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Processo nº 568/05
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é
recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto recurso para o
Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo
70º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional
(LTC), do acórdão daquele Tribunal, de 2 de Fevereiro de 2005.
2. Por sentença do 2º Juízo Criminal do Funchal, de 7 de Julho de 2004, o ora
recorrente foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo em
estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292º, nº 1, do Código Penal,
na pena de suspensão da execução da pena de prisão, pelo período de 18 meses,
com a condição de frequentar o programa “Responsabilidade e Segurança”, e na
pena acessória de proibição de condução de veículos com motor, nos termos do
artigo 69º, nº 1, alínea a), do Código Penal, pelo período de 15 meses.
Desta decisão foi interposto recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa,
sustentando o recorrente, para além do mais, que “a interpretação segundo a qual
o artigo 159º, nº 7, do Código da Estrada permite a recolha de sangue sem
consentimento do arguido é inconstitucional por violação do artigo 32º, nº 8, da
Constituição da República Portuguesa”.
Por acórdão de 2 de Fevereiro de 2005, este Tribunal alterou a matéria de facto,
ao abrigo do disposto no artigo 431º, alínea a), do Código de Processo Penal e
negou provimento ao recurso. Com relevo para a presente, extrai-se do texto da
decisão recorrida o seguinte:
«(…) Quanto à necessidade de consentimento a questão não se coloca uma vez que a
lei – artº 159° do C.E. – não faz depender tal recolha de prévia autorização do
arguido o que é diferente da situação de o arguido se negar a submeter-se ao
exame de pesquisa do álcool o que acarreta aliás sanções legais.
A lei prevê a possibilidade de recusa( com consequências penais para o
recusante) mas não impõe uma autorização prévia por parte do examinando.
No caso, a situação verificada é a de impossibilidade de realização da prova por
pesquisa de álcool no ar expirado dado o estado inconsciente do arguido pelo que
se impôs a submissão à colheita de sangue para análise;
Mas, poder-se-ia dizer, ainda aqui, que o arguido, se estivesse consciente
poderia ter recusado, como admite o n° 7 do artigo 159° C.E. mas se tal tivesse
acontecido ( o que não foi o caso dado o estado do arguido) sempre haveria o
recurso à realização de exame médico, em estabelecimento oficial de saúde, para
diagnosticar o estado de influenciado pelo álcool. –parte final do n° 7 do
referido artigo. E aqui sempre seria possível apurar do estado de embriaguês do
arguido uma vez que não resulta da lei que lhe seja aqui permitida a recusa a
qual só é prevista no que respeita a colheita de sangue para análise.
De qualquer modo, repete-se, a lei não impõe qualquer autorização prévia para a
recolha do sangue para análise.
Inexiste assim, qualquer ilegalidade e, designadamente, nulidade no âmbito da
obtenção de prova.
Inexiste portanto qualquer violação do disposto no artº 126 nºs 1 e 2 do C.P.P.
e do artº 32° n° 8 da CRP.
3. Foi então interposto recurso para o Tribunal Constitucional para apreciação
da inconstitucionalidade:
a) do artigo 159º, nº 7, do Código da Estrada, interpretada no sentido de
permitir recolha de sangue, como elemento de prova em processo penal, sem
autorização do suspeito, por violação do artigo 32º, nº 8, da Constituição da
República Portuguesa; e
b) da interpretação que o Tribunal recorrido fez do artigo 431º do Código de
Processo Penal, por violação do artigo 32º, nº 1, da Constituição da República
Portuguesa.
4. Notificado para alegar apenas quanto à questão de constitucionalidade
relativa ao artigo 159º, nº 7, do Código da Estrada, por não ter sido admitido o
recurso na parte que dizia respeito ao artigo 431º do Código de Processo Penal e
desta decisão não ter havido reclamação nos termos do artigo 76º, nº 4, da LTC,
o recorrente requereu:
«o provimento do presente recurso, declarando-se inconstitucional a
interpretação, do acórdão recorrido, segundo a qual as normas do Código de
Processo Penal [Código da Estrada], nomeadamente a do artigo 159° nº7 e a do
artigo 163° nº2 (a que correspondem na actual sistematização do Código da
Estrada os artigos 153° nº8 e 156°nº2), permitiriam a utilização da prova
obtida, sem autorização do arguido, através da recolha e exame de sangue de
arguido encontrado inconsciente aos comandos de viatura automóvel, envolvido em
sinistro, por violação dos artigos 1°, 25°, 32° nºs 1,2,5 e 8 da Constituição da
República Portuguesa».
É o seguinte o teor das alegações:
«DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
1. Vem o presente recurso interposto do, aliás, douto acórdão proferido pelo
Venerando Tribunal da Relação que decidiu inexistir no caso sub judice qualquer
violação do disposto no artigo 126° nºs 1 e 2 do C.P.P. e do artigo 32° nº8 da
Constituição da República Portuguesa.
2. O acórdão recorrido foi suscitado por recurso de sentença proferida em
primeira instância em cujo processo havia sido já suscitada a ilegalidade e
inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual seriam admissíveis as
provas obtidas através da recolha de sangue ao arguido sem o consentimento
deste.
3. A sentença de primeira instância decidiu que tal consentimento não era
exigível legalmente por entender ser tal o resultado da interpretação que fazia
do artigo 159° nº7 do Código da Estrada na anterior sistematização.
4. Em recurso da decisão proferida em primeira instância o ora recorrente,
sustentou a ilegalidade, face ao disposto no artigo 126° do Código de Processo
Penal, e a inconstitucionalidade, face ao artigo 32° nº8 da Constituição da
República Portuguesa, de tal interpretação.
5. O acórdão recorrido, analisou tal problema e concluiu “Inexiste portanto
qualquer violação do disposto no artigo 126°, nºs 1 e 2 do C.P.P. e do artigo
32° nº8 da CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA”.
6. Em suma o que está em causa no presente recurso é saber se:
a) Sendo um qualquer cidadão encontrado inconsciente na via pública, aos
comandos de um veículo motorizado imobilizado, que acabou de ser interveniente
num sinistro, é admissível, à luz do ordenamento penal, constitucional e infra
constitucional, a submissão do mesmo cidadão em estado de inconsciência à
recolha de sangue para aferição da taxa de alcoolemia respectiva?
b) Na afirmativa, poderão os resultados do exame médico assim realizado
constituir prova existente, válida e eficaz para sustentar uma acusação e uma
condenação pela prática de um crime de condução de veículo a motor em estado de
embriaguez, p. e p. pelo artigo 292° nº1 do Código Penal?
7. Da resposta a estas perguntas resultará a conclusão sobre se a interpretação
constante da decisão recorrida, fere ou não a constituição.
8. Com efeito, o artigo 159° nº7 do Código da Estrada, bem como uma sua
emanação, o artigo 162° nº3 do mesmo Código (a que correspondem na actual
sistematização do Código da Estrada os artigos 153° nº8 e 156° nº2) que
determina que o médico deve proceder a exame de sangue nos casos em que aos
intervenientes em acidente de viação não seja possível o exame de pesquisa de
álcool no ar expirado, não pode ser interpretado no sentido de que a prova assim
obtida é válida sem a autorização do examinado, sob pena de
inconstitucionalidade.
9. Essa inconstitucionalidade, é determinada pelo artigo 32° nº8 da nossa Lei
Fundamental, como passaremos a demonstrar.
A proibição processual penal constante do artigo 126° do Código de Processo
Penal
10. A lei processual penal considera nulas as provas obtidas mediante tortura,
coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa.
11. Tal nulidade implica a proibição de obtenção de prova pelos meios ali
indicados, e implica sempre que a prova presente em juízo tenha sido obtida por
aqueles meios, que ela não seja tida em conta.
A garantia constitucional do processo criminal constante do artigo 32° nº8 da
Constituição da República Portuguesa
12. Mas o nosso ordenamento jurídico, considera, acertadamente em nosso
entender, tão importante o respeito pela civilidade dos meios de obtenção de
prova, que consagrou constitucionalmente no artigo 32° a nulidade das provas
obtidas por meios que de uma forma ou de outra violam, a dignidade da pessoa
humana, os princípios de Direito Processual Penal, ou outros direitos
constitucionalmente consagrados.
13. E, fê-lo o legislador constitucional acertadamente, porquanto essa é uma das
bases fundamentais do estado de direito democrático.
14. Não pode considerar-se estado de direito democrático, mas antes estado e
polícia ou pior, o estado que permite que os seus cidadãos sejam condenados com
base em provas obtidas por meios desumanos, desleais ou violadores de princípios
constitucionalmente consagrados.
15. Da mesma forma não pode admitir-se a abertura de brechas no entendimento
constitucionalmente consagrado da nulidade das provas obtidas por meios
proibidos.
16. Nem mesmo em casos de crimes graves ou de especial complexidade, já que
abrir a porta a esse tipo de interpretação é deixar margem à arbitrariedade
permitindo que nuns casos os meios de obtenção de prova sejam admitidos e
noutros não.
17. O edifício jurídico-constitucional é demasiado precioso para se permitir que
possa ser alvo de embates cíclicos por força de interesses de investigação
criminal mais ou menos prementes em cada momento da vida do país.
A obtenção de prova através da recolha de sangue e a sua caracterização
18. A recolha de sangue para exame como procedimento de obtenção de prova,
implica necessariamente uma violação da integridade física da pessoa.
19. Trata-se de procedimento que embora simples, é intrusivo do corpo do
examinado, e implica a ofensa da sua integridade, a sua perfuração com agulha e
a extracção de um fluido que dele faz parte integrante.
20. Por isso, tal meio de obtenção de prova, abstractamente considerado, implica
a violação da integridade física do examinado.
O preenchimento do conceito de ofensa da integridade física
21. O conceito de ofensa da integridade física deve ser preenchido através do
recurso ao tipo de crime com o mesmo nome?
22. Embora pudesse entender-se que não na perspectiva de existirem situações de
facto que podendo considerar-se ofensas da integridade física pudessem estar
fora do tipo legal de crime, entendemos ser mais correcto o seu preenchimento
através do tipo legal de crime previsto no Código Penal.
23. Assim sendo, embora abstractamente a recolha de sangue seja um acto
classificável como ofensa da integridade física, a sua realização por
profissional habilitado, dentro da “leges artis” da profissão e com intenção
terapêutica, encontrar-se-ia fora do tipo do crime ofensa da integridade física,
por força do disposto no artigo 150° do Código Penal.
24. A intenção terapêutica, elemento subjectivo necessário à atipicidade neste
caso, inclui os propósitos de diagnóstico e de prevenção.
Da recolha de sangue como meio ofensivo da integridade física da pessoa
25. No caso da recolha de sangue para efeitos de determinação do estado de
influenciado pelo álcool, para efeitos jurídico-penais o referido elemento
subjectivo inexiste, razão pela qual no entendimento do recorrente, este meio de
obtenção de prova, desacompanhado do consentimento do arguido é proibido e a
prova assim obtida é nula e a sua valoração processual para condenação de um
arguido é inconstitucional.
26. Ou seja, num caso como o dos autos, não existe qualquer ilegalidade na
recolha de sangue com vista a fins terapêuticos, incluindo nestes os fins de
diagnóstico e prevenção, ao arguido que inconsciente dá entrada no hospital, mas
já a recolha de sangue e o seu exame com o fim de constituir prova da condução
sob o efeito do álcool constitui ofensa à integridade física (e como veremos a
seguir também moral) do arguido, e para ser válido deverá contar com o
consentimento deste.
27. E por ser assim, os próprios documentos como o que se encontra junto aos
autos principais, contém um espaço onde deve o arguido exarar o seu
consentimento para a recolha de sangue para estes efeitos.
28. Já tal não é necessário quando se trata de recolha de sangue com fins
terapêuticos.
29. Nesta conclusão vai o recorrente um pouco mais longe que o douto parecer
resultante da consulta que o recorrente fez ao Dr. Paulo Saragoça da Matta e que
se junta com as presentes alegações e aqui se dá como integralmente reproduzido.
Da recolha de sangue como meio ofensivo da integridade moral da pessoa
30. Mas ainda que assim não se entenda sempre terá que concordar-se com as
conclusões do parecer que se junta e aqui se dá como integralmente reproduzido,
considerando-se que a utilização do resultado do exame de recolha e análise de
sangue como meio de prova para efeitos criminais, quaisquer que estes sejam,
viola a integridade moral do arguido protegida expressamente nos artigos 25°,
32° nº8 da CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA e 126° nº1 do CÓDIGO DE PROCESSO
PENAL.
31. Com efeito concordamos na íntegra com os argumentos do ilustre académico que
subscreve o parecer que se junta, que levam a esta conclusão, e que nos
escusamos de aqui repetir na íntegra, contudo para que a presente peça
processual faça algum sentido, não podemos deixar de referir alguns
eventualmente os mais importantes dentre eles.
32. A recolha de sangue num indivíduo inconsciente e a utilização dos resultados
do exame a esse sangue para efeitos criminais viola o princípio da liberdade de
decisão e actuação do arguido em processo penal.
33. Este princípio que compreende o direito do arguido ao silêncio, o seu
direito a recusar-se a responder a perguntas incriminatórias, e por maioria de
razão a recusar-se a que o seu próprio corpo constitua prova contra si próprio.
34. O artigo 126° do CÓDIGO DE PROCESSO PENAL proíbe a relevância de qualquer
prova obtida mediante a perturbação da liberdade de decisão e acção de quem quer
que seja, e também, “maxime” do arguido:
- quer porque há valores fundamentais de um Estado de Direito Democrático que
com tais processos são incompatíveis – argumento filosófico ou dogmático;
- quer porque uma eventual admissibilidade de tais provas potenciaria a
respectiva obtenção em tais circunstâncias – tutela indirecta dos bens jurídicos
protegidos pela lei constitucional e penal como Direitos Fundamentais nucleares;
- quer ainda porque qualquer pequena abertura no sentido da consideração de tais
provas assim obtidas levaria a descredibilizar a verdade cuja obtenção constitui
fim de todo o processo – argumento processual;
- quer por fim, porque a admissibilidade dos meios em razão da alegada
importância de determinados fins, leva, no final do caminho, a aceitar seja que
via conquanto se encontre um fim suficientemente elevado – argumento sociológico
ou criminológico.
35. Como corolários do princípio da liberdade de decisão e acção do arguido em
processo penal encontramos no CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, o impedimento de
arguidos e co-arguidos deporem como testemunhas (artigo133°), a não prestação de
juramento por parte do arguido em caso algum (artigo 140º nº3), a tutela do
sigilo profissional de determinadas profissões, as cautelas que rodeiam a
relevância probatória da confissão.
36. A utilização de prova extraída do corpo do arguido sem consentimento deste
viola este princípio e viola a integridade moral do arguido a qual é também
protegida constitucionalmente pelo artigo 25° nº1 da CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA
PORTUGUESA, em anotação ao qual os Autores Jorge Miranda e Rui Medeiros (in
Constituição Portuguesa Anotada), consideram que os testes de alcoolemia que vão
para além da pesquisa do teor de álcool no ar expirado “não resistem ao crivo do
juízo de inconstitucionalidade”.
37. Teremos assim que como critério para avaliar da admissibilidade dos exames
enquanto meios de obtenção de prova o seu carácter objectivamente ofensivo da
integridade física ou moral das pessoas sendo admissível do ponto de vista “nemo
tenetur se ipsum accusare”, o exame que não envolva tal ofensividade, “rectius,
objectiva intervenção no corpo, na saúde ou na capacidade de decisão e acção do
examinado. O que apodaremos de carácter intrusivo do exame.” (ver parecer
junto).
38. Assim sendo, as normas do Código da Estrada que prevêem a admissibilidade da
sujeição dos arguidos a exame de sangue para a determinação do grau de
alcoolemia, quando interpretadas como o foram na decisão recorrida violam a
constituição, desde logo nos seus
Violação do princípio da proibição de diligências conducentes à auto
incriminação do arguido
39. O princípio da proibição de diligências conducentes à auto incriminação do
arguido é manifestação do princípio da liberdade de declaração e acção da
pessoa.
40. Ao aceitar a admissibilidade da prova obtida através de recolha e análise de
sangue a arguido inconsciente sem autorização deste, estar-se-ia a violar este
princípio e por arrasto ver-se-iam violados os princípios da dignidade da
pessoa, o princípio da presunção da inocência e o princípio do contraditório,
declarados e garantidos nos artigos 1º, 25°, 32° nºs l 2, e 8 da CONSTITUIÇÃO DA
REPÚBLICA PORTUGUESA e no artigo 126° do CÓDIGO DE PROCESSO PENAL in totum.
Exposto o que se extraem as seguintes
CONCLUSÕES
A – A lei processual penal considera nulas as provas obtidas mediante tortura,
coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa.
B – O nosso ordenamento jurídico, considera tão importante o respeito pela
civilidade dos meios de obtenção de prova, que consagrou constitucionalmente no
artigo 32° a nulidade das provas obtidas por meios que de uma forma ou de outra
violam, a dignidade da pessoa humana, os princípios de Direito Processual Penal,
ou outros direitos constitucionalmente consagrados.
C – Não pode considerar-se estado de direito democrático, mas antes estado e
polícia ou pior, o estado que permite que os seus cidadãos sejam condenados com
base em provas obtidas por meios desumanos, desleais ou violadores de princípios
constitucionalmente consagrados.
D – O edifício jurídico-constitucional é demasiado precioso para se permitir que
possa ser alvo de embates cíclicos por força de interesses de investigação
criminal mais ou menos prementes em cada momento da vida do país;
E – A recolha de sangue para exame como procedimento de obtenção de prova,
implica necessariamente uma violação da integridade física da pessoa;
G – O conceito de ofensa da integridade física deve ser preenchido através do
recurso ao tipo de crime com o mesmo nome.
H – No caso da recolha de sangue para efeitos de determinação do estado de
influenciado pelo álcool, para efeitos jurídico-penais o elemento subjectivo
intenção terapêutica inexiste, razão pela qual no entendimento do recorrente,
este meio de obtenção de prova, desacompanhado do consentimento do arguido é
proibido e a prova assim obtida é nula e a sua valoração processual para
condenação de um arguido é inconstitucional.
I - Mas ainda que assim não se entenda sempre terá que concordar-se com as
conclusões do parecer que se junta e aqui se dá como integralmente reproduzido,
considerando-se que a utilização do resultado do exame de recolha e análise de
sangue como meio de prova para efeitos criminais, quaisquer que estes sejam,
viola a integridade moral do arguido protegida expressamente nos artigos 25°,
32° nº8 da CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA e 126° nº1 do CÓDIGO DE PROCESSO
PENAL.
J – A utilização de prova extraída do corpo do arguido sem consentimento deste
viola este princípio e viola a integridade moral do arguido a qual é também
protegida constitucionalmente pelo artigo 25° nº1 da CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA
PORTUGUESA, em anotação ao qual os Autores Jorge Miranda e Rui Medeiros (in
Constituição Portuguesa Anotada), consideram que os testes de alcoolemia que vão
para além da pesquisa do teor de álcool no ar expirado “não resistem ao crivo do
juízo de inconstitucionalidade”.
K – Ao aceitar a admissibilidade da prova obtida através de recolha e análise de
sangue a arguido inconsciente sem autorização deste, estar-se-ia a violar o
princípio fundamental e estruturante da proibição de diligências conducentes à
auto incriminação do Arguido e por arrasto ver-se-iam violados os princípios da
dignidade da pessoa, o princípio da presunção da inocência e o princípio do
contraditório, declarados e garantidos nos artigos 1°, 25°, 32° nºs l, 2, e 8 da
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA e no artigo 126° do CÓDIGO DE PROCESSO
PENAL in totum».
5. O Ministério Público contra-alegou, concluindo que:
«1. Não é inconstitucional a norma do artigo 159°, n° 7 do Código da Estrada,
quando interpretada no sentido de permitir que o exame ao sangue, cuja recolha
não obteve o prévio consentimento do visado, em estado inconsciente, pode valer
como prova em processo penal.
2. Termos em que deve improceder o presente recurso».
6. Em cumprimento do disposto no artigo 704º, nº 1, do Código de Processo Civil,
aplicável por força do artigo 69º da LTC, o recorrente e o recorrido foram
notificados para se pronunciarem sobre a possibilidade de ser proferida decisão
de não conhecimento do objecto do recurso, com fundamento na circunstância de o
recorrente ter abandonado nas alegações produzidas a questão de
inconstitucionalidade que suscitou durante o processo e que formulou no
requerimento de interposição de recurso para este Tribunal.
Respondeu o recorrente, sustentando o seguinte:
«1. Salvo o devido respeito, e muito é, por opinião contrária, o recorrente não
abandonou a questão de constitucionalidade que suscitou durante o processo e que
formulou no requerimento de interposição.
2. Basta, aliás, ler as alegações do recorrente, em que sob a epígrafe:
Delimitação do Objecto do recurso, se mantém com a mesma amplitude aquilo que
sempre foi o objecto do presente recurso.
3. Houve, contudo, uma precisão na enunciação do problema, reflectida no pedido
que culmina as alegações, que, de alguma forma, resultou do mais demorado estudo
que foi feito sobre a questão, da obtenção do parecer que foi junto ao Recurso,
e levou a que na enunciação do problema fosse feita, igualmente, referência a
outras normas constitucionais que podem reforçar o entendimento do Recorrente.
3. O acento tónico na apreciação de um recurso desta natureza, deverá ser posto
naquilo que é, efectiva e substancialmente, a “questão de constitucionalidade”;
4. Ora, a questão de constitucionalidade é uma e única em ambas as peças do
Recorrente, i.e., no requerimento de interposição de recurso, e nas alegações;
5. O que difere é a verbalização da mesma, o que é compreensível e deverá ser
compreendido pelo Tribunal, sob pena de se estar (sem verdadeiro motivo
substancial e por via formalista desprovida de qualquer sentido, além de que
inadmissível intelectualmente e numa perspectiva de Justiça), a denegar justiça
numa questão constitucional e criminal fundamental.
6. Com efeito, a questão de constitucionalidade colocada em ambas as peças é uma
e única, a saber: se é constitucional a recolha e a utilização como elemento de
prova em processo penal sem autorização do arguido, que é exactamente o mesmo
que dizer: saber se é constitucional a utilização da prova obtida, sem
autorização do arguido, através da recolha e exame de sangue do arguido
(constituindo mera especificação fáctica, sem qualquer influência na
materialidade da questão e que já é pressuposto dos autos desde o despacho de
abertura de inquérito, o facto de o arguido se encontrar inconsciente aos
comandos de viatura automóvel envolvido em sinistro).
7. Esta é a questão de constitucionalidade colocada.
8. Quanto à referência ao art.° 159° n.° 7 ou ao conjunto normativo composto
pelo 159° n.° 7 e 163° n.° 2 CE, também apenas aparentemente existe divergência
entre o que o Arguido afirmou no Requerimento de interposição de recurso e nas
respectivas alegações.
9. Com efeito, os art.°s 159° n.° 7 e 163° n.° 2 não foram aqui invocados em
valências normativas autónomas, mas na respectiva relação normativa intra –
sistemática – e que como tal é, na perspectiva dos factos, homogénea e conjunta;
10. Por fim, o facto de se ter convocado, no requerimento de interposição, como
padrão constitucional de aferição da inconstitucionalidade, apenas o n.° 8 do
art.° 32°, por relação com o que se invocou nas alegações, também não faz o
recurso “mudar de objecto”.
11. É ainda a mesma questão de constitucionalidade que se põe, mas por relação
com diversas normas constitucionais, todas elas sempre e só na mesma perspectiva
normativa; o direito é um “sistema”, sendo por vezes impossível – como é o caso
– aferir da compatibilidade normativa de determinadas normas legais com o art.°
32° n.° 8, e não o fazer relativamente a outras normas e princípios
constitucionais;
12. Principalmente em processo penal, onde as normas constitucionais constituem
verdadeiros comandos processuais penais, com fulgurante e inafastável impacto na
solução dos casos concretos;
13. Ademais, considerar que a invocação nas alegações de outras normas
constitucionais relevantes para a apreciação da mesma e fundamental questão de
constitucionalidade colocada constitui violação de regra formal de processamento
dos autos (verdadeira norma regulatória do rito processual), acaba por penalizar
muito gravosamente o arguido, quando se atenta no prazo para interposição do
requerimento de recurso.
14. Tanto mais quando, como no caso vertente, entre o requerimento de
interposição e as alegações se obteve um estudo mais profundo da questão –
PARECER – que permitiu, com labor e estudo, perspectivar com maior amplitude a
questão.
15. Seria, aplicando-se o juízo subjacente ao despacho sob resposta,
verdadeiramente uma limitação inaceitável do direito ao recurso de
constitucionalidade, ela própria inconstitucional por violação do art.° 32° n.°
1 CRP e ainda do próprio princípio do Estado de Direito democrático.
16. Como pode no curtíssimo prazo de interposição de recurso o Arguido delimitar
de modo totalmente definitivo as normas constitucionais que deverão ser
utilizadas como padrão aferidor da inconstitucionalidade de normas legais? Não
pode, sem prejuízo da seriedade da análise da questão.
17. Mas mesmo estas considerações valem apenas para os casos em que há uma
efectiva variação da questão de constitucionalidade colocada à suprema
apreciação do Tribunal Constitucional, o que no caso vertente não acontece,
posto que a invocação nas alegações de recurso dos demais preceitos
constitucionais que se não haviam elencado no requerimento de interposição de
recurso, não faz modificar o cerne da questão de constitucionalidade colocada.
18. Dir-se-á que é a mesma questão substantiva que é perspectivada à luz de
diversas normas constitucionais, mas consubstanciando uma única e magna questão
de constitucionalidade.
19. Aliás, se apenas se tivesse sempre referido apenas o 32° n.° 8, é certo que
o Tribunal Constitucional “motu” próprio e por rigor e qualidade da respectiva
jurisprudência, não deixaria de analisar, precisamente por força do conceito de
sistema (da normatividade constitucional processual penal) atrás referido, a
influência que na mesma questão de constitucionalidade têm os n.°s 1, 2 e 5 do
32° da CRP (com efeito as normas do art.° 32° mantêm uma relação
intra-sistemática patente e óbvia, por isso foram unificadas todas as normas sob
este artigo), bem como os art.°s 1° e 25° da CRP. (atente-se em particular no
carácter genérico e de enquadramento normativo de todo o texto constitucional
destas duas normas).
20. Por outras palavras, o art.° 1° e o art.° 25°, estão já imanentes e
subjacentes a muitas normas da CRP, mas que o estão relativamente ao art.° 32° é
inequívoco e insofismável;
21. Quanto aos n.°s 1, 2, 5 e 8 do art.° 32°, também a respectiva
inter-influência sistemática é patente e óbvia, principalmente quando a questão
de constitucionalidade sujeita a apreciação do Tribunal Constitucional é a
mesma: saber da admissibilidade no ordenamento jurídico processual penal
português (legal e constitucional) da recolha de sangue como elemento de prova
em processo penal sem autorização do arguido, ou, melhor precisando, saber da
admissibilidade da prova obtida, sem autorização do arguido, através da recolha
e exame de sangue do arguido encontrado inconsciente aos comandos de uma viatura
automóvel envolvida num sinistro.
22. A questão de constitucionalidade é:
a) Materialmente, só uma, apesar das formulações diversas utilizadas no
Requerimento de Interposição de Recurso e nas Alegações, a saber:
admissibilidade da recolha e exame de sangue de arguido contra ou sem a sua
vontade;
b) Normativamente só uma: a do art.° 32° n.° 8 CRP, que todavia não pode deixar
de ser analisado, em face do carácter multifacetado da questão de facto
existente e do problema jurídico concretamente suscitado, “pari passu” com os
n.°s 1, 2 e 5 da mesma norma, e sob o enquadramento constitucional geral dos
art.°s 1° e 25° da Constituição.
23. Delineada que ficou a posição do recorrente quanto à questão levantada no
despacho que antecede, de todo o modo, e meramente à cautela e por mero dever de
patrocínio, se o Tribunal Constitucional assim não entender, isto é, se entender
que há diferença substancial entre a questão invocada no Requerimento de
Interposição de Recurso e nas Alegações, o ora Recorrente desde já deixa
expressa a sua vontade de que seja apreciada a questão da constitucionalidade
nos precisos termos utilizados no Requerimento de Interposição de Recurso.
24. Desta forma se reduz o âmbito das alegações aos termos utilizados no
Requerimento de Interposição de Recurso, o que se faz, como se disse por mero
dever de patrocínio e à cautela, posto que entende não haver qualquer efectiva
variação, ou abandono da questão da constitucionalidade suscitada.
Termos em que,
Exposta que fica, assim, a posição do Recorrente em face do, aliás, douto
despacho que antecede se requer a V. Exª se digne conhecer do recurso interposto
nos termos constantes das alegações apresentadas, considerando que não houve
abandono da questão suscitada no Requerimento de interposição de recurso, ou, em
alternativa, o que se pede por mera cautela e dever de patrocínio, se considere
reduzido o âmbito do recurso ao que consta do Requerimento de Interposição de
Recurso, seguindo-se os demais termos até final».
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
1. Dos presentes autos, designadamente da motivação do recurso interposto para o
Tribunal da Relação de Lisboa e do requerimento de interposição de recurso para
este Tribunal, resulta que o recorrente suscitou e requereu que fosse apreciada
a inconstitucionalidade do artigo 159º, nº 7, do Código da Estrada, interpretado
no sentido de permitir recolha de sangue, como elemento de prova em processo
penal, sem autorização do suspeito, por violação do artigo 32º, nº 8, da
Constituição da República Portuguesa.
Das alegações produzidas neste Tribunal, designadamente do teor final do
requerimento, decorre que o recorrente pretende a apreciação da
inconstitucionalidade do artigo 159º, nº 7, e do artigo 163º, nº 2, do Código da
Estrada, interpretados no sentido de permitirem a utilização da prova obtida,
sem autorização do arguido, através da recolha e exame de sangue de arguido
encontrado inconsciente aos comandos de viatura automóvel, envolvido em
sinistro, por violação dos artigos 1º, 25º, 32º, nºs 1, 2, 5 e 8, da
Constituição da República Portuguesa.
Face ao exposto e atenta a jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre o
momento processual em que fica definido o objecto do recurso de
constitucionalidade, importa decidir se das alegações, globalmente consideradas,
se pode extrair a conclusão de que a questão de constitucionalidade suscitada
durante o processo e depois formulada no requerimento de interposição de recurso
foi substituída por uma outra.
Este Tribunal tem entendido, de forma reiterada (Acórdãos nºs 10/95, 366/96,
Diário da República, II Série, de 22 de Março de 1995 e de 10 de Maio de 1996,
403/98, não publicado, 324/99, Diário da República, II Série, de 25 de Outubro
de 1999, 286/2000, 468/2004, e 645/2004 não publicados), que é no requerimento
de interposição de recurso que se define o respectivo objecto (segundo o nº 1 do
artigo 75º-A da LTC cabe ao recorrente indicar a norma cuja
inconstitucionalidade pretende que o Tribunal aprecie), sem prejuízo de o mesmo
poder ser restringido nas alegações (artigos 684º, nº 3, do Código de Processo
Civil e 69º da LTC). Não podendo o recorrente, por conseguinte, ampliar o
objecto do recurso, previamente definido no respectivo requerimento de
interposição, nas alegações depois produzidas. Por outro lado, uma vez que a
produção de alegações, relativamente à questão de inconstitucionalidade
suscitada no requerimento de interposição, é obrigatória (artigos 69º e 79º da
LTC e 690º, nº 3, do Código de Processo Civil), deixa de se poder conhecer do
objecto do recurso, definido neste requerimento, se a questão aqui suscitada for
“abandonada” nas alegações produzidas, caso em que “o recurso perdeu o seu
objecto” (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional nº 286/2000 e, no mesmo
sentido, Acórdão nº 468/2004).
2. Do confronto das alegações produzidas com o requerimento de interposição de
recurso resulta que o recorrente questiona determinada interpretação dos artigos
159º, nº 7, e 163º, nº 2, do Código da Estrada, quando anteriormente questionou
apenas a primeira disposição legal, quando interpretada em certo sentido;
especifica o estado de inconsciência do arguido, quando anteriormente referiu,
genericamente, a falta de autorização do examinado; e resulta, ainda, que indica
os artigos 1º, 25º e 32º, nºs 1, 2, 5 e 8, da Constituição da República
Portuguesa como normas ou princípios constitucionais violados, quando
anteriormente indicou apenas o artigo 32º, nº 8, como parâmetro de aferição da
constitucionalidade da norma questionada. Alterações que assumem relevância
decisiva, atendendo aos requisitos do recurso previsto na alínea b) do nº 1 do
artigo 280º da Constituição da República Portuguesa e na alínea b) do nº 1 do
artigo 70º da LTC, o que exclui um qualquer juízo no sentido de haver “uma
limitação inaceitável do direito ao recurso de constitucionalidade”, tal como
sustenta o recorrente.
Independentemente da questão de saber se é ou não é indiferente questionar
determinada interpretação do artigo 159º, nº 7, do Código da Estrada ou desta
disposição legal e de uma outra, ainda que se insira no mesmo “conjunto
normativo”, não é exactamente o mesmo questionar a constitucionalidade de
determinado artigo, interpretado no sentido de permitir recolha de sangue, como
elemento de prova em processo penal, sem autorização do examinado e questionar a
constitucionalidade desse mesmo artigo, interpretado no sentido de permitir
recolha de sangue, como elemento de prova em processo penal, em indivíduo
inconsciente. Do teor das alegações produzidas pelo recorrente decorre, até, que
a especificação do estado de inconsciência do examinado permite um outro
enquadramento da questão, nomeadamente por referência aos princípios da
“liberdade de decisão e actuação do arguido em processo penal” e da “proibição
de diligências conducentes à auto incriminação do arguido” (pontos 32., 33., 39.
e 40.), assumindo tal especificação particular relevância à luz do disposto o nº
7 do artigo 159º do Código da Estrada, na redacção do Decreto-Lei nº 265-A/2001,
de 28 de Setembro, na medida em permite que o examinado (não inconsciente)
recuse a colheita de sangue para análise. Estão em causa dimensões
interpretativas distintas de uma mesma disposição legal, só podendo ser
apreciada por este Tribunal aquela que foi a razão de decidir do tribunal
recorrido – é permitida a recolha de sangue, como elemento de prova em processo
penal, sem autorização do examinado.
Quanto à alteração assinalada relativamente às normas ou princípios
constitucionais que o recorrente considera agora violados, também não se trata
de algo irrelevante, face ao ónus que recai sobre o recorrente de suscitar a
questão de inconstitucionalidade perante o tribunal que proferiu a decisão
recorrida (artigos 70º, nº 1, alínea b), e 72º, nº 2, da LTC), que apreciou a
norma cuja constitucionalidade era questionada à luz do parâmetro invocado pelo
recorrente – o artigo 32º, nº 8, da Constituição da República Portuguesa.
Se tal alteração fosse admissível, no requerimento de interposição de recurso ou
nas alegações, anular-se-ia por completo o fim que se visa com este ónus – «o de
permitir que este tribunal se aperceba da questão de constitucionalidade e a
aprecie – devendo ainda ter-se em conta o rigor com que a lei define aquele ónus
no artigo 72º, nº 2 da LTC (suscitação de “modo processualmente adequado”).
Por outro lado, o aludido poder do Tribunal Constitucional previsto no artigo
79º-C da LTC apenas deve ser exercido – e aqui oficiosamente – quando o Tribunal
entender que se verifica inconstitucionalidade, embora por outro fundamento, não
tendo que hipotizar (ele próprio ou “sugestão” do recorrente) todas as possíveis
questões de inconstitucionalidade da norma em causa, para lhe dar resposta
negativa» (Acórdão do Tribunal Constitucional nº 139/2003, Diário da República,
II Série, de 2 de Julho de 2003).
Na medida em que o recorrente abandonou a questão de inconstitucionalidade
formulada no requerimento de interposição de recurso para este Tribunal,
substituindo-a por uma outra, logo que delimitou o objecto do recurso nas
alegações produzidas (cf. ponto 6. e ss.), não pode conhecer-se do objecto
definido naquele requerimento. Quanto à questão de saber se artigo 159º, nº 7,
do Código da Estrada, interpretado no sentido de permitir recolha de sangue,
como elemento de prova em processo penal, sem autorização do suspeito, viola o
artigo 32º, nº 8, da Constituição da República Portuguesa, não foram produzidas
a alegações, o que obsta à pretensão do recorrente no sentido de ser “apreciada
a questão de constitucionalidade nos precisos termos utilizados no Requerimento
de Interposição de Recurso” (cf. pontos 23. e 24. da resposta ao despacho que o
notificou da possibilidade de ser proferida decisão de não conhecimento do
objecto do recurso).
3. Também não é possível conhecer a questão de inconstitucionalidade formulada
nas alegações por duas razões: por um lado, porque o recorrente não pode ampliar
(mas apenas restringir) o objecto do recurso definido no respectivo requerimento
de interposição; e, por outro, porque, ainda que pudesse alargar tal objecto,
não se poderiam dar como verificados dois requisitos do recurso previsto na
alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC – a suscitação prévia e de forma adequada
daquela questão perante o tribunal recorrido e a aplicação por este, como ratio
decidendi, da norma cuja constitucionalidade é questionada nas alegações.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se não tomar conhecimento do objecto do presente recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se em 15 (quinze) unidades de conta a taxa de
justiça.
Lisboa, 26 de Setembro de 2006
Maria João Antunes
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria Helena Brito
Rui Manuel Moura Ramos. Vencido, nos
termos da declaração de voto junta
Artur Maurício
Declaração de voto
Dissenti da decisão do presente acórdão por não poder
acompanhar a tese exposta no ponto nº2 da respectiva fundamentação: a de que o
requerente teria abandonado nas alegações a questão de constitucionalidade que
suscitara no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal
Constitucional, substituindo-a por uma outra. Já não contesto a linha discursiva
enunciada no nº 3, segundo a qual ao Tribunal estaria vedado conhecer uma
questão de inconstitucionalidade formulada nas alegações e que fosse distinta da
enunciada no requerimento de interposição de recurso para este Tribunal.
Indicarei brevemente, de seguida, as razões da minha discordância quanto à
referida tese.
No recurso que interpôs para o tribunal que proferiu a decisão recorrida (o
Tribunal da Relação de Lisboa) o recorrente havia suscitado a
inconstitucionalidade da “interpretação segundo a qual o artigo 159º, nº 7, do
Código da Estrada permite a recolha de sangue sem consentimento do arguido (…)
por violação do artigo 32º, nº 8 da Constituição da República Portuguesa”. A
decisão recorrida viria a contrariar esta posição sustentando que na situação em
causa, e uma vez que o arguido se encontrava inconsciente, seria impossível a
realização da prova por pesquisa de álcool no ar expirado (em relação à qual a
lei prevê a possibilidade de recusa do arguido), pelo que se imporia a submissão
à colheita de sangue para análise, em relação à qual, no seu entender, “a lei
não imporia qualquer autorização prévia”, pelo que inexistiria “qualquer
ilegalidade e, designadamente, nulidade no âmbito da obtenção de prova”. Face ao
que o recorrente suscitou, neste Tribunal a apreciação da inconstitucionalidade
“do artigo 159º, nº 7, do Código da Estrada, interpretado no sentido de permitir
recolha de sangue, como elemento de prova em processo penal, sem autorização do
suspeito, por violação do artigo 32º, nº 8, da Constituição da República
Portuguesa”. É certo que, nas suas alegações, o recorrente precisou esta
interpretação normativa, reportando-a a uma conjugação da disposição já referida
com o então artigo 163º, nº 2, do mesmo Código da Estrada, invocou ainda como
normas constitucionais violadas também os artigos 1º, 25º, e 32º, nºs 1, 2, e 5
da Constituição, e, ao referir-se à interpretação do acórdão recorrido,
considerou-a inconstitucional na medida em que permitiria “a utilização da prova
obtida, sem autorização do arguido, através da recolha e exame de sangue de
arguido encontrado inconsciente aos comandos de viatura automóvel, envolvido em
sinistro”. É nesta referência à inconsciência do sujeito submetido à recolha de
sangue para aferição da taxa de alcoolémia (constante dos pontos 6. a), 32 e 40
das alegações e da conclusão K desta peça processual) que o acórdão se estriba
para considerar que o recorrente teria abandonado nas suas alegações a questão
de inconstitucionalidade inicialmente formulada, substituindo-a por uma outra.
Simplesmente, não cremos que tal tenha ocorrido. É que, nas suas alegações, o
recorrente não deixa de sublinhar que a inconstitucionalidade radica na falta de
autorização do arguido sujeito à recolha e exame de sangue, não resultando da
referência adicional ao circunstancialismo em que esta ocorreu (achar-se o
arguido inconsciente) uma colocação do problema de tal forma inovadora que
impeça a sua recondução à questão originariamente posta. A precisão assim
introduzida, na verdade, não inviabiliza que o problema continue a ser, para o
requerente, a falta de consentimento do arguido para a recolha da prova, que no
seu entender constitui condição necessária e suficiente para a sindicância da
norma nos termos intentados.
E não se diga que não foram produzidas alegações quanto à questão de
inconstitucionalidade suscitada no requerimento de interposição do recurso, como
se faz no acórdão; basta consultar os pontos 18 a 28, e 36 a 38, das alegações,
onde a questão é tratada com referência aos precisos termos em que havia sido
formulada perante este Tribunal no requerimento de interposição do recurso. Por
outro lado, nem a circunstância de se terem aditado outros parâmetros de
apreciação da constitucionalidade da interpretação normativa questionada, nem o
facto de ela ser reportada também a uma interpretação conjugada de duas
disposições (das quais só uma havia sido indicada no requerimento de
interposição do recurso) se nos afigura bastante para concluir pelo abandono da
questão suscitada, que é claramente recortada, nos precisos termos em que o fora
inicialmente, nas conclusões A a H das alegações do recorrente, sendo certo que
apenas na conclusão K deste articulado se faz referência ao estado de
inconsciência do arguido sujeito à recolha e análise de sangue, e isto para
concluir no sentido de uma adicional violação de princípios constitucionais.
Em face do que conheceríamos do pedido nos exactos termos formulados no
requerimento de interposição, como de resto pretende o recorrente na sua
resposta à questão prévia suscitada pela Excelentíssima Conselheira Relatora.
Rui Manuel Moura Ramos