunerado em termos quantitativamente diferentes,
conforme seja feito por pessoas com mais ou menos habilitações e com mais ou
menos tempo de serviço, pagando-se mais, naturalmente, aos que maiores
habilitações possuem e mais tempo de serviço têm. O que o princípio proíbe é que
se pague de maneira diferente a trabalhadores que prestam o mesmo tipo de
trabalho, têm iguais habilitações e o mesmo tempo de serviço.
O que, pois, se proíbe são as discriminações, as distinções sem fundamento
material, designadamente porque assentes em meras categorias subjectivas.
Se as diferenças de remuneração assentarem em critérios objectivos, então elas
são materialmente fundadas e não discriminatórias […]»”.
E, desenvolvendo precisamente esta última dimensão do princípio da igualdade,
ponderou-se, por exemplo e mais recentemente, nos Acórdãos n.º 323/05 e 105/06:
“[…] Deste modo, não se apresenta como solução normativa destituída de
fundamento material face ao princípio da igualdade, a diferenciação
remuneratória na categoria superior, mesmo que implique o recebimento de
remuneração superior pelo funcionário menos antigo nessa categoria, que resulte
do diferente posicionamento atingido nos escalões da categoria de origem, desde
que isso corresponda a um factor objectivo, susceptível de repercutir-se nas
características do trabalho prestado ou nas capacidades e qualificações
profissionais dos trabalhadores em causa, como sucede com a maior antiguidade na
carreira. Face à substancial homogeneidade do conteúdo funcional das diversas
categorias que a compõem, a valorização da experiência profissional inerente ao
maior tempo de serviço na carreira não colide com os parâmetros da igualdade
retributiva da alínea a) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição visto que não é
desrazoável presumir que essa maior experiência global se possa traduzir num
melhor desempenho. Por outro lado, não se trata de uma solução dirigida a
beneficiar ou desfavorecer uma classe de funcionários determinada segundo um
elemento arbitrariamente fixado, porque a antiguidade ou tempo de serviço na
carreira é uma característica que todos compartilham e com que todos contam na
melhoria da sua situação retributiva […]».
Descritos os traços essenciais dos parâmetros constitucionais com os quais a
norma questionada tem de ser confrontada, cabe perguntar: a não consideração,
para efeitos de transição para o novo sistema retributivo da função pública,
criado pelos Decretos-Lei n.º 184/89, de 2 de Junho, e 353-A/89, de 16 de
Outubro, das remunerações acessórias auferidas após 30 de Setembro de 1989 por
funcionários requisitados, depois essa data, para o exercício de funções na
Direcção-Geral das Contribuições e Impostos e, posteriormente, integrados no
respectivo quadro de pessoal, se comparada com a consideração, para os mesmos
efeitos de transição, das remunerações acessórias auferidas pelos funcionários
que, já antes de 30 de Setembro de 1989, pertenciam ao referido quadro, é
arbitrária ou, pelo contrário, tem fundamento material bastante?
13. De tudo quanto se deixou dito resulta evidente não só que são diferentes as
situações que o recorrente pretende comparar, mas também que, como se refere na
decisão recorrida, tais diferenças não são meramente formais.
Desde logo, há uma razão determinante para que tivessem que ser consideradas,
para efeitos de transição para o novo sistema retributivo, as remunerações
acessórias auferidas pelos funcionários da Direcção-Geral das Contribuições e
Impostos que já exerciam funções naquela Direcção-Geral ao tempo da entrada em
vigor do novo regime: a necessidade de tutela de direitos adquiridos e a
impossibilidade de redução da retribuição. Razão que, manifestamente, não vale
para aqueles que, como o ora recorrente, só passaram a exercer funções naquela
Direcção-Geral já depois da entrada em vigor dos diplomas que vieram extinguir
tais remunerações acessórias, uma vez que estes já sabiam que, a partir daquela
data, as mesmas não eram devidas. Dito de outro modo: a razão fundamental para
que tivessem de ser consideradas as remunerações acessórias, para efeitos de
transição, em relação aos funcionários da DGSI que já aí exerciam funções, antes
da entrada em vigor do NSR, não vale para aqueles que, como o ora recorrente, só
passaram a exercer funções nessa Direcção-Geral depois de 1 de Outubro de 1989
(no caso concreto, em 18 de Junho de 1990), uma vez que, a partir da entrada em
vigor do novo quadro legal, ficara estatuído que, para os novos funcionários, as
mesmas não eram devidas. Como, se mencionou na decisão recorrida, à data da
entrada em vigor das regras que definiram as condições de transição para o NSR
da função pública, o ora recorrente era ainda funcionário e exercia funções no
IROMA, pelo que era em relação aos demais funcionários do quadro deste
Instituto, que se encontrassem em condições iguais às suas, que o recorrente
podia legitimamente aspirar a ser tratado de modo igual.
Acresce, finalmente, que uma outra razão - também ela apontada pela decisão
recorrida - pode ainda ser invocada para justificar a diferença de tratamento e,
dessa forma, afastar a alegada violação do princípio constitucional da
igualdade, designadamente na dimensão a que se refere o artigo 59º, nº 1, alínea
a), da Constituição, de que a trabalho igual deve corresponder salário igual. É
que, como ali se refere, “a experiência anterior em área diversa não é igual em
termos substanciais à dos funcionários do quadro da DGCI”, sendo aceitável, do
ponto de vista daquele princípio constitucional, que esse factor seja tido em
conta para efeitos remuneratórios.
14. Assim sendo, apenas resta concluir que a norma questionada pelo recorrente,
extraída dos artigos 30º e 32º do Decreto-Lei n.º 353-A/89, de 16 de Outubro, e
2º e 3º, n.º 4 do Decreto-Lei n.º 187/90, de 7 de Junho, na interpretação que
deles fez a decisão recorrida, distinguindo a situação dos funcionários que já
exerciam funções na Direcção-Geral das Contribuições e Impostos antes de 1 de
Outubro de 1989 da situação daqueles que só após essa data para ali foram
requisitados, tem fundamento material bastante e, consequentemente, não viola o
princípio constitucional da igualdade.
III. Decisão
Nestes termos, decide-se negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 (vinte e cinco)
unidades de conta.
Lisboa, 27 de Setembro de 2006
Gil Galvão
Vítor Gomes
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Bravo Serra
Artur Maurício