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Processo nº 552/2006.
3ª Secção.
Relator: Conselheiro Bravo Serra.
1. Em 14 de Junho de 2006 o relator proferiu decisão
com o seguinte teor: –
“1. Inconformados com o despacho proferido em 7 de
Novembro de 2005 pelo Juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal de Lisboa
que desatendeu, por extemporaneidade, a arguição irregularidades, e teve por
improcedentes nulidades, também arguidas, recorreram para o Tribunal da Relação
de Lisboa A., S.A., A1, S.A., B., S.A., B1., S.A., B1, S.A., C.., S.A., D. S.A.,
E., Licª F., Licª G., Licº H., Licª I. e Licª J..
Na alegação adrede produzida, formularam os
recorrentes as seguintes «conclusões»: –
1.
No âmbito da invocação de irregularidades ao abrigo do Art. 123.º do
CPP, a expressão ‘acto a que o interessado assista’, não pode referir-se sem
mais ao materialmente visado pelo acto pretensamente irregular;
2.
Tal expressão antes deve reportar-se à pessoa escolhida pelo visado ou
designada pela autoridade judiciária para o representar processualmente;
3.
Mesmo admitindo a interpretação constante da conclusão 1) supra, o
Meritíssimo Juiz não pode rejeitar a arguição de irregularidade que não foi
feita no acto, sem cuidar de apurar a cognoscibilidade de tal irregularidade por
parte do visado;
4.
Subsidiariamente, sempre se dirá que as pessoas que se encontravam nos
locais buscados e que assinaram os autos respectivos não representavam as
entidades visadas nas buscas não podendo, consequentemente, arguir em nome
destas as irregularidades que foram sendo cometidas. Este é o caso das seguintes
sociedades: A1, S.A.; B., S.A.; D., S.A.
5.
É inconstitucional, por violação do Art. 32.º da Constituição, a norma
do Art. 123.º do CPP quando aplicada e interpretada no sentido de que a
irregularidade deve ser arguida no acto pelo interessado que a ele assista,
independentemente de se apurar da cognoscibilidade do vício pelo arguido, agindo
com a diligência devida;
6.
No que a este particular concerne, a decisão recorrida violou o Art.
123.º do CPP e, bem assim, o Art. 32.º da CRP, aplicável directamente por força
do Art. 18.º da mesma Lei fundamental.
7.
Por força do Art. 296.º do Código Civil, é aplicável à contagem dos
prazos em processo penal, designadamente, os prazos constantes dos Arts. 123.º
n. 1 e 107.º n.º 5 do CPP, as regras constantes do Art. 279.º do Código Civil.
8.
Nos termos da alínea e) deste dispositivo, o prazo que termine em
domingo ou dia feriado transfere-se para o primeiro dia útil;
9.
No caso em apreço, tendo o prazo a que alude o n.º 1 do Art. 123.º do
CPP terminado no Domingo, dia 23 de Novembro de 2005, por força da alínea e) do
Art. 279.º do Código Civil, deve ter-se por transferido para segunda feira, dia
24 de Novembro de 2005;
10.
Nesta conformidade e ainda no caso em apreço, o terceiro dia de multa a que
alude o n.º 5 do Art. 107.º do CPP, terminou no dia 27 de Novembro de 2005 e não
no dia 26 do mesmo mês e ano, como se sustenta na decisão recorrida;
11.
A decisão recorrida viola o disposto nos Arts.296.º e 279.º do Código Civil
e Art. 107.º n.º 5 do Código de Processo Penal;
12.
Do exposto nas conclusões 1 a 10, resulta que no caso em apreço a arguição
das irregularidades foi tempestiva;
13.
A apreensão, como meio de obtenção e conservação de prova que é, pressupõe a
prévia análise do documento ou objecto apreendido com vista a averiguar a
susceptibilidade do mesmo servir os propósitos probatórios da investigação;
14.
Particularmente no que tange à apreensão em estabelecimentos bancários e
escritórios de Advogados, compete exclusivamente ao Juiz de Instrução proceder à
indagação da pertinência da apreensão e a sua subsequente determinação, nos
termos previstos nos Arts. 181.º, n.º 1 e 180.º n.º 1 do CPP, respectivamente;
15.
O regime legalmente instituído, pressupõe um critério de utilidade do
objecto para efeitos probatórios que terá de ser sufragado pela autoridade no
momento anterior à decisão de apreensão;
16.
O despacho recorrido, ao confessar que o critério que presidiu às buscas
realizadas foi o de encontrar documentos e objectos relacionados com alegados
esquemas de fraude fiscal, de circulação de meios financeiros e de ocultação de
patrimónios e que, após conjugação do material probatório com outros elementos
de prova se restituíram aos buscados os documentos ou objectos que se revelem
inúteis, configura, ao arrepio da Lei e das garantias constitucionais, o
instituto da apreensão como um meio de investigação e não como um meio de
obtenção e conservação de material probatório;
17.
Esta visão da apreensão como meio de investigação perpassa,
transversalmente, todo o despacho recorrido, contagiando a totalidade das
apreensões efectuadas aos Recorrentes;
18.
Neste particular, o despacho recorrido violou os Arts. 178.º, 181.º, n.º 1 e
180.º n.º 1 do CPP;
19.
São inconstitucionais, por violação dos Arts. 32.º e 18.º da Constituição,
os Artigos 178.º, 181.º, n.º 1 e 180.º n.º 1 do CPP, quando, como no caso em
apreço, são aplicados e interpretados no sentido que a apreensão pode ser usada
como um meio de investigação criminal e que o juízo relativo à decisão de
apreensão não tem de ser realizado em momento lógica e cronologicamente anterior
a esta;
20.
Não basta a existência nos autos de um despacho devidamente fundamentado
para se considerar que foi dado cumprimento ao dever de fundamentação da decisão
judicial que ordenou as buscas e as apreensões;
21.
Para que tal circunstância ocorra, necessário é que tal despacho seja
entregue aos visados em momento anterior às referidas buscas e apreensões;
22.
No caso em apreço, o despacho truncado que foi entregue aos visados pelas
buscas e apreensões, não contém os elementos necessários à sindicância da
pertinência e/ou legalidade das diligências em causa, violando o dispostos nos
arts. 94.º, 176.º, 179.º do CPP;
23.
A notificação ordenada no despacho recorrido, no sentido de ser entregue aos
visados o despacho completo de fls. 3481 e segs, porque feita à posteriori, não
represtina a legalidade de acto cuja irregularidade havia sido já suscitada;
24.
A prolação de despacho no decurso de buscas determinando a realização de
outras buscas a entidades distintas, deve ser notificada aos novos visados, em
obediência ao preceituado no art. 176.º do CPP.
25.
Os despachos de fls. 4313 e 4288 ordenando a realização de buscas nas
instalações das sociedades B., S.A., B1, S.A., B.2, S.A., não foi objecto de
notificação aos visados;
26.
Tal omissão constitui irregularidade que foi oportunamente arguida e que
determina a invalidade das buscas e apreensões efectuadas relativamente a tais
entidades;
27.
A possibilidade de apreensão de documentos de terceiro constante do Art.
181.º n.º 1 do CPP, pressupõe que tais terceiros ou que tais documentos se
relacionem com a prática do crime;
28.
Para que se possa sindicar a legalidade da apreensão de documentos de
terceiros, deve a relação entre os terceiros e os factos em investigação ser
expressa e justificada em sede de auto de apreensão;
29.
No caso em apreço, não se mostra tão pouco cumprida a formalidade prevista
no n.º 2 do Art. 183.º do CPP, irregularidade essa oportunamente arguida;
30.
Relativamente aos autos que foram efectivamente entregues e quando em causa
estão documentos de terceiros, não se mostra que nos mesmos haja sido
justificada ou explicitada a relação dos terceiros com os factos em
investigação;
31.
É o caso, designadamente, da busca levada a cabo no prédio sito na Av. … n.º
, onde no sexto piso foi aprendido um servidor da propriedade da B1 contendo uma
pasta de nome ‘…’ dentro da qual se encontrava um ‘directório de empresas’ onde
se continha informação relativa a 200 empresas, sendo que o Despacho de fls.
3481 e o respectivo auto de apreensão, é omisso quanto à relação de tais
empresas com os crimes em investigação e quanto à relevância dos documentos
apreendidos para a descoberta da verdade ou para a prova desta.
32.
A irregularidade em causa foi oportunamente suscitada, pelo que o despacho
recorrido violou igualmente os Arts. 181.º e 183.º do CPP;
33.
O indeferimento das nulidades e irregularidades suscitadas pelos Recorrentes
no tocante às buscas realizadas à sociedade K., S.A. com instalações na Av. …,
n.º , em Lisboa, estriba-se nos mandados de fls. 4245 e auto de fls. 4246;
34.
Tal mandado e auto, todavia, reportam-se à busca que decorreu na Av. …n.º …
respeitante ao A1, S.A. e B.;
35.
A busca e apreensão na .. n.º . não pode ser considerada uma parte da busca
e apreensão da Av. …;
36.
A referida busca não foi ordenada por despacho judicial, não foi objecto de
mandado de busca e apreensão e nem sequer foi presidida por Juiz de Instrução
Criminal, nem autorizada ou presidida pelo Ministério Público, pelo que esta é
irregular porque não autorizada, devendo ser invalidada bem como todos os actos
subsequentes que desta dependam, nos termos do disposto no Art. 123.º do Código
de Processo Penal;
37.
Os documentos e objectos apreendidos na busca identificada na conclusão
anterior encontram-se afectados da nulidade probatória prevista no n.º 3 do Art.
126.º, do CPP e nos n.º 8 do Art. 32.º e n.º 4 do Art. 34.º da Constituição da
República Portuguesa;
38.
Ao contrário do que é sustentado no despacho recorrido, não há uma
diminuição de exigências garantísticas entre correspondência fechada e
correspondência aberta;
39.
As diferenças de tratamento jurídico entre a correspondência aberta e a
correspondência fechada observam-se no seguinte aspecto: é que, enquanto em
relação à correspondência aberta, o juiz que autorizou ou ordenou as apreensões
pode e deve fazer previamente uma valoração crítica da documentação apreendida
no sentido de avaliar a relevância do seu conteúdo para a prova do crime; em
relação à segunda, essa valoração crítica só pode ser posterior à apreensão,
devendo o juiz formular de seguida um juízo positivo ou negativo sobre a sua
importância probatória e decidir imediatamente a sua retenção ou devolução ao
respectivo titular;
40.
No respeitante à correspondência fechada, a Constituição e a lei só
autorizam a sua retenção após uma avaliação da relevância do seu conteúdo para a
prova; em relação à correspondência aberta os direitos ao sigilo e à sua
inviolabilidade obrigam o juiz a indagar primeiro dessa relevância antes da
apreensão;
41.
A apreensão de documentação retirada de arquivos de correspondência aberta,
sem nenhuma valoração prévia e escrutínio mínimo do seu conteúdo, procede de uma
interpretação do artigo 179º do Código de Processo Penal contrária à proibição
de intromissão abusiva na correspondência e ao direito à inviolabilidade da
correspondência, fixados respectivamente nos artigos 32º, nº4 e 38º da CRP;
42.
É inconstitucional, por violação dos Arts. 32.º e 34.º da Constituição, a
norma constante do Art. 179.º quando interpretada e aplicada no sentido de que
apenas se aplica relativamente à correspondência aberta;
43.
Uma vez que inexiste a fundamentação do despacho quanto ao preenchimento dos
requisitos legais da apreensão de correspondência, esta mesma apreensão está
ferida de nulidade por força do disposto no n.º 1 do Art. 179.º do Código de
Processo Penal conjugado com o Art. 126.º, n.º 3 do mesmo código e n.ºs 8 do
Art. 32.º e 4 do Art. 34.º da Constituição da República Portuguesa, nulidade que
inquina toda a prova ilegalmente obtida;
44.
Para que se verifique uma excepção ao regime geral de proibição de apreensão
de correspondência respeitante ao exercício da advocacia previsto no Art. 71.º
da Lei n.º 15/2005, de 26 de Janeiro, é necessário que a correspondência em
questão respeite a facto criminoso relativamente ao qual o advogado haja sido
constituído arguido;
45.
À luz do referido regime, impõe-se a prévia constituição de arguido do
Advogado destinatário/remetente da correspondência e que tal correspondência
respeite a facto criminoso imputado ao Advogado entretanto constituído arguido;
46.
Sucede, porém, que ao contrário do que consta do despacho recorrido, nos
presentes autos foi apreendida correspondência a advogados não constituídos como
Arguidos;
47.
É o caso da apreensão de diversa documentação e objectos, da sala dos Drs.
L. e M., cfr. auto de apreensão no escritório D. da Rua . , , em Lisboa,
concretamente, ‘…”; Parecer IMT para a N.; Dossier …;
48.
Nas buscas e apreensões que decorreram no escritório da D. na Avenida …, no
Porto, nenhum advogado foi previamente constituído arguido, tendo sido
apreendida vasta documentação. De entre aquela muito insuficientemente descrita
no auto, sobressaem 18 dossiers A4 cinzentos de argolas contendo documentação
(sic); documentos em Inglês (secretaria do Dr. O.); documentação da B.;
49.
Conforme consta expressamente do Art. 71.º da referida Lei n.º 15/2005, a
proibição de apreensão abrange a correspondência seja qual for o suporte
utilizado, estendendo-se ainda às instruções e informações escritas sobre o
assunto da nomeação, mandato ou parecer;
50.
Aos advogados não constituídos arguidos nos escritórios de Lisboa e do Porto
foram também apreendidos os seguintes suportes electrónicos (cfr. autos
respectivos), Disco rígido de computador portátil IBM na sala dos Drs. L. e M.;
Discos rígidos dos computadores dos postos de trabalho dos Drs. L., P. e M.,
Advogados, e Q., R., S. e T., Advogados-estagiários; CPU tipo mini tower do Dr.
U., Advogado–estagiário; Pen-drive que se encontrava na secretaria da Dra. V.;
Cópia server-porto-pasta grupo; Cópia de backup e pastas dos postos de trabalho;
51.
No tocante a este particular, ao negar a invocação da nulidade suscitada, o
despacho recorrido violou de forma grosseira a proibição constante do Art. 71.º
da Lei n.º 15/2005, de 26.01, pelo que as apreensões são ilegais, sendo a prova
obtida por via delas nula;
52.
No tocante aos Advogados constituídos arguidos, a prova é igualmente nula
por violação quer do regime das apreensões constante do Art. 176.º do CPP, quer
por violação do referido Art. 71.º da Lei n.º 15/2005, de 26.0;1
53.
Ao mencionar-se no despacho recorrido e no tocante a este particular que os
suportes informáticos apreendidos terão que ser sujeitos a apreciação judicial
com vista a verificar o seu conteúdo e à posterior devolução dos ficheiros e
prints que se refiram a correspondência exclusivamente com os senhores
advogados, o Meritíssimo Juiz confessa a absoluta subversão do regime das
apreensões levadas a cabo por JIC, nos termos já expressos nos pontos 12 a 18
das presentes conclusões;
54.
Por força desta mesma passagem do despacho recorrido, é ainda patente a
violação do Art. 71.º da Lei n.º 15/2005, de 26.01, na parte em que impõe uma
verificação de conteúdo – respeitar a facto criminoso imputado ao advogado
entretanto constituído arguido – prévia à decisão de apreensão e condição da sua
legalidade;
55.
Consubstancia a violação constante da conclusão anterior as apreensões
respeitantes aos suportes informáticos dos advogados arguidos, a saber (cfr.
autos de fls.): Gabinete da Dra. J. – 2 cd’s rubricados; Gabinete do Dr. H. – 2
cd’s rubricados; Cofre da propriedade da Soc. De Advogados – computador
portátil; Servidor que se encontra no final do corredor, com o nome ‘Server 3’ e
ainda dos restantes discos dos computadores não referidos acima; Cópia da
memória do disco do computador, sem utilizador; Secretaria de Júlia Rodrigues –
6 disquetes e agenda telefónica preta de argolas;
56.
A deficiente redacção e descrição dos autos de apreensão, impede uma
sindicância da legalidade das apreensões, não se conseguindo destrinçar se a
vasta correspondência apreendida no escritório respeita integralmente a
advogados constituídos arguidos nos autos e a factos criminosos relativamente
aos quais estes tenham sido previamente constituídos arguidos;
57.
Nas buscas que decorreram nos escritórios de advogados D., na Marquês da
Fronteira em Lisboa e na Avenida … no Porto, foi apreendido de forma indistinta
um acervo documental gigantesco que inclui correspondência normal,
correspondência electrónica, (e-mails recebidos e enviados), gravada em disco
rígido de servidores, computadores, inclusivamente portáteis, cd-roms ou
back-ups, ou mesmo e-mails impressos e ainda instruções e informações escritas
sobre o assunto da nomeação dos advogados, mandato ou parecer solicitado, em
forma impressa e/ou em forma electrónica, pelo que toda a correspondência,
designadamente electrónica, e as informações escritas aí apreendidas constituem
prova proibida em face do disposto no já citado Art. 71.º do EOA, dos Arts.
125.º a contrario sensu, e 126.º, n.º 3, ambos do Código de Processo Penal e
ainda do n.º 8 do Art. 32.º e n.º 4 do Art. 34.º da Constituição da República
Portuguesa;
58.
A constituição como Arguido de Advogados traduziu-se, no caso em apreço, no
cumprimento de uma mera formalidade para preenchimento dos requisitos legais da
busca, apenas e só porque tinham documentação em seu poder que interessava às
autoridades, o que constitui uma aberrante inversão do espírito da Lei e ao
completo arrepio das garantias constitucionais dos cidadãos em geral e dos
Advogados em particular, a saber, Arts. 26.º, Art. 32.º e do Art. 34.º da
Constituição da República Portuguesa;
59.
É, aliás, inconstitucional, por violação dos Arts. 26.º, Art. 32.º e do Art.
34.º da Constituição da República Portuguesa, a norma constante do n.º 4 do Art.
71.º da Lei 15/2005, de 26.01, quando aplicada e interpretada como no caso
vertente, em que a constituição de arguido é desacompanhada de uma actuação
material que relacione o visado com os factos objecto da investigação;
60.
A busca realizada à residência da Advogada F. é está ferida de nulidade,
quer por violação do Art. 71.º do EOA, uma vez que a mesma não foi previamente
constituída como Arguida, quer por não ter sido dado cumprimento às exigências
legais constantes do n.º 3 do Art. 177.º n.º 3 do CPP.
61.
O regime previsto no Art. 177.º n.º 3 do CPP, estende-se, por força do Art.
70.º do EOA a qualquer local onde o Advogado faça arquivo;
62.
A existência de documentação profissional na residência de um Advogado é
suficiente para se considerar a existência de arquivo, sob pena de se entrar em
algo impossível de parametrizar;
63.
A lei não estabelece qualquer necessidade de reclamação com base na
existência de arquivo como condição de aplicabilidade do regime constante dos
Artigos 70.º e 71.º do EOA;
64.
O que verdadeiramente está em causa na possibilidade de realização de busca
ao domicílio pessoal do advogado é o acesso a informação e documentação
profissional;
65.
É, inconstitucional, por violação dos Art. 32.º e do Art. 34.º da
Constituição da República Portuguesa, a norma extraída da conjugação do Art.
70.º da Lei 15/2005, de 26.01, com o Art. 177.º n.º 3, quando aplicada e
interpretada como no caso vertente, em que as exigências e cautelas legais
previstas no n.º 3 do Art. 177.º do CPP para que se verifique a apreensão de
documentação profissional em casa de Advogado, estão dependentes de reclamação
nesse sentido;
66.
Do cotejo do despacho recorrido com o auto de apreensão de fls. ...,
respeitante à busca ocorrida no escritório de Advogados D., resulta que os
Recorrentes nem estão de má fé nem incorreram em qualquer lapso, antes se
chegando à conclusão que a descrição menos correcta da realidade, para não dizer
incorrecta, pertenceu ao Meritíssimo Juiz a quo;
67.
O auto cuja cópia foi junta para maior facilidade de identificação, nem
respeita a uma operação de transferência de dados determinada na sequência de
uma definição judicial dos ficheiros que deviam ser apreendidos, nem refere que
o Juiz se haja ausentado como o próprio vem a confirmar em sede do despacho
recorrido;
68.
Mas mesmo que a diligência, ao contrário do que consta do auto, se tenha
traduzido uma operação de transferência de dados determinada na sequência de uma
definição judicial dos ficheiros que deviam ser apreendidos, não é admissível a
ausência do Juiz;
69.
À luz do art. 177.º n.º 3 do CPP, não é admissível que o Magistrado Judicial
que preside a uma diligência de busca e apreensão num escritório de advogados se
ausente da mesma e que para esse efeito proceda a uma qualquer definição
judicial de ficheiros relevantes para a prova, encarregando técnicos de
transferir (leia-se copiar ou mesmo, como está no auto, apreender) esses mesmos
ficheiros.
70.
Essa obrigação está reforçada no Art. 70.º, n.º 1 in fine do EOA. Por outro
lado, é uma competência exclusiva do Juiz de Instrução nos termos previstos na
al. c) do n.º 1 do Art. 268.º do Código de Processo Penal;
71.
A busca e apreensão são, por conseguinte, nulas, determinado a invalidade
dos meios probatórios assim recolhidos, nos termos das disposições supra
citadas;
72.
Idêntica situação, porventura ainda de forma mais gritante, ocorreu na busca
realizada nas instalações do Private Banking do BNP, sitas na Rua …, …, em que
os OPC´s iniciaram a busca pelas 10h20m, recolheram todo o material em sacos de
plástico, tendo a Senhora JIC comparecido no local pelas 15h00 para validar a
apreensão;
73.
O Art. 268.º do CPP estabelece como competência do JIC, não delegável nos
OPC´s, proceder a buscas e apreensões em estabelecimento bancário;
74.
Mesmo que se venha a sufragar a posição constante do despacho recorrido de
que a busca em estabelecimento bancário não exige a presença de magistrado, mas
só a efectivação da apreensão – o que não se concede –, tal apreensão pressupõe
um juízo crítico acerca do mesmo e, por conseguinte, a apreensão do conteúdo de
documentos e não uma mera ratificação da ‘recolha’ feita pelos OPC´s;
75.
O acto em causa é, por conseguinte, nulo, por violação expressa do Art.
181.º e alínea c) do Art. 268.º do CPP, sendo igualmente a prova assim obtida
nula nos termos do Art. 125.º do CPP, por violação das disposições conjugadas do
Art. 78.º e 79.º n.º 2, alínea d) do Regime Geral das Instituições de C[r]édito;
76.
Será, aliás, inconstitucional, por violação do Art. 26.º n.º 1 da
Constituição, o Art. 181.º do CPP quando aplicado e interpretado como no caso
vertente, com o entendimento que relativamente à busca e apreensão em
estabelecimento bancário a presença do Juiz só é obrigatória no acto de
apreensão propriamente dito;
77.
A busca e a apreensão de documentos feita nas instalações do A3 é igualmente
nula por violação do Art. 181.º do CPP, uma vez que ocorreu sem a presença da
Mmª JIC, acrescendo que, neste caso, não existe despacho judicial nesse sentido
nem o respectivo mandado;
78.
O mandado existente respeitava às instalações comuns da B., S.A. e Private
Banking;
79.
Das instalações do A3 foi apreendida, sem despacho e sem mandado inúmeros
documentos relativos a transferências; pasta A4; Carteira de activos A4; backups
dos servidores do A. da Rua …; com referencia a 19.10.2005 e back up a 20.10.05;
5 computadores; 3 computadores; entradas e saídas de clientes e respectivos cash
flows, prova essa nula, porque ilegalmente obtida;
80.
A apreensão realizada no dia 24.10.2005 nas instalações do A2, sitas na Rua
…, …, no Porto, após o alegado consentimento dos administradores que assinam a
declaração de fls. 4689, é irregular por violação do disposto nos arts. 174.º,
176.º, 178.º, n.º 3 e 181.º do Código de Processo Penal, consequentemente, toda
a prova assim obtida é nula, nos termos do Art. 125.º do Código de Processo
Penal por violação das disposições conjugadas do Art. 78.º e 79.º, n.º 2 al. d)
do Regime Geral das Instituições de Crédito (RGIC), o que aqui também desde já
se invoca;
81.
Isto porque ao contrário do que se sustenta no despacho recorrido, nem a
declaração de fls. 4689, nem o despacho de fls. 3705 proferido ao abrigo da Lei
5/2002, de 11 de Janeiro, são aptas a fazer cessar o sigilo, no caso em apreço;
82.
Como se deduz do Art. 79.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e
Sociedades Financeiras, o consentimento relevante para efeitos de levantamento
de sigilo é o do titular das contas e não o dos funcionários do banco;
83.
Ainda nos termos do referido Regime Geral, não sendo possível obter tal
consentimento, os factos e elementos cobertos pelo dever de sigilo só podem ser
revelados nos termos previstos na lei penal e de processo penal (Cfr. Art. 79.º,
n.º 2 alínea d) do RGICSF);
84.
No tocante ao despacho de fls. 3705 proferido ao abrigo da Lei 5/2002, de 11
de Janeiro, nunca foi comunicado aos funcionários presentes no local, nem tão
pouco aos administradores do A., os quais desconheciam em absoluto o conteúdo do
mesmo;
85.
E não obstante o Despacho proferido ao abrigo do disposto no art. 2.º da Lei
n.º 5/2002 poder assumir uma forma genérica, é necessário que identifique cada
um dos sujeitos abrangidos, as contas e as transacções relativamente às quais
devem ser obtidas as informações (cfr. n.ºs 3 e 4 do art. 2.º da Lei n.º 5/2002,
de 11 de Janeiro), só podendo assumir a forma genérica pretendida quanto se
tratem de informações relativas às pessoas individuais ou colectivas devidamente
constituídas Arguidas nos autos (cfr. n.º 5 do art. 2.º da referida Lei n.º
5/2002);
86.
Ora, resulta manifesto do auto de apreensão elaborado no dia 24.10.2005 que
a busca culminou na apreensão indiscriminada de todas as pastas e ficheiros
existentes no Servidor ‘SERFOZ’, relacionados com actividades em paraísos, em
manifesta violação do art. 2.º da Lei n.º 5/2002 e arts. 78.º º e segs. do
Regime Geral das Instituições de Crédito (RGIC);
87.
Acresce que a referida busca não foi precedida de qualquer Despacho judicial
emitido ao abrigo do disposto nos arts. 174.º, 178.º, n.º 3 e 181.º, por forma a
que o dever de sigilo pudesse ceder e legitimasse a apreensão ou qualquer ou
disposição legal que eventualmente limitasse o dever de sigilo a que se
encontram vinculados os funcionários bancários;
88.
Nos termos do disposto Art. 99.º do Código de Processo Penal, o auto é o
instrumento destinado a fazer fé quanto aos termos em que se desenrolaram os
actos processuais, fazendo o mesmo prova quanto ao decurso dos mesmos enquanto
não for colocado em causa (cfr. art. 169.º do mesmo Código);
89.
Os Recorrentes, fundadamente, vieram colocar em causa a veracidade do
conteúdo dos diversos autos de buscas e apreensão realizadas no dia 20.10.2005,
pois em muitos casos os autos retratam de forma incompleta a realidade
subjacente ao acto processual, ou confundem realidades distintas;
90.
Não obstante vir a confirmar as irregularidades apontadas aos autos, o
despacho recorrido, por falta de atenção ou teimosia, não logrou determinar a
correcção dos autos;
91.
Tal desconformidade foi tempestivamente arguida e reporta-se aos autos
relativos às diligências de busca realizadas no escritório de Advogados da D., e
à busca realizada nas instalações do A2 na Rua …, não fazem qualquer menção ao
período em que não estiveram presentes os Magistrados Judiciais; no caso do auto
de busca e apreensão alegadamente realizado no A. na Av. … n.º …, em Lisboa, são
mencionadas apreensões que decorreram efectivamente na Rua … n.º ..;
92.
Tais factos, porque contrários à lei, constituem irregularidades processuais
tempestivamente arguidas para todos os efeitos legais, impondo-se a respectiva
rectificação, ao abrigo do disposto no n.º 3, do art. 100.º do Código de
Processo Penal;
93.
Conforme melhor resulta do despacho recorrido, o Senhor JIC, ao abrigo Art.
84.º do CCJ, fixou em 3 UC por requerente a taxa de justiça a aplicar ao caso
vertente;
94.
Subjacente ao critério da fixação da taxa, está o conceito de custo de
oportunidade da actuação judicial e da máquina judiciária;
95.
Ora, em termos de custo de oportunidade e no caso em apreço, o facto de ter
sido feito apenas um requerimento subscrito por todos os requerente faz com que
o custo de oportunidade seja precisamente o mesmo que acarretaria a apresentação
do requerimento apenas por um dos requerentes;
96. Assim e no caso em apreço, o que o Meritíssimo Juiz deveria ter feito era
proceder à fixação da taxa máxima de 5 UC em função da complexidade do processo,
devendo a mesma ser suportada em partes iguais por cada um dos requerentes, à
semelhança do regime das custas cíveis em que haja diversas partes vencidas.
O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 18
de Maio de 2006, concedeu parcial provimento ao recurso, revogando a decisão
impugnada apenas na parte em que não conheceu de irregularidades, por ter
considerada extemporânea a respectiva arguição, e confirmando-a no restante,
‘embora nem sempre pelos mesmos fundamentos’.
Na parte que agora interessa, foi a seguinte a
fundamentação carreada ao indicado acórdão: –
“(…)
2. Colhidos os Vistos e
realizada a Conferência, cumpre apreciar e decidir.
É do seguinte teor o
Despacho recorrido:
‘O A., SA., A1., SA,
B.,SA, B1. S A, B2, SA, C., SA, D. Sociedade de Advogados, K.,SA, E. e F., G.,
H., I. e J. vieram impugnar as diligências de busca realizadas no dia 20 e 24 de
Outubro de 2005.
As diligências cuja
validade é posta em causa são as seguintes:
Busca nas instalações do
‘A1, SA’, sitas na Rua …, nº . a ., em Lisboa, cujos autos constam de folhas
4246 e seguinte, sendo invocadas irregularidades nos pontos 33° a 40° do
requerimento;
Busca nas instalações do
A., ‘A1, SA’ e B., sitas na Avenida …, …, Lisboa, cujos autos constam de folhas
4250 e seguintes, sendo invocadas irregularidades nos pontos 23° a 32° do
requerimento;
Busca nas instalações da
‘C., SA’, sitas na Av. …, …, em Lisboa, cujo despacho de autorização e mandado
constam de folhas 4287 e 4288, sendo invocadas irregularidades nos pontos 1 a 12
do requerimento;
Busca nas instalações do
escritório de Advogados ‘D.’, sito na Rua …, nº , , em Lisboa, cujos autos
constam de folhas 4298, sendo invocadas irregularidades nos pontos 45 a 62 e 72
a 97 do requerimento;
Busca nas instalações do
escritório de Advogados ‘D.’, sito na Avenida , nº.., Porto, cujo auto consta de
folhas 4442, sendo invocadas irregularidades nos pontos 45 a 62 do requerimento;
Busca no domicílio da
Advogada F., sita na Via General …, , Porto, cujos autos constam de folhas 4446,
sendo invocadas irregularidades nos pontos 63 a 71 do requerimento;
Busca no domicílio de E.,
sita na Rua …, , ., em Braga, cujos autos constam de folhas 4455, sendo
invocadas de modo genérico irregularidades nos pontos 1 a 12 do requerimento;
Busca nas instalações do
A2, sitas na Rua …, nº …, no Porto, cujos autos constam de folhas 4687, sendo
invocadas irregularidades nos pontos 89 e 98 e seguintes do requerimento.
O Mº Pº respondeu pugnando
pela improcedência da pretensão dos requerentes.
Cumpre decidir.
Antes de mais, cumpre
referir que todas as buscas foram realizadas na sequência de uma decisão
judicial que as ordenou, conforme consta dos despachos judiciais e mandados de
busca entregues aos buscados.
Para além disso, todas as
buscas em causa foram presididas pelo JIC, com excepção dos locais em que a lei
não exige essa presença. Cf. art. 180º e 181º, ambos do CPP e respectivos autos
de busca.
Cumpre referir, também
que, em todas as buscas os visados assistiram, tomaram conhecimento prévio do
objecto da diligência e assinaram os respectivos autos de busca e ficaram com
cópia dos mesmos.
Assim, e ao contrário do
que se diz no artº 1º do requerimento em causa, os Magistrados Judiciais e do
Ministério Público e o OPC não se introduziram nas instalações e residências dos
sujeitos em causa mas entraram na sequência de uma decisão judicial, decisão
essa que, por força do disposto no artº 202º e 205 nº 2 da CRP, vincula os
visados.
De harmonia com o disposto
no artº 118º nº 1 do CPP, a violação ou a inobservância das disposições da lei
do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente
cominada na lei.
Por sua vez o nº 2 do
mesmo preceito refere que, nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o acto
ilegal é irregular.
As nulidades insanáveis
são, segundo o disposto no artº 119º do CPP as que resultam expressamente da
lei.
No que respeita a
nulidades dependentes de arguição, a Lei Processual Penal estabelece no art.
120º nº 3 do C.P.P. que tais nulidades devem ser arguidas antes que o acto
esteja terminado, tratando-se de nulidade de acto a que o interessado assista.
Quanto às irregularidades
dispõe o art. 123º do CPP que, a mesma deve ser arguida pelo interessado no
próprio acto, ou se não tiver assistido, nos três dias seguintes a contar
daquele em que tiver sido notificado para qualquer termo do processo.
Tendo em conta as
diligências em causa e os respectivos autos de busca, verifica-se que, algumas
delas foram realizadas no dia 20-10-2005, buscas essas que, como já referimos
supra, os interessados estiveram presentes ou representados e tendo alguns
utilizado a faculdade prevista no art. 176º nº 1 do C.P.P., fazendo-se
substituir por quadros superiores das entidades suas representadas que nada
invocaram.
Assim, no que concerne às
buscas realizadas no dia 20 e tendo em conta a data de entrada em juízo do
requerimento (27-10-05), verifica-se que o prazo legal para a sua invocação está
ultrapassado.
Como já dissemos supra, o
prazo legal estabelecido para a arguição de irregularidades é no próprio acto,
se os interessados a ele tiverem assistido, ou nos três dias seguintes a contar
daquele em que tiverem sido notificados para algum acto nele praticado.
Mesmo que se admitisse o
prazo legal de três dias, como pretendem os requerentes no seu fundamentado de
ver aplicável ao caso o art. 107º nº 5 do C.P.P, esse prazo estaria sempre
precludido. Com efeito, o prazo de três dias terminou no dia 23-10-2005, mas
mesmo assim, o requerimento poderia ser apresentado, com multa, caso fossem
satisfeitas as condições previstas no artº 107º nº 5 do C.P.P. e 145º do CPC até
ao dia 26-10-2005.
Nesta conformidade e uma
vez que o requerimento apenas foi apresentado em 27-10-05, o mesmo é
extemporâne[o], em tudo o que respeita às buscas realizadas no dia 20-10-05.
Cumpre apreciar as
nulidades relativas às buscas realizadas no dia 24-10-05 nas instalações do
requerente A., sitas na R. … nº …, Porto.
Falta de critério na
selecção dos documentos
O art. 178º-1 do Cód.
Processo Penal autoriza a apreensão dos documentos ‘susceptíveis de servir a
prova’, o que não quer dizer que, por si só constituam a prova integral dos
factos.
Como já referimos no
despacho que ordenou a realização das buscas em causa e constante de fls. 3481 e
ss o objecto da investigação nestes autos consiste nas actividades relacionadas
com infracções económico-financeiras cometidas de forma organizada, por vários
pontos do país e ultrapassando as fronteiras nacionais, actividade essa que, se
traduzia na promoção junto de particulares de esquemas de fraude fiscal, com
recurso a sociedades de países terceiros da União Europeia e à emissão de
facturação fictícia, e a esquemas de circulação de meios financeiros e de
ocultação de patrimónios, com recurso a sociedades e a contas bancárias
off-shore.
Das investigações em curso
e anteriores à realização das buscas verificou-se a existência de fundadas
razões que na promoção e venda desses esquemas são intervenientes vários
instituições bancárias e escritórios de advogados, entre os quais os ora
requerentes.
Assim, o critério que
presidiu à realização das buscas foi o de encontrar documentos e outros objectos
relacionados com esses esquemas, documentos esses que, uma vez conjugados com
outros elementos de prova poderão contribuir para uma percepção global dos
factos e para uma compreensão da real intervenção dos ora suspeitos.
Uma vez feito esse
cruzamento e caso se conclua que os documentos ou alguns deles são inúteis para
os autos serão os mesmos restituídos aos buscados, conforme impõe o artº 186º nº
1 do CPP.
Assim, não assiste razão
ao pretendido pelos sujeitos buscados.
Da alegada falta de
fundamentação da decisão judicial que ordenou as buscas.
A decisão judicial que
ordenou a realização das buscas em causa encontra-se proferida no despacho de
fls. 3481 e ss e dela constam os elementos de facto e de direito. Na verdade,
identifica-se o objecto da investigação, infracções criminais em causa e os
indícios e fonte dos mesmos para a realização das buscas.
Assim, o despacho em causa
contém todos os requisitos enunciados no artº 97º nº 4 do CPP e permite a
qualquer destinatário a possibilidade de reacção.
Para além disso,
verifica-se, também que, o objecto das buscas encontra-se indicado nos
respectivos mandados, cujas cópias foram entregues aos buscados e todos os
objectos discriminados nos autos de busca e que foram encontrados durante a
diligência foram, no caso concreto das presididas pelo JIC, controladas por
este, apondo a sua assinatura nos respectivos autos.
Ao contrário do que
pretende a defesa não existe a obrigação de indicar os indícios concretos que
fundamentam a necessidade de realização das buscas nem os reais meios de prova
em que esses indícios assentam o que bem se compreende para que a investigação
não seja inviabilizada pela manipulação de elementos de prova.
Da alegada falta de
identificação do sujeito B.
No despacho e mandado que
autoriza a busca no edifício sito na Av. …, nº …, em Lisboa de folhas 4248,
encontra-se definida como objecto da busca a sociedade B..
Na execução do mandado,
certificação de folhas 4249 verso, foi feito constar que o mandado foi entregue
a Z., que se identificou como sendo Presidente do Conselho de Administração da
B., SA, e assinou tal certificação.
Do auto de busca
respectivo, referente à B. e ‘C.,SA’, o mesmo Z. assistiu às buscas e assinou na
qualidade de Administrador da B. e da ‘C., SA’ – folhas 4295.
No decurso da busca ao
escritório de advogados ‘D.’, em Lisboa, constatou-se a existência de dois
gabinetes que serviam de instalações para a sociedade ‘B1, SA[’].
Na sequência dessa
informação e por despacho proferido no momento – folhas 4313, foi ordenada a
realização de uma busca às referidas instalações, busca essa feita de imediato e
na presença do técnico de contas X. que assinou o auto.
Ainda no decurso das
mesmas buscas foi, por despacho judicial proferido a fls. 4288, ordenada busca à
sociedade ‘holding’ de todo o grupo A., a designada ‘C., SA [’].
Assim, verifica-se que,
foram identificadas todas as sociedades cujas actividades eram objecto da busca,
não se verificando qualquer irregularidade.
Da alegada apreensão de
documentos de terceiro:
Referem os requerentes nos
pontos 27, 31 e 32 a circunstância de terem sido apreendidos documentos e
ficheiros que pertencem a terceiros, eventuais clientes das sociedades visadas.
Como já dissemos supra o
objecto da investigação nestes autos consiste nas actividades relacionadas com
infracções económico-financeiras cometidas de forma organizada, por vários
pontos do país e ultrapassando as fronteiras nacionais, actividade essa que, se
traduzia na promoção junto de particulares de esquemas de fraude fiscal, com
recurso a sociedades de países terceiros da União Europeia e à emissão de
facturação fictícia, e a esquemas de circulação de meios financeiros e de
ocultação de patrimónios, com recurso a sociedades e a contas bancárias
offshore.
Mais resulta indiciado
que, os ora requerentes são intervenientes na prestação de serviços a terceiros,
serviços esses de carácter ilícito e através dos quais é concretizado o esquema
tendente à evasão fiscal.
Nesta conformidade é
evidente que o objecto das buscas prendia-se necessariamente com a recolha de
elementos com vista à identificação do terceiros/clientes que aderiram aos
esquemas ilícitos oferecidos pelas sociedades buscadas fazendo com que esses
documentos tivessem de ser, como foram, apreendidos porque relacionados com os
ilícitos em causa e por serem úteis à prova e à investigação.
Por fim, sempre se dirá
que possibilidade de apreensão de documentos de terceiros está prevista no art.
181°-1 do Cod. Processo Penal.
Da Busca realizada na Av.
…nº em Lisboa
Na Avenida …, nº .., em
Lisboa, foi realizada uma busca, na sequência da respectiva decisão e que tinha
como objecto a actividade da sociedade ‘A.1, SA’ mandado de fls. 4245 e auto de
folhas 4246.
A sociedade buscada tem
por objecto a gestão da rede informática que serve todo o grupo da Sociedade C.,
visando a diligência, conforme o mandado, a recolha de dados informáticos
relevantes para a prova.
Na sequência da busca
verificou-se que a referida sociedade tinha a sua actividade espalhada pelos
diversos pisos do edifício, existindo uma rede informática comum a todos os
serviços instalados no mesmo edifício, incluindo as diferentes empresas que ali
partilhavam espaços.
Mais se verificou a
partilha de espaços e mesmo de funcionários pelas diferentes sociedades, sendo a
busca realizada na presença de Carlos José Messias Nunes da Venda, que se
identificou como sendo o responsável por todas aquelas instalações.
Verificou-se assim,
existirem dados informáticos relevantes para a prova num posto de trabalho, sito
no piso 4° do edifício buscado, utilizado por um responsável da sociedade ‘C1’,
de nome W., dados esses processados e geridos pela ‘A1’ e que se integram no
tema da prova.
Tal posto de trabalho foi
objecto de análise e de apreensão de dados – conforme auto de folhas 4281 e
seguintes.
Mostra-se assim, que não
foi realizada qualquer busca específica à sociedade ‘K., SA’, conforme é
invocado no ponto 33 do requerimento, sendo analisados e recolhidos dados de
postos de trabalho identificados como pertencentes a outras sociedades, mas
apenas na medida em que continham informação relativa à actividade das
sociedades objecto da busca, A., B. e C.
Não se verifica assim,
qualquer nulidade da recolha da prova uma vez que a mesma se encontrava nas
instalações visadas no mandado e que versava sobre o tema da prova dos presentes
autos e não se integrava no âmbito de qualquer outra sociedade estranha a estes
mesmos autos.
Da apreensão de
correspondência
Alegam os requerentes que
nas diversas diligências de busca e apreensão foi apreendida correspondência
normal e correspondência electrónica sem que tivesse sido observado o disposto
no art. 179º nº 1 do CPP.
Antes de mais cumpre dizer
que os especiais procedimentos exigidos no art. 179º do Cód. Processo Penal,
reportam-se apenas à correspondência fechada.
Dos autos de busca resulta
que alguma correspondência ainda não aberta, quer em sede de correio e fax, quer
em sede electrónica, foi efectivamente retida, mas não consta que a mesma tenha
sido aberta.
A abertura dessa
correspondência e posterior decisão de junção ou não aos autos será feita pelo
Juiz de Instrução titular dos autos conforme dispõe o citado artº 179º do CPP e
mediante a elaboração do respectivo auto.
No que concerne à
documentação apreendida, mesmo que integrando cópia de cartas ou impressão de
e-mails foi a mesma retirada de arquivos de correspondência, não merecendo por
isso qualquer tutela específica.
Assim, quantos aos
documentos abertos e apreendidos não se verifica qualquer nulidade dado que não
se integram no conceito de correspondência fechada.
Da alegada violação do
sigilo profissional de advogado
Os requerentes referem ter
sido apreendida correspondência trocada entre advogados e seus clientes,
relativamente a alguns advogados que não chegaram a ser constituídos como
arguidos – pontos 45 e seguintes do requerimento.
Cabe esclarecer que apenas
foi visada a correspondência trocada entre os referidos advogados e os clientes
B., A. e C., sociedades visadas nos autos.
Por outro lado, cumpre
referir que compete ao titular da acção penal, neste caso o Ministério Público,
definir quem deve [ou não – presume-se ter sido intenção de escrever este
específico passo] ou ser constituído arguido e de acordo com os indícios
existentes nos autos. Deste modo ao JIC não compete controlar essa actividade,
sobretudo nesta fase processual.
Em todo caso sempre se
dirá que o Ministério Público pauta a sua actividade por critérios de legalidade
e objectividade e não por razões de oportunidade ou conveniência ou por esquemas
para contornar a Lei, neste caso os arts. 70º e 71º do Estatuto da Ordem dos
Advogados.
Dos autos resulta que
estão constituídos como arguidos todos os Advogados que se indicia prestarem
serviços para as sociedades suspeitas, em particular a B..
Dos autos de busca resulta
que a correspondência apreendida diz respeito apenas às referidas sociedades
clientes.
Aos advogados L. e M.,
(não constituídos arguidos), no auto de folhas 4298 e seguintes, constam como
apreendidos:
um conjunto de onze folhas agrafadas relativas a fichas de análise de
sociedades comerciais e a diligências jurídicas em modelos da B.;
treze folhas com o timbre N., dirigidas à Dra. G., do Gabinete Jurídico, tendo
por assunto parecer IMT;
disco rígido de computador da marca IBM, de equipamento portátil;
três folhas com listagens de certificados de admissibilidade, com referência a
‘pasta 2’ e outras três folhas com referência a ‘pasta 3’;
dossier contendo pastas plásticas com documentos da ‘…’;
dossier da B. com minutas de contratos;
dossier da 1. SL, contendo diversos documentos da referida empresa,
designadamente serviços prestados pela B.e troca de e-mails com a intervenção do
Advogado H..
De tal documentação,
apenas assume a natureza de correspondência a parte em que intervêm os advogados
G. e H. e estes dois constituídos como arguidos nos presentes autos – folhas
4319 e 4327.
Quanto ao suporte
informático apreendido o mesmo terá que ser sujeito a apreciação judicial, com
vista a verificar o seu conteúdo e posteriormente devolvidos os ficheiros e
‘prints’ que se refiram a correspondência exclusivamente com os referidos
senhores advogados.
Realça-se que, qualquer
destes dois Srs. Advogados, L. e M., esteve presente na diligência, estando
presente representante da Ordem dos Advogados, tendo ambos assinado os auto sem
suscitar qualquer objecção, nomeadamente nenhum deles apresentou reclamação a
que alude o art. 72º do Estatuto da Ordem dos Advogados.
Relativamente ao
apreendido à J., advogada e também não constituída como arguida, foi apreendido,
folhas 4298:
procuração traduzi[d?]a 2. LTD;
procuração da 3. LTD.
Mais uma vez se verifica
que não estamos perante qualquer tipo de correspondência.
Quanto ao escritório dos
mesmos Srs. Advogados no Porto, cujo auto consta a folhas 4442 e seguintes,
verifica-se que a busca foi acompanhada e o auto assinado pela Dra. F..
Mais se verifica que não
foi apreendida qualquer correspondência ou ‘prints’ de e-mails, mas sim
documentos relativos a sociedades e sempre com a intervenção da B..
Quanto aos suportes
informáticos os conteúdos terão que ser submetidos a apreciação judicial, para
efeito de apreciar da sua natureza de correspondência e interesse em subsistir
nos autos.
Não se verifica a violação
do disposto no art. 71º do Estatuto da Ordem dos Advogados, na medida em que não
se apreendeu correspondência exclusiva de advogados não constituídos como
arguidos nem que fosse relativa a outros clientes que não os relativos à B., A.
e C..
Da alegada nulidade da
busca à residência de F.
Alegam os requerentes que
na busca realizada à casa da senhora advogada em causa deveria ter sido feita
com as formalidades previstas 177º nº 3 do CPP
Nos termos do art. 70° do
Estatuto da Ordem dos Advogados merecem especial protecção em sede dos trâmites
de diligências de busca a realizar os escritórios de advogados e os locais onde
o advogado faça arquivo.
No caso concreto a busca
do auto de folhas 4446, foi realizada na presença da Sra. Advogada buscada e
dirigida à sua residência.
A morada da Sra. Advogada
em causa não coincide com a do seu escritório de advogada.
Por outro lado, estando
presente na morada buscada, a Sra. Advogada não referiu, como poderia e deveria
ter feito, que mantivesse um arquivo profissional na sua residência como não
apresentou a reclamação a que alude o artº 72º do EAO.
Ora, o local de
constituição de arquivo não é sujeito a qualquer necessidade de prévio registo e
indicação, como se passa com o escritório, cuja morada tem que ser comunicada à
Ordem.
Porém, é obviamente
necessário que a existência de arquivo seja invocada, uma vez que a simples
existência de documentos profissionais no domicílio da advogada não quer dizer
que ali exista arquivo.
Pelo exposto, não se
verifica qualquer dos pressupostos previstos para que a busca no domicílio da
Sra. Advogada tivesse que obedecer aos trâmites previstos no art. 180° e 177°-3
e 4 do Cod. Processo Penal.
A busca foi assim,
realizada na presença da Sra. Advogada com obediência aos trâmites exigidos
legalmente para as buscas domiciliárias não se verificando qualquer nulidade.
Da alegada apreensão
irregular
No ponto 72 e seguintes do
requerimento é referida a apreensão de um conjunto de documentos, existentes no
escritório da Dra. G., que se reportariam a um cliente, 4., que não estaria
relacionado com o objecto das buscas – auto de busca a escritório de advogados
de folhas 4298 e seguintes.
Como já dissemos supra, as
buscas tiveram como objecto a recolha de elementos que permitissem a
identificação dos clientes aderentes aos esquemas de fraude promovidos pelas
entidades buscadas.
Por outro lado, não
compete aos buscados definir quais os elementos objecto das buscas nem definir o
que é que interessa ou não para investigação ou para a prova.
No caso em apreço a
apreensão do documento resultou das informações constantes dos autos,
nomeadamente de fls. 4176 e ss e de onde resulta que o referido Sr. 4., é
cliente do A. e que recorreu aos serviços prestados pela B., designadamente
através do referido escritório de advogados, razão pela qual a documentação em
causa tem interesse para a prova.
Da alegada ausência de
Juiz em buscas em escritórios de advogados e estabelecimentos bancários
No ponto 80 e seguintes do
articulado alegam os requerentes que o JIC e a Sra. Procuradora da República se
ausentaram do escritório de advogados da ‘D.’, em Lisboa, cerca das 18H00 e só
regressaram por volta das 22H00, para encerrar o auto de apreensão tendo a busca
prosseguido entretanto.
Antes de mais cumpre
referir que essa busca teve a presidência da minha pessoa na qualidade de JIC
titular destes autos e a afirmação em causa só se admite por lapso ou então por
manifesta má-fé uma vez que a mesma não corresponde à verdade.
O que se passou ficou
consignado em auto devidamente assinado pelos intervenientes entre os quais os
ora requerentes.
A busca em causa teve
início às 10.58h e foi concluída quanto à documentação em papel cerca das 16H33,
tendo sido lavrado auto que foi assinado por todos – auto de folhas 4298-4310.
Nesse momento, na
sequência de definição judicial dos ficheiros informáticos relevantes para a
prova, encontrava-se em curso uma operação de transferência dos ficheiros
seleccionados para um outro suporte informático que seria o objecto da
apreensão.
Procedeu-se assim, à
separação dos conteúdos buscados, sendo lavrado um auto relativamente aos
documentos em papel e um outro auto quanto aos ficheiros em suporte informático
que foram recolhidos do sistema informáticos do escritório.
A operação de
transferência de dados decorreu desde cerca das 15H00 até às 21H55, hora a que,
depois de concluída, se procedeu à elaboração de novo auto, onde se indicam e
conferem por todos os ficheiros copiados – auto de folhas 4316 e seguintes.
Assim, só após ter sido
decidido todo o conteúdo dos objectos a buscar é que saí do local buscado, uma
vez que a operação em curso era meramente técnica e não justificava a minha
presença. De seguida e uma vez concluída essa operação de carácter técnico
regressei ao local afim de verificar e controlar os ficheiros copiados e
elaborar o respectivo auto que foi assinado pelos intervenientes.
Como se vê e ao contrário
do que alegam os requerentes os senhores técnicos informáticos não substituíram
o JIC e nem copiaram e nem apreenderam o que entenderam mas limitaram-se a
cumprir o que lhes foi determinado.
Verifica-se assim que
entre o encerramento do primeiro auto e a conclusão da cópia de ficheiros não
decorreu qualquer actividade de procura ou selecção de documentos pelo que não
era necessária a presença do JIC nas instalações em causa.
A mesma situação ocorreu
quanto à busca nas instalações do A2 e da B., sitas na Rua …, …, no Porto – auto
de folhas 4450.
A Sra. Juiz de Instrução
por se encontrar impedida noutras diligências, transmitiu aos OPCs para
procederem a diligências de preservação da prova e mesmo de localização da
documentação com interesse para a prova, no local que viria a ser objecto de
busca – diligências ao abrigo do art. 249º do Cod. Processo Penal.
Tais diligências de
iniciaram-se por volta das 11.00h, com a entrega do próprio mandado de busca,
conforme folhas 4449 verso, tendo se iniciado os procedimentos de localização da
documentação a apreender.
A apreensão dos documentos
encontrados só foi efectuada, após selecção e decisão, com a chegada da Sra.
Juiz de Instrução.
Tal forma de proceder está
conforme com o disposto no art. 181º-1 e 2 do CPP, porquanto tal dispositivo não
exige que a diligência de busca em estabelecimento bancário seja presidida por
Juiz de Instrução, mas tão só que a efectiva apreensão seja realizada com a
presença e a decisão do Magistrado Judicial.
Realça-se assim, a
diferença entre aquele preceito e o disposto no art. 177º-3 do CPP, onde
expressamente se prevê a ‘presidência pessoal pelo juiz’ quanto a buscas em
escritórios médicos e de advogados, ao passo que no art. 181º-1 se prevê apenas
ser o juiz a proceder à apreensão’.
Tal preservação e procura
da prova ocorreu relativamente a todo o edifício para o qual existia mandado de
busca, precisamente porque competia à entidade que presidia à diligência, a Sra.
Juiz de Instrução Criminal, definir quais os critérios de selecção e apreensão
dos documentos.
Neste sentido, mais uma
vez, não corresponde à verdade que tenha existido uma busca dirigida à
actividade da A3, mas tão só que as instalações da mesma que são partilhadas com
as das restantes entidades buscadas, designadamente com o departamento de A3,
existindo documentos das entidades visadas em áreas de trabalho de outros
serviços ou entidades.
Não se verificam assim, as
nulidades invocadas de realização de buscas sem a presença de JIC e de apreensão
em estabelecimento bancário sem intervenção de Juiz de Instrução bem como de
realização de buscas sem mandado prévio para o local onde se realizou a
diligência.
Da alegada violação do
sigilo bancário
No dia 24 de Outubro foi
realizada uma busca nas instalações do A. sitas na Avenida de …, no Porto, onde
se verificou não existirem quaisquer documentos com interesse para a prova dos
autos, mas onde foi fornecida a informação de que os dados informáticos
pretendidos se encontravam num ‘server’ instalado no edifício da Av. ….
Face a tal informação foi
manifestado o interesse em voltar àquelas instalações, que já haviam sido
buscadas, mas com objectivo diverso.
Nessa sequência, os
responsáveis do A. acederam a que os dados disponíveis no referido ‘server’
fossem consultados e do mesmo fosse copiada a informação necessária e julgada
útil – declaração de folhas 4689, que legitimou a diligência de auto a folhas
4690.
Alegam os requerentes que
«as autoridades visaram e obtiveram esse consentimento mediante as pressões que
se imaginam» sem referir que pressões foram essas, quem as proferiu (JIC,
Ministério Público, OPC) e sem extrair as consequências dessa afirmação. A este
propósito cumpre referir que o consentimento em causa foi prestado por dois
administradores do A., SA (cf. fls. 4689), o que nos leva a crer que serão
pessoas, pela função que desempenham, não susceptíveis de ceder a pressões de
quer que seja.
Para além disso, resulta
de fls. 3705 o despacho proferido ao abrigo da lei 5/2002, de 11-1 a ordenar a
quebra do sigilo quanto aos funcionários do A..
Assim, improcede, também a
alegada nulidade.
Da alegada irregularidade
na redacção dos autos
Alegam os requerentes que
os autos não espelham correctamente o decurso das diligências de busca, citando
o caso das buscas no escritório de advogados da ‘D.’ e no A. da Av. … no Porto,
nos quais não consta a hora do início da diligência.
Sendo verdade que tal hora
de início não consta expressamente, constando, no entanto, a hora da entrega do
mandado ao buscado, certo é que o disposto no art. 94°-6 do CPP apenas impõe a
referência à hora de início e de termo da diligência nos casos em que estejam em
causa ‘liberdades fundamentais das pessoas’.
No caso das buscas a
estabelecimentos bancários, não se prevê limite de horários de execução nem
estão em causa liberdades fundamentais, razão pela qual a menção à hora de
início da diligência não é imposta por Lei.
Refere ainda a Defesa a confusão de locais de apreensão de documentos, citando o
caso das buscas na Av. …,… e no edifício da Rua …, nº .., aliás sito nas
traseiras do primeiro.
Também não assiste razão
aos requerentes, pois está em causa o auto de folhas 4280 a 4284, que se reporta
exclusivamente a suportes informáticos e que foi elaborado pela mesma equipa de
OPCs e de peritos que realizaram as duas diligências referidas.
Certo é que, no referido
auto, estão claramente discriminados os locais onde foram recolhidos os dados
informáticos, quer ao nível do endereço do edifício, quer ao nível do piso onde
foram encontrados os equipamentos.
Improcedem, assim, as
alegadas irregularidades.
Custas pelo incidente a
que deram azo todos os requerentes que se fixam em 3 UC para cada requerente
art. 84º do CCJ.
Notifique entregando cópia
do despacho de fls. 3481 e 3482 bem como da promoção de fls. 3461 a 3464 e do
despacho de fls. 3705’
3. Sendo o âmbito do
recurso delimitado pelas conclusões do recorrente (cf. AC. STJ 16-11-1995,
31-01-96 e 24-03-99 BMJ 451-279, 453-338 e CJ VII-I-247, e arts. 403º e 421º,
nº1 do CPP), as questões a decidir são as seguintes:
(…)
- Legalidade das
apreensões, critério de selecção, sua relacionação com o objecto do processo e
com a investigação:
Questionam os recorrentes,
globalmente, a legalidade das apreensões de documentos e de suportes
informáticos efectuadas – em estabelecimentos bancários, escritórios de
advogados e residência de advogada – desde logo por ter subjacente uma ideia de
investigação e não apenas de obtenção e de conservação de prova; por a prévia
avaliação da pertinência da apreensão não ter sido feita pelo Juiz de Instrução,
tudo, segundo eles, com violação dos arts. 178º, 181º, nº1 e 180º, nº1 do CPP e
32º e 18º da CRP.
Antes de avançarmos na
solução das questões propostas (destas e das restantes que a seu tempo
enunciaremos), convém relembrar o quadro legal em que nos situamos e algumas
ideias e princípios que se encontram relativamente sedimentados na doutrina e na
jurisprudência.
Assim, nunca é de mais
começar por repetir que o regime das proibições de prova tem subjacente a
‘crença na existência de limites intransponíveis à prossecução da verdade em
processo penal’ (C. Andrade, Sobre as Proibições de Prova em PP, p. 117).
E assim o art. 126º do
CPP, sob a epígrafe ‘Métodos Proibidos de Prova’, contempla um regime de
proibição de procedimentos apenas proibidos quando obtidos sem o consentimento
do titular, e um regime de invalidade de outros meios de obtenção de prova,
mesmo quando obtida com o consentimento do titular.
Nos seus nºs 1 e 2
prevêem-se meios de prova proibidos em termos absolutos e no nº 3 métodos
proibidos sem o consentimento dos seus titulares. A proibição absoluta tem na
base uma indisponibilidade dos direitos; a proibição relativa tem na base a
disponibilidade dos direitos, que permite a utilização dos meios de prova
havendo consentimento válido para tal.
É desta que aqui e sempre
se trata, no presente recurso.
Assim, no campo das
proibições relativas, a lei prevê ainda casos de (lícita) obtenção de prova na
ausência do consentimento do titular dos direitos (disponíveis) protegidos.
O nº 3 do mesmo preceito
legal, cominando de nulidade as provas obtidas mediante intromissão na vida
privada, no domicílio na correspondência ou nas telecomunicações sem o
consentimento do respectivo titular, ressalva os casos previstos na lei.
E ‘os casos previstos na
lei’ são todos aqueles que conduzem à entrada lícita no domicílio alheio, na
vida privada, na correspondência e nas comunicações, na ausência desse
consentimento.
As provas são um dos
elementos do processo, indispensáveis à realização do próprio processo.
Devem, por regra,
buscar-se onde quer que se encontrem, desde que essa procura se processe de
forma legalmente conformada.
E a procura das provas
implica, muitas vezes, a busca.
O poder de disposição
real, que incide sobre coisas, compreende assim a faculdade de apreensão de
coisas e de objectos necessários à instrução (em sentido lato) do processo.
E, sempre que haja
indícios de que alguém oculta em lugar reservado ou não livremente acessível ao
público quaisquer objectos relacionados com um crime ou que possam servir de
prova, é ordenada busca (art. 174º, nº2 do CPP).
O art. 178º, nº 1 legitima
a apreensão de quaisquer objectos susceptíveis de servir a prova.
Os autos encontram-se em
fase de inquérito.
E o inquérito compreende o
conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime,
determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as
provas, em ordem à decisão sobre a acusação (art. 262º, nº1 do CPP).
A sua direcção cabe ao
Ministério [P]úblico, assistido pelos órgãos de polícia criminal (art. 263º, nº
1 do CPP).
O inquérito é pois um
procedimento da esfera do M.P. e não do juiz, competindo àquele, e não a este, a
selecção e recolha da prova.
É incontroverso que o
M.P[.] é o ‘dominus’ da investigação criminal durante o inquérito, competindo no
entanto ao juiz de instrução, por imperativo constitucional, a prática dos actos
que se prendam directamente com os direitos fundamentais.
‘A intervenção do juiz de
instrução na fase de inquérito justifica-se ou em razão da natureza dos actos –
actos materialmente jurisdicionais – ou em razão da sua gravidade, representando
a intervenção do juiz uma garantia das pessoas – actos formalmente
jurisdicionais’ (Germano Marques da Silva, CursoPP, III, 157)
Assim, sendo o Juiz de
instrução, o juiz das liberdades e das garantias, compete-lhe ‘apenas’
assegurar, no que ora interessa, que a recolha de provas – cuja selecção,
repete-se, é da competência do M.P. – se processa de forma legalmente (e
constitucionalmente) conformada.
Não assiste qualquer razão
aos recorrentes quando defendem que ‘compete exclusivamente ao juiz de instrução
proceder à indagação da pertinência da apreensão e a sua subsequente
determinação’, sendo precisamente outra a solução a que conduz a estrutura
acusatória do processo penal, como se viu.
Destituídos de razão
continuam quando defendem que o juiz deve aferir, previamente à apreensão, da
utilidade do objecto para efeitos probatórios; bem como quando defendem que os
objectos apreendidos se destinam a comprovar factos já processualmente
‘conhecidos’ ou já em investigação, e não à descoberta de novos factos.
Recorde-se que o objecto
do processo só se fixa com a acusação (com as possíveis mutações que decorram
posteriormente de uma eventual decisão instrutória); que o tema da prova se
circunscreve e delimita apenas após a acusação, fazendo sentido falar no
princípio da vinculação temática apenas em fases posteriores do processo.
Assim, é passível de
apreensão todo o objecto susceptível de servir a prova, a prova dos crimes que
são alvo da investigação, sendo a selecção dos documentos feita ‘segundo
critérios que são dominados pela investigação’.
Para aferir da
razoabilidade da relação das ‘coisas’ apreendidas com o ‘crime’ em investigação,
nada melhor do que transcrever a exposição do próprio titular do inquérito, que
constitui intróito da resposta ao recurso feita pelo MP.
E transcrevemos:
‘O presente Inquérito teve
início em suspeitas suscitadas por ocasião de inspecções tributárias realizadas
a diversas empresas nacionais.
A coincidência constatada
era que as empresas portuguesas registavam a compra de serviços a diferentes
sociedades inglesas, aparentemente com os mesmos endereços de sede em
Inglaterra.
Verificou-se que tais
serviços eram efectivamente pagos pelas entidades nacionais e que as
fornecedoras estrangeiras, aproveitando a existência de um acordo de dupla
tributação entre Portugal e o Reino Unido, actuavam a possibilidade de serem
tributadas no seu país de origem.
A similitude de facturas e
de empresas prestadoras dos serviços e a natureza desnecessária dos serviços
facturados, conduziu à suspeita de estarmos perante facturação falsa, produzida
sob a capa de empresas sedeadas no Reino Unido.
Se assim era, como
explicar então a existência de pagamentos integrais das facturas apresentadas?
É então que a investigação
veio permitir identificar um esquema de fraude tributária e ao capital das
empresas portuguesas, uma vez que se verificou que os montantes pagos por
transferência para Inglaterra eram depois objecto de um circuito de retorno.
Tal circuito de retorno
tinha por destinatário contas sedeadas no estrangeiro, Suíça ou em sistemas
bancários offshore, por sua vez tituladas por sociedades também registadas em
jurisdições offshore.
A primeira surpresa
trazida pela investigação foi que essa sociedade offshore, titular da conta
beneficiária do retorno de cerca de 95% do valor das facturas de cuja veracidade
acima suspeitámos, era afinal controlada, a título pessoal, pelos sócios da
sociedade portuguesa pagadora dos pretensos serviços.
Deste modo, os meios
financeiros que no início estavam na esfera da empresa portuguesa, terminam por
irem parar a contas bancárias controladas pelos sócios da empresa, ocorrendo uma
descapitalização da entidade nacional.
Mas uma segunda grande
surpresa surgiu posteriormente, quando se constatou que todo este esquema,
incluindo a utilização de uma sociedade em Inglaterra, a criação de uma
sociedade e a abertura de uma conta offshore, para além do mecanismo de produção
de facturas e a disponibilização do dinheiro de retorno em Portugal, eram
produtos oferecidos, num só pacote, por entidades financeiras e de planeamento
fiscal domiciliados em Portugal.
O esquema de fraude, tal
como supra concebido, sofre depois diversas variações conforme a finalidade
última a que se dirija, e que vai desde a venda de serviços, à venda de
mercadorias, ocultação de patrimónios (em particular de imóveis) e montagem de
financiamentos.
Compreendido o esquema de
fraude e identificados os seus promotores, todos com uma componente financeira
(Banco), fiscal (em sede de IRS e IRC) e jurídica (serviços prestados por
escritórios de advogados), importava então completar a recolha de prova tendo
objectivos bem definidos, a saber:
- identificar os
procedimentos de angariação de clientes;
- identificar os clientes
aderentes e em que modalidade;
- caracterizar o circuito
financeiro de retorno ;
- caracterizar o circuito de
criação de sociedades offshore;
- caracterizar o procedimento
de criação de facturas e de montagem de outros negócios a favor dos clientes
aderentes.
Para alcançar tais
objectivos de recolha de prova mostra-se evidente a necessidade de localizar e
apreender toda a documentação relativa à actividade das sociedades envolvidas,
desde clientes a prestadoras de serviços, passando por empresas de contabilidade
e sociedades financeiras associadas.
Com efeito, a tendência
para a especialização e para a criação de empresas paralelas apenas para a
prestação de um segmento do serviço tem aqui prosperado, permitindo aliás uma
ampla teia de facturação cruzada entre as empresas prestadoras do serviço de
planeamento/fraude fiscal.
Por esse motivo, foram
executas, no âmbito destes autos, cerca de 80 (oitenta) buscas, ao longo de seis
dias úteis, em diferentes pontos do país, em particular Lisboa, Porto e Funchal.
Das diligências
realizadas, aquelas cuja validade é agora posta em causa são as seguintes, com
indicação das folhas dos respectivos autos:
- Busca nas instalações do ‘A1 SA’, sitas na Rua …, nº… a …, em Lisboa, cujos
autos constam de folhas 4246 e seguinte, (busca a que os recorrentes de forma
pouco leal apelidam de ‘fantasma’);
- Busca nas instalações do A1, ‘A1, SA’ e B., sitas na Avenida …, …, Lisboa,
cujos autos constam de folhas 4250 e seguintes;
- Busca nas instalações da ‘C., SA’, sitas na Av. …, …, em Lisboa, cujo despacho
de autorização e mandado constam de folhas 4287 e 4288;
- Busca nas instalações do escritório de Advogados ‘D.’, sito na Rua …, nº ..,
…, em Lisboa, cujos autos constam de folhas 4298;
- Busca nas instalações do escritório de Advogados ‘D., sito na Avenida …, nº
…, Porto, cujo auto consta de folhas 4442;
- Busca no domicílio da Advogada F., sita na Via …, …, Porto, cujos autos
constam de folhas 4446;
- Busca no domicílio de E., sita na Rua …, .., .. dto, em Braga, cujos autos
constam de folhas 4455;
- Busca nas instalações do A2, sitas na Rua …, nº…, no Porto, cujos autos
constam de folhas 4687’
Por tudo o que fica dito,
e tendo em conta o tracejamento dos factos e/ou dos crimes em investigação,
resulta claro não ter sido cometida qualquer ilegalidade no que respeita à
selecção/escolha das coisas (documentos e suportes informáticos) a apreender e
efectivamente apreendidos, consignando-se a conformidade constitucional e legal
dos procedimentos.
- Ausência de prévia
entrega aos buscados de cópia integral do despacho que ordenou as buscas:
Convém previamente
consignar o que resulta do presente apenso de recurso no que à efectivação das
buscas se refere, bem como das formalidades/vicissitudes processuais que as
precederam.
Assim, o pedido do MP
consubstanciado na promoção de fls. 238 a 239, mereceu decisão judicial de
deferimento de fls. 241 a 242, da qual resulta que pelo Senhor Juiz de Instrução
foi avaliada a indiciação dos crimes de Fraude Fiscal Qualificada dos arts. 103º
e 104º do RGIT, de associação criminosa do art. 89º do mesmo diploma e
Branqueamento do art. 368º A do Cód. Penal; foram ainda avaliadas as razões, que
se consideraram sérias, para crer que as instituições bancárias, entre as quais
o recorrente A., possuíam ‘informações processadas informaticamente que suportam
as operações de fraude, nomeadamente documentos relativos a sociedades
comerciais criadas em nome de clientes angariados e facturação fraudulenta,
informações essas importantes para servirem como meio de prova dos factos em
investigação’, o mesmo se passando relativamente ‘às pessoas identificadas na
promoção que antecede’ (que ocultam documentos e suportes informáticos
relacionados com os crimes em investigação), e ‘aos escritórios de advogados
também identificados na promoção’.
Nessa sequência, ou com
esse fundamento, foi ordenada a realização das buscas e emitidos os mandados.
Insurgem-se os recorrentes
contra o facto do despacho que ordenou a busca não ter sido integralmente
entregue, em momento prévio, aos visados, tendo-o sido apenas de forma
‘truncada’.
Tais despachos ‘truncados’
instruem também o presente apenso.
Refere-se, a este
propósito, na decisão recorrida, que ‘o despacho em causa contém todos os
requisitos enunciados no art. 97º nº 4 do CPP e permite a qualquer destinatário
a possibilidade de reacção (…) verifica-se, também que, o objecto das buscas
encontra-se indicado nos respectivos mandados, cujas cópias foram entregues aos
buscados e todos os objectos discriminados nos autos de busca e que foram
encontrados durante a diligência foram, no caso concreto das presididas pelo
JIC, controladas por este, apondo a sua assinatura nos respectivos autos.
Ao contrário do que
pretende a defesa não existe a obrigação de indicar os indícios concretos que
fundamentam a necessidade de realização das buscas nem os reais meios de prova
em que esses indícios assentam o que bem se compreende para que a investigação
não seja inviabilizada pela manipulação de elementos de prova’.
E tem razão o senhor Juiz
de Instrução.
Com efeito, obriga o art.
176º, nº1 do CPP a entrega prévia de cópia do despacho que ordenou a busca, a
quem tiver a disponibilidade do lugar, na qual se faz menção de que pode
assistir à diligência (…).
A obrigatoriedade de
entrega de cópia do despacho determinativo da busca visa, no que ora interessa,
dar conhecimento das razões e dos fundamentos que a justificaram.
Considera-se, lidas as
cópias, que se encontra satisfeita a legal e necessária comunicação – das razões
e fundamentos das buscas – não tendo ocorrido a pretensa irregularidade.
- Apreensão de documentos
de ‘terceiros’ e incumprimento do disposto nos arts. 181º e 183º do CPP;
ausência de prévia avaliação da pertinência e necessidade das apreensões e da
sua utilidade para a prova; preterição de formalidades na apreensão de
correspondência e suportes informáticos;
Vejamos, previamente e em
resumo, o que mais resulta do apenso de recurso (para além do que já se deixou
supra consignado) no que respeita ao desenrolar das buscas em causa e, após,
como se justificou esta apreensão na decisão recorrida. Assim,
disse-se já, porque tal resulta claramente dos autos, que a
imperatividade/necessidade de realização das buscas foi submetida a apreciação
judicial tendo sido todas elas ordenadas pelo Sr. Juiz de Instrução (fls. 3481 e
3482).
Considerou-se assim que no
momento processual em causa havia indícios/suspeitas suficientemente fortes para
crer que o recorrente A. (entre outras instituições bancárias), possuía
informação processada informaticamente relativa a operações de fraude,
‘documentos relativos a sociedades comerciais criadas em nome de clientes
angariados e facturação fraudulenta’, o que faz todo o sentido que seja
considerado relevante para ‘instrução’ do processo e investigação/prova dos
factos e crimes em causa.
Resulta, pois, do processo
que as buscas foram ordenadas (e os respectivos mandados emitidos) no estrito
cumprimento do disposto nos art.º 174º n.º 2, 181º e 268º nº 1 al. c), do CPP.
Igual correcção de
procedimentos se verificou no que respeita à busca domiciliária e às realizadas
em escritório de advogado.
Assim, quer as apreensões
efectuadas nos estabelecimentos bancários do recorrente A., quer as buscas
realizadas nos escritórios dos advogados recorrentes foram ordenadas e
presididas por um Juiz de Instrução (e veremos adiante mais detalhadamente, em
que moldes, a par dos pontos directamente questionados pelos recorrentes).
Assim, na sequência do já
exposto e ainda de folhas 4687, quanto [à] busca efectuada nas instalações do
A2, sitas na …, Porto, presidida pela Ju[í]za Drª …; 4287 e 4288 quanto [à]s
buscas efectuadas à[s], C. e B., sitas na Av. … nº …, presididas pela Ju[í]za …;
4246 e ss, quanto [à]s buscas efectuada às instalações do A1, sitas na R. …nº
a presididas pela Juíza …; 4250 e 4265, 4295 respeitante [à]s buscas efectuadas
nas instalações do A. – sede, e 3º Piso e 6[º] Piso deste edifício, ocupado pelo
A4, Unidade de Operações Internacionais, Unidade de Estrangeiro, Direcção e
Arquivo, Unidade de Transferências e Clientes e A., B. e C., todas sitas na Av.
… nº …, presididas pela Juíza …; 4442 e 4298, referentes [à]s buscas efectuadas
aos escritórios da D., sitos R. …, nº .., …., em Lisboa e na Av. …, no Porto,
presididas, respectivamente, pelos Juízes … e …, resulta que as buscas em causa,
como bem equaciona o MP na sua resposta ao recurso,
‘a) Foram ordenadas no âmbito de um processo de inquérito;
b) Foram executadas na sequência de prévio despacho judicial do Juiz de
Instrução, que apreciou a necessidade de realização das buscas;
c) Foram executadas por autoridades judiciárias, coadjuvadas por OPC, em
cumprimento de mandados de busca regularmente emitidos pela autoridade
judiciária competente.
d) Foram presididas por um Juiz de Instrução, nos casos em que a Lei impunha tal
exigência (as apreensões realizadas em instalações bancários e as buscas em
escritórios de advogados).
e) Foram presididas por um Juiz de Instrução e tiveram a presença de delegados
da OA, (apenas as buscas efectuadas em escritórios de Advogados)
[’]
Decorrendo já, do que se
disse, o respeito pela legalidade (processual e constitucional), veja-se com
maior detalhe as restantes ‘nulidades’ especificamente arguidas em recurso.
Defendem os recorrentes
que a apreensão de documentos de terceiros (não arguidos) pressupõe a prévia
justificação da relação destes com os crimes em investigação, justificação que,
segundo pretendem, deverá constar do respectivo auto de apreensão.
Disse-se já que, por
regra, são apreensíveis quaisquer objectos relacionados com um crime ou que
possam servir de prova, ou seja, a faculdade de apreensão de coisas e de
objectos necessários à ‘instrução’ do processo cobre tanto as coisas em poder
de/pertencentes ao suspeito ou indiciado, como as coisas em poder de, ou mesmo
pertencentes a, terceiros.
E, sempre que haja
indícios de que alguém (ou seja, qualquer um, incluindo terceiros) oculta essas
coisas – que possam servir a prova – em lugar reservado ou não livremente
acessível ao público, é ordenada busca (art. 174º, nº2 do CPP).
Do art. 178º, nº1 resulta
a legitimação da apreensão de quaisquer objectos susceptíveis de servir a prova.
A este propósito,
consignou-se na decisão recorrida:
[‘]Como já dissemos supra
o objecto da investigação nestes autos consiste nas actividades relacionadas com
infracções económico-financeiras cometidas de forma organizada, por vários
pontos do país e ultrapassando as fronteiras nacionais, actividade essa que, se
traduzia na promoção junto de particulares de esquemas de fraude fiscal, com
recurso a sociedades de países terceiros da União Europeia e à emissão de
facturação fictícia, e a esquemas de circulação de meios financeiros e de
ocultação de patrimónios, com recurso a sociedades e a contas bancárias
offshore.
Mais resulta indiciado
que, os ora requerentes são intervenientes na prestação de serviços a terceiros,
serviços esses de carácter ilícito e através dos quais é concretizado o esquema
tendente à evasão fiscal.
Nesta conformidade é
evidente que o objecto das buscas prendia-se necessariamente com a recolha de
elementos com vista à identificação do terceiros/clientes que aderiram aos
esquemas ilícitos oferecidos pelas sociedades buscadas fazendo com que esses
documentos tivessem de ser, como foram, apreendidos porque relacionados com os
ilícitos em causa e por serem úteis à prova e à investigação.
Por fim, sempre se dirá
que possibilidade de apreensão de documentos de terceiros está prevista no art.
181°-1 do Cód. Processo Penal’
Dispõe precisamente este
que o juiz procede à apreensão em bancos ou outras instituições de crédito de
documentos, títulos, valores quantias e quaisquer outros objectos, mesmo que em
cofres individuais, quando tiver fundadas razões para crer que eles estão
relacionados com um crime e se revelarão de grande interesse para a descoberta
da verdade e para a prova, mesmo que não pertençam ao arguido ou não estejam
depositados em seu nome.
A decisão judicial
justifica e fundamenta a apreensão.
Essa fundamentação não tem
que constar do próprio auto de apreensão, já que nada na lei o impõe. Os ‘autos’
contêm apenas a ‘menção dos elementos essenciais e da data e lugar da prática do
acto a que respeitem’ (art.163º do CPC, ex vi art. 4º do CPP). Nada justifica a
deslocação da decisão (que ‘decide’ da apreensão) para o auto de apreensão (que
relata o cumprimento daquela decisão).
Têm, sim, os ‘terceiros’,
direito a cópia do auto de apreensão (art. 183º, nº2 do CPP), o que não resulta
do processo não ter sido cumprido. Tal falta constituiria irregularidade, a
sanar com a imediata entrega das cópias eventualmente (e se) em falta (o que,
repete-se, não resulta do apenso ter ocorrido).
Problema diferente que se
pode vir a colocar, é o da tutela dos direitos de terceiro no que respeita à sua
privacidade; ou seja, o problema de factos pessoais desse terceiro, divulgáveis
(ou cognoscíveis) através do documento apreendido, que poderão/deveriam estar
cobertos por algum ‘segredo’.
Caso tal questão se venha
a colocar no processo (e ainda não se encontra equacionada), sempre se poderá
resolver compatibilizando os vários interesses em conflito – da administração da
justiça, por um lado, e da tutela dos direitos de terceiro, e da reserva da sua
privacidade, pelo outro.
Essa compatibilização
poderá passar (no que aos direitos de terceiros se refere) pela utilização de
tais documentos como prova, ‘apagando’destes, ou de qualquer outro modo
ocultando, todos os elementos que respeitem a essa privacidade (v.g., a
identidade pessoal do terceiro).
Tal triagem competirá,
mais uma vez, ao juiz de instrução, já que quanto a ele não há ‘segredo’, como
se verá mais em detalhe, a propósito da questão dos sigilos bancário e
profissional do advogado.
- A presença do Juiz de
Instrução no local da busca; a sua ausência pontual nos casos em que essa
presença é obrigatória; realização de buscas sem mandado prévio.
Nos termos dos arts 177º
nº 3, 180º nº 1 e 181º, todos do CPP, nas buscas efectuadas em estabelecimentos
bancários e escritórios de advogados, é obrigatória a presença de um Juiz, sob
pena de nulidade
Nas buscas realizadas em
escritórios de advogados a lei processual penal para além de exigir a presença
de um Juiz, impõe ainda, sob pena de nulidade, que o presidente do conselho
local da Ordem dos Advogados seja previamente avisado para que o mesmo ou um seu
delegado, possa estar presente aquando da realização da busca.
Da leitura do processo
resulta claro ter sido dado cumprimento a esta exigência legal, tendo-se feito a
Ordem dos Advogados representar nas buscas efectuadas a escritórios de advogados
(a Sra. Dr.ª … assistiu à busca efectuada ao escritório dos advogados D., sitos
na Av. …, … no Porto - auto de fls. 4442; a Sra. Dr.ª … assistiu à busca
efectuada ao escritório da D., sitos na R. … nº…, em Lisboa - auto de fls.
4298).
Demonstrada, e não
questionada aliás, a observação das formalidades legais, no que a este aspecto
se refere, argúem no entanto os recorrentes a nulidade decorrente de pontuais
ausências do Juiz de Instrução no decurso de buscas de assistência pessoal (do
juiz de instrução) obrigatória.
Fazem-no, em duas
vertentes:
Referem que, relativamente
à busca ocorrida no escritório de advogados D., ‘não é admissível que o
Magistrado Judicial que preside a uma diligência de busca e apreensão num
escritório de advogados se ausente da mesma e que para esse efeito proceda a uma
qualquer definição judicial de ficheiros relevantes para a prova, encarregando
técnicos de transferir esses mesmos ficheiros’.
Referem ainda que,
relativamente à busca ocorrida nas instalações do A2, sitas na Rua …, …, ‘os
OPC´s iniciaram a busca pelas 10h20m, recolheram todo o material em sacos de
plástico, tendo a Senhora JIC comparecido no local pelas 15h00 para validar a
apreensão’.
O art. 268º do CPP, sob a
epígrafe ‘Actos a praticar pelo juiz de instrução’, define na sua al. c), como
competência do JIC, proceder a buscas e apreensões em escritórios de advogado,
consultório médico ou estabelecimento bancário, nos termos dos arts. 177º, nº 3,
180º, nº 1 e 181º do CPP;
Enumera
(exemplificativamente) este preceito legal um conjunto de actos que, no decurso
do inquérito, são da exclusiva competência do juiz de instrução, sujeitos por
isso à sua intervenção pessoal e insusceptíveis de delegação.
Tais actos têm a ver,
conforme já dissemos, com a salvaguarda e garantia dos direitos do cidadão, e
decorrem dos princípios constitucionais consagrados nos arts 202º e 203º da CRP.
A referida al. c), por seu
turno, aglutina três ‘locais’ cuja entrada beneficia de um especial reforço de
garantias, traduzido na presença pessoal obrigatória do juiz.
O escritório de advogado,
o consultório médico e o estabelecimento bancário, terão em comum a
susceptibilidade de guarda de segredos ‘profissionais’ ou decorrentes do
exercício de determinadas funções.
Assim, a entrada em
qualquer um destes locais poderá dar acesso a informação protegida pelos
referidos sigilos. A especial protecção visa sem dúvida a salvaguarda do
respectivo segredo profissional.
O Art. 70º da Lei 15/2005
(EOA) reforça e completa as formalidades da busca, sempre em obediência aos
mesmos princípios.
Vejamos com justificou [o]
senhor juiz de instrução a legalidade dos procedimentos que tiveram lugar:
‘… alegam os requerentes
que o JIC e a Sra. Procuradora da República se ausentaram do escritório de
advogados da ‘D.’, em Lisboa, cerca das 18H00 e só regressaram por volta das
22H00, para encerrar o auto de apreensão tendo a busca prosseguido entretanto.
Antes de mais cumpre referir que essa busca teve a presidência da minha
pessoa na qualidade de JIC titular destes autos e a afirmação em causa só se
admite por lapso ou então por manifesta má-fé uma vez que a mesma não
corresponde à verdade. O que se passou ficou consignado em auto devidamente
assinado pelos intervenientes entre os quais os ora requerentes. A busca em
causa teve início às 10.58h e foi concluída quanto à documentação em papel cerca
das 16H33, tendo sido lavrado auto que foi assinado por todos – auto de folhas
4298-4310. Nesse momento, na sequência de definição judicial dos ficheiros
informáticos relevantes para a prova, encontrava-se em curso uma operação de
transferência dos ficheiros seleccionados para um outro suporte informático que
seria o objecto da apreensão. Procedeu-se assim, à separação dos conteúdos
buscados, sendo lavrado um auto relativamente aos documentos em papel e um outro
auto quanto aos ficheiros em suporte informático que foram recolhidos do sistema
informáticos do escritório. A operação de transferência de dados decorreu desde
cerca das 15H00 até às 21H55, hora a que, depois de concluída, se procedeu à
elaboração de novo auto, onde se indicam e conferem por todos os ficheiros
copiados – auto de folhas 4316 e seguintes. Assim, só após ter sido decidido
todo o conteúdo dos objectos a buscar é que saí do local buscado, uma vez que a
operação em curso era meramente técnica e não justificava a minha presença. De
seguida e uma vez concluída essa operação de carácter técnico regressei ao local
afim de verificar e controlar os ficheiros copiados e elaborar o respectivo auto
que foi assinado pelos intervenientes. Como se vê e ao contrário do que alegam
os requerentes os senhores técnicos informáticos não substituíram o JIC e nem
copiaram e nem apreenderam o que entenderam mas limitaram-se a cumprir o que
lhes foi determinado. Verifica-se assim que entre o encerramento do primeiro
auto e a conclusão da cópia de ficheiros não decorreu qualquer actividade de
procura ou selecção de documentos pelo que não era necessária a presença do JIC
nas instalações em causa.’
Começa por se consignar
que não consideramos de ‘boa prática’ a ausência, mesmo que momentânea, do juiz
de instrução, do local onde decorra diligência a que deva presidir pessoalmente.
E se tal diligência é
morosa e complexa (como o terá sido in casu), deverá comportar as pausas e
suspensões que se imponham; as pausas de todos, sempre que o senhor juiz de
instrução não está (pessoalmente no local da busca).
Resulta do apenso de
recurso, e concretamente dos autos de busca e da decisão recorrida, não
resultando aliás o contrário do processo, que o juiz de instrução esteve
presente, dirigiu e acompanhou pessoalmente as buscas em causa.
Ausentou-se, no entanto,
do local buscado ‘após ter sido decidido todo o conteúdo dos objectos a buscar’
regressando ‘uma vez concluída essa operação de carácter meramente técnico, afim
de verificar e controlar os ficheiros copiados e elaborar o respectivo auto que
foi assinado pelos intervenientes’.
Adiantamos que esta ‘má
prática’, nas circunstâncias de tempo e modo referidas no despacho (e outra
coisa, repete-se, não resulta do processo), não passa disso mesmo, de uma má
prática, não integrando no entanto nulidade processual.
Isto porque se deve
considerar que, in casu, a busca foi pessoalmente assistida pelo juiz de
instrução; que ele esteve pessoalmente presente; que ele se ausentou
momentaneamente apenas e enquanto decorriam procedimentos meramente materiais,
na sequência de algo que ele já decidira antes.
Por outras palavras, não
resulta que a sua saída do local buscado tenha prejudicado, em concreto, a
função de garantia do juiz de instrução, cuja presença pode não se revelar
necessária no momento da execução.
Pelas mesmas razões (por
estas que acabamos de referir, e não exactamente por aquelas que resultam da
decisão recorrida na parte que ora segue), se valida também a outra situação
questionada em recurso.
Continua-se no despacho
atacado:
‘A mesma situação ocorreu
quanto à busca nas instalações do A2 e da B., sitas na Rua …, …, no Porto – auto
de folhas 4450. A Sra. Ju[í]za de Instrução por se encontrar impedida noutras
diligências, transmitiu aos OPCs para procederem a diligências de preservação da
prova e mesmo de localização da documentação com interesse para a prova, no
local que viria a ser objecto de busca – diligências ao abrigo do art. 249º do
Cod. Processo Penal. Tais diligências de iniciaram-se por volta das 11.00h, com
a entrega do próprio mandado de busca, conforme folhas 4449 verso, tendo se
iniciado os procedimentos de localização da documentação a apreender. A
apreensão dos documentos encontrados só foi efectuada, após selecção e decisão,
com a chegada da Sra. Juiz de Instrução. Tal forma de proceder está conforme com
o disposto no art. 181º-1 e 2 do CPP, porquanto tal dispositivo não exige que a
diligência de busca em estabelecimento bancário seja presidida por Juiz de
Instrução, mas tão só que a efectiva apreensão seja realizada com a presença e a
decisão do Magistrado Judicial. Realça-se assim, a diferença entre aquele
preceito e o disposto no art. 177º-3 do CPP, onde expressamente se prevê a
‘presidência pessoal pelo juiz’ quanto a buscas em escritórios médicos e de
advogados, ao passo que no art. 181º-1 se prevê apenas ser o juiz a proceder à
apreensão’.
Considerando, como nos
parece correcto, que a exigência da presença pessoal do juiz na execução do
mandado de busca, nos três casos legalmente agrupados na al. c) do art. 268[º]
do CPP, tem por fundamento a garantia de especial protecção dos segredos
profissionais, não pode ser feita a leitura ‘permissiva’ que o despacho traduz.
Assim, deve entender-se
que a lei impõe a presença do juiz nas buscas efectuadas em qualquer um desses
três ‘locais’, e não apenas no momento da apreensão da coisa buscanda.
Mas, à semelhança do que
ocorreu nas buscas em escritório de advogado, também aqui é lícito considerar-se
que foi pessoalmente assistida pelo juiz de instrução; que ele esteve
pessoalmente presente, já que essa ausência ocorreu quando decorriam
procedimentos meramente materiais, e não aquando prolação de qualquer decisão
(de apreensão ou qualquer outra decisão judicial).
Por outras palavras,
também não resulta aqui, mais uma vez, que a ausência (ou não presença
permanentemente) do local buscado tenha prejudicado, em concreto, a função de
garantia do juiz de instrução, cuja presença pode não se revelar necessária no
momento meramente executivo da decisão.
O que tem de resultar
claro – e resulta, in casu – é que a ausência física do juiz ocorre apenas no
momento da mera execução material duma decisão de garantia em que ele (juiz)
pessoalmente participou.
Relativamente à questão de
efectivação de buscas sem mandado de busca, não resulta do processo que tal
situação tenha ocorrido.
Consigna-se na decisão
recorrida que ‘a preservação e procura da prova ocorreu relativamente a todo o
edifício para o qual existia mandado de busca, precisamente porque competia à
entidade que presidia à diligência, a Sra. Juiz de Instrução Criminal, definir
quais os critérios de selecção e apreensão dos documentos (…) mais uma vez, não
corresponde à verdade que tenha existido uma busca dirigida à actividade da A3,
mas tão só que as instalações da mesma que são partilhadas com as das restantes
entidades buscadas, designadamente com o departamento de A2, existindo
documentos das entidades visadas em áreas de trabalho de outros serviços ou
entidades. Não se verificam assim, as nulidades invocadas de realização de
buscas sem a presença de JIC e de apreensão em estabelecimento bancário sem
intervenção de Juiz de Instrução bem como de realização de buscas sem mandado
prévio para o local onde se realizou a diligência.’
- O problema dos sigilos:
bancário e profissional (do advogado); a constituição do advogado como arguido;
apreensões em escritório de advogado; conceito de ‘arquivo’:
Consta dos autos de busca
a apreensão de coisas (documentos, correspondência fechada, correspondência
electrónica, ficheiros e informação electrónica) em escritório de advogado e em
instituição bancária.
Insurgem-se, globalmente,
os recorrentes contra a violação dos sigilos (profissional do advogado e
bancário).
Dispõe o art. 180° do
Código de Processo Penal:
‘1- À apreensão operada em
escritório de advogado ou em consultório médico é correspondentemente aplicável
o disposto no art. 177º nºs 3 e 4.
2- Nos casos referidos no
número anterior não é permitida, sob pena de nulidade, a apreensão de documentos
abrangidos pelo segredo profissional, ou abrangidos pelo segredo profissional
médico, salvo se eles mesmo constituírem objecto ou elemento do crime[’].
E, por seu turno, o art.
182°, na parte que ora releva:
‘1- As pessoas indicadas
nos arts 135° a 137° apresentam à autoridade judiciária, quando esta o ordenar,
os documentos ou quaisquer objectos que tiverem na sua posse e devam ser
apreendidos, salvo se invocarem por escrito, segredo profissional ou de
funcionário ou segredo de Estado.
2- Se a recusa se fundar
em segredo profissional ou de funcionário, é correspondentemente aplicável o
disposto nos artigos 135°, n°s. 2 e 3, e 136°, n.º 2.’
O art. 71° do Estatuto da
O.A. veda a apreensão de correspondência, que respeite ao exercício da profissão
(n.º 1), salvo se respeitar a facto criminoso relativamente ao qual o advogado
tenha sido constituído arguido (n.º 4).
O art. 72° preceitua:
‘1- No decurso das
diligências previstas nos artigos anteriores, pode o advogado interessado ou, na
sua falta, qualquer dos familiares ou empregados presentes, bem como o
representante da Ordem dos Advogados, apresentar qualquer reclamação.
2- Destinando-se a
apresentação da reclamação a garantir a preservação do segredo profissional, o
juiz deve logo sobrestar na diligência relativamente aos documentos ou objectos
que forem postos em causa, fazendo-os acondicionar, sem os ler ou examinar, em
volume selados no mesmo momento.
3- A fundamentação das
reclamações é feita no prazo de cinco dias e entregue no tribunal onde corre o
processo, devendo o juiz remetê-las, em igual prazo, ao presidente da Relação
com o seu parecer e, sendo caso disso, com o volume a que se refere o número
anterior.
4- O Presidente da Relação
pode, com reserva de segredo, proceder à desselagem do mesmo volume,
devolvendo-o novamente selado com a sua decisão.’
Por sua vez o art. 181º do
CPP, sob a epígrafe de ‘Apreensão em estabelecimento bancário’ estatui:
‘1. O juiz procede à
apreensão em bancos ou outras instituições de crédito de documentos, títulos,
valores, quantias e quaisquer outros objectos, mesmo que em cofres individuais,
quando tiver fundadas razões para crer que eles estão relacionados com um crime
e se revelarão de grande interesse para a descoberta da verdade e para a prova,
mesmo que não pertençam ao arguido ou não estejam depositados em seu nome.
2. O juiz pode examinar a
correspondência e qualquer documentação bancárias para descoberta dos objectos a
apreender nos termos do número anterior. O exame é feito pessoalmente pelo juiz,
coadjuvado, quando necessário, por órgãos de polícia criminal e por técnicos
qualificados, ficando ligados por dever de segredo relativamente a tudo aquilo
de que tiverem tomado conhecimento e não tiver interesse para a prova’.
Relativamente às questões
também suscitadas nesta sede a propósito das apreensões e critérios de selecção
das ‘coisas’ a apreender e apreendidas nas diligências de busca ora em causa,
remete-se para as considerações efectuadas (supra) em sede própria, ou seja,
aquando da questão ‘legalidade das apreensões, critério de selecção, sua
relacionação com o objecto do processo e com a investigação’.
Assim, no que respeita às
buscas efectuadas em escritórios de advogados-arguidos e em estabelecimento
bancário, face à disciplina legal, há apenas que acrescentar o seguinte:
É legalmente reconhecido
‘o interesse comunitário de confiança na discrição e reserva de determinados
grupos profissionais, como condição do seu desempenho eficaz’, que a doutrina
germânica maioritária considera como sendo o bem jurídico pelo tipo legal de
crime de violação de segredo (Costa Andrade, Coment Conimb. art. 195º).
Mas, continua aquele
Comentador, na base daquele tipo legal de crime, está o dever de
confidencialidade, em que se pretende proteger para lá do simples interesse
comunitário da confiança na discrição e reserva, a privacidade em sentido
material, a privacidade no seu círculo mais extenso, abrangendo não só a esfera
da intimidade como a esfera da privacidade stricto sensu. A privacidade é aqui
protegida na medida em que seja mediatizada por um segredo.
O art. 135º do CPP concede
um direito ao silêncio de todas as pessoas a quem a lei impuser ou permitir que
guardem segredo sobre certas informações. A quebre do sigilo só pode ocorrer
quando ‘se mostre justificada face às normas e princípios aplicáveis da lei
penal, nomeadamente face ao princípio da prevalência do interesse preponderante’
(nº3). O que significa que, ainda segundo Costa Andrade, ‘a realização da
justiça penal, só por si e sem mais (despido do peso específico dos crimes a
perseguir) não figura como interesse legítimo bastante para justificar a
imposição da quebra do segredo’.
Acrescentaríamos ainda que
a tutela legal do segredo, que rodeia a prova pessoal (por depoimento ou por
declaração), deve cobrir igualmente a produção da prova real (coisas em sentido
lacto: documentos, suportes informáticos, correspondência…), sob pena de se
conseguir por uma via, aquilo que a lei proíbe pela outra.
E estas questões
poder-se-ão colocar – e ir-se-ão colocar, certamente, com maior ou menor
acuidade, consoante os casos e as situações – no momento da revelação dos
documentos e demais coisas apreendidos.
Mas esse momento
processual, não é ainda este.
Por outras palavras, a
aquisição da prova para o processo, e sua respectiva incorporação, pressupõe
dois momentos distintos:
- o momento da apreensão
da prova (real, porque é desta de que in casu se trata);
- o momento da revelação
da prova.
A apreensão precede a
revelação dos conteúdos. E é só neste segundo momento, que ainda não ocorreu
processualmente, que a questão dos segredos se poderá colocar.
É que para o juiz de
instrução não existe ‘segredo’, na medida em que ele também está coberto pelo
segredo.
Assim, em resumo, e
voltando ao início das questões suscitadas no recurso, compete ao M.P. decidir,
num primeiro momento – o do inquérito –, segundo a sua perspectiva (de titular
do inquérito), o que pode/deve ser apreendido, o que se revela com interesse
para a prova; compete, por seu turno, ao juiz de instrução, controlar/garantir a
regularidade das apreensões.
E foi isto que sucedeu
aquando da efectivação das buscas em causa, não tendo ocorrido, as nulidades
suscitadas pelos recorrentes.
Não podem porém vir os recorrentes suscitar questões
ainda não resolvidas no processo, na medida em que não se chegou ainda
(processualmente) ao momento da revelação formal dos conteúdos, não se sabendo
sequer que ou quais documentos irão efectivamente servir a prova.
(…)’
Do aresto de que amplíssima parte acima se encontra
extractada (sendo certo que a porventura desmesurada transcrição tem por intuito
dar uma cabal informação, não só do despacho então recorrido perante o Tribunal
da Relação de Lisboa, como também das fundamentações fáctica e jurídica daquele
acórdão, desta última, obviamente, se extraindo as dimensões interpretativas que
foram levadas a efeito pelo acórdão em crise) interpuseram os impugnantes
recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo
280º da Constituição, dizendo no requerimento consubstanciador da interposição:
–
‘A., S.A. e OUTROS, Recorrentes nos autos supra identificados, notificados do
douto Acórdão proferido e não se conformando com o teor do mesmo no que respeita
às questões de inconstitucionalidade suscitadas, vêm, nos termos do disposto no
artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da CRP, do mesmo interpor recurso para o
Tribunal Constitucional, nos termos seguintes:
I) DOS PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS DE QUE DEPENDE O RECURSO PARA O TRIBUNAL
CONSTITUCIONAL.
1. O artigo 280.º da CRP, sob a epígrafe ‘fiscalização concreta da
constitucionalidade e da legalidade’, enuncia taxativamente as decisões
judiciais de que cabe recurso para o Tribunal Constitucional.
2. Por razões de ordem sistemática, esclareça-se, desde já, que o recurso para o
Tribunal Constitucional que ora se interpõe se subsume no n.º 1, alínea b), do
mencionado artigo 280.º da CRP.
3. Esclarecida esta primeira questão, debrucemo-nos agora sobre os pressupostos
processuais de que depende a admissão de recurso para o Tribunal Constitucional
ao abrigo do n.º 1, alínea b), do artigo 280.º da CRP.
4. De harmonia com o preceituado no sobredito artigo da CRP, ‘cabe recurso para
o Tribunal Constitucional das decisões judiciais que apliquem norma cuja
inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo’.
5, Assim, e para que seja admitido o recurso interposto ao abrigo do artigo
280.º, n.º 1, alínea b) da CRP, necessário se torna que o Recorrente haja
suscitado a inconstitucionalidade da norma cuja desaplicação requer perante o
Tribunal a quo.
6. No entanto, este não é o único pressuposto processual de que depende a
admissibilidade do recurso previsto no artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da CRP.
7. Com efeito, a Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, para que expressamente
remete o n.º 4 do artigo 280.º da nossa lei fundamental, dispõe que o presente
recurso apenas cabe ‘de decisões que não admitam recurso ordinário, por a lei o
não prever ou por já haverem sido esgotados todos os que no caso cabiam’.
8. Assim, como pressupostos processuais do incidente de inconstitucionalidade
previsto no artigo 280.º, n.º 1, alínea a) da CRP, temos:
A alegação pelo Recorrente da
inconstitucionalidade da norma de modo processualmente adequado perante o
Tribunal a quo;
A impossibilidade de
interposição de recurso ordinário, por a lei o não prever ou por já haverem sido
esgotados todos os que no caso cabiam;
9. Conhecidos os pressupostos processuais de que depende o recurso previsto no
referido preceito normativo da CRP, importa agora constatar a sua verificação no
caso concreto em apreço.
II) DAS NORMAS INTERPRETADAS EM DESCONFORMIDADE COM A CRP.
10. Os Arguidos interpuseram recurso do despacho de fls. , que julgou
extemporâneas as irregularidades arguidas e indeferiu as nulidades invocadas.
11. Em sede de alegações de recurso, suscitaram os Arguidos a desconformidade
com os artigos 18.º, 26.º, 32.º e 34.º da Constituição da República Portuguesa,
a norma extraída da interpretação que pelo Tribunal Central de Instrução
Criminal foi feita dos artigos 123.º,107.º n.º 5, 178.º,181.°, n.º 1, 180.º n.º
1, 179.º do CPP, Art. 71.º do EOA, 125.º e 126.º n.º 3 do CPP, n.º 4 do Art.
71.º da Lei 15/2005, de 26.01, Art. 70.º da Lei 15/2005, de 26.014, Art. 177.º
n.º 3 do CPP.
12. Por Acórdão datado de 18 de Maio de 2006, o Tribunal da Relação de Lisboa
considerar parcialmente procedente o recurso, determinando o conhecimento das
irregularidades invocadas, mas confirmando a decisão do Tribunal Central de
Instrução Criminal no tocante às nulidades invocadas.
13. Ora, tendo em consideração o exposto, dúvidas não poderão razoavelmente
subsistir de que no caso sub judice se mostra preenchido o primeiro pressuposto
processual de que depende o recurso que ora se interpõe, isto é, o da efectiva
alegação da inconstitucionalidade das normas de modo processualmente adequado
perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida.
14. E não se diga não ser o Tribunal Constitucional, em face da letra do artigo
280.ºda CRP, competente para apreciar as interpretações da lei que pelos
tribunais sejam feitas em desconformidade com a nossa lei fundamental.
15. É que, de acordo com a posição unanimemente perfilhada pela doutrina e pela
jurisprudência, no âmbito do sistema de fiscalização concreta da
constitucionalidade inscreve-se também a apreciação de interpretações de
disposições legais que se mostrem desconformes com as normas e/ou princípios
constitucionais.
16. Assim, a título meramente exemplificativo, atente-se no excerto do aresto
que ora se transcreve:
‘A suscitação de inconstitucionalidade exigida na alínea b), do número 1, do
artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional pode revestir a modalidade de
invocação da desconformidade constitucional de certa norma em determinada
interpretação, devendo, porém, ser prévia à decisão recorrida, para que esta
pudesse apreciar tal questão’ – Acórdão n.º 7207, in www.dqsi.pt.
17. Também a respeito desta questão, escreveu o Professor Rui Medeiros que:
‘Em Portugal, o Tribunal Constitucional recusa, igualmente, a tese simplista que
nega a sua competência quando a alegada inconstitucionalidade radica, não na
norma, mas na interpretação que dela se faz. A questão de inconstitucionalidade
– diz-se, por exemplo, no Acórdão n.º 238/94 – pode respeitar não apenas à
norma, ou a uma dimensão parcelar, considerada em si, mas também, e mais
restritamente, à interpretação ou sentido com que ela foi tomada no caso
concreto e aplicada na decisão recorrida, nem se recortando nitidamente a
fronteira entre a norma e a decisão.
(...)
A solução adoptada reforça a conclusão de que o Tribunal Constitucional controla
não apenas a lei em si mesma considerada, mas também os resultados da sua
interpretação. E, não sendo o juiz apenas a bouche qui prononce les paroles de
la loi, a norma fiscalizável não é um simples dado, mas antes um produto do
processo interpretativo seguido pelo juiz a quo.’ – in ‘A Decisão de
Inconstitucionalidade – Os Autores, o conteúdo e os efeitos da decisão de
inconstitucionalidade da lei’, páginas 334 e 336.
18. Neste mesmo sentido, se pronunciou o Prof. Gomes Canotilho, referindo que:
‘O objecto do recurso em sentido substantivo (e não meramente processual), é,
pois uma norma à qual se reporta a questão da inconstitucionalidade e não a
decisão judicial do Tribunal a quo. Todavia, trata-se sempre de uma norma
interpretativamente mediatizada pela decisão recorrida, porque a norma deve ser
apreciada no recurso segundo a interpretação que lhe foi dada nessa decisão’. –
in ‘Direito Constitucional e Teoria da Constituição’ página 881.
III) DA IMPOSSIBILIDADE DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO PARA O SUPREMO TRIBUNAL DE
JUSTIÇA.
19. A Lei Orgânica do Tribunal Constitucional dispõe, no seu artigo 70.º, n.º 2,
que o recurso ora em análise só cabe de decisões que não admitam recurso
ordinário, designadamente, por haverem já sido esgotados todos os que no caso
cabiam.
20. Nos presentes autos foram já esgotados todos os recursos ordinários que, de
acordo com lei processual penal, ao caso cabiam.
21. Com efeito, resulta do artigo 400.º do CPP, aplicável ex vi artigo 432.º do
mesmo diploma legal, que não é admissível recurso ‘dos acórdãos proferidos, em
recurso, pelas relações, que não ponham termo à causa’.
22. Ora, tal como atrás mencionado, o douto Acórdão de que se recorre, proferido
pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em sede de recurso, veio confirmar o
despacho proferido pelo Tribunal Central de Instrução Criminal.
23. Estão, pois, preenchidos todos os requisitos processuais de que depende a
admissibilidade do recurso ora interposto.
V) DOS EFEITOS E REGIME DE SUBIDA DO RECURSO.
24. Nos termos do disposto no artigo 78.º, n.º 2, da Lei Orgânica do Tribunal
Constitucional, ‘o recurso interposto de decisão proferida já em fase de recurso
mantém os efeitos e regime de subida do recurso anterior’, o que aqui e agora se
requer.’
O recurso interposto mediante o transcrito
requerimento foi admitido por despacho lavrado em 6 de Junho de 2006 pela
Desembargadora Relatora do Tribunal da Relação de Lisboa.
O relator do Tribunal Constitucional, em 27 do mesmo
mês, exarou o seguinte despacho: –
‘Tendo em conta a forma como
se encontra redigido o requerimento de interposição de recurso para este órgão
de administração de justiça, deveria, no Tribunal ‘a quo’, ter sido cumprido o
que se prescreve no nº 5 do artº 75º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
Como, porém, tal não foi
levado a efeito, nos termos do nº 6, ainda do mesmo artigo, convido os
recorrentes a, cabalmente e de harmonia com a jurisprudência que, a esse
respeito, tem vindo a ser seguida por este Tribunal, prestarem as indicações em
falta.’
Na sequência, os impugnantes vieram apresentar
requerimento com o seguinte teor: –
‘1. O recurso oportunamente apresentado para o Tribunal Constitucional tem como
fundamento a alínea b) do n.º 1 do art. 70.º da LOFPTC;
2. As normas cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie
correspondem à interpretação que o Tribunal Central de Instrução Criminal fez
dos artigos 177.º, 178.º, 179.º, 180.º, n.º 1, 181, n.º 1 e 268.º, n.º 1 alínea
c) do Código de Processo Penal, bem como dos artigos 70.º, n.º 1 e 2 e 71.º, n.º
1 e 4 do Estatuto da Ordem dos Advogados;
3. As normas ou princípios constitucionais que se consideram violados são os
constantes nos artigos 18.º, 26.º, 32.º e 34.º da Constituição;
4. De modo mais detalhado, apresenta-se a seguinte correspondência entre as
normas cuja interpretação efectuada pelo Tribunal se afigura inconstitucional e
as correspectivas normas e princípios constitucionais afectados especificamente
por essa interpretação.
5. Assim:
Artigos 178.º, 180.º, n.º 1 e 181.º, n.º 1 do CPP interpretados no sentido de
que a apreensão pode ser usada como um meio de investigação criminal e que o
juízo relativo à decisão de apreensão não tem de ser realizado em momento lógica
e cronologicamente anterior a esta, antes autorizando que a apreciação dos
pressupostos que permitem a apreensão de objectos possa ser efectuada a
posteriori, através da análise dos objectos já apreendidos, por violação do art.
32.º n.º 1 e 8 da Constituição, bem como do principio da proporcionalidade,
destilável, nomeadamente, do art. 18.º n.º 2 da Constituição.
Artigo 179.º do CPP interpretado no sentido de permitir a apreensão de
documentação retirada de arquivos de correspondência aberta, sem nenhuma
valoração prévia e escrutínio mínimo do seu conteúdo, invocando que os especiais
procedimentos exigidos pelo art. 179.º do CPP, reportam-se apenas à
correspondência fechada, por violação do art. 32.º, n.º 1 e 8 e do art. 34.º n.º
1 e 4 da Constituição
Artigo 71.º, números 1 e 4 do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA)
interpretados no sentido de permitirem a apreensão de correspondência de
advogados, sem que se verifique previamente que tal correspondência respeita a
facto criminoso imputado ao advogado e sem que este haja sido previamente
constituído arguido, por violação dos artigos 26.º, n.º 1 32.º, n.º 1 e 8 e 34.º
n.º 1 e 4 da Constituição, bem como do princípio da proporcionalidade,
destilável, nomeadamente, do art. 18.º n.º 2 da Constituição.
Artigo 71, n.º 4 do EOA interpretado no sentido de permitir a constituição de
advogados como arguidos de modo desacompanhado de uma actuação material que os
relacione com os factos objecto da investigação mas apenas e só porque tinham
documentação em seu poder que, em abstracto, interessava às autoridades
conhecer, por violação dos artigos 26.º, nº 1 32.º, n.º 1 e 8 e 34.º n.º 1 e 4
da Constituição.
Artigo 177.º do CPP e artigos 70.º, n.º 1 e 2 e 71.º, n.º 1 e 4 do EOA
interpretados no sentido de não se aplicarem ao domicílio pessoal, ou de
exigirem que o advogado invoque expressamente que ai faz arquivo (não bastando o
dado objectivo de aí haver documentos profissionais) para impedir as buscas sem
a presença de um juiz, fora do escritório de advogados, por violação dos artigos
26.º, n.º 1 e 2, 32.º, n.º 1 e 8 e 34.º, n.º 1 e 4 da Constituição, bem como do
principio da proporcionalidade, destilável, nomeadamente, do art. 18.º n.º 2 da
Constituição.
Artigos 268.º, n.º 1 alínea c), 177.º, 180.º e 181.º do CPP, bem como art. 70.º,
n.º 1 do EOA interpretados no sentido de permitirem que o juiz possa ser
substituído pelos OPC's na análise, selecção, empacotamento ou cópia e decisão
sobre o âmbito das buscas em escritórios de advogados ou em estabelecimentos
bancários, sendo apenas exigível que proceda à regularização formal do auto de
apreensão, por violação dos artigos 26.º, n.º 1 e 2, 32.º, n.º 1 e 8 e 34.º, n.º
1 e 4 da Constituição, bem como do princípio da proporcionalidade, destilável,
nomeadamente, do art. 18.º n.º 2 da Constituição.
6. A questão da constitucionalidade foi suscitada no recurso apresentado para o
Tribunal da Relação de Lisboa (Proc. 482/04.1TABGUDCIAP), relativamente à
sentença do Tribunal Central de Instrução Criminal que julgou extemporâneas as
irregularidades arguidas e indeferiu as nulidades invocadas.’
2. Porque o despacho exarado em 6 de Junho de 2006
pela Desembargadora Relatora do Tribunal da Relação de Lisboa não vincula este
Tribunal (cfr. nº 3 do artº 76º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro), e porque se
entende que o recurso não deveria ter sido admitido, elabora-se, ex vi do nº 1
do artº 78º-A da mesma Lei, a vertente decisão, por via da qual se não toma
conhecimento da presente impugnação.
Como deflui do relato acima efectuado, aquando do
recurso interposto do despacho lavrado em 7 de Novembro de 2005 pelo Juiz do
Tribunal Central de Instrução Criminal de Lisboa, os ora recorrentes impostaram
na respectiva motivação as seguintes questões de desarmonia constitucional
normativa (ou seja, de desconformidade, face à Lei Fundamental, por banda dos,
também seguintes, preceitos): –
– artº 123º do diploma adjectivo criminal, quando
interpretado no sentido de que a irregularidade processual deve [ser] arguida no
acto pelo interessado que a ele assista, independentemente de se apurar da
cognoscibilidade do vício pelo arguido;
– artigos 178º, 181º, nº 1, e 180º, nº 1, do mesmo
corpo de leis, quando interpretados no sentido de que a apreensão pode ser usada
como um meio de investigação criminal e que o juízo relativo à decisão de (busca
e) apreensão não tem de ser realizado em momento lógica e cronologicamente
anterior a tal decisão;
– artº 179º, igualmente do Código de Processo Penal,
quando interpretado no sentido de permitir a apreensão de documentação retirada
de arquivos de correspondência aberta, sem qualquer valoração prévia e
escrutínio mínimo do seu conteúdo;
– artº 71º, nº 4, do Estatuto da Ordem dos
Advogados aprovado pela Lei nº 15/2005, de 26 de Junho, quando interpretado no
sentido de que a constituição de arguido (de advogado) pode ocorrer ainda que
desacompanhada de uma actuação material que o relacione com os factos objecto de
investigação;
– artº 70º daquele Estatuto, em conjugação com o
artº 177º, nº 3, do Código de Processo Penal, quando interpretados no sentido de
que as exigências e cautelas previstas neste último preceito para a apreensão de
documentação em casa de advogado estão dependentes de reclamação em tal sentido;
– artº 181º do dito Código, quando interpretado no
sentido de que a presença do juiz, nos casos de busca e apreensão em
estabelecimento bancário, só é obrigatória no acto de apreensão propriamente
dito.
Sublinhe-se que tudo o mais que se surpreende na
mencionada motivação, nos particulares em que se esgrime com violações do
Diploma Básico, representam, inequivocamente, imputações desses vícios de
enfermidade constitucional à decisão então sub iudicio, e não com reporte ao
normativo ou aos normativos que serviram de razão jurídica ao decidido, motivo
pelo qual as asserções consubstanciadoras de um tal modo de colocar esses
específicos problemas não podem ser entendidas como suscitações de questões de
inconstitucionalidade normativa para efeitos de cumprimento do pressuposto do
recurso ancorado na alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82.
Na verdade, como sabido é, constitui objecto desse
tipo de impugnação as normas precipitadas no ordenamento jurídico ordinário e
não outros actos emanados do poder público tais como, verbi gratia, as decisões
judiciais qua tale consideradas. E, justamente por isso, quando se brande com um
argumento de acordo com o qual uma decisão judicial violou determinados
princípios ou normas ínsitas na Lei Fundamental, a questão assim impostada não
pode ser considerada como integrando o cumprimento do ónus de suscitação,
precedente à prolação da decisão judicial querida posteriormente recorrer
perante o Tribunal Constitucional, de uma questão de inconstitucionalidade
normativa.
2. No requerimento apresentado pelos recorrentes na
sequência do convite que neste órgão de administração de justiça lhes foi
endereçado ao abrigo do nº 6 do artº 75º-A da Lei nº 28/82 (requerimento esse,
aliás, no qual se refere expressamente que se pretende a apreciação de certos
normativos «correspondentes» ‘à interpretação que o Tribunal Central de
Instrução Criminal fez’ – o que desde já se estranha, uma vez que a decisão ora
sub iudicio não é o despacho prolatado em 7 de Novembro de 2005 mas sim o
acórdão tirado no tribunal de 2ª instância), como também resulta do assinalado
relato, a totalidade da enunciação das dimensões interpretativas atinentes aos
diferentes preceitos aí indicados não se mostra efectuada em termos de
apresentar os exactos contornos que foram referidos na motivação do recurso para
a 2ª instância.
De todo o modo, no tocante à questão conexionada com
a dimensão interpretativa conferida aos artigos 177º do Código de Processo Penal
e 70º, números 1 e 2, e 71º, números 1 e 4, do Estatuto da Ordem dos Advogados e
de acordo com a qual esses preceitos se não aplicam ‘ao domicílio pessoal, ou de
exigirem que o advogado invoque expressamente que aí faz arquivo (não bastando o
dado objectivo de aí haver documentos profissionais) para impedir as buscas sem
a presença de um juiz, fora do escritório de advogados’, a mesma não foi
equacionada, como tal, na motivação do recurso para o Tribunal da Relação de
Lisboa.
E, sequentemente, neste ponto, falece o respectivo
pressuposto do recurso.
De outro lado, respeitantemente à questão de certos
preceitos [artigos 268º, nº 1, alínea c), 177º, 180º e 181º, estes do Código de
Processo Penal, e 70º, nº 1, do Estatuto da Ordem dos Advogados] comportarem um
sentido interpretativo perante o qual é permitido ‘que o juiz possa ser
substituído pelos OPC’s na análise, selecção, empacotamento, ou cópia e decisão
sobre o âmbito das buscas em escritórios de advogados ou em estabelecimentos
bancários, sendo apenas exigível que proceda à regularização forma do acto de
apreensão’, é inquestionável que a respectiva suscitação na motivação do recurso
para o tribunal de 2ª instância tão só se reportou ao falado artº 181º e
relativamente à busca e apreensão em estabelecimento bancário e ao acto de
apreensão «propriamente dito».
Daí que, para essa específica questão, não possa a
análise solicitada a este Tribunal incidir sobre os demais preceitos agora
indicados no requerimento formulado na sequência do convite a que alude o nº 6
do artº 75º-A da Lei nº 28/82.
Aliás, no requerimento de interposição de recurso
para este órgão jurisdicional, nem sequer foi minimamente mencionado o artº
268º, nº 1, alínea c).
Ainda de outra banda, o problema levantado em
relação à interpretação do artº 70º do Estatuto da Ordem dos Advogados no
sentido de que está depende de reclamação a efectivação de exigências e cautelas
previstas no nº 3 do artº 177º do diploma adjectivo criminal quanto à apreensão
de documentação profissional em domicílio de advogado não veio a constar do
requerimento apresentado pelos impugnantes no seguimento do convite que, neste
Tribunal, lhes foi dirigido.
2.2. Volvamos agora a atenção para as questões
normativas acima referenciadas (e isto independentemente do seu reporte aos
específicos preceitos que se mencionaram na motivação de recurso para Tribunal
da Relação de Lisboa, no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal
Constitucional e naqueloutro apresentado na sequência do convite que foi
formulado neste último órgão de administração de justiça) e que, no que agora
releva, como se viu, são: –
– a) a respeitante a uma interpretação que desagúe
num entendimento segundo o qual a apreensão pode ser usada como um meio de
investigação criminal e que o juízo relativo à decisão de (busca e) apreensão
não tem de ser realizado em momento lógica e cronologicamente anterior a tal
decisão;
– b) a concernente a uma dimensão de acordo com a
qual o artº 179º do Código de Processo Penal permite que, em relação a
correspondência aberta, a apreensão de documentação retirada de arquivos dessa
correspondência pode ser levada a efeito sem qualquer valoração prévia e
escrutínio mínimo do seu conteúdo;
– c) a tocante a uma interpretação de harmonia com a
qual a constituição de um advogado como arguido pode ocorrer ainda que
desacompanhada de uma actuação material que o relacione com os factos objecto de
investigação;
– d) a que se reporta a um sentido de onde resulte
que, relativamente a busca e apreensão em estabelecimento bancário (e não já nos
escritórios de advogados – pois que isso não foi objecto de suscitação na
motivação do recurso para a 2ª instância), a presença do juiz só é obrigatória
no acto de apreensão propriamente dito.
E isto pela circunstância de se afigurar que, em
face do que foi escrito no requerimento apresentado após o despacho de 27 de
Junho de 2006, exarado pelo ora relator, essas questões podem ser consideradas
como ainda se inserindo em tal requerimento.
2.2.1. Ora, no que diz respeito às questões aludidas
nos items a) e c) do anterior ponto (2.2.) é de evidência que o aresto sub
specie não efectivou, de todo em todo, um raciocínio interpretativo dirigido a
qualquer preceito da legislação ordinária e do qual resultassem os normativos
(assim alcançados por interpretação) questionados e agora queridos submeter ao
escrutínio deste Tribunal.
A conclusão atingida no antecedente parágrafo
facilmente se extrai da ampla transcrição a que acima se procedeu do acórdão
produzido em 18 de Maio de 2006 (cfr. ponto 3. de tal peça processual de onde,
inquestionavelmente, resulta que, previamente à determinação das buscas e
apreensões, havia indícios de prática de ilícitos, com enunciação dos factos que
a tanto conduziam, avaliados pelo juiz de instrução e que aquelas diligências
foram ordenadas após essa avaliação, não sendo aquela determinação iluminada
pela finalidade de verificar se dela se retirava qualquer matéria fáctica que
constituísse a «base» do surgimento de um eventual ilícito, mas sim pelo intento
de recolher prova dos factos já anteriormente avaliados e indiciados; nesse
mesmo ponto, relativamente à matéria ligada às concretas pessoas que detinham a
profissão de advogados, o acórdão, também sem que dúvidas se possam suscitar a
tal respeito, discorreu no sentido de conterem os autos elementos indiciários
que teriam, por elas, sido praticados comportamentos ou acções susceptíveis de
integrar cometimento – e sem que aqui se empregue esta asserção num sentido
técnico rigoroso – dos ilícitos em investigação - cfr. aquele ponto 3. e
«sub-questão» intitulada ‘O problema dos sigilos: bancário e profissional (do
advogado); a constituição do advogado como arguido; apreensões em escritório de
advogado; conceito de ‘arquivo’).
Neste circunstancialismo, torna-se claro que não
houve a convocação de preceitos que, por um processo de interpretação,
conduzissem às normas, referidas nos items a) e c) do precedente ponto 2.2.
desta decisão, cuja conformidade constitucional se pretende ver analisada.
2.2.2. No que se prende com a questão aludida no
item d) do mencionado ponto 2.2. (interpretação normativa de acordo com a qual
nas busca e apreensão em estabelecimento bancário a presença do juiz unicamente
é obrigatória no acto de apreensão «propriamente dito»), também o aresto em
crise não procedeu a um processo interpretativo de onde tal resultasse.
Efectivamente, o acórdão deu por assente que o juiz
de instrução esteve presente, presidiu e acompanhou pessoalmente as buscas,
decidiu qual o conteúdo dos objectos a buscar e a apreender e definiu os
ficheiros informáticos a transferir para outro suporte informático, só se
ausentando por um período de tempo em que, na decorrência do por si
anteriormente decidido, se estavam a efectuar cópias daqueles ficheiros, vindo
ainda a verificar e controlar essas cópias, motivo pelo qual, durante aquele
período, não ocorreu qualquer operação de busca, selecção ou apreensão.
2.2.3. Pelo que toca à questão constante do item b)
da discriminação efectuada no ponto 2.2. (sentido interpretativo extraído do
artº 179º do Código de Processo Penal e de onde se extrairia que este preceito,
relativamente à correspondência aberta, possibilita a apreensão de documentos de
arquivos dessa correspondência realizada sem qualquer valoração prévia e
escrutínio mínimo do seu conteúdo), identicamente o aresto em causa não se
esteou nesse sentido (cfr. a remissão que, quanto a esse ponto, o acórdão fez
para as considerações anteriormente feitas a propósito das outras apreensões
efectuadas e que se não relacionavam com estabelecimentos bancários).
Conclui-se, desta sorte, que, no que diz respeito às
questões discriminadas em 2.2. – e que se admite ainda poderem ser respigadas do
que foi escrito no requerimento apresentado pelos recorrentes em resposta ao
convite que lhe foi endereçado pelo relator do Tribunal Constitucional –, o
acórdão intentado recorrer não aplicou os normativos que a elas conduzissem,
pelo que falece, neste particular, o pressuposto do recurso consistente na
aplicação, pela decisão recorrida, da norma cuja compatibilidade constitucional
se pretende ser aferida por este órgão jurisdicional.
Neste contexto, não se toma conhecimento do objecto
do recurso, condenando-se os recorrentes nas custas processuais, fixando-se a
taxa de justiça em seis unidades de conta.”
Da transcrita decisão reclamaram os recorrentes,
fazendo-o por intermédio de requerimento em que fizeram escrever: –
“(…)
Introdução:
Por decisão sumária de 17 de Julho de 2006, lavrada pelo Exmo.
Conselheiro-Relator Dr. Bravo Serra, entendeu o Tribunal Constitucional não
tomar conhecimento do objecto do recurso interposto pelos Recorrentes nos autos
acima indicados com base nos fundamentos que constam da citada decisão e que,
por razões de economia processual se dão aqui por integralmente reproduzidos .
Recordemos que o recurso em apreço se fundou na alínea b) do n.º 1 do artigo
70.º da Lei de Organização e Funcionamento do Tribunal Constitucional (LOTC),
assim como na alínea b) do n.º 1 do artigo 280.º da CRP, tendo por objecto a
forma como o Tribunal da Relação de Lisboa, na sequência da decisão do Tribunal
Central de Instrução Criminal em 1a instância, aplicaram um conjunto de
disposições, correctamente identificadas, do Código de Processo Penal e do
Estatuto da Ordem dos Advogados, com um sentido interpretativo que os
Recorrentes oportunamente argu[í]ram de inconstitucional.
Para demonstrarmos que, em face das motivações subjacentes à referida decisão
sumária, o presente recurso satisfaz todos os pressupostos, objectivos e
subjectivos, formais e materiais, de acesso ao Tribunal Constitucional em sede
de fiscalização concreta da constitucionalidade, devendo este Tribunal tomar
conhecimento do objecto da presente, impugnação, importa recordar e sistematizar
os pressupostos do recurso fundado na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LOTC,
i) A interpretação ou aplicação controvertida deverá ocorrer no quadro de uma
decisão judicial;
ii) A interpretação ou aplicação controvertida deve ter por objecto normas
jurídicas;
iii) A decisão recorrida deverá ter aplicado efectivamente a norma (ou normas)
arguidas de inconstitucionais, ou deverá ter feito uma interpretações ou
(interpretações) dessas normas em termos arguidos de inconstitucionais;
iv) O Recorrente deverá ter suscitado a questão de constitucionalidade
adequadamente durante o processo (ónus de suscitação);
v) Deverá ter havido uma exaustão dos recursos ordinários, de acordo com o
artigo 70º, nº 2 do Tribunal Constitucional;
vi) O recurso não poderá ser manifestamente infundado e deverá ser
processualmente útil em relação ao processo principal;
vii) O Recorrente deverá, ser a mesma parte que suscitou inicialmente a questão
de constitucionalidade;
viii) O Recorrente deverá ter indicado os elementos exigidos pelo artigo 75.º-A,
n.º 2 do Tribunal Constitucional, isto é, a alínea do n.º 1 do artigo 70º ao
abrigo da qual o recurso é interposto, a norma cuja inconstitucionalidade ou
cuja interpretação inconstitucional pretende que o Tribunal aprecie e a norma ou
princípio constitucional que se considera violado, assim como a peça processual
em que suscitou a questão da inconstitucionalidade.
Consideremos agora, de forma individualizada, cada um destes pressupostos, no
sentido de demonstrar que o presente recurso os satisfaz na plenitude.
Dedicaremos um maior desenvolvimento àqueles pelos quais, a partir da
argumentação relatada pelo Exmo. Conselheiro-Relator Bravo Serra, o Tribunal
Constitucional decidiu não tomar conhecimento do presente recurso.
1. A interpretação ou aplicação controvertida deverá ocorrer no quadro de uma
decisão judicial
Os Recorrentes interpuseram recurso para o Tribunal Constitucional de uma
decisão judicial, produzida na sequência do aresto do Tribunal da Relação de
Lisboa nos autos acima indicados, que se estribou em interpretações e aplicação
normativas que suscitaram, como veremos, questões de inconstitucionalidade,
Assim, o presente pressuposto de recurso para o Tribunal Constitucional, em sede
de fiscalização concreta, está integralmente preenchido, não tendo o Tribunal
Constitucional, na decisão sumária de que ora se recorre, posto dúvidas ao seu
preenchimento.
2. A interpretação ou aplicação controvertida deve ter por objecto normas
jurídicas
Como demonstraram os Recorrentes em sucessivos momentos processuais – numa
primeira fase, no recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, numa segunda
fase no recurso para o Tribunal da Constitucional e, finalmente, no recurso
aperfeiçoado no seguimento de convite formulado pelo Tribunal Constitucional –,
a decisão recorrida procedeu a uma aplicação e interpretação de disposições com
carácter indubitavelmente normativo, quer do Código de Processo Penal quer do
Estatuto da Ordem dos Advogados.
Também na decisão sumária de 17 de Julho de que ora se reclama, o Tribunal
Constitucional não contestou que objecto de aplicação e interpretação pela
decisão recorrida tivessem sido normas jurídicas e não actos dotados de outra
forma e natureza, desprovidos da normatividade necessária para o controlo da
constitucionalidade.
É pois inequívoco que o pressuposto de recurso está preenchido e que o Tribunal
Constitucional não o refutou.
3. A decisão recorrida deverá ter aplicado efectivamente a norma (ou normas)
arguidas de inconstitucionais, ou deverá ter feito uma interpretações ou
(interpretações) dessas normas em termos arguidos de inconstitucionais
Os Recorrentes interpuseram recurso para o Tribunal Constitucional, defendendo
que a decisão recorrida fez uma aplicação e interpretação efectivas de normas
jurídicas em termos arguidos de inconstitucionais.
Na presente decisão sumária, sustentou o Exmo. Conselheiro-Relator do Tribunal
Constitucional que as questões de inconstitucionalidade suscitadas pelos
Recorrentes não podem ser perspectivadas como verdadeiras questões de
‘inconstitucionalidade normativa’, consubstanciando apenas invocações de
inconstitucionalidade à decisão sub iudicio e, como tal, insusceptíveis de
controlo pelo Tribunal Constitucional no âmbito da fiscalização concreta da
constitucionalidade. Desta forma, uma vez que o objecto de controlo concreto de
constitucional idade não são as decisões judiciais ‘qua tale consideradas’ mas
as normas introduzidas e aplicadas na ordem jurídica, considerou o Tribunal que
os Recorrentes não deram cumprimento ao ónus de suscitação de uma verdadeira e
própria questão de inconstitucionalidade.
Esteve mal o Exmo. Conselheiro-Relator ao trilhar este entendimento, por várias
ordens de razões que de seguida se adiantarão.
Em primeiro lugar, as questões de inconstitucionalidade suscitadas pelos
Recorrentes no recurso do despacho do Tribunal Central para o Tribunal da
Relação, depois reiteradas no recurso para o Tribunal Constitucional, dizem
respeito às interpretações normativas defendidas por aqueles órgãos
jurisdicionais no processo-pretexto, as quais implicaram que os mesmos órgãos
tivessem decidido esse processo da forma como decidiram.
Não estão de modo algum os Recorrentes a imputar directamente às sentenças
judiciais proferidas em 1ª e 2ª instância os vícios de inconstitucionalidade
suscitados no processo-pretexto.
O que os Recorrentes fizeram foi, sim, sustentar que aquelas decisões e, a
título principal, a decisão recorrida do Tribunal da Relação de Lisboa, aderiram
a motivações que têm subjacentes interpretações normativas contrárias a
disposições constitucionais.
Na verdade, sendo certo que a fiscalização concreta é um controlo exercido sobre
normas jurídicas e não sobre as sentenças que aplicaram essas normas, é também
certo que esse tipo de fiscalização pode também incidir sobre determinadas
interpretações das normas.
Que são admissíveis recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade
sobre interpretações de normas jurídicas, comprova-o a extensa e reiterada
jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre a matéria: Cfr. Acórdãos n.ºs
176/88, 114/89, 51/92, 178/95, 243/95, 305/90 ou 238/94, onde se demonstra que
as questões de constitucionalidade tanto se podem referir a uma norma como à
interpretação ou sentido com que foi a mesma foi formada no caso concreto e
aplicada na decisão recorrida.
O que se verifica no presente recurso é que as questões de inconstitucionalidade
suscitadas pelos Recorrentes são efectivamente questões de inconstitucionalidade
normativa, entendimento este que se poderá validar acompanhando os próprios
termos da decisão recorrida:
a) Em primeiro lugar, os Recorrentes afirmaram que o Tribunal da Relação de
Lisboa fez uma interpretação e a aplicação dos artigos 178.º, 180º, n.º 1 e
181.º, n.º [1]do Código de Processo Penal (CPP) contrárias ao artigo 32.º, n.º 1
e 8 da CRP, bem como do princípio da proporcionalidade, extraível, nomeadamente,
do artigo 18.º, n.º 2 da CRP.
Veja-se de que forma é que a decisão recorrida deu azo a semelhante
interpretação normativa em termos reputados pelos Recorrentes como
inconstitucionais. Com efeito, apoiando-se justamente no artigo 178.º, n.º 1 do
CPP, a decisão recorrida considerou, nomeadamente, o seguinte: ‘Destituídos de
razão continuam quando defendem que o juiz deve aferir previamente à apreensão
da utilidade do objecto para efeitos probatórios; bem como quando devem que os
objectos apreendidos se destinam a comprovar factos já processualmente
‘conhecidos’ ou já em investigação, e não à descoberta de novos factos
Assim, é passível de apreensão todo o objecto susceptível de servir a prova, a
prova dos crimes que são alvo da investigação, sendo a selecção dos documentos
feita ‘segundo critérios que são dominados pela investigação’.
É possível inferir daqui que o Tribunal da Relação de Lisboa fez uma
interpretação e aplicação efectivas do artigo 178.º n.º 1 do CPP e, mesmo sem os
ter mencionado expressamente, também dos artigos 180.º, n.º 1 e 181.º [nº] 1 do
CPP[1], num sentido que valida a apreensão como um meio de investigação criminal
alheio a quaisquer valorações do juiz, considerando que a apreciação dos
pressupostos que permitem a apreensão de objectos possa ser efectuada a
posteriori, a partir da análise dos objectos já apreendidos.
Para os Recorrentes, é seguro que o Tribunal da Relação de Lisboa procedeu a uma
interpretação do artigo 178.º, n.º 1 do CPP e dos outros dispositivos normativos
referidos que se materializa numa verdadeira e própria questão de
inconstitucionalidade normativa, porque o que aqui está em causa é um
determinado sentido interpretativo e aplicativo conferido ao artigo 178.º que o
tribunal a quo extraiu na subsunção das normas ao caso concreto, o qual se
sustentou, e sustenta, contrário ao artigo 32.º da CRP e ao princípio da
proporcionalidade, consagrado no artigo 18.º da CRP.
Ao referir-se em concreto a esta questão, considerou o Exmo. Conselheiro-Relator
que a decisão recorrida ‘não efectivou, de todo em todo, um raciocínio
interpretativo dirigido a qualquer preceito da legislação ordinária e do qual
resultassem os normativos (assim alcançados por interpretação) questionados’; e
coroa este juízo com uma transcrição do Acórdão de 18 de Maio de 2006 onde se
concluía que as apreensões efectuadas tiveram na sua base ‘ilícitos previamente
avaliados e indiciados’.
Mas a verdade é que os trechos extraídos da própria decisão recorrida confirmam
que, ao contrário do que é afirmado na decisão sumária, foi feito um raciocínio
interpretativo dos artigos 178.º, n.º 1 do CPP e dos artigos 180.º, n.º 1 e
181.º, n.º 1 que concebe as apreensões como um meio irrestrito de investigação
criminal, sem qualquer valoração judicial dos objectos apreendidos. Por força
dos comandos constitucionais invocados entendem os Recorrentes que esse mesmo
raciocínio não se coaduna com a Lei Fundamental, devendo o Tribunal
Constitucional tomar conhecimento desta questão de inconstitucionalidade
normativa.
b) Em segundo lugar, os Recorrentes argu[í]ram a inconstitucionalidade da
interpretação do artigo 179.º do CPP, sustentando que a apreensão de
documentação retirada de arquivos de correspondência aberta, sem nenhuma
valoração prévia e escrutínio mínimo do seu conteúdo, pressupõe um entendimento
segundo o qual os especiais procedimentos exigidos pelo artigo 179º. do CPP
reportam-se apenas à correspondência fechada, por violação do artigo 32.º, n.º 1
e 8 [ ] e do artigo 34.º n.º 1 e 4 da CRP.
Na presente decisão sumária aludiu-se que a decisão recorrida ‘não se esteou
nesse sentido’, uma vez que o Tribunal da Relação de Lisboa, ao contrário do
Tribunal Central de Instrução Criminal, não tomou conhecimento da questão
suscitada a respeito do artigo 179.º do CPP.
Também aqui deveria o Tribunal Constitucional ter tomado conhecimento da questão
de constitucionalidade suscitada e também aqui o Exmo. Conselheiro-Relator não
pesou adequadamente a questão de inconstitucionalidade subjacente, nesse ponto,
à motivação da decisão recorrida.
Desde logo, conforme já se afirmou, a circunstância de uma questão de
inconstitucionalidade normativa não ter sido conhecida ou apreciada pelo
Tribunal a quo não significa que o mesmo Tribunal não tenha feito uma
interpretação e aplicação implícitas do referido comando normativo, com um
sentido que os Recorrentes precisamente argu[í]ram de inconstitucional.[2]
Por outro lado, o facto de o tribunal a quo não ter conhecido de uma questão de
constitucionalidade suscitada pelo recorrente equivale à aplicação da norma tipo
por inconstitucional para efeitos do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b)
da LOTC.
Para a demonstração de tudo quanto se acaba de dizer, note-se que a decisão
recorrida analisou apenas a apreensão de documentação na perspectiva da
preterição das formalidades necessárias, tendo-se abstido de encarar a questão
de inconstitucionalidade suscitada e, por isso mesmo, aderindo justamente a uma
interpretação normativa do artigo 179.º que assenta na exclusão da
correspondência aberta da previsão e estatuição desta norma, num sentido que
fere a Lei Fundamental. Note-se que os Recorrentes impugnaram as apreensões de
correspondência aberta, por considerarem, em primeiro lugar, que não foi dado
cumprimento ao disposto no artigo 179.º do CPP e, em segundo lugar, que os
especiais procedimentos previstos nesse artigo se aplicam tanto à
correspondência fechada como à correspondência aberta.
Assim, na medida em que a decisão recorrida caucionou as apreensões de
correspondência aberta que foram efectuadas, sem as sujeitar ao crivo de
garantias previstas no artigo 179.º do CPP, tem-se como manifesto que o tribunal
a quo fez uma interpretação e aplicação implícitas da disposição citada do CPP,
num sentido que viola o artigo 32º, n.º 1 e n.º 8 da CRP. Em suma,
contrariamente à presente decisão sumária, não falece quanto a esta questão de
inconstitucionalidade normativa o necessário pressuposto de recurso.
c) Em terceiro lugar, os Recorrentes aduziram que a interpretação do artigo
71.º, números 1 e 4 do Estatuto da Ordem dos Advogados no sentido de permitirem
a apreensão de correspondência de advogados, sem que se verifique previamente
que tal correspondência respeita a facto criminoso imputado ao advogado e sem
que este haja sido previamente constituído arguido, viola os artigos 26.º, 32.º,
n.º 1 e 8 e 34.º n.º 1 e 4 da CRP, assim como o princípio da proporcionalidade
extraível, nomeadamente, do artigo 18.º, n.º 2 da CRP.
A este propósito, o Exmo. Conselheiro Relator considerou também não ter havido
qualquer processo de interpretação normativa pela decisão recorrida que tivesse
‘convocado’ os preceitos assinalados. Repete-se desde já tudo quanto se afirmou
na alínea anterior, no respeitante à possibilidade de o recurso para o Tribunal
Constitucional se basear também numa interpretação e aplicação implícitas de uma
norma feita pelo Tribunal a quo e ainda no respeitante ao facto de o
não-conhecimento de uma questão de inconstitucionalidade suscitada perante
aquele tribunal não impedir o conhecimento do recurso.
Importa acrescentar que se extrai explicitamente da decisão recorrida uma
interpretação normativa do artigo 71.º, n.º 1 e 4 do EOA, segundo a qual se
admite a apreensão de correspondência de advogados, independentemente da
verificação prévia que tal correspondência respeita a facto criminoso imputado
ao advogado e sem que este haja sido previamente constituído arguido.
Com efeito, leia-se, na página 44 do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa,
que no tocante à ‘ausência de prévia avaliação da pertinência e necessidade das
apreensões e da sua utilidade para a prova’ houve ‘correcção de procedimentos
nas buscas realizadas em escritório de advogado’, inexistindo qualquer dever de
‘justificação da apreensão de documentos de terceiros (não arguidos) com os
crimes em investigação’ (página 45 do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa).
E leia-se, na página 52 do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, que a
decisão recorrida perspectivou efectivamente os limites das apreensões em
escritório de advogado, concluindo que ‘relativamente às questões também
suscitadas nesta sede a propósito das apreensões e critérios de selecção das
coisas a apreender e apreendidas nas diligências de busca ora em causa,
remete-se para as considerações efectuadas (supra) em sede própria, ou seja,
aquando da questão ‘legalidade das apreensões, critério de selecção, sua
relacionação com o objecto do processo e com a investigação’.
Foi precisamente este raciocínio interpretativo que, para os Recorrentes,
consubstancia uma interpretação e aplicação do citado artigo 70.º, n.º 1 e n.º 4
em termos que violam os referidos normativos constitucionais.
d) Os Recorrentes suscitaram igualmente a questão de inconstitucionalidade
referente ao artigo 71.º, n.º 4, interpretado no sentido de permitir a
constituição de advogados como arguidos de modo desacompanhado de uma actuação
material que os relacione com os factos objecto de investigação mas apenas e só
porque tinham documentação em seu poder que, em abstracto, interessava às
autoridades conhecer, por violação dos artigos 26.º, n.º 1, 32.º, n.º 1 e 8 e
34.º, n.º 1 e 4 da CRP.
Também no respeitante a esta questão considerou também o Exmo.
Conselheiro-Relator da decisão sumária que o ‘aresto sub specie não efectivou,
de todo em todo, um raciocínio interpretativo dirigido a qualquer preceito da
legislação ordinária e do qual resultassem os normativos (assim alcançados por
interpretação e agora queridos submeter ao escrutínio deste Tribunal’.
Para demonstração de que, contrariamente ao afirmado na decisão sumária, o
acórdão recorrido empreendeu efectivamente um raciocínio interpretativo nos
termos que foram suscitados pelos Recorrentes, remete-se para tudo quanto se
escreveu na alínea anterior, uma vez que a questão de inconstitucionalidade aí
mencionada também se refere ao artigo 71.º, n.º 4 do EOA e as considerações
anteriores aplicam-se aqui por inteiro.
De resto, sobre a constituição de advogados como arguidos sem que tivesse sido
demonstrada a actuação que ‘os relacione com os factos objecto de investigação’,
tenha-se presente que a decisão recorrida perspectivou a questão da
‘constituição do advogado como arguido’ (página 52 do acórdão do Tribunal da
Relação), não tendo porém o Tribunal a quo chegado a analisar o problema e não
tendo retirado as consequências juridicamente necessárias da
inconstitucionalidade normativa suscitada.
Em suma, também aqui entendem os Recorrentes que estamos perante uma verdadeira
e própria questão de inconstitucionalidade normativa, devendo o Tribunal
Constitucional tomar conhecimento do objecto do recurso.
e) Os Recorrentes invocaram a questão de inconstitucionalidade respeitante à
interpretação conferida ao artigo 177.º do CPP e aos artigos 70.º, n.º 1 e 2 e
71.º, n.º 1 e 4 do EOA, no sentido de não se aplicarem ao domicílio pessoal, ou
de exigirem que o advogado invoque expressamente que aí faz arquivo para impedir
as buscas sem a presença de um juiz, fora do escritório de advogados, por
violação dos artigos 26.º, n.º 1 e 2, 32.º n.º 1 e 8 e 34.º 1 e 4 da CRP e do
princípio da proporcionalidade, inscrito, nomeadamente, no artigo 18.º, n.º 2 da
CRP.
E quanto a esta específica questão de inconstitucionalidade normativa, haverá
que observar que, diversamente das questões de inconstitucionalidade que temos
vindo a analisar, a presente decisão sumária nem sequer refutou que a decisão
recorrida tivesse efectuado um raciocínio interpretativo das referidas normas em
termos contrários à CRP.
No respeitante a esta questão de inconstitucionalidade, o entendimento do Exmo.
Conselheiro-Relator na decisão sumária foi o de considerar que ‘a mesma não foi
equacionada, como tal, na motivação do recurso para o Tribunal da Relação de
Lisboa’, contestando pois, não a natureza normativa e constitucionalidade da
questão exposta, mas a forma como esta foi suscitada durante o
processo-pretexto.
Que também aqui tais considerandos do Exmo. Conselheiro-Relator falecem por
inteiro, pode ver-se o que se escreve no n.º 4 da presente reclamação, e onde se
demonstra que os Recorrentes suscitaram de facto esta específica questão de
inconstitucionalidade em tempo útil e de forma processualmente adequada.
f) Finalmente, os Recorrentes argu[í]ram a inconstitucionalidade da
interpretação conferida aos artigos 268.º, n.º 1 alínea c), 177.º, 180.º e 181.º
do CPP e do artigo 70.º, n.º 1 do EOA, interpretados no sentido de permitirem
que o juiz possa ser substituído pelos OPC's na análise, selecção, empacotamento
ou cópia e decisão sobre o âmbito das buscas em escritórios de advogados ou em
estabelecimentos bancários, exigindo-se apenas que proceda à regularização
formal do auto de apreensão, por violação dos artigos 26.º, n.º 1 e 2, 32.º, n.º
1 e 8 e 34.º, n.º 1 e 4 da CRP, assim como do princípio da proporcionalidade,
destilável, nomeadamente, do artigo 18.º, n.º 2 da CRP. Sobre a questão de
inconstitucionalidade normativa em apreço, a presente decisão sumária assentou o
seu raciocínio em dois tempos.
De um lado, opôs-se à forma a questão de inconstitucionalidade foi suscitada
durante o processo-pretexto. Não tem razão, como se verá no número seguinte
desta reclamação, expressamente reservado para o tratamento desse pressuposto.
De outro, considerou o Exmo. Conselheiro-Relator que ‘o aresto em crise não
procedeu a um processo interpretativo’ de onde resultasse tal questão de
inconstitucionalidade. Na verdade, na retórica empregue pela decisão sumária, ‘o
acórdão deu por assente que o juiz de instrução esteve presente, presidiu e
acompanhou pessoalmente as buscas, decidiu qual o conteúdo dos objectos a buscar
e a apreender e definiu os ficheiros informáticos a transferir para outro
suporte informático, só se ausentando por um período de tempo em que, na
decorrência do por si anteriormente decidido, se estavam a efectuar cópias
daqueles ficheiros, vindo ainda a verificar e controlar essas cópias, motivo
pelo qual, durante aquele período, não ocorreu qualquer operação de busca’.
Ora, salvo o devido respeito, ao configurar a questão suscitada nos termos em
que o configurou, o Exmo. Conselheiro-Relator da presente decisão sumária não
logrou dar-lhe o necessário desenvolvimento, no que à constitucionalidade diz
respeito.
É que o Tribunal da Relação de Lisboa afirmou, na página 50 da decisão
recorrida, ‘que não consideramos de ‘boa prática’ a ausência, mesmo que
momentânea, do juiz de instrução, do local onde decorra diligência a que deve
presidir pessoalmente e que ‘esta ‘má prática’, nas circunstâncias de tempo e
modo referidas no despacho não passa disso mesmo, de uma má prática, não
integrando no entanto nulidade processual’.
Ora, sendo este o enquadramento factual dado como assente pelo Tribunal da
Relação, e o Tribunal Constitucional não poderia fazer outra coisa que não fosse
ater-se a ele, então não se compreende que o Exmo. Conselheiro-Relator da
decisão sumária tenha ignorado a questão de inconstitucionalidade normativa
subjacente a tal problema.
Ou seja, a ausência do juiz de instrução do local onde decorra diligência a que
deva presidir pessoalmente deverá ser vista, apenas e eufemisticamente, como uma
‘má prática’ ou, na medida em que aquela ausência foi validada por uma decisão
judicial que a considera uma ‘má prática’, procede uma interpretação e aplicação
inconstitucionais dos artigos 268,º, n.º 1 alínea c), 177.º, 180,º e 181.º do
CPP e do artigo 70.º, n.º 1 do EOA?
Será uma tal interpretação e concretização normativa constitucionalmente
admissível, face às garantias constitucionais deduzidas dos artigos 26.º, n.º 1
e 2, 32,º, n.º 1 e 8 e 34.º, [n.]° 1 e 4 da CRP, assim como do princípio da
proporcionalidade, destilável, nomeadamente, do artigo 18.º, n.º 2 da CRP?
A legitimação conferida pela decisão recorrida às ‘más práticas’ de um juiz de
instrução será conforme a todos estes comandos constitucionais?
Com efeito, é esta a questão de inconstitucionalidade normativa suscitada pelos
Recorrentes, extraída da decisão recorrida e a que, na presente decisão sumária,
o Exmo. Conselheiro-Relator dela recusou, erradamente, tomar conhecimento.
4. O Recorrente deverá ter suscitado a questão de constitucionalidade
adequadamente durante o processo (ónus de suscitação)
A decisão sumária em apreço rejeitou também o conhecimento do recurso dos
Recorrentes, com fundamento no facto de as questões de inconstitucionalidade não
terem sido suscitadas de forma processualmente adequada.
Como tem sido entendido pelo Tribunal Constitucional, através dê vasta
jurisprudência, a suscitação de uma questão de constitucionalidade durante o
processo tem de ocorrer em momento anterior à decisão final do tribunal
recorrido.
Foi isso que os Recorrentes fizeram, conforme se poderá aferir pelo confronto
entre as questões de inconstitucionalidade suscitadas no recurso, na sequência
do despacho-convite, e o recurso para o Tribunal da Relação.
Em primeiro lugar, importa esclarecer que as questões de inconstitucionalidade
normativa elencadas pelos Recorrentes no recurso, e identificadas no seguimento
do despacho-convite, se reportam ao processo-pretexto, tal como este foi
decidido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, e na medida em que este Tribunal,
como tribunal a quo, não caucionou e, em parte, não conheceu das questões de
inconstitucionalidade suscitadas pelos Recorrentes no recurso da 1ª para a 2ª
Instância.
Deve entender-se, pois, que quando os Recorrentes minutaram no requerimento de
recurso que suscitaram a inconstitucionalidade da interpretação de disposições
legais ‘que o Tribunal Central de Instrução Criminal fez’ referiam-se,
naturalmente, a interpretações normativas que obtiveram vencimento na 1ª
instância, que não foram modificadas ou, em parte, conhecidas pelo Tribunal da
Relação de Lisboa em 2ª instância e que, se o tivessem sido, teriam conduzido a
decisão recorrida numa direcção inteiramente distinta.
Por outro lado, a decisão sumária limita-se a verberar o modo de suscitação de
três das questões de inconstitucionalidade alegadas pelos Recorrentes, a que já
nos referiremos com maior detalhe. Isto é, a decisão sumária não colocou
quaisquer reservas ao modo de suscitação de todas as outras questões de
inconstitucionalidade que os Recorrentes invocaram.
O que visivelmente significa que, mesmo que o Tribunal Constitucional estivesse
certo na oposição à suscitação das questões de inconstitucionalidade que indica
– e não tem, como veremos de seguida –, a conclusão lógica de um tal
entendimento seria a de que não se poderiam levantar quaisquer dúvidas acerca do
modo de suscitação correcta e processualmente adequado das outras questões de
inconstitucionalidade objecto de recurso.
O mesmo é dizer que, com fundamento neste pressuposto, nunca poderia o Tribunal
ter recusado conhecer todas as questões de inconstitucionalidade aduzidas pelos
Recorrentes.
Em terceiro lugar, no respeitante às questões autonomizáveis de
inconstitucionalidade que, na sua decisão sumária, o Tribunal Constitucional
considerou que não foram correctamente suscitadas pelos Recorrentes, entendem os
Recorrentes que o Tribunal carece de razão:
Vejamos.
a) Desde logo, a questão de inconstitucionalidade normativa referente ao sentido
conferido aos artigos 177.º do CPP e artigos 7.º. n.º 1 e 2 e 71.º, n.º 1 e 4,
‘interpretados no sentido de não se aplicarem ao domicilio pessoal, ou de
exigirem que o advogado invoque expressamente que aí faz arquivo para impedir as
buscas sem a presença de um juiz, fora do escritório de advogados’ foi
efectivamente suscitada na fundamentação do recurso para o Tribunal da Relação
de Lisboa. Com efeito, escreveu-se no referido recurso para o Tribunal da
Relação de Lisboa, por exemplo, que: ’Invocaram os Recorrentes que a apreensão
desses documentos sigilosos ocorreu à margem do regime de protecção resultante
do sigilo profissional, que se corporiza nos normativos dos arts. 177.º, n.º 3
do CPP e 70.º e ss. do Estatuto da Ordem dos Advogados' (página 44 da peça de
recurso para o Tribunal da Relação).
‘A referida interpretação é também a única que se pode admitir em conformidade
com a Constituição e, em especial, com o princípio da proporcionalidade,
previsto no artigo 18.º da Constituição, com a proibição de obtenção de provas
mediante abusiva intromissão no domicílio, consagrado no artigo 32.º, n.º 8 e
com o direito à inviolabilidade do domicílio, fixado no artigo 34.º da CRP’
(página 46 da peça de recurso).
‘A ratio do regime do artigo 177.º, n.º 3 (...) é a de obrigar o juiz a presidir
pessoalmente à busca porque está em causa a qualidade estatutária do sujeito que
é envolvida e a reserva que obrigatoriamente recai sobre a sua documentação e
correspondência profissional’ (página 47 da peça de recurso).
‘Nem se afirme (...) que compete ao advogado «invocar a existência de arquivo»
de acordo com o artigo 70.º do EOA. Não só, como já se disse, tal exigência não
decorre da lei, como a mesma procede de uma aplicação da lei e, em especial, do
conceito de arquivo fronta[l]mente contrária aos artigos 32.º, n.º 8 e 34.º da
CRP’ (página 48 da peça de recurso).
Qualquer um destes excertos é elucidativo.
Não pode, pois, o Exmo. Conselheiro-Relator observar que esta questão não foi
‘equacionada na motivação do recurso’ quando uma simples consulta ao referido
recurso aponta num sentido absolutamente contrário, ficando demonstrado que os
Recorrentes suscitaram a questão de inconstitucionalidade de forma
processualmente adequada.
b) Por outro lado, no respeitante à questão de inconstitucionalidade atinente ao
sentido interpretativo conferido aos artigos 268.º, n.º 1, alínea c), 177.º,
180.º e 181.º do CPP e 70.º, n.º 1 do EOA, o qual permitiu ‘que o juiz possa ser
substituídos pelos OPC's na análise, selecção, empacotamento, ou cópia e decisão
sobre o âmbito das buscas em escritórios de advogados ou em estabelecimentos
bancários, sendo apenas exigível que proceda à regularização formal do auto de
apreensão', afirmou-se na decisão sumária que ‘é inquestionável que a respectiva
suscitação na motivação do recurso para o tribunal de 2ª instância tão só se
reportou ao falado artigo 181.º e relativamente à busca e apreensão em
estabelecimento bancário e ao acto de apreensão «propriamente dito», não
podendo, por isso, o Tribunal Constitucional incidir a sua análise sobre os
outros preceitos, cabe dizer que, contrariamente ao proferido na decisão
sumária, os Recorrentes enunciaram a referida questão de inconstitucionalidade
no recurso para o Tribunal dá Relação de Lisboa nos exactos termos que foram
usados no recurso para o Tribunal Constitucional. Na verdade, seja no recurso
para o Tribunal da Relação de Lisboa, seja no recurso para o Tribunal
Constitucional, os Recorrentes não só reportaram a questão de
inconstitucionalidade aos artigos 177, nº 3 e 180.º (Cfr. página 51 da petição
de recurso) como o fizeram em relação quer à busca e apreensão em
estabelecimento bancário, quer à busca e apreensão em escritório de advogado.
Acrescente-se ainda que também não poderá o Tribunal Constitucional obstar ao
conhecimento da questão de inconstitucionalidade reportada ao artigo 268.º, n.º,
alínea c) do CPP. Pois, embora o artigo 268, n.º 1, alínea c) não tenha sido
mencionado no requerimento de interposição de recurso, foi-o efectivamente no
recurso reelaborado pelos Recorrentes na sequência do despacho-convite.
Tratou-se, assim, de uma indicação em falta que os Recorrentes apropriadamente
supriram.
De qualquer modo, e como já se afirmou, tenha-se presente o princípio que, a
este nível, tem guiado o Tribunal Constitucional na sua jurisprudência: a
circunstância de não poder tomar conhecimento de algumas questões de
inconstitucionalidade, por não terem sido adequadamente suscitadas no processo,
não pode impedir o Tribunal de conhecer todas as outras questões que não padecem
de semelhante obstáculo.
5. Deverá ter havido uma exaustão dos recursos ordinários, de acordo com o
artigo 70°, nº 2 do Tribunal Constitucional
O presente recurso para o Tribunal Constitucional foi precedido da prévia
exaustão dos recursos ordinários, conforme exige o artigo 70.º, n.º 2 da LOTC e
tal como os Recorrentes extensamente demonstraram aquando da interposição do
recurso.
Este pressuposto encontra-se, pois, integralmente preenchido, não tendo a
presente decisão sumária do Exmo. Conselheiro-Relator questionado o seu
cumprimento.
6. O recurso não poderá ser manifestamente infundado e deverá ser
processualmente útil em relação ao processo principal
O que se adiantou já sobre as motivações do presente recurso, sobre a dimensão
normativa das questões de inconstitucionalidade suscitadas, sobre a sua
suscitação processualmente adequada pelos Recorrentes confirma-nos, à saciedade,
que o mesmo é plenamente viável e que sobre o mesmo não pode ser aposta uma
decisão sumária de não conhecimento do recurso, nos termos do artigo 78.º-A, n.
º 1 da LOTC.
Em segundo lugar, tem-se como inequívoca a prejudicialidade das questões de
inconstitucionalidade normativa suscitadas em relação ao processo principal,
isto é, a utilidade processual do presente recurso para a definição e definição
das questões jurídico-processuais ínsitas e decididas no processo-pretexto.
Com efeito, bastará levar a cabo o seguinte raciocínio lógico: em qualquer uma
das questões de inconstitucionalidade normativa suscitadas pelos Recorrentes a
dilucidação de tais inconstitucionalidades possui utilidade processual para o
sentido que, em tais questões, foi trilhado pela decisão recorrida.
Na medida em que as interpretações normativas arguidas de inconstitucionais
sejam efectivamente julgadas inconstitucionais pelo Tribunal Constitucional,
será obrigatoriamente outra a decisão recorrida no respeitante às questões
suscitadas.
Tais pressupostos estão, pois, inteiramente preenchidos.
7. O Recorrente deverá ser a mesma parte que suscitou inicialmente a questão de
constitucionalidade
Os Recorrentes são a mesma parte que suscitou de início as questões de
inconstitucionalidade normativa no âmbito do processo-pretexto.
Tal pressuposto de recurso encontra-se cumprido, não tendo aliás o Tribunal
Constitucional, na decisão sumária sub iudicio refutado o seu preenchimento.
8. O Recorrente deverá ter indicado os elementos exigidos pelo artigo 75.º-A,
n.º 2 do Tribunal Constitucional, isto é, a alínea do n.º 1 do artigo 70º ao
abrigo da qual o recurso é interposto, a norma cuja inconstitucionalidade ou
cuja interpretação inconstitucional pretende que o Tribunal aprecie e a norma ou
principio constitucional que se considera violado, assim como a peça processual
em que suscitou a questão da inconstitucionalidade
Na sequência do despacho-convite que lhes foi dirigido para aperfeiçoamento do
recurso, os Recorrentes deram cumprimento à menção obrigatória de todos
elementos referidos pelo artigo 75.º-A, n.º 2 do Tribunal Constitucional.
Deste modo, o referido pressuposto encontra-se preenchido, não tendo a decisão
sumária de que ora se reclama contestado o seu preenchimento.
9. Em conclusão,
Nestes termos, por tudo quanto se exp[ô]s, os Recorrentes consideram que o
recurso oportunamente interposto para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da
alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização e Funcionamento do
Tribunal Constitucional (LOTC), assim como na alínea b) do n.º 1 do artigo 280,º
da CRP, satisfaz a plenitude os pressupostos e condições de recurso, objectivas
e subjectivas, formais e materiais, exigidas pela lei e pela CRP.
(…)”
Ouvido sobre a reclamação, o Ex.mo Representante do
Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido de não “terem
sido postos em causa os fundamentos da decisão sumária proferida”, razão pela
qual a mesma deverá ser confirmada, indeferindo-se a vertente impugnação.
Cumpre decidir.
2. Analisando as questões colocadas na reclamação
ora em apreciação de harmonia com a ordem pela qual as mesmas se deparam na
mesma, comecemos pelo argumento nela surpreendido e de acordo com o qual a
decisão em causa, na perspectiva dos reclamantes, claudicou ao considerar que as
«questões de inconstitucionalidade» suscitadas pelos então recorrentes aquando
do recurso interposto do despacho de 7 de Novembro de 2005 proferido no Tribunal
Central de Instrução Criminal de Lisboa não se postavam como verdadeiras
questões de inconstitucionalidade normativa.
Na verdade, naquela decisão foi dito que, no
indicado recurso, os então recorrentes impostaram reais questões de
inconstitucionalidade normativa que se reportavam a dadas normas, extraídas
também de dados preceitos e que nessa mesma decisão foram elencados,
acrescentando-se, isso sim, que o que mais ficara escrito na motivação daquele
recurso e que se conexionava com uma esgrimida violação da Lei Fundamental é que
não poderia ser visualizado como «questões de inconstitucionalidade normativa».
Aliás, aquilo que, na decisão em crise, foi
considerado como a suscitação de questões de inconstitucionalidade normativa não
se afasta, em muito, daqueloutras questões que, por via do requerimento de
recurso interposto para este Tribunal, os ora reclamantes pretendiam ver
apreciadas por ele.
Sendo assim, o que se extrai da decisão reclamada é
que, referentemente a diversas dimensões normativas que defluem dos preceitos
enunciados naquela decisão, não foram, como tal, aplicadas pelo acórdão desejado
submeter ao escrutínio deste órgão de administração de justiça.
Assim:
2.1. No que se refere à norma extraída dos artigos
178º, 181º, nº 1, e 180º, nº 1, todos do Código de Processo Penal e segundo a
qual as buscas a apreensões determinadas podem ser figuradas como «um meio
irrestrito» de investigação, ou seja, um meio para se aquilatar da indiciação de
um crime que, até aí, se não indiciava, e ainda sem que, antes da respectiva
determinação, se valore da respectiva necessidade de realização, a leitura do
acórdão tirado no Tribunal da Relação de Lisboa e amplamente transcrito na
decisão em causa aponta, inequivocamente, para que não seja essa a dimensão
normativa conferida àqueles preceitos.
Por isso, neste específico ponto, não censura o
Tribunal o que foi decidido na peça processual em crise, pois que também
efectua, daquele acórdão, leitura idêntica à que foi feita na decisão que contém
tal peça.
2.2. Sendo o requerimento de interposição de recurso
(seja o inicialmente apresentado, seja aquele que o foi na sequência do convite
a que se reportam os números 5 ou 6 do artº 75º-A da Lei nº 28/82) que baliza o
respectivo objecto, é de evidência que, no que referente ao artº 179º do já
aludido Código, o recurso querido interpor para este Tribunal dizia respeito à
norma que dele se extrairia e que conduzia ao entendimento de que ser permitida
«a apreensão de correspondência retirada de arquivos de correspondência aberta»,
sem qualquer valoração prévia e escrutínio do seu conteúdo, pois que foi assim
que essa norma foi delineada no requerimento apresentado pelos então recorrentes
após o despacho exarado pelo relator em 27 de Junho de 2006.
Vêm agora os reclamantes sustentar que essa mesma
norma «pressupõe um entendimento segundo o qual os especiais procedimentos
exigidos por aquele artigo se reportam apenas à correspondência fechada».
Ainda que assim fosse, isto é, ainda que tivesse
havido um processo interpretativo levado a efeito pelo aresto querido impugnar
perante este Tribunal e do qual «implicitamente» se retirasse esse especial
sentido normativo, a realidade é que esse acórdão, como ficou demonstrado na
decisão reclamada, não procedeu a uma interpretação do artº 179º que conduzisse
a tal dimensão, pois não se lobriga que tal acórdão perfilhasse um entendimento
que «caucionasse» apreensão de correspondência aberta por forma diversa da
correspondência fechada. E foi essa a razão substancial pela qual, nessa
decisão, se não tomou conhecimento do objecto do recurso quanto a este ponto,
como resulta do aí escrito em 2.3.3.
2.3. Pelo que tange à norma que deflui dos números 1
e 4 do artº 74º do mencionado Estatuto da Ordem dos Advogados, a decisão em
apreço entendeu que a questão de «inconstitucionalidade normativa» cujo
conhecimento, de acordo com os pressupostos do recurso indicado na alínea b) do
nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, haveria de se colocar, era tão só cingido ao
nº 4 e com referência a uma norma com o sentido de que a constituição de um
advogado como arguido pode ocorrer ainda que desacompanhada de uma actuação
material que o relaciona com os factos objecto de investigação.
Neste contexto, a agora aduzida norma de um arco da
qual resultaria a «permissão de apreensão de correspondência de advogados, sem
se verificar previamente se ela respeita a facto criminoso a ele imputado»,
dificilmente haveria de poder ser considerada.
De qualquer modo, a decisão reclamada, neste
particular, baseou-se na circunstância de o acórdão intentado recorrer perante
este Tribunal não ter levado a cabo uma interpretação e aplicação do preceito
que desaguasse num tal sentido.
Aliás, o Tribunal perfilha a óptica de acordo com a
qual aquilo que ficou escrito nas páginas 44, 45 e 52 do acórdão de 18 de Maio
de 2006 (fls. 24, 25 e 29 da decisão reclamada e fls. 511, 512 e 516 dos
presentes autos) não pode conduzir a que se entenda que foi sufragada a
interpretação que os ora reclamantes censuram. Mas, mesmo que se entendesse que
aquele aresto adoptou uma postura de onde resultava a possibilidade de
apreensão, em escritório de advogado, de «quaisquer objectos relacionados com o
crime ou que possam servir de prova», independentemente de «ser verificado se
respeita a indiciário facto criminoso por ele praticado», então, nesse
hipotético raciocínio, é indubitável que essa postura resultou, não de uma
interpretação dos números 1 e 4 do artº 74º do Estatuto da Ordem dos Advogados
(preceito de onde, segundo os recorrentes, se extrairia essa norma), mas sim dos
artigos 174º, nº 2 e 178º, nº 1, ambos do Código de Processo Penal.
No que mais respeita ao nº 4 do mencionado artº 74º,
não merece censura por parte deste Tribunal o que ficou consignado na decisão
sub iudicio, designadamente o que se contém no seu ponto 2.2.1..
2.4. Referem os reclamantes que invocaram a
«inconstitucionalidade respeitante à interpretação dada ao artº 177º do Código
de Processo Penal e aos artigos 70º, números 1 e 2, e 71º, números 1 e 4 do
Estatuto da Ordem dos Advogados no sentido de não se aplicarem ao domicílio
pessoal do advogado ou de exigirem que este expressamente invoque que desse
domicílio faz arquivo pessoal, a fim de a busca deve ser presidida por um juiz»
e que, nesse particular, a decisão em apreciação, não refutando que o acórdão
lavrado no Tribunal da Relação de Lisboa tivesse adoptado essa interpretação,
entendeu que essa questão não foi, como tal, equacionada na motivação do recurso
para aquele tribunal de 2ª instância.
Não se vê que assista razão aos ora reclamantes.
Efectivamente, como ressalta das transcritas
«conclusões» da motivação de recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, e
também pela análise do «teor» dessa motivação, não se vislumbra «rasto» de uma
posição de onde resulte que aqueles preceitos padeceriam de vício de
desconformidade constitucional se interpretados de tal jeito.
É que, mesmo que fosse aduzido que seriam nulas as
diligências assim realizadas (isto é, as buscas e apreensões efectuadas no
domicílio particular de advogado sem a presença de um juiz ou sem que aquele
expressamente invocasse que faz do seu domicílio arquivo pessoal), porque
violadoras da Constituição, isso não equivale a suscitar uma questão de
inconstitucionalidade normativa, na medida em que não é expressamente assacada a
dada norma (alcançada por uma certa interpretação) o vício de contraditoriedade
com o Diploma Básico, pois que este foi direccionado ao ou aos actos processuais
que determinaram, desse jeito, as referidas diligências, sendo certo que, no
particular em causa, o que se defendeu na motivação de recurso para o Tribunal
da Relação de Lisboa foi que as diligências esgrimidas como nulas o teriam sido
«à margem do regime de protecção que resultava do artº 177º, nº 3, do Código de
Processo Penal e dos artigos 70º e seguintes do Estatuto da Ordem dos Advogados.
2.5. No que concerne à questão ligada com certos
preceitos [que os ora reclamantes, na peça processual consubstanciadora da
reclamação, dizem ser os artigos 268º, nº 1, alínea c), 177º, 180º e 181, estes
do Código de Processo Penal, e 70º, nº 1, do Estatuto da Ordem dos Advogados] de
onde resultaria uma norma que «permitisse que o juiz fosse substituído pelos
órgãos de polícia criminal na análise, selecção, empacotamento ou cópia e
decisão sobre o âmbito das buscas em escritórios de advogados ou em
estabelecimentos bancários, exigindo-se unicamente uma regularização formal do
auto de apreensão», a decisão em análise circunscreveu-a, por um lado,
unicamente à busca em estabelecimentos bancários e aos actos de apreensão
«propriamente ditos» – já que no referente aos escritórios de advogados essa
dimensão não fora objecto de suscitação na motivação do recurso para o Tribunal
da Relação de Lisboa e nessa mesma motivação não se fez referência aos demais
actos (cfr., aliás, a «conclusão» 76 nela formulada).
Entende o Tribunal que, neste ponto, nada há a
censurar quanto ao que ficou dito na decisão reclamada.
E, por outro lado, esta mesma questão ficou também
circunscrita ao falado artº 181º, atenta a forma como ela foi equacionada na
motivação do recurso do despacho prolatado em 1ª instância.
Igualmente aqui o Tribunal não lobriga motivos para
dissentir da decisão em crise.
Simplesmente, nessa decisão não foi tomado
conhecimento do objecto do recurso, pois que aí se trilhou o entendimento de que
o acórdão pretendido impugnar não fez uma interpretação do artº 181º do Código
de Processo Penal que conduzisse à efectivação de tal norma – embora somente com
referência aos estabelecimentos bancários.
Estribam os impugnantes o seu inconformismo com a
circunstância de, tendo em conta que o acórdão de 18 de Maio de 2006 referiu não
«considerar de boa prática a ausência, mesmo que momentânea, do juiz de
instrução do local onde decorra uma diligência a que deva presidir
pessoalmente», isso significaria, em rectas contas, que fez uma «interpretação e
concretização normativa constitucionalmente inadmissível» dos preceitos acima
referidos.
Ora, sobre este específico problema, na decisão
reclamada (que, como se viu já, o circunscreveu tendo em mira o indicado artº
181º e somente as buscas realizadas em estabelecimentos bancários) perfilhou-se
a perspectiva de harmonia com a qual o aresto então em causa deu por assente que
essas buscas foram presididas e acompanhadas pessoalmente pelo juiz, que tomou
as necessárias decisões sobre o conteúdo dos objectos a buscar e a apreender,
definiu os ficheiros informáticos a transferir para outros suportes
informáticos, unicamente se ausentando por um período de tempo no qual, na
decorrência do anteriormente por si decidido, se estavam a efectuar as cópias
daqueles ficheiros, vindo ainda a verificar tais cópias, sendo que, durante
aquele período, não ocorreu qualquer operação de busca, selecção ou apreensão
Efectivamente, no entender do Tribunal, é isso que
resulta do aresto. E, nesse contexto, não pode ser sustentado que o Tribunal da
Relação de Lisboa, em tal acórdão, interpretou o artº 181º do diploma adjectivo
criminal em termos de permitir a substituição do juiz de instrução pelos órgãos
de polícia criminal nas operações de apreensão propriamente dita em
estabelecimentos bancários.
Por conseguinte, não padece a decisão reclamada do
erro que os impugnantes lhe assacam.
Em face do que se deixa dito, indefere-se a
reclamação, condenando-se os impugnantes nas custas processuais, fixando-se em
vinte unidades de conta a taxa de justiça.
Lisboa, 21 de Setembro de 2006
Bravo Serra
Gil Galvão
Artur Maurício
[1] Não se afirme que o facto de a decisão recorrida não se pronunciar
expressamente sobre os artigos 180.º, n.º 1 e 181.º, n.º 1 do CPP faz claudicar
o presente recurso no respeitante a essas normas. É que a aplicação de uma norma
pode ser expressa ou implícita e, tal como decidiu o Tribunal Constitucional no
acórdão n.º 318/90, a circunstância de o tribunal a quo não ter conhecido de uma
questão de constitucionalidade suscitada pelo recorrente equivale à aplicação da
norma tipo por inconstitucional para efeitos do disposto no artigo 70.º, n.º 1,
alínea b) da LOTC.
[2] Considerando que a aplicação da norma tanto pode ser expressa como
implícita, veja-se Guilherme da Fonseca / Inês Domingos, Breviário de Direito
Processual Constitucional, pág. 44 e os acórdãos 88/86, 47/90 e 235/93.