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Processo n.º 460/06
1ª Secção
Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
Acordam em Conferência no Tribunal Constitucional
1. O recorrente dirigiu ao Tribunal a seguinte petição:
A., Recorrente nos autos à margem referenciados, tendo sido notificado do
Acórdão nº 426/2006 da Conferência de 11 de Julho de 2006 que decidiu a sua
anterior Reclamação para a Conferência nos termos do art° 78°-A n° 3 da LTC vem,
ao abrigo do disposto na alínea d) do n° 1 e no n° 3 do art° 668° do Código de
Processo Civil, aplicáveis ex vi do art° 69° da Lei n°. 28/82 de 15 de Novembro,
arguir a respectiva nulidade, o que faz com os seguintes fundamentos:
1. Salvo melhor opinião, o Acórdão ora arguido de nulo não visou nem decidiu a
matéria da Reclamação deduzida pelo Recorrente, cujo objecto ficou assim por
apreciar.
2. E, uma vez mais no âmbito do processo penal em que é Arguido, fica o
Recorrente com a clara percepção de que lhe estão a ser retiradas garantias de
defesa com o exclusivo fito de que não seja reconhecida e declarada a extinção
do procedimento criminal emergente do decurso do respectivo prazo de prescrição
que de há muito ocorreu, e de que legalmente pode e deve beneficiar, e que,
ainda por cima, é do conhecimento oficioso.
Vejamos:
3. O despacho do Senhor Conselheiro Relator de que reclamou para a Conferência,
que é a decisão sumária de 5 de Junho de 2006, decidiu apenas e tão-só não
conhecer do recurso interposto para o Tribunal Constitucional apontando
ocorrerem duas irregularidades na respectiva interposição.
4. A primeira dessas apontadas irregularidades foi a não indicação da norma
aplicada pela decisão recorrida por a mera indicação dos preceitos legais em que
eventualmente se contêm as normas impugnadas não representar a enunciação da
norma, uma vez que o Tribunal fica sem saber qual a dimensão normativa
concretamente questionada pelo recorrente.
5. A segunda irregularidade indicada, consistiu em a suscitação prévia das
questões de inconstitucionalidade normativa ter alegadamente ocorrido em termos
processualmente inadequados, por o Recorrente o ter feito em reclamação
apresentada depois de proferido o acórdão recorrido, altura em que já não é
possível ao Tribunal apreciar questões novas; o que constitui obstáculo
inultrapassável ao conhecimento do recurso.
6. Sucede que na referida decisão sumária de 5 de Junho de 2006 se referiu
expressamente o seguinte: “Ora, embora fosse possível reparar a irregularidade
relativa à enunciação das normas objecto do presente recurso, o certo é que a
não suscitação - em termos processualmente adequados - das questões de
inconstitucionalidade constitui obstáculo inultrapassável ao respectivo
conhecimento (art. 72° n°2 da L.T.C.).” (SIC)
Ora,
7. Dos termos desta decisão resulta que o não conhecimento do recurso nos termos
do n° 1 do art° 78°-A da LTC se ficou a dever ao invocado obstáculo
inultrapassável, já que o outro óbice suscitado era “possível de reparar”,
embora se não tenha referido se o era através de suprimento do Tribunal nos
termos do art° 79°-C da LTC, ou de aperfeiçoamento pelo Recorrente do seu
requerimento de interposição do recurso, nos termos dos n°s 5 e 7 do art° 75°-A
do mesmo diploma.
8. Sendo certo que o Senhor Conselheiro Relator não dirigiu ao Recorrente
qualquer convite de aperfeiçoamento a que este devesse entretanto ter
respondido, o que deveria ter feito se considerasse a irregularidade insuprível
pelo Tribunal e determinante por si própria, a se, do não conhecimento do
recurso.
9. Pelo que é lícita a conclusão de que não foi tal primeira irregularidade
determinante da decisão sumária proferida.
1O.Face a esta decisão, ao exercer o seu direito de dela reclamar para a
Conferência nos termos do nº 3 do art° 78°-A, o Recorrente assentou naturalmente
a sua Reclamação na impugnação do fundamento invocado como obstáculo
inultrapassável ao conhecimento do recurso.
11.É certo que também fez alusão - en passant (cfr. artigos 3 a 10) - à
irregularidade possível de reparar, mas não centrou nela o escopo da Reclamação,
justamente por a mesma não ter sido determinante da decisão do não conhecimento
do recurso, e por não lhe ter sido dirigido relativamente à mesma qualquer
convite de aperfeiçoamento do requerimento de interposição.
12.Centrou-se, pois, no ataque ao fundamento da inadequação processual da
suscitação prévia no processo das questões de inconstitucionalidade normativa.
13.Ciente que estava que à procedência dessa Reclamação, se seguiria
necessariamente a reparação e sanação da outra apontada irregularidade, fosse
por que modo fosse (aperfeiçoamento seu mediante convite para o efeito ou
suprimento do Tribunal).
Ora,
14.0 Acórdão da Conferência ora sob arguição de nulidade limitou-se a apreciar a
questão relativa à definição feita pelo Recorrente da norma jurídica cuja
conformidade constitucional pretende questionar através do recurso que interpôs,
decidindo em termos de a considerar agora definitivamente determinante do não
conhecimento do recurso, já insusceptível de reparação, e sem que ao Recorrente
fosse dirigido qualquer convite de aperfeiçoamento.
15.Que era a tal irregularidade que anteriormente considerara possível de ser
reparada, e que por isso é lícito concluir que não fora determinante da decisão
sumária de não conhecimento do recurso.
16.Mas que não reparou oficiosamente, nem convidou o Recorrente a reparar, nos
termos do n° 5 do art° 75°-A da LTC, o que - insiste-se - sempre deveria ter
feito se a considerasse autonomamente determinante da decisão, por forma a
permitir-lhe .o exercício das suas prerrogativas legais e constitucionais de
defesa.
17.Ao assim proceder, a Conferência apreciou e conheceu de questão de que não
podia tomar conhecimento, quer por apenas residualmente se perfilar por não ter
sido determinante da decisão reclamada, quer por não ter sido observado o
disposto no n° 5 do art° 75°-da LTC que impunha que previamente fosse dirigido
ao Recorrente convite para aperfeiçoar, quanto ao elemento em questão, o seu
requerimento de interposição do recurso.
18.E nessa medida ocorreu excesso de pronúncia.
19.E por outro lado, o Acórdão da Conferência deixou de apreciar a questão
expressamente submetida e que constituía o principal fundamento da Reclamação,
referente à impugnação da irregularidade apontada da inadequação processual da
suscitação prévia no processo das questões de inconstitucionalidade normativa,
que consubstanciava o único obstáculo inultrapassável determinante da decisão
sumária de não conhecer do recurso,
20.E que, tendo sido oportunamente suscitada através do meio próprio, devia ter
sido apreciada e conhecida.
21.Não o tendo sido, nessa medida ocorreu omissão de pronúncia.
22.Tanto o excesso como a omissão de pronúncia constituem causas de nulidade do
Acórdão, nos termos da alínea d) do n° 1 do art° 668° do CPC, que expressamente
se arguem para os legais efeitos, devendo ser declaradas com todas as legais
consequências.
Por último,
23. O Acórdão arguido de nulo, ao declarar a irregularidade na interposição de
um recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade no âmbito de um
processo penal com fundamento em o recorrente não eleger qualquer questão de
natureza normativa como objecto do seu recurso, com desrespeito da norma do n° 5
do art° 75°-A da LTC, decidindo não conhecer do mesmo, interpretou e aplicou as
normas dos art°s 75°-A e 78°-A da LTC em violação do disposto nos art°s 18°, 20°
e 32° da Constituição, e em consequente prejuízo manifesto do direito do
Recorrente de acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses
legalmente protegidos e às garantias de defesa do processo criminal.
24. E o Recorrente não prescinde do seu direito de responder ao convite de
aperfeiçoamento do seu requerimento de interposição do recurso a que alude o n°
5 do art° 75°-A da LTC, no que respeita à primeira irregularidade apontada na
decisão sumária de 05.06.2006.
25.A sucessiva argumentação expendida na decisão sumária e no Acórdão da
Conferência, que fundamentadamente se censuram, aliada às anteriores
vicissitudes destes autos criminais já expostas na anterior Reclamação para a
Conferência, conduzem o Recorrente à justificada impressão de que importa
chumbar a admissão deste recurso a todo o custo, pouco importando a viabilidade
do fundamento.
Termos em que espera ver provida a presente arguição de nulidade, com todas as
legais consequências.
Em resposta, o representante do Ministério Público neste Tribunal diz o
seguinte:
O representante do Ministério Público junto deste Tribunal, notificado da
arguição de pretensas “nulidades”, suscitada no processo em epígrafe, vem
responder-lhe nos termos seguintes:
1 - O reclamante persiste na impugnação do decidido definitivamente, em
conferência, acerca dos pressupostos de admissibilidade do recurso interposto.
2 - Tal actuação processual é obviamente inadmissível, já que se traduz no
desvio da típica funcionalidade dos incidentes pós-decisórios, ficcionando
nulidades processuais para persistir na afirmação da posição que o Tribunal
Constitucional, em decisão definitiva, já considerou improcedente.
3 - Impondo-se, deste modo, a nosso ver, a utilização do mecanismo processual
previsto no nº 8 do artigo 84° da Lei do Tribunal Constitucional, pondo termo a
tal actuação processual, de cariz ostensivamente dilatório.
2. Cumpre decidir.
2.1. Ao imputar nulidade ao acórdão de 11 de Julho passado, alega o
reclamante que o aresto enferma simultaneamente de omissão e de excesso de
pronúncia, e que aplicou normas inconstitucionais.
Sem razão, porém.
No acórdão reclamado limitou-se o Tribunal a julgar a questão que havia a
resolver, ou seja, a relativa ao não conhecimento do objecto do recurso por
falta dos respectivos pressupostos.
Com efeito, da decisão sumária resultava que o recurso não poderia ser admitido
quer por não estar identificada a norma recorrida [omissão que, como é óbvio,
impediu a pronúncia do Tribunal sobre a idoneidade dessa norma para constituir o
objecto do recurso], quer por não ter ocorrido suscitação da questão perante o
Tribunal comum. Na reclamação contra tal decisão o interessado aproveitou uma
oportunidade processual semelhante – neste caso – à que lhe seria conferida pelo
convite previsto no n.º 1 do artigo 75-A da LTC e , para além do mais, acabou
por enunciar, como aliás lhe competia, a norma que pretendia impugnar. O
Tribunal, perante esse novo elemento, verificou que o recurso não apresentava,
afinal, objecto idóneo, e que tal era suficiente para determinar a sua rejeição,
razão pela qual se absteve de, inutilmente, verificar se também não ocorreria um
segundo motivo de não conhecimento.
Não ocorre, no julgamento da matéria relativa à enunciação da norma, ou seja, da
idoneidade do objecto do recurso, excesso de pronúncia: a questão estava em
aberto, desde o inicio. Nem ocorre omissão quanto ao restante, pois o julgamento
dessa matéria estava, então, já prejudicado pela solução dada à questão
anteriormente decidida.
2.2. Diz, ainda, o reclamante:
'-. O Acórdão arguido de nulo, ao declarar a irregularidade na interposição de
um recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade no âmbito de um
processo penal com fundamento em o recorrente não eleger qualquer questão de
natureza normativa como objecto do seu recurso, com desrespeito da norma do n° 5
do art° 75°-A da LTC, decidindo não conhecer do mesmo, interpretou e aplicou as
normas dos art°s 75°-A e 78°-A da LTC em violação do disposto nos art°s 18°, 20°
e 32° da Constituição, e em consequente prejuízo manifesto do direito do
Recorrente de acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses
legalmente protegidos e às garantias de defesa do processo criminal. '
Também não tem razão: com a reclamação deduzida, o recorrente efectivamente
aproveitou a oportunidade processual que ocorreria se tivesse sido formulado o
convite previsto no n.º 5 do dito artigo 75º-A da LTC.
O Tribunal não aplicou, portanto, qualquer norma constitucionalmente
desconforme.
2.3. Finalmente: entende o representante do Ministério Público que se
justifica já a utilização do mecanismo processual previsto no n.º 8 do artigo
84° da LTC; todavia, não obstante seja manifesta a sem razão da reclamação
apresentada, entende o Tribunal que a actuação processual do recorrente, neste
processo, não tem ainda 'cariz ostensivamente dilatório'. Por esta razão, não
acolhe tal pedido.
3. Nestes termos, decide-se indeferir a reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 UC.
Lisboa, 15 de Setembro de 2006
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria Helena Brito
Rui Manuel Moura Ramos