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Processo nº 754/2006.
3ª Secção.
Relator: Conselheiro Bravo Serra.
1. Em 12 de Setembro de 2006 o relator proferiu a seguinte
decisão: –
1. Por acórdão lavrado pelo Tribunal da Relação de
Lisboa em 9 de Março de 2006 foi decidido ordenar a execução de um mandado de
detenção europeu emitido pelo Tribunal da Relação de Antuérpia, Reino da
Bélgica, na sequência de ter sido o aí arguido, o cidadão italiano A., condenado
na pena de cinco anos de prisão pelo cometimento de crimes de furto com
arrombamento, escalamento ou chaves falsas e de participação em organização
criminosa.
Desse acórdão recorreu o arguido para o Supremo
Tribunal de Justiça, o qual, por acórdão de 5 de Abril de 2006, concedeu
provimento ao recurso, determinando a anulação de todo o processado a partir da
junção aos autos do mandado de detenção europeu, determinando que se procedesse
à audição do detido sobre o objecto do mesmo mandado.
Na sequência do assim decidido, efectuou-se, no
Tribunal da Relação de Lisboa, a audição do detido e, a dado passo, por despacho
proferido em 23 de Maio de 2006 pela Desembargadora Relatora daquele Tribunal,
foi determinada a restituição daquele à liberdade, impondo-se-lhe a prestação de
termo de identidade e de residência, a apresentação diária no posto policial da
sua residência, a prestação de caução do montante de € 10.000 e a obrigação de
não se ausentar de Portugal.
Tendo, por acórdão de 11 de Junho de 2006, o
indicado Tribunal de 2ª instância ordenado a execução do mandado de detenção
europeu, de tal acórdão recorreu novamente o arguido para o Supremo Tribunal de
Justiça, formulando, na motivação adrede produzida, as seguintes «conclusões»: –
‘1º
Salvo sempre o devido respeito, ao determinar a
execução do MDE emitido após a detenção e interrogatório do recorrente, o douto
acórdão recorrido violou o disposto pelos artigos 1º e 7.º, da Lei nº 65/2003,
de 23 de Agosto; 2.º,20.º, nº 4, 32.º,8.º, 16.º, 17.º, 18.º,202.º, nº 2, 203.º,
todos da CRP; 8.º e 10.º, da Declaração Universal dos Direitos de Homem e 6.º,
da Convenção Europeia dos Direitos do Homem; bem como artigo 9.º, nº 3, último
parágrafo e 27.º, ambos da Decisão Quadro n 2002/584/JAI, do Conselho, de 13 de
Junho, salvo sempre o devido respeito.
2.º
O processo respeitante à execução de um MDE reveste
igualmente a natureza de um processo equitativo e efectivo, razão porque nunca
poderá, dentro deste mesmo processo, ser desrespeitada a regra da especialidade
– a qual este mesmo se destina preservar e a concretizar.
3.º
O recorrente suscita e pede seja reconhecida, por este Venerando Supremo
Tribunal de Justiça, a inconstitucionalidade material dos artigos 1º e 7.º, da
Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto, quando interpretados e aplicados no sentido de
que ‘... a não renúncia ao beneficio da regra da especialidade não impede que,
já após a detenção e audição do extraditando, seja permitida a execução de um
MDE diverso, emitido posteriormente …’
4.º
Tal interpretação e aplicação revelam-se violadoras
do quanto disposto pelos artigos 2.º, 20.º, nº 4, 32.º, 8.º, 16.º, 17.º, 18.º,
202.º, nº 2, 203.º, todos da CRP, 8.º e 10.º, da Declaração Universal dos
Direitos de Homem e 6.º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
5.º
Porque na falta de qualquer correspondência verbal
que as autorize, salvo sempre o devido respeito, o Estado de Direito Democrático
consagrado no artigo 2.º, da CRP, não permite a violação da legalidade
democrática – como referem, ainda, os seus artigos 202 [.]º, nº 2 e 203.º bem
como pauta-se pelo respeito aos direitos fundamentais do extraditando, dentre os
quais o direito a um processo equitativo e efectivo, que destina-se, igualmente,
a promover o respeito e observância, da regra da especialidade.
6.º
Ao invés de determinar a execução do MDE emitido
posteriormente, deveria o douto acórdão recorrido ter determinado o arquivamento
dos presentes autos, uma vez que não restaram atendidos os doutos despachos de
fls. 36 e 46, verso, que solicitaram a apresentação do original do MDE que
motivou a detenção do recorrente.
7.º
O arquivamento dos autos impunha-se, nos termos do
disposto pelo artigo 45.º, nº 2, da Lei nº 144/99, de 31 de Agosto, de aplicação
subsidiária, bem como face ao disposto pelo artigo 1.º, nº 2, da Lei nº 65/2003,
de 23 de Agosto, que determina a aplicação do artigo 9.º, nº 3, último
parágrafo, da Decisão Quadro nº 2002/584/JAI, do Conselho, de 13 de Junho.
8.º
O MDE que teve a sua execução determinada pelo
douto acórdão recorrido padece de caducidade, uma vez que a douta decisão de
19.05.2005, cuja pena se visava executar, deixou de existir no próprio
ordenamento jurídico do Estado-Membro de emissão.
9.º
Se realmente foi posteriormente ordenada a detenção
do recorrente, no passado mês de Março de 2006, nenhuma decisão neste sentido
foi comunicada nos presentes autos, não tendo sido emitido, nem requerida, a
execução de qualquer MDE, em seu cumprimento, junto às Autoridades Portuguesas.
10.º
E o recorrente suscita e pede seja reconhecida, por
este Venerando Supremo Tribunal de Justiça, a inconstitucionalidade material dos
artigos 1.º e 2.º, da Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto, quando interpretados e
aplicados no sentido de que ‘... uma decisão judiciária emitida por um Estado
membro para cumprimento de pena, que deixou de vigorar na sua própria ordem
interna, pode, ainda, mesmo posteriormente, justificar o decreto de execução de
um MDE, com base nesta emitido...’, por violação do quanto disposto pelos
artigos 2.º, 20.º, nº 4, 32.º, 8.º, 16.º, 17.º, 18.º, 202.º, nº 2, 203.º, todos
da CRP; 8.º e 10.º, da Declaração Universal dos Direitos de Homem e 6.º, da
Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
11.º
Na falta de qualquer correspondência verbal que as
autorize, salvo sempre o devido respeito, o Estado de Direito Democrático
consagrado no artigo 2.º, da CRP, não permite a violação da legalidade
democrática – como referem, ainda, os seus artigos 202[.]º, nº 2 e 203.º.
12.º
Por não haver previsão legal para que um MDE, que
padece de manifesta caducidade, possa vir ainda a ser executado, a existência de
uma decisão anterior não dispensa a observância do direito ao processo
equitativo e efectivo de execução do MDE.
13.º
Processo que não resta observado, quando a execução
deste vem determinada, para o cumprimento de uma pena imposta por douta decisão
que deixou de existir, na própria ordem jurídica do Estado-Membro de emissão.
14.º
Razão porque deveria o douto acórdão ter
determinado o arquivamento dos autos, por inutilidade superveniente, nos termos
do artigo 287.º, ‘e’, do CPC, aplicável por força do quanto disposto pelos
artigos 4.º, do CPP e 34.º, da Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto.
15.º
Ao não determinar o referido arquivamento, o douto
acórdão recorrido violou o disposto pelos artigos 1.º, 2.º e 34., da Lei nº
65/2003, de 23 de Agosto e artigos 2.º, 20.º, nº 4,32.º,8.º, 16.º, 17.º,
18.º,202.º, nº 2, 203.º, todos da CRP; 8.º e 10.º, da Declaração Universal dos
Direitos de Homem e 6.º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4º do CPP
e 287.º, ‘e’, do CPC, salvo sempre o devido respeito.
16.º
Mas ainda que assim não fosse, o que se admite por
argumento, salvo sempre o devido respeito, o MDE que teve a sua execução
decretada pelo douto acórdão recorrido, não atende as exigências dos artigos
1.º, nº 2 e 3.º, ‘e’, da Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto, uma vez que não
efectua qualquer ‘... descrição das circunstâncias em que a infracção foi
cometida, incluindo o momento, o lugar e o grau de participação na infracção da
pessoa procurada...’.
17.º
E o recorrente suscita e pede seja reconhecida a
inconstitucionalidade material do artigo 3º, ‘e’, da Lei nº 65/2003, de 23 de
Agosto, quando interpretado e aplicado no sentido de que ‘... o uso de
expressões genéricas como ‘furto com arrombamento, escalamento com chaves
falsas, consciente e voluntariamente, fazendo parte de uma organização criminosa
com o objectivo de delitos passíveis de uma pena de prisão de três ou mais
anos’, são suficientes para prestar atendimento à exigência de descrição das
circunstâncias em que a infracção foi cometida, incluindo o momento, o lugar e o
grau de participação na infracção da pessoa procurada...’, por violação do
quanto disposto pelos artigos 2.º, 20.º, nº 4, 32.º, 8.º, 16.º, 17.º, 18.º,
202.º, nº 2, 203.º, todos da CRP; 8.º e 10.º, da Declaração Universal dos
Direitos de Homem e 6.º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
18.º
Na falta de qualquer correspondência verbal que as
autorize, salvo sempre o devido respeito, o Estado de Direito Democrático
consagrado no artigo 2.º, da CRP, não permite a violação da legalidade
democrática – como referem, ainda, os seus artigos 202[.]º, nº 2 e 203.º.
19.º
Restando violado o direito a um processo equitativo
e efectivo, uma vez que a não descrição da infracção, por si só, não apenas
impede o recorrente de exercer o contraditório, na sua plenitude, assim como o
respeito pela regra da especialidade, como impede, desde logo, o próprio
Estado-Membro de execução de verificar a observância do quanto disposto pelos
artigos 2.º, nº 2 e nº 3, 7.º, 11.º, ‘a’, ‘b’, 12.º, ‘a’, ‘d’, todos da Lei nº
65/2003, de 23 de Agosto.
20.º
Ao determinar a execução do referido MDE, o douto
acórdão recorrido violou o quanto disposto pelo artigo 1.º, nº 2 e 3.º, ‘e’, da
Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto, assim como o disposto pelos artigos 2.º, 20.º,
nº 4, 32.º, 8.º, 16.º, 17.º, 18. °, 202.º, nº 2, 203.º, todos da CRP; 8.º e
10.º, da Declaração Universal dos Direitos de Homem e 6.º, da Convenção Europeia
dos Direitos do Homem, salvo sempre o devido respeito.
21.º
Razão porque deve ser revogado, indeferindo-se a
pretendida execução, por falta de atendimento dos requisitos legais do MDE, que
na sua ausência, não pode valer juridicamente como tal.
22.º
Ao determinar a execução do referido MDE, o douto
acórdão recorrido violou o artigo 13.º, ‘a’, da Lei nº 25/2003, de 23 de Agosto,
uma vez que o recorrente não foi notificado do julgamento ocorrido na sua
ausência, nem a este compareceram seus advogados.
23.º
O processo de execução do MDE, por força do
disposto pelos artigos 2.º, 20.º, nº 4, 32.º, 8.º, 16.º, 17.º, 18.º, todos da
CRP; 8.º e 10.º, da Declaração Universal dos Direitos de Homem e 6.º, da
Convenção Europeia dos Direitos do Homem, reveste a natureza de processo
equitativo e efectivo.
24.º
Ao não apreciar o quanto requerido pelo recorrente,
no sentido de que fossem apresentados os referidos comprovativos de recebimento
das ‘cartas de citação’, o V. Acórdão recorrido incidiu na nulidade prevista
pelo artigo 379.º, ‘c’, do CPP, uma vez que não podia concluir pela notificação
do recorrente, sem antes decidir da pertinência, ou não, do seu requerimento,
violando, ainda, o quanto disposto pelos artigos 340.º do CPP e 32.º, da CRP,
salvo sempre o devido respeito.
25.º
Razão porque deve ser reconhecida a sua nulidade,
com os seus legais efeitos, salvo sempre o devido respeito.
26.º
O recorrente suscita e pede seja reconhecida a
inconstitucionalidade material do artigo 340.º, do CPP, quando interpretado e
aplicado no sentido de que ‘... em processo de execução de um MDE, no qual se
discute ter sido notificado ou não, o arguido julgado na ausência, para fins da
prestação da garantia exigida pelo artigo 13. ‘a’, da Lei n 65/2003, de 23 de
Agosto, não constitui diligência indispensável à descoberta da verdade e à boa
decisão da causa, a apresentação do comprovativo de recebimento das ‘cartas de
citação’ expedidas...’, por violação do quanto disposto pelos artigos 2.º, 20.º,
nº 4, 32.º, 8.º, 16.º, 17.º, 18.º, todos da CRP; 8.º e 10.º, da Declaração
Universal dos Direitos de Homem e 6.º, da Convenção Europeia dos Direitos do
Homem.
27.º
Porque tal processo igualmente reveste a natureza
de processo equitativo e efectivo, no qual são asseguradas todas as garantias de
defesa, nomeadamente a de produzir prova.’
O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 11 de
Agosto de 2006, negou provimento ao recurso.
Foi a seguinte a fundamentação carreada àquele
aresto: –
‘(…)
IV. Em resultado de recurso do primitivo acórdão da Relação, autorizando a
entrega do recorrente à justiça belga, este STJ ordenou a anulação do processado
a partir do interrogatório do arguido tomando como ponto de partida uma
deficitária actuação do princípio do contraditório na consideração de que o
arguido foi ouvido em interrogatório num contexto factualmente mais reduzido do
que aquele que serviu de base à decisão de entrega, saindo postergado o direito
de audiência e mesmo o direito de o presença, integrando a omissão nulidade
insanável – art.º 119.º n.º 1 c), do CPP, conjugadamente com os art.ºs 17.º n.º
1 e 18.º n.º 2, da Lei n.º 65/03, de 23/8.
Explicando:
O arguido foi ouvido com base na comunicação feita pela justiça belga ao Sistema
de Informação Schengen, que o dava – cfr. fls. 3 – como autor de um crime de
roubo (um grande roubo, na casa forte do Distrito de Diamond, forçando a
abertura de aproximadamente 110 cofres; o montante das jóias e dinheiro
subtraídos é enorme, praticado entre 15 e 16 de Fevereiro de 2003), qualificado
pelas circunstâncias de escalamento, arrombamento e chaves falsas.
No mandado de detenção em alusão supra altera-se a data da prática do sobredito
crime de roubo e atribui-se-lhe, o que não figurava naquela inserção, a
pertinência a uma associação criminosa
E como sobre essa alteração o arguido não tivesse sido ouvido, em homenagem
àqueles princípios estruturantes de um processo justo e equitativo, como é o
processo penal, se fez repousar aquela nulidade insanável com as amplas
consequências decretadas, entre as quais a imperativa necessidade de renovar a
audição do arguido, pela Relação, o que escrupulosamente, neste Tribunal
superior se cumpriu.
Do confronto entre os art.º 4º, 22.ºe 39.º da Lei n.º66/2003, de 23/8, resulta
que aquela inserção no Sistema de Informação Schengen (SIS) não constitui uma
vinculação temática, definitiva, para o tribunal do Estado-membro da pessoa
procurada, em termos de não poder ser completado, esclarecido ou alterado o
mandado de detenção, e outro modo se não compreendendo o segmento do art.º
22.ºn.º 2, da Lei n.º 65/2003, dispondo que ‘Se as informações comunicadas pelo
Estado membro da emissão forem insuficientes para que se possa decidir da
entrega, são solicitadas com urgência as informações necessárias, podendo ser
fixado prazo para a sua recepção para que possam ser cumpridos os prazos
estabelecidos no art.º 26.º”.
Tal inserção funciona, nesse contexto, como mero processo preliminar, acto
preparatório, sujeito a aperfeiçoamento, do mandado de detenção europeu, para
tornar mais célere a cooperação judiciária europeia e que seja mínimo o número
daqueles que, afrontando-a, escapem à malha judiciária da U E, não se
dispensando o recurso ao mandado em ordem a Integrar o processo.
E é essa incoincidência em termos de conteúdo entre aquela inserção cuja difusão
junto do Gabinete Nacional Sirene levou à detenção do arguido no Aeroporto de
Lisboa vindo da Ilha do Sal, e o mandado, que funda, na perspectiva do
recorrente, a ofensa ao princípio da especialidade, previsto no art.º 7.º da Lei
n.º 63/2003, de 23/8, segundo o qual deriva que o procurado não pode ser sujeito
a procedimento penal, condenado ou privado de liberdade por infracção praticada
em momento anterior à sua entrega e diferente daquela que motivou a emissão do
mandado.
No caso vertente essa feição preliminar é recognoscível, de resto, a partir da
constatação da data de emissão, em 30.3.2004 — fls. 6 – antes mesmo de o
arguido ser julgado em 1.ª instância e, por isso, não constitui surpresa que,
mercê do julgamento, reflectido no mandado, seja mais alargada a
responsabilidade penal e clarificada a data da prática dos factos eventualmente
praticados pelo arguido.
Donde derivar que, atenta aquela natureza, se não possa concluir, do cotejo
entre a inserção e o mandado, pelo atropelo ao princípio da especialidade,
ditado por razões de defesa do procurado, direito que deve ser supervisionado
pelo Estado membro da execução, devidamente acautelado, de resto, pela audição
do recorrente em face daquela alteração, tida pelo acórdão deste STJ, como
substancial face ao objecto do procedimento, da qual tomou conhecimento e pôde,
oportunamente, exercer o seu direito de defesa, sem embargo de se poder afirmar
que entre os factos insertos no pedido de detenção e o mandado subsiste
identidade, nunca desmentida pela documentação advinda aos autos.
De resto o princípio da especialidade comporta derrogação se existir
consentimento para a execução do mandado, prestado pelo Estado português,
solicitado pela Procuradoria Geral da República, desde a primeira hora
interessada na entrega à Bélgica, como se pode ver da firme tomada de posição
adoptada no decurso da audiência de detido, a fls. 29 e segs – cfr. art.º 7.º
n.º 2 g), 4 e 5, da Lei n.º 63/2003, de 23/8.
Pelo mandado completa-se o processo formal de execução do mandado encetado com a
informação inserta no SIS, conducente à sua detenção pelo SEF à entrada em
território nacional.
VI Outra questão:
O arguido — agora em liberdade, ut despacho de fls 178 – suscitou a questão da
obrigatoriedade de prestação da garantia nos moldes previstos no art.º 13.º da
Lei n.º 65/2003, de 23/8, pelo Estado-membro da emissão, uma vez que é informado
que o arguido não foi julgado presencialmente, sequer representado, na audiência
de 19.5.2005.
Dispõe a alínea a) daquele art.º 13.º, que:
‘Quando o mandado de detenção europeu tiver sido emitido para efeitos de
cumprimento de uma pena ou medida de segurança imposta por uma decisão proferida
na ausência do arguido se a pessoa em causa não tiver sido notificada
pessoalmente ou de outro modo informada da data e local da audiência que
determinou a decisão proferida na sua ausência, só será proferida decisão de
entrega se a autoridade judiciária de emissão fornecer garantias consideradas
suficientes de que é assegurada à pessoa procurada a possibilidade de interpor
recurso ou de requerer novo julgamento no Estado-membro de emissão e de estar
presente no julgamento’
Tal garantia só tem que ser prestada se o arguido não tiver sido pessoalmente
notificado ou de outro modo informada da data e local em que se realiza a
audiência, que determina o cumprimento da pena ou da medida de segurança
imposta, a sustentar a emissão do mandado.
O douto acórdão da Relação de Lisboa concluiu e, com inteiro acerto, em nosso
entendimento, pela não obrigação de prestação dessa garantia.
E na verdade os elementos disponibilizados nos autos, apoiados na informação do
SR. Advogado Geral, B., em representação do Sr. Procurador Geral, do Tribunal da
Relação de Antuérpia, permitem afirmar que o arguido foi julgado em 1.ª
instância, pelo Tribunal de Antuérpia, de 22.11.2004.
O arguido não se mostrava presente e nem representado por advogado
Da sentença proferida foi interposto recurso para a Relação de Antuérpia, que,
por seu acórdão de 19.5.2005, o condenou numa pena de 5 anos de prisão, numa
situação de contumácia
Porém ao abrigo do art.º 187.º, do Código de Processamento Belga, o arguido
interpôs recurso do acórdão condenatório em contumácia, sendo-lhe assegurado
direito a um novo julgamento e condenado em 16 de Março de 2006, na obediência,
diz a autoridade judicial belga, a ‘audiência contraditória’, sendo os seus
advogados previamente informados, por carta, da data da audiência, interpondo o
arguido, de seguida, recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
O próprio A. foi objecto de notificação pelo Exm.º Procurador Belga, que atesta
ter comunicado por cartas a data da audiência, expedidas, além do mais, para a
sua efectiva residência na Itália, em Latina, …..
O A. teve conhecimento da sua condenação, como contumaz, em situação de total
ausência, tanto assim que constituiu advogado para reagir contra tal condenação,
terminando por interpor recurso ante as instâncias superiores da Bélgica
constituindo advogado, que teve conhecimento da data de novo designada para
aquele novo julgamento, cuja data foi comunicada para a residência efectiva do
recorrente, pelo que se revelaria uma exigência desmedida e desnecessária a
prestação de uma garantia quando o arguido accionou já os direitos de defesa que
com aquela se pretendiam acautelar.
Nessa exacta medida temos como inteiramente pertinente a afirmação do respeito
pelos mais elementares direitos de defesa do arguido, no que concerne ao modo de
realização do julgamento, [à] luz da Convenção Europeia dos Direitos do Homem,
cujo art.º 6.º não exige a sua presença pessoal, mostrando-se a jurisprudência
do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem uniforme no sentido de que o tribunal
que assegura o julgamento na ausência do arguido deve garantir,
concomitantemente, que lhe seja permitido novo julgamento para definição da sua
responsabilidade penal — neste sentido cfr. Miche[l]le de Salvia, Compendium de
La CEDH, Les Principes Directeurs de la Jurisprudence relative à la Convention
Europeéne des Droits de L,Homme, Editions N. P. Engel, Strasbourg, 1998, pag.
142 e Ireneu Cabral Barreto, in Análise do art.º 6.º da Convenção Europeia dos
Direitos do Homem à Luz da Jurisprudência da Comissão e do Tribunal Europeu dos
Direitos do Homem, Documentação e Direito Comparado, 49/50 pág. 95, citados a
fls. 248, do douto acórdão recorrido.
VII. O arguido assinala ao mandado de detenção europeu um défice expositivo
fáctico na forma de informações contidas no art.º 3.º n.º1 e), da Lei n.º
65/2003, de 23/8, por não descrever as circunstâncias em que a infracção teve
lugar, incluindo o momento, o lugar e o grau de participação da pessoa procurada
O mandado expedido, a esse nível, se fosse mais ampla a descrição furtar-se-ia à
objecção do Sr. advogado do arguido, é de liminar evidência.
Seja como for permite concluir, com toda a segurança, que o arguido incorreu
como autor e co-autor de um crime de furto com arrombamento, escalamento ou
chaves falsas, à mão armada (fls. 80), consciente e voluntariamente, fez parte
de uma associação criminosa, reportando-se a prática dos factos a um assalto de
uma casa forte do Distrito de Diamond, Antuérpia, entre 19 de Janeiro de 2003 a
21 de Fevereiro de 2003, e, pois, que cometeu factos puníveis, reputados graves
também à face da ordem jurídica portuguesa, não funcionando esse défice entre as
causas de recusa de execução do mandado, obrigatórias ou facultativas enunciadas
nos art.ºs 11.º e 12.º, n.º 1 a) daquela Lei n.º 65/2003.
Sequer é impeditivo do direito de defesa do arguido, destinatário inequívoco do
mandado, que bem conhece a decisão condenatória à sua revelia, da qual recorreu,
recurso decidido já depois da emissão do mandado
Importa, de acordo com o espírito que preside ao mandado de detenção, de reforço
de cooperação entre as autoridades judiciárias dos Estados-membros, salvaguardar
a sua eficácia em ordem a garantir um efectivo espaço de liberdade, segurança e
de justiça na UE, por forma a que todos aqueles que infringem esse espírito
sejam prontamente colocados sob a jurisdição lesada, não se coadunando com tal
teleologia impressa na lei n.º 65/2003, que implementou na ordem jurídica
nacional a Decisão-Quadro 2001/584 /JAI, do Conselho Europeu, de 13 de Julho de
2002, relativa ao Mandado de Detenção Europeu, publicada no Jornal Oficial das
Comunidades Europeias, de 18 de Julho de 2002, essa objecção, até mais formal do
que substancial, apresentada pelo arguido.
Aquela colaboração exige que se não ceda a um critério puramente formal,
inviabilizando objectivos transnacionais, desde que se acautelem, como o foram,
os direitos de defesa do arguido.
Improcede, pois, a censura endereçada à decisão recorrida.
Por isso se torna menos compreensível a alegação de que não foi junto o original
do mandado de detenção europeia, que deve ser traduzido numa das línguas
oficiais do Estado-membro de execução ou noutra língua oficial das instituições
das Comunidades Europeias aceite por este Estado, mediante declaração depositada
junto do Secretariado Geral do Conselho – art.º 3.º n.º 2, da Lei n.º 65/2003.
A falta do original do mandado não integra razão para recusa; de qualquer sorte
a transmissão do mandado é sob a forma de original (‘...transmito-lhe pela
presente um mandado de detenção original...’, afirma o subscritor do mandado, o
Sr. Advogado Geral, em representação do Procurador Geral junto do Tribunal da
Relação de Antuérpia, B. , a fls.75, expedido em 28.2.2006)).
Concebida sob a forma de fotocópia ainda assim a sua validade, como documento
probatório dos factos que comporta, não se poria em causa, atento o disposto no
art.º 368.º, do CC , já que se não põe em crise o seu conteúdo mas a forma
narrativa daqueles, sob a modalidade não original do documento, ao invés do que
resulta do seu elemento literal.
VIII. Vem suscitada pelo arguido a nulidade – art.º 379º c), do CPP – decorrente
da omissão de pronúncia pela Relação sobre requerimento seu a propósito da falta
de comprovação do recebimento das cartas de citação do arguido, a esse respeito
se observando, a partir do documento expedido em 21 de Junho de 2006, constante
de fls. 215 e 216, da autoria daquele Sr. Advogado Geral, o que a seguir se
transcreve:
‘A. foi citado por minha instrução perante este Tribunal da Relação. Esta
citação foi-lhe transmitida, juntamente com uma tradução em língua italiana, por
remessa registada, enviada não só para o seu endereço de inscrição na Itália, em
Latina … como também para a sua residência efectiva na Itália, em …. Os seus
advogados foram igualmente informados por carta da data da audiência’-fl. 215
E mais se atesta no citado documento, a fls. 216, que ‘... o recurso foi
interposto a pedido de A., com um acto de recurso que foi notificado ao meu
gabinete no dia 29 de Junho de 2005 No acto de recurso é a parte recorrente, por
outras palavras A., que determina a data da audiência e que informa o meu
gabinete da mesma.
A marcha posterior do processo fez-se na sequência de audiência contraditória e
resultou no acórdão que foi proferido na sequência de audiência contraditória no
dia 16 de Março de 2006’
A questão da comprovação da notificação por via postal do arguido e seus
advogados não foi aflorada no acórdão da Relação, no entanto deriva da decisão
um implícito juízo de prescindibilidade, a que, na verdade, não pode deixar este
STJ deixar de conferir o seu aval
É que não pode deixar de levar-se em conta a qualidade, o estatuto profissional,
em que intervém o seu subscritor daquele documento (Advogado Geral,
representante do Sr. Procurador Geral na Relação de Antuérpia), exposto a
procedimento disciplinar e criminal se acaso prestasse informação falsa, além de
que o mandado de detenção emerge de uma relação de mútua confiança entre
Estados-membros da UE, não havendo razões para colocar em crise a fidedignidade
de tal afirmação o que o arguido faz, não passando de um argumento defensivo sem
fundamento, esgrimido para, a todo o transe, conscientemente, se esquivar a
comparecer perante a justiça belga.
Por isso se desatende à citada nulidade invocada.
IX. O arguido defende que o processo de execução do mandado de detenção europeu
devia ser arquivado por inutilidade superveniente da lide nos termos do art.º
287.º e), do CPC, aplicável ‘ex vi’ do art.º 4.º, do CPP e 34.º, da Lei n.º
65/2003, de 23/8, padecendo aquele mandado de caducidade isto porque a sentença
proferida na situação de contumácia, de 19.5.2005, cuja pena se pretendia
executar, deixou de existir na ordem jurídica belga
Discordamos, porque não pode ter-se como inexistente tal sentença: ela foi
proferida por órgão competente, teve existência jurídica e produziu os seus
efeitos jurídicos na ordem jurídica belga, quais sejam os de, desde logo,
viabilizar o recurso ao arguido, em vista de novo julgamento, a que se procedeu,
consequência da ausência ao primitivo, por banda do recorrente.
De qualquer sorte da conjugação dos artºs 1.º n.º 1, 7.º, 11.º e 12.º, da Lei
n.º 65/2003, resulta que o mandado de detenção serve também o desígnio de
assegurar o procedimento criminal, nele não se distinguindo o cumprimento de
pena definitiva ou sem o ser, apenas se impondo neste último caso a prestação de
garantia, nas condições especiais previstas no seu art.º 13.º, n.ºs l e 2,
aquela de resto desnecessária, pelas razões já apontadas, pelo que não se pode
ter por atingido por caducidade.
IX. O Tribunal recorrido não fez aplicação de normas conferindo-lhe um sentido e
alcance contrário a qualquer preceito constitucional ou de direito internacional
pactício, ao concluir pela não violação do princípio da especialidade, de
garantias do direito de defesa imanente a um processo penal justo, mormente da
descoberta da verdade material, que faz parte do leque de direitos integrantes
da natureza daquele processo, dispensando a apresentação das ‘cartas de citação’
expedidas, irrelevando a invocação repetida, várias vezes, dos art.ºs 2.º
(Estado de direito democrático) 20.º n.º 4 (Acesso ao direito e à justiça) 32.º
n.º 2 (Garantias do processo penal), da CRP, 8.º (Direito internacional), 16.º
(Âmbito dos direitos Fundamentais), 18.º (Força jurídica), 202.º n.º 2 (Função
jurisdicional) e 203.º, (Independência dos tribunais), todos da CRP, 8.º da
Declaração Universal dos Direitos do Homem, referente ao direito ao recurso,
10.º, pertinente à apreciação da causa por um tribunal independente e imparcial
e 6.º, seu n.º 3, da CEDH.
(…)’
Do acórdão, cuja total fundamentação acima se
encontra extractada, recorreu o arguido para o Tribunal Constitucional,
fazendo-o ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de
Novembro, e por intermédio de requerimento em que fez consignar: –
‘1. Salvo sempre o devido respeito, o recorrente destaca, para fins do nº 2, do
artigo 75-A, da Lei 28/82, de 15 de Novembro, que na peça processual do recurso
interposto para o Venerando Supremo Tribunal de Justiça (cfr. motivação e pontos
‘2.º’, ‘3.º’, ‘4.º’ e ‘5.º’, das respectivas conclusões), decidido no douto
acórdão recorrido, suscitou a inconstitucionalidade material dos artigos 1.º e
7.º, da Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto, quando interpretados e aplicados no
sentido de que ‘...a não renúncia ao benefício da regra da especialidade não
impede que, já após a detenção e audição do extraditando, seja permitida a
execução de um MDE diverso, emitido posteriormente...’.
2. E isto, salvo sempre o devido respeito, por considerar que tal interpretação
e aplicação caracterizam a inconstitucionalidade material dos referidos artigos
1.º e 7.º, da Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto 187.º do CPP, por violação do
quanto disposto pelos artigos 2.º, 20.º, nº 4, 32.º, 8.º, 16.º, 17.º, 18.º,
202.º, nº 2, 203.º, todos da CRP, 8.º e 10.º, da Declaração Universal dos
Direitos de Homem e 6.º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
3. E ainda, na mesma peça processual do recurso interposto para o Venerando
Supremo Tribunal de Justiça (cfr. motivação e pontos ‘8.º’, ‘9.º’, ‘10.º’,
‘11.º’, ‘12.º’ e ‘13.º’, das respectivas conclusões), o recorrente suscitou a
inconstitucionalidade material dos artigos 1.º e 2.º, da Lei nº 65/2003, de 23
de Agosto, quando interpretados e aplicados no sentido de que ‘... uma decisão
judiciária emitida por um Estado membro para cumprimento de pena, que deixou de
vigorar na sua própria ordem interna, pode, ainda, mesmo posteriormente,
justificar o decreto de execução de um MDE, com base nesta emitido... ’.
4. E isto, salvo sempre o devido respeito, por considerar que tal interpretação
e aplicação caracterizam a inconstitucionalidade material dos referidos artigos
1.º e 2.º, da Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto, por violação do quanto disposto
pelos artigos 2.º, 20.º, nº 4, 32.º, 8.º, 16.º, 17.º, 18.º, 202.º, nº 2, 203.º,
todos da CRP; 8.º e 10.º, da Declaração Universal dos Direitos de Homem e 6.º,
da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
5. E igualmente, na mesma peça processual do recurso interposto para o Venerando
Supremo Tribunal de Justiça (cfr. motivação e pontos ‘16.º’, ‘17.º’, ‘18.º’,
‘19.º’ e ‘20.º’, das respectivas conclusões), o recorrente suscitou a
inconstitucionalidade material do artigo 3º, ‘e’, da Lei nº 65/2003, de 23 de
Agosto, quando interpretado e aplicado no sentido de que ‘...0 uso de expressões
genéricas como ‘furto com arrombamento, escalamento com chaves falsas,
consciente e voluntariamente, fazendo parte de uma organização criminosa com o
objectivo de delitos passíveis de uma pena de prisão de três ou mais anos’, são
suficientes para prestar atendimento à exigência de descrição das circunstâncias
em que a infracção foi cometida, incluindo o momento, o lugar e o grau de
participação na infracção da pessoa procurada...’.
6.Salvo sempre o devido respeito, por considerar o recorrente que tal
interpretação e aplicação caracterizam a inconstitucionalidade material do
referido artigo 3.º, ‘e’, da Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto, por violação do
quanto disposto pelos artigos 2.º, 20.º, nº 4, 32.º, 8.º, 16.º, 17.º, 18.º,
202.º, nº 2, 203.º, todos da CRP; 8.º e 10.º, da Declaração Universal dos
Direitos de Homem e 6.º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
7. Pretende o aqui Recorrente que as suscitadas inconstitucionalidades materiais
dos artigos 1.º, 2.º, 3.º, ‘e’[,] e 7.º, da Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto,
antes referenciadas, sejam oportunamente apreciadas pelo Venerando Tribunal
Constitucional, salvo sempre o devido respeito.
8. Salvo mais douto entendimento, o recurso tem efeito e regime de subida
indicados no nº 3, do artigo 78º, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.’
O recurso foi admitido por despacho lavrado em 5 de
Setembro de 2006 pelo Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça.
2. Não obstante tal despacho, porque o mesmo não
vincula este Tribunal (cfr. nº 3 do artº 76º da Lei nº 28/82) e porque se
entende que o recurso não deveria ter sido admitido, elabora-se, ex vi do nº 1
do artº 78º-A da mesma lei, a vertente decisão, por via da qual se não toma
conhecimento do objecto da presente impugnação.
Como resulta do relato supra efectuado, aquando do
recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, o ora impugnante impostou
as seguintes questões de desconformidade constitucional normativa: –
– (a) uma, tocante à norma extraída dos artigos 1º
e 7º da Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto, quando comportem uma interpretação de
acordo com a qual ‘a não renúncia ao beneficio da regra da especialidade não
impede que, já após a detenção e audição do extraditando, seja permitida a
execução de um MDE diverso, emitido posteriormente’;
– (b) outra, respeitante à norma extraída dos
artigos 1º e 2º, também da mesma Lei, quando interpretados no sentido de que
‘uma decisão judiciária emitida por um Estado membro para cumprimento de pena,
que deixou de vigorar na sua própria ordem interna, pode, ainda, mesmo
posteriormente, justificar o decreto de execução de um MDE, com base nesta
emitido’;
– (c) outra, concernente à norma extraída da alínea
e) do artº 3º, ainda daquela Lei, se interpretada por forma a que ‘o uso de
expressões genéricas como ‘furto com arrombamento, escalamento com chaves
falsas, consciente e voluntariamente, fazendo parte de uma organização criminosa
com o objectivo de delitos passíveis de uma pena de prisão de três ou mais
anos’, são suficientes para prestar atendimento à exigência de descrição das
circunstâncias em que a infracção foi cometida, incluindo o momento, o lugar e o
grau de participação na infracção da pessoa procurada’;
– (d) por fim, outra, referente à norma extraída do
artº 340º do diploma adjectivo criminal, ao comportar a interpretação de
harmonia com a qual ‘em processo de execução de um MDE, no qual se discute ter
sido notificado ou não, o arguido julgado na ausência, para fins da prestação da
garantia exigida pelo artigo 13. ‘a’, da Lei n 65/2003, de 23 de Agosto, não
constitui diligência indispensável à descoberta da verdade e à boa decisão da
causa, a apresentação do comprovativo de recebimento das ‘cartas de citação’
expedidas’.
Tudo o mais que, na motivação do recurso para o
Supremo Tribunal de Justiça, é esgrimido como violações da Lei Fundamental, não
pode ser considerado como representando suscitação de questões de
inconstitucionalidade normativa, já que tais violações são assacadas ao aresto
então impugnado e não à norma ou às normas que serviram de suporte jurídico ao
decidido pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
E isso, justamente, porque, neste particular, como
se sabe, objecto dos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade
são normas ínsitas no ordenamento ordinário e não outros actos do poder público
tais como, verbi gratia, as decisões judiciais qua tale consideradas.
Por outro lado, no requerimento de interposição de
recurso para o Tribunal Constitucional (sendo que tal requerimento baliza o
objecto da impugnação), o arguido pretende a apreciação das questões acima
enunciadas sobre (a), (b) e (c), não se pretendendo, pois, a apreciação da
questão antecipada por (d), o que consequencia que esta última não pode
constituir objecto do recurso ora em apreço.
Isto posto, haverá que saber se o acórdão ora
recorrido interpretou e aplicou os preceitos indicados naquelas questões com o
exacto sentido cuja conformidade constitucional foi questionada.
Efectivamente, estando em causa um recurso de
fiscalização concreta ancorado na alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82,
mister é, inter alia, que, estando em causa o desiderato de apreciação de um
dado normativo alcançado por via de um processo interpretativo incidente sobre
determinado preceito, a decisão judicial intentada impugnar perante este
Tribunal tenha aplicado esse preceito de modo a ele comportar o sentido
interpretativo que, precedentemente à sua prolação, foi questionado, do ponto de
vista da sua compatibilidade constitucional, pela «parte» que, posteriormente
àquela decisão, pretende interpor recurso para este órgão de fiscalização
concentrada da constitucionalidade normativa.
Vejamos, então, se o acórdão prolatado no Supremo
Tribunal de Justiça conferiu aos preceitos precipitados nos artigos 1º e 7º da
Lei nº 65/2003 o sentido de ‘a não renúncia ao beneficio da regra da
especialidade não impede que, já após a detenção e audição do extraditando, seja
permitida a execução de um MDE diverso, emitido posteriormente’; aos constantes
dos artigos 1º e 2º, dessa Lei, o sentido de ‘a não renúncia ao beneficio da
regra da especialidade não impede que, já após a detenção e audição do
extraditando, seja permitida a execução de um MDE diverso, emitido
posteriormente’; e à alínea e) do artº 3º, também desse diploma, o sentido de ‘o
uso de expressões genéricas como ‘furto com arrombamento, escalamento com chaves
falsas, consciente e voluntariamente, fazendo parte de uma organização criminosa
com o objectivo de delitos passíveis de uma pena de prisão de três ou mais
anos’, são suficientes para prestar atendimento à exigência de descrição das
circunstâncias em que a infracção foi cometida, incluindo o momento, o lugar e o
grau de participação na infracção da pessoa procurada’.
2.1. Começando pela alínea e) do artº 3º, deflui à
saciedade da transcrição supra efectuada que o aresto tirado no mais Alto
Tribunal da ordem dos tribunais judiciais não levou a efeito uma interpretação
de tal preceito da forma como é referido no requerimento de interposição do
recurso e que anteriormente fora mencionada na motivação de recurso para aquele
órgão de administração de justiça.
Na verdade, do passo do acórdão de 11 de Agosto de
2006 resulta inquestionavelmente que na comunicação feita pela justiça belga ao
Sistema de Informação Shengen constavam factos concretos subsumidos ao
cometimento de um crime de roubo numa dada casa forte, forçando a abertura de
cerca de cento e dez cofres, indicando-se o montante das jóias e dinheiro
subtraídos e uma data em que esses factos ocorreram.
Assim sendo, não se pode minimamente sustentar que,
relativamente àquela alínea, foi considerado ser suficiente o uso de expressões
genéricas tais como o mero cometimento de «furto com arrombamento, escalamento
ou chaves falsas» para justificar a execução de um mandado de detenção europeu.
2.2. No que tange aos artigos 1º e 2º da Lei nº
65/2003 (na interpretação acima indicada), é também claro que o acórdão ora
pretendido recorrer não aplicou esses preceitos de molde a deles resultar um
comando legal tal como o censurado pelo impugnante.
De facto, em nenhum ponto do acórdão se lobriga, de
todo em todo, que tivesse sido aceite que a decisão tomada pela justiça belga
tinha deixado de vigorar na sua ordem e, não obstante, foi emitido o mandado em
causa.
Antes, e pelo contrário, deu o Supremo Tribunal de
Justiça por assente que a decisão com base na qual foi emitido o mandado ainda
se mantinha como exequível naquela ordem interna.
2.3. Finalmente, no que se reporta aos artigos 1º e
7º, é a todos os títulos evidente que o Supremo Tribunal de Justiça não deu a
esses preceitos uma dimensão interpretativa segundo a qual, não obstante não ter
havido renúncia ao princípio da especialidade, ainda é permitida a execução de
um diverso mandado de detenção europeu, emitido posteriormente às detenção e
audição do extraditando.
De facto, o aresto em crise entendeu que a inserção
no Sistema de Informação Schengen, não constituía uma vinculação temática e
definitiva do Estado Membro da pessoa a procurar, podendo a informação ser
completada, esclarecida ou alterada, funcionando, pois, como um processo
preliminar e preparatório, sujeito a aperfeiçoamento, do mandado de detenção
europeu. E, quanto a este, entendeu tratar-se do mesmo mandado, à face do qual o
arguido recorrente foi detido e ouvido.
Conclui-se, desta arte, que o acórdão desejado
colocar sob a censura deste Tribunal não conferiu aos preceitos enunciados no
requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional uma
dimensão interpretativa conducente ao sentido normativo que, pelo recorrente,
fora, na motivação da impugnação para o Supremo Tribunal de Justiça, tido como
conflituante com o Diploma Básico.
Neste contexto, falece o pressuposto do recurso
consistente na aplicação, na decisão querida submeter ao veredicto deste
Tribunal, das normas (alcançadas por interpretação) cuja desarmonia
constitucional fora suscitada precedentemente ao proferimento de tal decisão e
que, no respectivo requerimento de interposição, nele foram mencionadas.
Termos em que se não conhece do objecto do recurso,
condenando-se o impugnante nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça
em seis unidades de conta.”
Da decisão que se encontra transcrita reclamou, nos termos do
nº 3 do artº 78º-A da Lei nº 28/82 o, arguido A., fazendo-o por via de
requerimento em que se pode ler: –
“1. A douta decisão sumária decidiu não conhecer do
objecto do recurso, sob o fundamento de que o douto acórdão recorrido não teria
feito aplicação das normas questionadas, no sentido apontado pelo recorrente.
2. Salvo o devido respeito do quanto consignado na
douta decisão sumária, acredita o recorrente que o recurso interposto reúne os
pressupostos para ser conhecido em seu objecto.
I — Sobre a norma do artigo 3°, nº 1, “e”, da Lei
nº l65/2003, de 23 de Agosto
3. Consignou a douta decisão sumária:
‘...2.1.Começando pela alínea e) do artº 3º, deflui
à saciedade da transcrição supra efectuada que o aresto tirado no mais Alto
Tribunal da ordem dos tribunais judiciais não levou a efeito uma interpretação
de tal preceito da forma como é referido no requerimento de interposição do
recurso e que anteriormente fora mencionada na motivação de recurso para aquele
órgão de administração de justiça.
Na verdade, do passo do acórdão de 11 de Agosto de
2006 resulta inquestionavelmente que na comunicação feita pela justiça belfa ao
Sistema de Informação ShenRen constavam factos concretos subsumidos ao
cometimento de um crime de roubo numa dada casa forte, forçando a abertura de
cento e dez cofres, indicando-se o montante das jóias e dinheiro subtraídos e
uma data em que estes factos ocorreram.
Assim sendo, não se pode minimamente sustentar que,
relativamente àquela alínea, foi considerado suficiente o uso de expressões
genéricas tais como o mero cometimento de ‘furto com arrombamento, escalamento
ou chaves falsas’ para justificar a execução de uma mandado de detenção
europeu…’ (destacamos)
4. Salvo o devido respeito, da leitura da
douta decisão sumária verifica-se, desde logo, que os seus doutos fundamentos
não alcançaram a totalidade da matéria submetida a este Venerando Tribunal
Constitucional.
5. Isto porque nenhuma consideração ou apreciação é
feita face ao crime de associação criminosa.
6. Crime genericamente referenciado no mandado de
detenção europeu (cfr. fls. 80), que teve a sua execução decreta e,
posteriormente, mantida pelo douto acórdão recorrido.
7. E que integra igualmente o objecto do recurso
interposto.
8. Não sendo, portanto, salvo sempre o devido
respeito, de se excluir que um douto juízo de constitucionalidade, sobre tal
matéria, possa ter repercussão no quanto decidido pelo douto acórdão recorrido
(uma vez que não poderia, no mínimo, ter sido decretada e mantida a execução do
MDE, face ao crime de associação criminosa).
9. Assim, por não ter a douta decisão sumária
emitido qualquer pronunciamento sobre o crime de associação criminosa, pode ser
dito, salvo sempre o devido respeito, que o recurso interposto pode ser
conhecido, desde logo, no mínimo em parte, no que se refere à matéria
respeitante ao referido crime.
10. Mas salvo sempre o devido respeito, não se pode
deixar de considerar o facto de que o mandado de detenção europeu (MDE), que
teve a sua execução decretada e mantida, posteriormente, pelo douto acórdão
recorrido, não consignou qualquer facto concreto, nem mesmo por remissão à
referida inserção no Sistema de Informação Shengen.
11. Salvo o devido respeito, o seu conteúdo é
totalmente diverso da inserção no Sistema Shengen (seja face a autoridade
emitente, data de emissão, conteúdo e objecto), até mesmo quanto à data da
infracção (cfr. fls. 80).
12. O recorrente pede a devida vénia para destacar
a norma questionada no recurso (artigo 3.º, ‘e’, da Lei nº 65/2003, de 23 de
Agosto):
‘Artigo 3.º – (Conteúdo e forma do mandado de detenção europeu)
1. O mandado de detenção europeu contém as
seguintes informações, apresentadas em conformidade com o formulário anexo:
…
e) Descrição das circunstâncias em que a infracção
foi cometida, incluindo o momento, o lugar e o grau de participação na infracção
da pessoa procurada...’ (destacamos)
13. Assim, determina a referida norma que o mandado
de detenção europeu ‘contém’ a ‘descrição das circunstâncias em que a infracção
foi cometida, incluindo o momento, o lugar e o grau de participação na infracção
da pessoa procurada’, bem ainda ‘apresentadas em conformidade com o formulário
anexo’.
14. Trata-se, na verdade, de um comando legal
imperativo, não havendo qualquer espaço interpretativo para a dispensa de tal
conteúdo e forma.
15. Ora, salvo o devido respeito, da simples
leitura do campo próprio do mandado de detenção europeu (cfr. fls. 80), que teve
a sua execução decretada e mantida, posteriormente, pelo douto acórdão
recorrido, verifica-se exactamente o uso das expressões genéricas ‘...furto com
arrombamento, escalamento com chaves falsas, consciente e voluntariamente,
fazendo parte de uma organização criminosa com o objectivo de delitos passíveis
de uma pena de prisão de três ou mais anos...’.
16. E salvo sempre o devido respeito, tais
expressões genéricas foram expressamente aceites pelo douto acórdão recorrido,
para justificar o decreto de execução do referido MDE, tendo este inclusivamente
reconhecido expressamente, em seu próprio texto, tal, ‘défice’ de informação,
mas ainda assim dando por atendido o referenciado comando do artigo 3.º, 1, ‘e’,
da Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto.
17. O recorrente pede a devida vénia para destacar,
por transcrição, o que a este respeito consignou o douto acórdão recorrido:
‘... VII. O Arguido assinala ao mandado de detenção europeu um défice expositivo
fá[c]tico na forma das informações contidas no art.º 3º nº 1 e), da Lei nº
65/2003, de 23/8, por não descrever as circunstâncias em que a infracção teve
lugar, incluindo o momento, o lugar e o grau de participação da pessoa
procurada.
O mandado expedido, a esse nível, se fosse mais
ampla a descrição furtar-se-ia à objecção do Sr. advogado do arguido, é de
liminar evidência.
Seja como for permite concluir, com toda segurança,
que o arguido incorreu como autor e co-autor de um crime de furto com
arrombamento, escalamento ou chaves falsas, à mão armada (fls. 80), consciente e
voluntariamente, fez parte de uma associação criminosa, reportando-se a prática
dos factos a um assalto de uma casa forte do Distrito de Diamond, Antuérpia,
entre 19 de Janeiro de 2003 a 21 de Fevereiro de 2003, e, pois, cometeu factos
puníveis, reputados graves também face à ordem jurídica portuguesa, não
funcionando esse défice entre as causas de recusa de execução do mandado,
obrigatórias ou facultativas enunciadas nos art.ºs 11.º e 12.º, nº 1 a) daquela
Lei nº 65/2003...’ (destacamos)
18. Salvo sempre o devido respeito, verifica-se que
o douto acórdão recorrido efectivamente interpretou e aplicou o artigo 3º, 1,
‘e’, da Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto, nos moldes referenciados pelo
recorrente, no sentido de que ‘...o uso de expressões genéricas como ‘furto com
arrombamento, escalamento com chaves falsas, consciente e voluntariamente,
fazendo parte de uma organização criminosa com o objectivo de delitos passíveis
de uma pena de prisão de três ou mais anos’, são suficientes para prestar
atendimento à exigência de descrição das circunstâncias em que a infracção foi
cometida, incluindo o momento, o lugar e o grau de participação na infracção da
pessoa procurada...’.
19. O uso das expressões ‘...Seja como for permite
concluir...’ e ‘...não funcionando esse défice...’, salvo sempre o devido
respeito demonstra, por si só, que foram tais expressões aceites pelo douto
acórdão, para prestar atendimento ao disposto pelo artigo 3º, 1, ‘e’, da Lei nº
65/2003, de 23 de Agosto, tal como questionado no recurso do recorrente.
20. E salvo sempre o devido respeito, aquilo que o
douto acórdão teve por mera ‘...objecção, até mais formal do que
substancial...’, na verdade encerra matéria que prende-se com os mais
fundamentais direitos dos cidadãos, consagrados na lei e na Constituição da
República.
21. Ora, salvo sempre o devido respeito, não se
pode conceder em sede de cooperação internacional o que não é permitido na ordem
interna, por expresso veto Constitucional, que não permite possa o arguido ser
confrontado com meras expressões genéricas, mormente quando está em causa a
regra da especialidade consagrada nos artigos 1.º e 7.º, da mesma Lei nº
65/2003, de 23 de Agosto.
22. Desta forma, salvo sempre o devido respeito,
por ter o douto acórdão efectivamente promovido a interpretação e aplicação do
artigo 3.º, 1, ‘e’, da Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto, nos moldes referenciados
no recurso do recorrente, este merece ser conhecido em seu objecto.
23. Razão porque face a tal matéria pede o
recorrente seja atendida a presente reclamação, com a revogação da douta decisão
sumária que não conheceu do objecto do recurso, concedendo-lhe a oportunidade
legal para a apresentação das suas alegações.
24. Ainda que assim não se entenda, salvo sempre o
devido respeito, pede seja a presente atendida ao menos parcialmente, no que se
refere ao crime de associação criminosa, que não foi objecto de qualquer
descrição, não obstante estar abrangido pelo decreto de execução do mandado de
detenção europeu.
II— Sobre a norma dos artigos 1.º e 2.º, da Lei nº
65/2003, de 23 de Agosto — Da caducidade do mandado de detenção europeu que teve
a sua execução decretada
25. No seu recurso, o recorrente suscitou a
inconstitucionalidade material dos artigos 1.º e 2.º, da Lei nº 65/2003, de 23
de Agosto, quando interpretados e aplicados no sentido de que ‘...uma decisão
judiciária emitida por um Estado membro para cumprimento de pena, que deixou de
vigorar na sua própria ordem interna, pode ainda, mesmo posteriormente,
justificar o decreto de execução de um MDE, com base nesta emitido…’
26. Sobre a referida matéria, a douta decisão
sumária considerou:
‘...De facto, em nenhum ponto do acórdão se lobriga, de todo em todo, que
tivesse sido aceite que a decisão tomada pela justiça belga tinha deixado de
vigorar na sua ordem e não obstante, foi emitido o mandado em causa...’
(destacamos).
‘...Antes, e pelo contrário, deu o Supremo Tribunal de Justiça por assente que a
decisão com base na qual foi emitido o mandado ainda se mantinha como exequível
naquela ordem interna...’ (destacamos).
27. Salvo sempre o devido respeito, incidiu em
equívoco a douta decisão sumária, uma vez que em momento algum o recorrente
sustentou que havia sido emitido o mandado em causa, não obstante a perda de
efeito condenatório da douta decisão, neste consignada.
28. O que questionou o recorrente, foi o facto de
que a douta decisão condenatória, consignada no referido mandado, cuja execução
se pretendia através do mesmo, havida deixado de vigorar na própria ordem
interna Belga, no que se refere à condenação.
29. Circunstância, aliás, referenciada pela própria
Autoridade do Estado Membro de emissão (cfr. fls. 168/172).
30. Assim, ao contrário do que entendeu a douta
decisão sumária, salvo sempre o devido respeito, não está em causa a emissão
posterior de um mandado, mas sim que a referida decisão, neste consignada e que
fundamentou a sua emissão, deixou de vigorar na própria ordem interna do Estado
Membro de emissão, antes mesmo do decreto da sua execução.
31. E o douto acórdão recorrido nunca pois em causa
tal realidade — nem poderia, salvo sempre o devido respeito — uma vez que
afirmada, expressamente, pela própria Autoridade do Estado Membro de emissão.
32. E salvo sempre o devido respeito, o douto
acórdão recorrido não considerou ainda exequível tal decisão na ordem interna
Belga — nem poderia admiti-lo, ante as próprias afirmações da Autoridade do
Estado Membro de emissão — equivocando-se a douta decisão sumária, ao promover
tal afirmação, uma vez que não se pode executar uma condenação que deixou de
existir.
33. O que pode ser verificado pela leitura desta
sua seguinte passagem, cuja vénia pede o recorrente para destacar:
‘…IX O arguido defende que o processo de execução do mandado de detenção europeu
devia ser arquivado por inutilidade superveniente da lide nos termos do artº
287.º e), do CPC, aplicável ‘ex vi’ do artº 4º, do CPP e 34.º, da Lei nº
65/2003, de 23/8, padecendo aquele mandado de caducidade isto porque a sentença
proferida na situação de contumácia, de 19.5.2005, cuja pena se pretendia
executar, deixou de existir na ordem jurídica belga.
Discordamos, porque não pode ter-se como
inexistente tal sentença: ela foi proferida por órgão competente, teve
existência jurídica e produziu os seus efeitos jurídicos na ordem jurídica
belga, quais sejam os de, desde logo, viabilizar o recurso ao arguido, em vista
de novo julgamento, a que se procedeu, consequência da ausência do primitivo,
por banda do recorrente...’ (destacamos).
34. Salvo o devido respeito face ao lapso
perpetrado pelo douto acórdão recorrido – o recorrente nunca afirmou ter sido
‘inexistente’ tal sentença, mas sim que esta havia deixado de vigorar na própria
ordem interna Belga, conforme afirmado pela própria Autoridade do Estado Membro
de emissão — uma vez que só poderia haver caducidade, se tivesse tido a referida
douta decisão existência jurídica.
35. E Vossas Excelências poderão verificar que
razão assiste ao recorrente, quanto à referenciada caducidade, salvo sempre o
devido respeito, pois o próprio douto acórdão recorrido, além de usar
exactamente os verbos no passado — ‘...teve existência jurídica...’ e
‘...produziu os seus efeitos jurídicos na ordem jurídica belga...’, por si mesmo
destacou a ocorrência de um novo julgamento do recorrente, posterior ao referido
mandado, que teve a sua execução decretada, não obstante padecer de manifesta
caducidade.
36. Ora, se é certo que os arguidos — tanto na
Bélgica, quanto em Portugal — podem responder os processos criminais em
liberdade, quando não seja validamente decretada a sua prisão preventiva, não
poderia o douto acórdão recorrido ter decretado a execução de um mandado, para
cumprimento de pena de uma douta decisão condenatória, que já havia deixado de
existir, salvo sempre o devido respeito.
37. E exactamente a Constituição da República não
permite a detenção do recorrente, sem que dos presentes autos conste a decisão
judicial posterior, que eventualmente a tenha determinado, salvo sempre o devido
respeito.
38. Assim, o douto acórdão recorrido interpretou e
aplicou os artigos 1.º e 2.º, da Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto, exactamente
nos moldes referenciados pelo recorrente, pois acabou por conferir efeito
executivo a uma douta decisão que já não mais existia, dispensando o Estado
Membro de emissão, de trazer aos autos uma douta decisão posterior, que tivesse
determinado legalmente a detenção do recorrente, em sede de prisão preventiva.
39. Razão porque face a tal matéria pede o
recorrente seja atendida a presente reclamação, revogando-se a douta decisão
sumária, para que o recurso seja conhecido em seu objecto, aguardando lhe seja
concedida a legal oportunidade, para apresentação das suas alegações, salvo
sempre o devido respeito.
III — Sobre a norma dos artigos 1.º e 7.º, da Lei
nº 65/2003, de 23 de Agosto — Da regra da especialidade
40. Salvo sempre o devido respeito, sobre a regra
da especialidade que decorre dos artigos 1.,º e 7.º, da Lei nº 65/2003, de 23 de
Agosto, Vossas Excelências poderão verificar, pela leitura do douto acórdão de
31.03.05 do mesmo Venerando Supremo Tribunal de Justiça (que pode ser consultado
em www.dgsi.pt, documento nº STJ 200503310011525. -junto aos autos a fls., com o
requerimento apresentado por ocasião da audição do recorrente, perante o
Venerando Tribunal da Relação de Lisboa), que neste foi consagrada interpretação
totalmente oposta à consignada no douto acórdão recorrido.
41. E, salvo sempre o devido respeito, acredita o
recorrente que a interpretação sobre o alcance da referida regra da
especialidade, consagrada naquele douto acórdão, é a que apresenta-se compatível
com as normas da Constituição da República.
42. E tendo o douto acórdão recorrido entendido, em
sentido contrário, que poderia o MDE ser até mesmo ‘alterado’, para objecto
diverso, mesmo após a audição do recorrente e não obstante a manifestada não
renúncia, à regra da especialidade – circunstância destacada pela própria douta
decisão sumária - forçoso reconhecer que interpretou e aplicou as referenciadas
disposições, no sentido apontado pelo recorrente, no seu recurso, salvo sempre o
devido respeito.
43. Pois efectivamente entendeu que ‘...a não
renúncia ao beneficio da regra da especialidade não impede que, já após a
detenção e audição do extraditando, seja permitida a execução de um MDE diverso,
emitido posteriormente...’, tal como apontado no recurso, salvo sempre o devido
respeito.
44. Até porque, salvo sempre o devido respeito, um
MDE alterado em seu objecto, já não corresponde ao mesmo MDE.
45. E no caso presente o douto acórdão recorrido
manteve o decreto de execução de um MDE emitido por autoridade diversa, em data
posterior, com conteúdo e objecto diversos.
46. Razão porque, também nesta matéria, salvo
sempre o devido respeito, acredita o recorrente que o recurso merece ser
conhecido em seu objecto, uma vez que presentes os pressupostos legais e
constitucionais.
47. Em consequência, pede seja atendida a presente reclamação
face à tal matéria, revogando-se a douta decisão sumária, para que o recurso
seja conhecido em seu objecto, aguardando lhe seja concedida a legal
oportunidade, para apresentação das suas alegações, salvo sempre o devido
respeito.”
Ouvido sobre a reclamação, o Ex.mo Representante do
Ministério Público junto deste Tribunal veio responder nos seguintes termos: –
“1º
A presente reclamação é, a nosso ver,
improcedente.
2º
Assim, quanto à primeira questão suscitada — e
incidente sobre o nível de densificação fáctica da descrição constante do
mandato de detenção europeu em causa — importa referir, por um lado, que não
constitui questão de inconstitucionalidade normativa, cognoscível pelo Tribunal
Constitucional, apreciar da suficiente ou deficiente concretização dos factos,
valorando o concreto mandato emitido – mas tão somente apreciar, do ponto de
vista da constitucionalidade, o critério normativo acolhido pelo Acórdão
recorrido.
3º
Pesando decisivamente em tal avaliação — (e para
além da evidente conexão da pertinência a associação criminosa com o furto com
arrombamento descrito) — a constatação de que, neste caso, o arguido, já
condenado, bem conhecia a decisão condenatória proferida à sua revelia e por ele
impugnada (cfr. pág. 301).
4º
Tal critério normativo — não tido em conta pelo
arguido recorrente, ao delinear o objecto do recurso para o Tribunal
Constitucional — não afronta obviamente qualquer princípio constitucional, em
nada afectando a plenitude do exercício do contraditório e do direito de defesa.
5º
Identicamente improcedentes são as duas outras questões
colocadas pelo reclamante — sendo evidente que o Acórdão recorrido não faz
qualquer interpretação normativa consubstanciada em admitir a ‘caducidade’ da
condenação em que se suporta o mandato; tal como não realizou a interpretação,
delineada pelo arguido-recorrente, segundo a qual seria lícita e livre a
‘convolação’ para objectos diferentes, constantes de diversos mandatos de
detenção, limitando-se o Acórdão recorrido a estabelecer uma clara diferenciação
entre a fase preliminar e preparatória, visando a detenção cautelar do arguido,
e a fase subsequente, consubstanciada na emissão do mandato propriamente dito.”
Cumpre decidir.
2. Verdadeiramente, a reclamação sub iudicio brande com
argumentos que mais têm a ver com aquilo que, na óptica do reclamante, teria
constituído uma incorrecção por banda do foi decidido no acórdão lavrado no
Supremo Tribunal de Justiça.
Na verdade, começando pela norma extraída do preceito da
alínea e) do nº 1 do artº 3º da Lei nº 65/2003, esgrime o impugnante com a
circunstância de na decisão reclamada não ter sido efectuada qualquer
consideração respeitante ao crime de associação criminosa que seria mencionado
no mandado de detenção europeu.
Todavia, resulta do aresto produzido no Supremo Tribunal de
Justiça que o mandado em causa, reportando-se também ao crime ou aos crimes de
furto (qualificado ou qualificados), enunciava suficientemente factos e
circunstâncias bastantes para a subsunção a tal ou tais ilícitos.
Ora, desde logo por este específico circunstancialismo, o
Supremo Tribunal de Justiça entendeu que era justificável a execução do mandado,
pelo que, de todo em todo, não se pode sustentar que aquele Alto Tribunal
perfilhou o entendimento segundo o qual bastava a mera referência, no mandado, à
imputação de um crime ao detendo para que se considerasse satisfeito o comando
da alínea e) do nº 1 do artº 3º da Lei nº 65/2003.
Era esta a questão de inconstitucionalidade que estava em
causa, ou seja, o problema de saber se a decisão pretendida impugnar perante
este Tribunal levou a efeito uma interpretação e aplicação normativa com tais
contornos.
Não cabe, nem pode caber, nos poderes cognitivos deste
Tribunal, efectuar censura ao acórdão tirado no Supremo Tribunal de Justiça no
sentido de se saber se o mandado, ainda que tão só atendendo aos crimes de furto
(e cujas circunstâncias de cometimento estariam, na perspectiva daquele Supremo
Tribunal, suficientemente indicadas, e não ao de associação criminosa, por,
eventualmente, quanto a este, não haver indicação de factos e circunstâncias
concretas e isto, como é óbvio, caso aquele Alto Tribunal, quanto a este último
particular, perfilhasse perspectiva semelhante à do então recorrente) porventura
seria, ou não, exequível.
De todo o modo, não se deixa de realçar aqui o passo daquele
aresto em que se diz que a enunciação fáctica permite “concluir, com toda a
segurança, que o arguido incorreu como autor e co-autor de um crime de furto com
arrombamento, escalamento ou chaves falsas, à mão armada (fls. 80), consciente e
voluntariamente, fez parte de uma associação criminosa, reportando-se a prática
dos factos a um assalto de uma casa forte do Distrito de Diamond, Antuérpia,
entre 19 de Janeiro de 2003 a 21 de Fevereiro de 2003, e, pois, que cometeu
factos puníveis, reputados graves também à face da ordem jurídica portuguesa”,
não pode deixar de ser reportado a um e outro dos dois tipos de ilícitos.
À expressão deficit, utilizada no acórdão, e ao contrário do
que defende o reclamante, não pode ser dado o sentido de total falta de
indicação de factos e circunstâncias atinentes aos crimes enunciados no mandado,
pois que ela não deixa de se ligar àqueloutra em que se refere a que, se tivesse
havido uma «mais ampla» indicação das circunstâncias, então não haveria
objecções por parte do então recorrente. Isso significa, pois, que, para o
Supremo Tribunal de Justiça, o que o mandado não conteria era uma total ou
global especificação dos factos e circunstâncias, mas sim uma suficiente e
adequada especificação que permitia concluir, com segurança, a imputação dos
ilícitos.
E o que é líquido é que a interpretação que por este era
questionada prendia-se, não com uma maior ou menor descrição dos factos, mas sim
com o mero uso de expressões genéricas que tão só redundava na descrição dos
ilícitos tais como são indicados nos preceitos legais.
Sendo assim, o que não pode deixar de considerar-se é que o
Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão em apreço, não sufragou a interpretação
do referido preceito da Lei nº 65/2003 que era tida pelo ora reclamante como
conflituante com a Constituição.
2.1. No que se prende com a invocada falta de vigência da
decisão judiciária condenatória na ordem interna do Estado emitente do mandado,
é por demais claro que o Supremo Tribunal de Justiça a não deu por assente.
E não compete a este Tribunal estar a pôr em causa esse
facto, ainda que, nesse ponto, tivesse havido – do ponto de vista do reclamante
– um eventual «equívoco» do aresto daquele Supremo, sendo certo que aquilo que o
mesmo, neste particular, disse foi que a decisão condenatória produziu os seus
efeitos, desde logo viabilizando o recurso do arguido com vista a posterior
julgamento.
2.3. Pelo que respeita à «alteração» do mandado, reafirma o
Tribunal aquilo que a propósito, ficou expresso na decisão reclamada, não se
lobrigando na reclamação qualquer argumento que infirme o decidido.
Em face do exposto, indefere-se a reclamação, condenando-se o
impugnante nas custas processuais, fixando-se em vinte unidades de conta a taxa
de justiça.
Lisboa, 27 de Setembro de 2006
Bravo Serra
Gil Galvão
Artur Maurício