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Processo n.º 584/06
3ª Secção
Relator: Conselheiro Gil Galvão
Acordam em conferência na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I - Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que figuram
como recorrente A. e como recorridos B., C. e D. foi intentada, no Tribunal
Judicial de Beja, acção de reivindicação contra a ora recorrente, pedindo que o
autor fosse declarado dono e proprietário, em contitularidade com a ré, em comum
e sem determinação de parte, de determinados prédios rústicos e que esta lhe
pagasse indemnizações. Falecido o autor, foram habilitados no seu lugar os ora
recorridos. O Tribunal de Beja julgou a acção improcedente. Apelaram os autores,
tendo o Tribunal da Relação de Évora confirmado o decidido.
2. Novamente inconformados recorreram os autores para o Supremo Tribunal de
Justiça, tendo alegado, nomeadamente:
“[...] - Na partilha efectuada entre autor e ré não ficou partilhado qualquer
direito de crédito a liquidar sobre o Estado proveniente da expropriação da área
de 1.013,8582ha, mas o crédito já liquidado quando da elaboração do mapa de
partilha, quantificado pelo valor de 9.270.700$00;
- Em 07.05.93, ao abrigo da Lei n.º 109/88 de 26.09, foi atribuída
exclusivamente à [ré a] área que se mantinha expropriada de 513,8200ha do prédio
…;
- Em 27.04.99, foi atribuída exclusivamente à ré o restante da área expropriada,
a título de reversão, ao abrigo da Lei n.º 86/95 pela Portaria n.° 424/99, IIª
Série publicada no DR de 27.04.99;
- As áreas reivindicadas na acção, atribuídas por reserva e reversão a favor
exclusivamente da ré, nunca foram objecto de partilhas pelo casal;
- As áreas de reserva e reversão atribuídas à ré ultrapassaram em dobro a quota
parte que lhe pertencia na meação dos bens do casal, à data da expropriação do
prédio;
- Os registos a favor da ré das áreas de reserva e reversão são nulos, pois não
respeitaram o conteúdo do direito de propriedade à data da expropriação;
- Pelo acórdão recorrido, o autor ficou excluído da meação da área de
1.013,8582ha do prédio …, que lhe pertencia em comum com a ré;
[...]
- O direito de reserva constitui um limite ao direito de expropriação e
determina o restabelecimento do direito de propriedade com o mesmo conteúdo que
existia à data da nacionalização, artigos 13°, 14°, 20° e 26° n.º 2 da Lei n.º
109/88;
- O direito de reserva, como limite ao direito de expropriação do Estado,
precede obrigatoriamente a declaração de utilidade pública da expropriação,
artigo 26° n.º 2 da Lei n.º 109/88;
- O direito de reserva atribuída à ré A. não dá lugar à constituição de um novo
direito de propriedade, extinguindo o direito que detinha anteriormente,
contrariamente ao que foi decidido pelo acórdão; […]
- A meação do autor do prédio …, não foi perdida a favor do Estado por via da
expropriação do prédio, mas indevidamente atribuída por reserva e reversão à ré
A.;
- A ré, por via da concessão da reserva e reversão, apenas restabeleceu o seu
direito de propriedade dentro dos limites da sua quota parte na meação dos bens
do casal à data da expropriação e só sobre essa área é que detém os direitos
previstos no artigo 1305° do CC;
- A concessão da reserva e reversão à ré A., não extinguiu o direito de meação
na compropriedade da área expropriada do prédio …;
- Os actos administrativos de atribuição da reserva e reversão à ré A., não
podem excluir o autor do seu direito de propriedade na meação da área que lhe
pertencia no prédio …, à data da expropriação;
- O autor tem direito à meação da área de 1.013,8582ha no prédio …, que detinha
aquando da expropriação do prédio, tendo a recorrida se locupletado com a parte
que pertencia ao recorrente;
- A área reivindicada não foi objecto de partilha pelo casal, tendo os direitos
de ampliação da reserva e o direito de reversão surgido posteriormente à
partilha homologada por sentença de 12/78, pela Lei n.º 109/88 de 26.09 e pela
Lei n.º 86/95 de 01.09;
- As áreas de reserva e reversão reivindicadas não foram objecto de partilha
entre autor e ré, conforme já decidido pelo Ac. do STJ proferido em 30.10.02,
Revista 2476/01, já transitado em julgado;
- A ré A., com a demarcação da reserva e reversão exclusivamente a seu favor,
baniu o autor do direito de propriedade na meação da área reivindicada, como é
por demais evidente e notório, indevidamente e perceptível pelo senso comum;
- O Dec.-Lei 406-A/75 de 27.07, o Dec.-Lei 493/76 de 27.07 e a Lei 77/77 de
29.09 não se aplicam à concessão do direito de reserva à recorrida, atribuída ao
abrigo da Lei 109/88;
- O acórdão recorrido, ao decidir que a atribuição do direito de reserva e
reversão dá lugar a um novo direito de propriedade, por erro de interpretação,
violou o disposto nos artigos 1305° e 1316° do CC, os artigos 13°, 14°, 20° e
26° n.° 2 da Lei 109/88, o artigo 31° da Lei 109/88 na redacção da Lei 46/90 de
22.08, o artigo 44° da Lei 86/95 de 01.09 e o artigo 145° n.° 2 do CPA;
- Os artigos 13°, 14°, 20° e 26° n.° 2 da Lei 109/88, o artigo 31° da Lei 109/88
na redacção da Lei 46/90 de 22.08 e o artigo 44° da Lei 86/95 de 01.09, na
interpretação da sentença, são inconstitucionais por violação do artigo 62° da
CRP, uma vez que conduziram à perda do direito de propriedade do autor das áreas
reivindicadas, sem qualquer indemnização ou compensação. […]”
3. Contra-alegou a ora reclamante, não tendo, nas quarenta e duas folhas dessa
contra-alegação, referido nunca que as normas então invocadas pelos agora
recorridos – ou a interpretação que os mesmos delas faziam – implicassem
qualquer violação de norma ou princípio constitucional. Aliás, nessa
contra-alegação não é referido sequer, por uma única vez que seja, qualquer
preceito da Constituição.
4. O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 7 de Março de 2006, deu
provimento parcial ao recurso, considerando que “o autor (sucessores) é assim
dono e legítimo proprietário, em co[n]titularidade com a ré, em comum e sem
determinação de parte dos 1.013,8548 ha da Herdade …, com as legais
consequências”. Fundamentou, assim, para o que ora releva, a decisão:
“[...] Impõe-se uma nota prévia.
A acção de reivindicação é intentada pelo proprietário não possuidor contra o
possuidor não proprietário. Ora, a ré está na posse dos prédios de que o autor
se afirma contitular, por essa posse lhe ter sido atribuída, no que respeita à
reserva por despacho do Secretário de Estado e no que toca à reversão por
Portaria. O autor interpôs recurso contencioso de anulação desta Portaria e
recurso contencioso do despacho que atribuiu a reserva. O que aqui está em causa
em nada conflitua, nem pode conflituar, com a matéria da competência do foro
administrativo. E da competência da justiça administrativa a apreciação da
legalidade dos actos administrativos em causa e é da competência do foro cível
decidir se os herdeiros do autor são ou não comproprietários com a ré das áreas
atribuídas a esta e é só isso que, em princípio, está em discussão nesta acção.
[...]
Nas decisões constantes do processo - inclusive na Portaria que atribuiu à ré o
direito de reversão - partiu-se sempre do entendimento de que a atribuição à ré
da reserva inicialmente demarcada e do crédito a liquidar sobre o Estado,
proveniente da expropriação da parte restante, tinha o alcance de transferência
para o património da interessada de todos os direitos dessa natureza emergentes
da aplicação das leis sobre a Reforma Agrária.
Ora, não é assim.
No inventário e no que aqui importa foram adjudicadas à interessada duas verbas:
a n.° 161, constituída por uma área de reserva de 185.7212 ha; a n.º 2 composta
por um crédito a liquidar sobre o Estado.
Partilhou-se aquilo que relativamente à Herdade … existia no património do casal
na altura do inventário.
Assim, essa reserva e esse crédito (que era provisório) são definitivamente
património da ora recorrida, já que lhe foram adjudicadas tais verbas com
sentença homologatória transitada em julgado.
Mas não fazem parte do património exclusivo da recorrida bens que na altura do
inventário não existiam no património do casal, como é o caso da nova área de
reserva e da área atribuída a título de reversão. Quando se procedeu à partilha
e consequente homologação, essa parte da herdade continuava expropriada e nem
sequer existia como direito futuro por a legislação então em vigor não a
permitir.
É evidente que a expropriação importa a extinção definitiva do direito existente
e a constituição de um novo direito, não havendo sucessão ou transmissão do
antigo ao novo titular, como se escreveu no acórdão e resultava do artigo 4° do
Dec-LEI 406 - A/75 de 29 de Julho.
A questão, contudo, não é essa. A reserva que mais tarde veio a ser atribuída à
ré resulta da disposição legal posterior ao inventário e consiste na atribuição
aos proprietários de uma parte que veio a ser considerada necessária para os
mesmos.
Por sua vez, o conceito de reversão não se afasta, em sede de princípios, do que
já vigorava para as expropriações antes da Reforma Agrária.
[…]
«O direito de reversão traduz-se no poder conferido ao expropriado (v.g. o
primitivo proprietário) de reaver ou readquirir os bens que foram objecto de
expropriação”, Código das Expropriações e Construção — Cons. Sá Pereira e Dr.
Goucha Soares, pág. 21. Ora, um dos proprietários era o recorrente e não deixou
de o ser por não se ter partilhado algo que não existia então na esfera jurídica
dos cônjuges ou ex-cônjuges.
Basta, aliás, pensar que se não tivesse existido inventário, necessariamente, as
áreas da reserva e da reversão passariam a integrar o património dos cônjuges,
que nessa altura continuaria indiviso.
[…]
O direito de reserva inicialmente consentido foi-se modificando nos seus limites
e até nos seus destinatários. Desde o Dec-lei 406-A/75 de 17-07, afastando os
proprietários “absentistas” até à Lei 109/88 de 26 de Setembro e à lei 86/95 de
1 de Setembro, concedendo novas reservas e consagrando a reversão, procurando
“repor” o que existia antes, vai uma longa distância jurídica. Como já se
escreveu no citado Acórdão deste Supremo (Revista 2476/01)” como que há uma
devolução de parte do prédio expropriado, isto é, esse aumento determina, na
prática, a devolução de uma dada área do prédio, devolução essa que,
sublinhe-se, a lei determina seja feita aos expropriados”.
Acrescenta-se uma nota final. A ideia de Justiça material e de direito justo não
poderiam conduzir a outra solução, face a uma evolução legislativa que, a ter o
entendimento que lhe foi dado, transformariam um crédito provisório a liquidar,
com o valor de 9.270.000.000, na aquisição de uma herdade (uma significativa
parte dela) com 1.013,854 ha.
Se outro caminho jurídico não houvesse, sempre se imporia o recurso ao artigo
437° do Código Civil, que contempla a resolução ou modificação do contrato por
alteração das circunstâncias. […]”
5. Notificada deste acórdão, a ora reclamante veio requerer a sua “aclaração,
arguir a nulidade e requerer a reforma”, mais uma vez sem qualquer referência,
porém, a uma hipotética violação de normas ou princípios constitucionais. O
Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 9 de Maio de 2006, indeferiu os
pedidos de aclaração e reforma e a alegada arguição de nulidade do acórdão.
6. Interpôs, então, a ora reclamante recurso de constitucionalidade, através de
um requerimento em que se diz, para o que ora releva, nomeadamente, o seguinte:
“[...] notificada do Acórdão de 7 de Março de 2006 a fls. .., com ele não se
podendo conformar, vem dele interpor recurso para o Tribunal Constitucional nos
termos do artigo 280.°, n.º 1, al. b), da Constituição da República Portuguesa e
dos artigos 70.°, n.º 1, al. b) e 75.°-A, n.º 1 e 2 da Lei n.º 28/82, de 15 de
Novembro, na sua redacção actual, o que faz nos termos e com fundamentos
seguintes:
I - DA ADMISSIBILIDADE
[…] 2. Nos termos gerais, segundo a jurisprudência do Tribunal Constitucional,
só cabe recurso das decisões dos tribunais “que apliquem norma cuja
inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo” em termos
“funcionalmente adequados ‘
3. Contudo, a jurisprudência do tribunal constitucional tem admitido a dispensa
da prévia suscitação da questão de inconstitucionalidade — prévia, relativamente
à prolação da decisão jurisdicional de que se pretende recorrer — naqueles casos
em que o recorrente não tenha tido a oportunidade processual de suscitar a
questão anteriormente […]
4. Tem sido igualmente admitido o recurso naqueles casos em que não era exigível
ao recorrente que tivesse suscitado a questão previamente — e isto, quer devido
à imprevisibilidade da aplicação da norma ao caso […] quer ainda por tal
suscitação constituir contradição evidente com a estratégia processual adoptada
[…]
5. Outro tipo de situações excepcionais que dispensam a prévia suscitação da
questão de inconstitucionalidade ocorre naqueles casos em que o poder
jurisdicional, por força de norma processual específica, se não esgote com a
decisão recorrida […]; e ocorre ainda naqueles casos em que a questão de
inconstitucionalidade se refira a normas processuais aplicáveis, a título
principal ou incidental, na própria decisão que vai apreciar o requerimento em
que se contenha a arguição de nulidade ou o pedido de aclaração […].
II – OBJECTO DE RECURSO
a) APLICAÇÃO DE NORMA INCONSTITUCIONAL POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
[…] 9. Por acórdão de 09 de Maio de 2006 foi tal arguição de nulidade por falta
de fundamentação indeferida porque se entendeu em termos conclusivos que “não
há, pois, qualquer (...) falta de fundamentação” (cfr. acórdão a fls...).
10. O presente recurso tem assim por objecto a inconstitucionalidade da norma
que se retira dos artigos 158.°, 659.°, n.° 2 e 668.°, n.° 1, al. b) do Código
de Processo Civil aplicáveis ex vi do artigo 713.°, n.° 2 e 716.°, n.° 1 e 726.°
do mesmo Código de Processo, na interpretação formulada pelo Tribunal a quo (no
Acórdão final e no Acórdão que indeferiu a nulidade por falta de fundamentação),
— segundo a qual o Tribunal não está obrigado a indicar expressamente em sede de
fundamentação de direito as normas ou preceitos legislativos que foram aplicados
para alicerçar o sentido da sua decisão - por violação das normas e princípio
consagrados nos artigos 18.°, n.° 2 e 3, 20.°, n.° 1 e 4, 202.°, n.° 2, 203.°,
205.°, n.° 1 da Constituição da República Portuguesa.
11. Tal norma, com os contornos delimitados no termos número anterior:
- nunca assim foi configurada ou aplicada pelas duas instâncias de recurso que
precederam a prola[]ção do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça aqui
recorrido, pelo que, à R. nunca foi dada a oportunidade processual de levantar a
questão da sua inconstitucionalidade;
- refere-se a normas processuais aplicáveis, a título principal ou incidental,
na própria decisão que vai apreciar o requerimento em que se contenha a arguição
de nulidade ou o pedido de aclaração;
12. Assim sendo, uma vez que a questão da inconstitucionalidade de tal norma só
não foi suscitada no presente processo porque à R. nunca foi dada tal
oportunidade, deve o presente recurso constitucional ser admitido com o referido
objecto.
b) APLICAÇÃO DE NORMA INCONSTITUCIONAL QUANTO À VIOLAÇÃO DO DIREITO DE
PROPRIEDADE E DO DIREITO A JUSTA INDEMNIZAÇÃO
[…] 15. A Recorrente, em face da ausência de referência a qualquer preceito
legal expresso no referido acórdão tem de presumir que a norma segundo a qual se
reconheceu o A. como contitular do direito de propriedade da Herdade … dessa, e
em simultâneo se esbulhou ou retirou à R., sem qualquer compensação, o crédito a
título de indemnização sobre o Estado de que a R. era titular em virtude do
acordo de partilha homologado foi retirada da interpretação conjugada dos
artigos 1305.°, 1310.°, 1311.° e 1316.° do Código Civil e dos artigos 14.°,
17.°, 20.° e 26.° n.° 2 da Lei 109/88, do artigo 31.° da Lei n.° 109/88 na
redacção da Lei 46/90, de 22 de Agosto, do artigo 44.° da Lei n.° 86/95, de 01
de Setembro, do artigo 11°, n.° 1, do Decreto Regulamentar n° 44/88, de 14 de
Dezembro, dos artigos. 1.º e 13° da Lei 80/77, de 26 de Outubro, dos artigos
1.º, 3.° e 4.° do Decreto-Lei n.° 199/88, de 31 de Maio.
16. O presente recurso tem ainda por objecto a inconstitucionalidade da norma
que se retira dos artigos 1305.°, 1310.°, 1311.° e 1316.° do Código Civil e dos
artigos 14.°, 17.°, 20.° e 26.° n.° 2 da Lei 109/88, do artigo 31.° da Lei n.°
109/88 na redacção da Lei 46/90, de 22 de Agosto, do artigo 44.° da Lei n.°
86/95, de 01 de Setembro, do artigo 11°, n.° 1, do Decreto Regulamentar n°
44/88, ‘de 14 de Dezembro, dos artigos. 1.º e 13° da Lei 80/77, de 26 de Outubro
e dos artigos 1.°, 3º e 4.° do Decreto-Lei n.° 199/88, de 31 de Maio, na
interpretação formulada pelo Tribunal a quo — segundo a qual é possível esbulhar
ou retirar à R., sem atribuir qualquer compensação, o crédito sobre o Estado a
título a indemnização pela expropriação da parcela da “Herdade da …” de que a A.
era titular em virtude do acordo de partilha homologado - por violação das
normas e princípios consagrados nos artigos 8.° e 18.°, n.° 2 e 3, 62.°, n.° 1 e
2, 94.°, n.° 1 da Constituição da República Portuguesa.
17. Tal norma, com os contornos delimitados no termos número anterior, nunca
assim foi configurada ou aplicada pelas duas instancias de recurso que
precederam a prola[]ção do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça aqui recorrido
e nem seria expectável que tal assim viesse a suceder, pelo que, à R. nunca foi
dada a oportunidade processual de levantar a questão da sua
inconstitucionalidade.
18. Assim sendo, uma vez que a questão da inconstitucionalidade de tal norma só
não foi suscitada no presente processo porque à R. nunca foi dada tal
oportunidade, deve o presente recurso constitucional ser admitido com tal
objecto.
C) APLICAÇÃO DE NORMA INCONSTITUCIONAL QUANTO À VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA
SEPARAÇÃO DE PODERES E DO CASO JULGADO
[…] 20. Do acórdão de 07 de Março de 2006, resulta que “é da competência da
justiça administrativa a apreciação da legalidade dos actos administrativos em
causa e é da competência do foro cível decidir se os herdeiros do auto são ou
não comproprietários com a ré das áreas atribuídas a esta”.
21. Não obstante tal conclusão a verdade é que o acórdão se debruçou, em
concreto, sobre a apreciação do instituto da reserva e da reversão censurando,
portanto, a atribuição, pelos actos administrativos praticados, da propriedade
em exclusiva à R.
22. Aliás, a atribuição da propriedade dos cerca de 1.013.8548 ha da Herdade …
ao A. só se poderá compreender numa lógica cassatória (anulação ou declaração de
nulidade) de censura aos actos administrativos que conferiram a reserva ou a
reversão em exclusividade à R..
23. O presente recurso tem ainda por objecto a inconstitucionalidade da norma
que se retira dos artigos 66.° e 101.° do Código de Processo Civil, do art. 18.°
da Lei n.° 3/99, de 13 de Janeiro, dos artigos 14.°, 17.°, 20.° e 26.° n.° 2 da
Lei 109/88, do artigo 31.° da Lei n.° 109/88 na redacção da Lei 46/90, de 22 de
Agosto, do artigo 44.° da Lei n.° 86/95, de 01 de Setembro, do artigo 11º, n.º1,
do Decreto Regulamentar n.° 44/88, de 14 de Dezembro e do artigo 145.°, n.° 2 do
CPA, na interpretação formulada pelo Tribunal a quo — segundo a qual se atribuiu
ao A. a propriedade que adveio a título exclusivo para a R. através dos actos
administrativos que conferiram a reserva e a reversão - por violação das normas
e princípios consagrados nos artigos 2.°, 111.º, n.° 1 e 2, 202.°, n.° 2, 203.°,
205.°, n.° 2, 211.°, n.° 1 e 212.° n.°3 da Constituição da República Portuguesa.
24. Tal norma, com os contornos delimitados no termos número anterior, - nunca
assim foi configurada ou aplicada pelas duas instâncias de recurso que
precederam a prola[]ção do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça aqui recorrido
e nem seria expectável que tal assim viesse a suceder, pelo que, à R. nunca foi
dada a oportunidade processual de levantar a questão da sua
inconstitucionalidade; - constitui matéria que revela em sede de incompetência
absoluta do Tribunal a quo, pelo que o poder jurisdicional, por força do que se
preceitua no artigo 102.°, n.° 1, do Código de Processo Civil, nunca se
esgotaria com a decisão recorrida;
25. Assim sendo, uma vez que a questão da inconstitucionalidade de tal norma só
não foi suscitada no presente processo porque à Recorrente nunca foi dada tal
oportunidade, deve o presente recurso constitucional ser admitido.
[D]) APLICAÇÃO DE NORMA INCONSTITUCIONAL QUANTO À VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA
TUTELA JURISDICIONAL EFECTIVA E DO DIREITO DE PROPRIEDADE
[…] 28. Ora, no caso concreto a Ré apresentou a sua defesa tendo presente a
causa de pedir delimitada pelo A. o qual configurava uma acção de reivindicação
ou de simples apreciação positiva regulada nos artigo 4.°, n.º 2, al. a) e
498.°, n.º 4 do Código de Processo Civil e 1311.ºdo Código Civil.
29. Nos caso concreto os actos administrativos, quer o despacho quer a portaria,
atribuíram exclusivamente à R. foi o direito de propriedade sendo certo que tais
actos administrativos consubstanciam os título constitutivos da propriedade com
base nos quais se promoveu o registo do direito em exclusivo favor da R..
[…]
32. Do rol de factos provados nos presentes autos não resulta qualquer acto ou
facto jurídico do qual possa resultar a aquisição da propriedade a favor do A.
nos termos do artigo 1316. ° do Código Civil (por contrato, sucessão por morte,
usucapião, ocupação, acessão, por reserva ou por reversão).
33. Isto é, do rol de factos considerados provados, a menos que se queira
colocar em crise, desconsiderar a vigência na ordem jurídica ou anular os actos
administrativos que atribuíram o direito de propriedade em exclusivo à R. — algo
para o qual o Tribunal a quo é manifestamente incompetente —, não resulta
qualquer título aquisitivo do direito de propriedade que se afirma ter sido
constituído a favor do A.
34. O presente recurso tem ainda por objecto a inconstitucionalidade da norma
que se retira dos artigos 4.°, n.° 2, al. a) e 409.° do Código de Processo
Civil, dos artigos 342.°, n.° 1, 1305.°, 1311.° e 1316.° do Código Civil e dos
artigos 14.°, 20.° e 26.° n.° 2 da Lei 109/88, do artigo 31.° da Lei n.° 109/88
na redacção da Lei 46/90, de 22 de Agosto e do artigo 44.° da Lei n.° 86/95, de
01 de Setembro, na interpretação formulada pelo Tribunal a quo - segundo a qual
é possível a atribuição da propriedade ao A. numa acção de simples apreciação
positiva e sem que se tivesse provado qualquer facto aquisitivo da propriedade a
favor do A. - 18.°, n.° 2 e 3, 20.°, n.° 1 e 4, 62.°, n.° 1 e 2 da Constituição
da República Portuguesa.
35. Tal norma, com os contornos delimitados no termos número anterior, nunca
assim foi configurada ou aplicada pelas duas instâncias de recurso que
precederam a prola[]ção do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça aqui recorrido
e nem seria expectável que tal assim viesse a suceder, pelo que, à R. nunca foi
dada a oportunidade processual de levantar a questão da sua
inconstitucionalidade;
36. Assim sendo, uma vez que a questão da inconstitucionalidade de tal norma só
não foi suscitada no presente processo porque à R. nunca foi dada tal
oportunidade, deve, ainda assim, o presente recurso constitucional ser admitido
com tal objecto. […]”
7. Na sequência, foi proferida pelo Relator do processo neste Tribunal, ao
abrigo do disposto no nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro,
na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decisão
sumária no sentido do não conhecimento do recurso. É o seguinte, na parte
decisória, o seu teor:
“Importa, antes de mais, decidir se pode conhecer-se do objecto do recurso, uma
vez que a decisão que o admitiu não vincula o Tribunal Constitucional (cfr. art.
76º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional - LTC).
7.1. Pretende a recorrente, em primeiro lugar, que o Tribunal Constitucional
aprecie “a inconstitucionalidade da norma que se retira dos artigos 158.°,
659.°, n.° 2 e 668.°, n.° 1, al. b) do Código de Processo Civil aplicáveis ex vi
do artigo 713.°, n.° 2 e 716.°, n.° 1 e 726.° do mesmo Código de Processo, na
interpretação formulada pelo Tribunal a quo (no Acórdão final e no Acórdão que
indeferiu a nulidade por falta de fundamentação), — segundo a qual o Tribunal
não está obrigado a indicar expressamente em sede de fundamentação de direito as
normas ou preceitos legislativos que foram aplicados para alicerçar o sentido da
sua decisão”.
Acontece, porém, que o Tribunal não pode satisfazer tal pedido, por razões que,
como se verá já de seguida, são exclusivamente imputáveis à recorrente.
Na verdade, o recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º, da LTC
supõe, entre outros pressupostos da sua admissibilidade, que a decisão recorrida
tenha efectivamente aplicado, como ratio decidendi no julgamento do caso, a
norma cuja inconstitucionalidade se pretende ver apreciada.
No presente caso, a recorrente entendeu interpor recurso para este Tribunal do
acórdão proferido em 7 de Março de 2006, que concedeu parcial provimento ao
recurso dos ora recorridos. É, contudo, manifesto que esta última decisão, cuja
nulidade foi, aliás, invocada pela ora recorrente, não se fundou normativamente
em qualquer dos artigos por ela invocados neste ponto, limitando-se a, com base
noutros preceitos, “decidir se os herdeiros do autor são ou não comproprietários
com a ré das áreas atribuídas a esta”, uma vez que, para o Supremo Tribunal de
Justiça, “é só isso que, em princípio, está em discussão nesta acção”. Sendo
patente que tais preceitos em nada dispõem sobre a questão decidida no acórdão
recorrido, é evidente que os mesmos nunca poderiam ter sido utilizados, como
ratio decidendi, do mesmo. E, na verdade, não o foram nem directa nem
indirectamente, nem expressa nem implicitamente. Tais preceitos, a terem alguma
vez sido aplicados com o sentido que a recorrente invoca – o que, todavia, é
posto em causa pelo tribunal a quo – só o poderiam ter sido no Acórdão, de 9 de
Maio de 2006, que decidiu, contra a opinião da recorrente, não haver lugar a
qualquer aclaração ou reforma do acórdão de 7 de Março de 2006 e não existir,
neste acórdão, qualquer nulidade, designadamente por omissão de fundamentação.
Ora, não tendo a norma cuja constitucionalidade a recorrente pretende ver
apreciada sido aplicada, como ratio decidendi pela decisão recorrida, não está
presente, pelo menos, um dos pressupostos de admissibilidade do recurso
interposto pela recorrente – o previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da
LTC.
Assim sendo, como indubitavelmente o é, nada mais resta a este Tribunal do que
concluir pela impossibilidade de conhecer, quanto a esta parte, do recurso de
fiscalização concreta da constitucionalidade que a recorrente interpôs ao abrigo
do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, por manifesta falta dos
seus pressupostos de admissibilidade.
7.2. Pretende igualmente a recorrente que o Tribunal Constitucional aprecie a
constitucionalidade de três outras normas, que identifica como tendo sido,
alegadamente, aplicadas pelo acórdão recorrido.
Acontece, porém, que, como refere expressamente o artigo 72º, n.º 2, da LTC, o
recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º, “só pode ser interposto
pela parte que haja suscitado a questão de constitucionalidade [...] de modo
processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em
termos de este estar obrigado a dela conhecer”. E a razão de ser desta
disposição é evidente e tem sido reiteradamente enunciada pelo Tribunal
Constitucional: visa que o tribunal recorrido seja colocado perante a questão de
constitucionalidade da norma que aplica como fundamento da respectiva decisão e
que o Tribunal Constitucional apenas sobre tal questão se pronuncie por via de
recurso, não se substituindo ao tribunal recorrido no conhecimento da questão de
constitucionalidade fora dessa via.
Ora, no caso dos autos, é patente - e expressamente admitido pela própria
recorrente - que esta não confrontou o Supremo Tribunal de Justiça, antes da
prolação da decisão recorrida, com nenhuma das questões de constitucionalidade
que agora pretende ver apreciadas pelo Tribunal Constitucional, o que, de acordo
com a regra antes enunciada, conduz, só por si e desde logo, à inadmissibilidade
do recurso.
Alega, porém, a recorrente, no requerimento de interposição do recurso, que,
neste caso, lhe não seria exigível que cumprisse aquele ónus de suscitação
prévia da questão de constitucionalidade, por estarmos perante uma daquelas
hipóteses em que o próprio Tribunal Constitucional tem admitido ser de
excepcionar aquela exigência. E invoca, para justificar tal afirmação, que tais
normas, com os contornos assim delimitados, “nunca assim fo[ram] configurada[s]
ou aplicada[s] pelas duas instâncias de recurso que precederam a prola[]ção do
acórdão do Supremo Tribunal de Justiça aqui recorrido e nem seria expectável que
tal assim viesse a suceder, pelo que, à R. nunca foi dada a oportunidade
processual de levantar a questão da sua inconstitucionalidade”.
Vejamos, então, se lhe assiste razão.
7.2.1. A questão que a recorrente coloca em segundo lugar a este Tribunal diz
respeito à alegada inconstitucionalidade da norma
“que se retira dos artigos 1305.°, 1310.°, 1311.° e 1316.° do Código Civil e dos
artigos 14.°, 17.°, 20.° e 26.° n.° 2 da Lei 109/88, do artigo 31.° da Lei n.°
109/88 na redacção da Lei 46/90, de 22 de Agosto, do artigo 44.° da Lei n.°
86/95, de 01 de Setembro, do artigo 11°, n.° 1, do Decreto Regulamentar n°
44/88, ‘de 14 de Dezembro, dos artigos. 1.º e 13° da Lei 80/77, de 26 de Outubro
e dos artigos 1.°, 3º e 4.° do Decreto-Lei n.° 199/88, de 31 de Maio, na
interpretação formulada pelo Tribunal a quo - segundo a qual é possível esbulhar
ou retirar à R., sem atribuir qualquer compensação, o crédito sobre o Estado a
título a indemnização pela expropriação da parcela da «Herdade da …» de que a A.
era titular em virtude do acordo de partilha homologado - por violação das
normas e princípios consagrados nos artigos 8.° e 18.°, n.° 2 e 3, 62.°, n.° 1 e
2, 94.°, n.° 1 da Constituição da República Portuguesa”.
O Tribunal não pode, todavia, conhecer desta questão, como se verá já de
seguida.
Na verdade, o recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC visa
submeter à apreciação do Tribunal Constitucional a constitucionalidade de normas
jurídicas - ou de determinadas dimensões normativas - aplicadas pela decisão
recorrida. Ou seja, a questão submetida a este Tribunal tem de ser uma questão
de constitucionalidade normativa. Acontece, porém, que a dimensão dos preceitos
questionados que a recorrente pretende submeter à apreciação deste Tribunal –
“na interpretação formulada pelo Tribunal a quo - segundo a qual é possível
esbulhar ou retirar à R., sem atribuir qualquer compensação, o crédito sobre o
Estado a título a indemnização pela expropriação da parcela da «Herdade da …» de
que a A. era titular em virtude do acordo de partilha homologado” - não aponta
para a inconstitucionalidade de uma norma, mas antes, quando muito, da própria
decisão judicial recorrida que deu provimento parcial ao recurso dos autores,
aqui recorridos.
Ora, constitui jurisprudência pacífica e sucessivamente reiterada que objecto do
recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade são normas e não actos,
designadamente a própria decisão judicial. Assim resulta do disposto no artigo
280º da Constituição e no artigo 70º da Lei n.º 28/82 e assim tem sido afirmado
pelo Tribunal Constitucional em inúmeras ocasiões. E, assim sendo, desde logo,
está o Tribunal Constitucional impossibilitado de conhecer do objecto do
recurso.
Mas ainda que assim se não considere, outra razão conduz ao mesmo resultado.
Com efeito, como já se viu supra, é igualmente pressuposto do recurso previsto
na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC que a decisão recorrida tenha
efectivamente aplicado, como ratio decidendi no julgamento do caso, a norma cuja
inconstitucionalidade se pretende ver apreciada. No caso é, contudo, patente,
que os preceitos questionados não foram interpretados no sentido identificado
pela recorrente - de que “é possível esbulhar ou retirar à R., sem atribuir
qualquer compensação, o crédito sobre o Estado”. De facto, no acórdão recorrido
afirma-se, em termos que, quanto à correcção da interpretação do direito
infraconstitucional, são, obviamente, insusceptíveis de ser sindicados por este
Tribunal, o seguinte: “[…] Partilhou-se aquilo que relativamente à Herdade …
existia no património do casal na altura do inventário. Assim, essa reserva e
esse crédito (que era provisório) são definitivamente património da ora
recorrida, já que lhe foram adjudicadas tais verbas com sentença homologatória
transitada em julgado. Mas não fazem parte do património exclusivo da recorrida
bens que na altura do inventário não existiam no património do casal, como é o
caso da nova área de reserva e da área atribuída a título de reversão” (itálico
aditado).
Ora, não tendo sido os preceitos questionados interpretados, pela decisão
recorrida, no sentido que a recorrente entende ser inconstitucional e pretende
que este Tribunal aprecie, também não está presente, uma vez mais, pelo menos,
um dos pressupostos de admissibilidade do recurso interposto pela recorrente - o
previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, o que conduz ao não
conhecimento do recurso.
7.2.2. A questão que a recorrente coloca em terceiro lugar a este Tribunal diz
respeito à alegada inconstitucionalidade da norma
“que se retira dos artigos 66.° e 101.° do Código de Processo Civil, do art.
18.° da Lei n.° 3/99, de 13 de Janeiro, dos artigos 14.°, 17.°, 20.° e 26.° n.°
2 da Lei 109/88, do artigo 31.° da Lei n.° 109/88 na redacção da Lei 46/90, de
22 de Agosto, do artigo 44.° da Lei n.° 86/95, de 01 de Setembro, do artigo 11º,
n.º1, do Decreto Regulamentar n.° 44/88, de 14 de Dezembro e do artigo 145.°,
n.° 2 do CPA, na interpretação formulada pelo Tribunal a quo - segundo a qual se
atribuiu ao A. a propriedade que adveio a título exclusivo para a R. através dos
actos administrativos que conferiram a reserva e a reversão - por violação das
normas e princípios consagrados nos artigos 2.°, 111.º, n.° 1 e 2, 202.°, n.° 2,
203.°, 205.°, n.° 2, 211.°, n.° 1 e 212.° n.°3 da Constituição da República
Portuguesa”.
Invoca a recorrente que “a questão da inconstitucionalidade de tal norma só não
foi suscitada no presente processo porque à R. nunca foi dada tal oportunidade.”
E, na verdade, como o Tribunal Constitucional tem reiteradamente afirmado, o
recorrente pode estar dispensado de suscitar a questão de inconstitucionalidade
antes de proferida a decisão recorrida quando a aplicação da norma ao caso – ou
a sua aplicação com um determinado sentido normativo – seja de todo em todo
insólita ou imprevisível ou quando não tenha tido oportunidade processual para o
fazer. Não é, porém, manifestamente, essa a situação que se encontra retractada
nos presentes autos.
Como efeito, compulsados os autos, facilmente se verifica que desde a
propositura da acção que o Autor outra coisa não defendeu que não fosse,
precisamente, a atribuição em contitularidade da propriedade que adveio para a
R. através dos actos administrativos que conferiram a reserva e a reversão,
tendo sido justamente para esse fim que intentou, no Tribunal Judicial de Beja,
a acção de reivindicação. Em defesa da sua tese chegou mesmo a invocar, nas
alegações do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, que determinadas
normas, que teriam possibilitado as anteriores decisões das instâncias, “são
inconstitucionais por violação do artigo 62° da CRP, uma vez que conduziram à
perda do direito de propriedade do autor das áreas reivindicadas, sem qualquer
indemnização ou compensação.” Ora, considerando a recorrente que a solução
normativa defendida pelos autores não poderia ser alcançada sem uma
interpretação em violação da Constituição dos preceitos infra-constitucionais
aplicáveis ao caso, como agora considera, bastaria - no caso de pretender abrir
uma via de recurso de constitucionalidade para o Tribunal Constitucional - que
tivesse respondido às alegações dos ora recorridos suscitando a questão da
constitucionalidade das normas que poderiam ser invocadas para fundar a solução
por estes propugnada. A verdade, porém, é que nunca o fez, podendo e devendo
fazê-lo.
Com efeito, ao contrário do que a recorrente parece crer, em regra não é apenas
após a efectiva aplicação de uma norma por uma decisão judicial (no caso, a
decisão recorrida) que surge a oportunidade processual de suscitar a questão da
sua inconstitucionalidade. Sendo previsível a aplicação de uma norma – ou a sua
aplicação com um determinado sentido normativo – tem efectivamente ao recorrente
o ónus de, antecipando essa possível aplicação, confrontar desde logo o Tribunal
que há-de proferir a decisão recorrida com a questão da sua
inconstitucionalidade. Com efeito, como este Tribunal tem afirmado em inúmeras
ocasiões, recai sobre as partes o ónus de anteciparem as diversas possibilidades
interpretativas susceptíveis de virem a ser seguidas e utilizadas na decisão e
utilizarem as necessárias precauções, de modo a poderem, em conformidade com a
orientação processual considerada mais adequada, salvaguardar a defesa dos seus
direitos (cfr., nesse sentido, entre muitos outros, o acórdão nºs 479/89,
acórdãos do Tribunal Constitucional, 14º vol., p. 149).
Nestes termos, sendo efectivamente previsível que a decisão recorrida,
concordando com a solução normativa que vinha sendo defendida desde sempre pelos
ora recorridos, pudesse aplicar os preceitos em causa no sentido cuja
constitucionalidade a recorrente agora pretende ver apreciada, era-lhe
efectivamente exigível que tivesse, se pretendia acautelar a possibilidade de
ver a questão apreciada pelo Tribunal Constitucional, suscitado, nas próprias
contra-alegações do recurso apresentadas no Supremo Tribunal de Justiça, as
questões de constitucionalidade que considerasse pertinentes. Não o tendo feito,
não pode agora, de acordo com a jurisprudência antes expressa, que mantém
inteira validade, conhecer-se do objecto do recurso interposto ao abrigo das
alíneas b) nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, por manifesta
falta de um dos seus pressupostos legais de admissibilidade.
7.2.3. A questão que a recorrente coloca em quarto lugar a este Tribunal diz
respeito à alegada inconstitucionalidade da norma
“que se retira dos artigos 4.°, n.° 2, al. a) e 409.° do Código de Processo
Civil, dos artigos 342.°, n.° 1, 1305.°, 1311.° e 1316.° do Código Civil e dos
artigos 14.°, 20.° e 26.° n.° 2 da Lei 109/88, do artigo 31.° da Lei n.° 109/88
na redacção da Lei 46/90, de 22 de Agosto e do artigo 44.° da Lei n.° 86/95, de
01 de Setembro, na interpretação formulada pelo Tribunal a quo — segundo a qual
é possível a atribuição da propriedade ao A. numa acção de simples apreciação
positiva e sem que se tivesse provado qualquer facto aquisitivo da propriedade a
favor do A. - 18.°, n.° 2 e 3, 20.°, n.° 1 e 4, 62.°, n.° 1 e 2 da Constituição
da República Portuguesa.”
Como supra (cfr. 7.2.1.) já se referiu, o recurso previsto na alínea b) do n.º 1
do artigo 70º da LTC pressupõe que a decisão recorrida tenha efectivamente
aplicado, como ratio decidendi, a norma cuja inconstitucionalidade se pretende
ver apreciada. Mas, também agora, é evidente que os preceitos que nesta parte
vêem questionados não foram efectivamente interpretados no sentido identificado
pela recorrente no requerimento de interposição do recurso – ou seja, no sentido
de que “é possível a atribuição da propriedade ao A. numa acção de simples
apreciação positiva e sem que se tivesse provado qualquer facto aquisitivo da
propriedade a favor do A.”. Com efeito, no acórdão recorrido afirma-se, em
termos que, repete-se, não são sindicáveis por este Tribunal quanto à correcção
da interpretação do direito infraconstitucional, que “«O direito de reversão
traduz-se no poder conferido ao expropriado (v.g. o primitivo proprietário) de
reaver ou readquirir os bens que foram objecto de expropriação”, […]. Ora, um
dos proprietários era o recorrente e não deixou de o ser por não se ter
partilhado algo que não existia então na esfera jurídica dos cônjuges ou
ex-cônjuges. Basta, aliás, pensar que se não tivesse existido inventário,
necessariamente, as áreas da reserva e da reversão passariam a integrar o
património dos cônjuges, que nessa altura continuaria indiviso”. Não é, por
isso, correcta a afirmação de que na decisão recorrida se considerou que “é
possível a atribuição da propriedade ao A. […] sem que se tivesse provado
qualquer facto aquisitivo da propriedade a favor do A.”. Ao contrário,
considerou-se na decisão recorrida que existiria um facto aquisitivo da
propriedade a favor do A., precisamente a atribuição do direito à reversão que,
segundo aquela decisão, lhe pertenceria igualmente enquanto contitular dos bens
em causa à data da expropriação uma vez que, segundo também ali se considerou,
os mesmos não foram objecto da partilha.
Assim, não tendo os preceitos questionados sido interpretados, pela decisão
recorrida, no exacto sentido normativo que a recorrente entende ser
inconstitucional, não está efectivamente presente, uma vez mais, um dos
pressupostos de admissibilidade do recurso que pretendeu interpor.
Acresce, ainda, que uma outra razão sempre conduzirá à impossibilidade de,
também nesta parte, conhecer do objecto do recurso. É que também a questão de
constitucionalidade normativa que a recorrente agora pretendia ver apreciada não
foi suscitada perante o Supremo Tribunal de Justiça. E também agora, por razões
idênticas às que se desenvolveram supra no ponto 7.2.2. - e que, por serem
inteiramente transponíveis para a questão que agora nos ocupa, aqui se reiteram
- não poderá aceitar-se que estejamos perante uma daquelas situações em que os
preceitos em causa tenham sido aplicados pela decisão recorrida com um sentido
normativo de todo em todo insólito ou imprevisível, em termos de dispensar a
recorrente da suscitação antecipada da questão da sua inconstitucionalidade.
3.3. Assim sendo, apenas resta ao Tribunal concluir, em face do exposto, que não
é possível conhecer do objecto do recurso, por evidente falta dos seus
pressupostos de admissibilidade, ficando deste modo precludida a possibilidade
de indagação de um eventual carácter manifestamente infundado da questão de
constitucionalidade”.
8. É desta decisão que vem interposta, ao abrigo do disposto no art. 78º-A, n.º
3 da LTC, a presente reclamação para a Conferência, que a reclamante fundamenta
nos seguintes termos:
“[...] notificada da decisão sumária a fls..., com ela não se podendo conformar,
vem, nos termos do art. 78.º-A, n.º 3 da Lei de Organização, Funcionamento e
Processo do Tribunal Constitucional (LOFPTC), interpor reclamação para
conferência, o que faz nos termos e com fundamentos seguintes:
I – DO OBJECTO E SENTIDO DA DECISÃO SUMÁRIA
1. Por decisão sumária datada de 10 de Julho de 2006, foi decidido não se tomar
conhecimento do recurso entendendo-se que faltariam os pressupostos legais que
permitiriam julgar da sua admissibilidade.
2. Salvo o devido respeito, a Recorrente entende que não foi feita uma correcta
interpretação e aplicação dos arts. 70.º e 75.º-A do LOFPTC e que, além do mais,
tal decisão, se configura como contrária à jurisprudência que, reiteradamente,
vem sendo adoptada por este Tribunal.
II – DOS FUNDAMENTOS DA RECLAMAÇÃO
A - DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO QUANTO APLICAÇÃO DE NORMA INCONSTITUCIONAL POR
VIOLAÇÃO DO DEVER CONSTITUCIONAL DE FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS
3. O Requerente delimitou o objecto do presente recurso, quanto à imputada falta
de fundamentação, nos seguintes termos e contornos:
“O presente recurso tem assim por objecto a inconstitucionalidade da norma que
se retira dos artigos 158.º, 659.º, n.º 2 e 668.º, n.º 1, al. b) do Código de
Processo Civil aplicáveis ex vi do artigo 713.º, n.º 2 e 716.º, n.º 1 e 726.º do
mesmo Código de Processo, na interpretação formulada pelo Tribunal a quo (no
Acórdão final e no Acórdão que indeferiu a nulidade por falta de fundamentação),
– segundo a qual o Tribunal não está obrigado a indicar expressamente em sede de
fundamentação de direito as normas ou preceitos legislativos que foram aplicados
para alicerçar o sentido da sua decisão - por violação das normas e princípio
consagrados nos artigos 18.º, n.º 2 e 3, 20.º, n.º 1 e 4, 202.º, n.º 2, 203.º,
205.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.” (cfr. requerimento de
recurso a fls...).
4. A Decisão Sumária fundamenta a não admissibilidade do recurso com esse
objecto alegando “que tais preceitos [os citados artigos 158.º, 659.º, n.º 2 e
668.º, n.º 1, al. b) do Código de Processo Civil aplicáveis ex vi do artigo
713.º, n.º 2 e 716.º, n.º 1 e 726.º do mesmo Código de Processo] em nada dispõem
sobre a questão decidida no acórdão recorrido, é evidente que os mesmos nunca
poderiam ter sido utilizados, como “ratio decidendi”, do mesmo. E, na verdade,
não foram nem directa nem indirectamente, nem expressa nem implicitamente. Tais
preceitos, a terem alguma vez sido aplicados com o sentido que a recorrente
invoca – o que, todavia, é posto em causa pelo tribunal a quo – só o poderiam
ter sido no acórdão de 9 de Maio de 2006, que decidiu, contra opinião da
recorrente, não haver lugar a qualquer aclaração ou reforma do acórdão de 7 de
Março de 2006 e não existir, nesse acórdão, qualquer nulidade, designadamente
por omissão de fundamentação ” (cfr. Decisão Sumária de 10 de Julho de 2006 a
fls...).
5. Ora, salvo o devido respeito[], a Recorrente entende que não é possível
concluir-se ou aceitar-se:
a) que o acórdão de 7 de Março de 2006 não haja aplicado, pelo menos
implicitamente os artigos 158.º, 659.º, n.º 2 do Código de Processo Civil;
b) que o presente recurso não tenha por objecto, além do acórdão de 7 de Março
de 2006, o acórdão de 9 de Maio de 2006.
(i) DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO DO ACÓRDÃO DE 7 DE MARÇO DE 2006
6. Os artigos ou preceitos que a Recorrente alega terem sido aplicados pelo
Acórdão de 7 de Março de 2006 para sustentar a norma cuja inconstitucionalidade
vem suscitada, são os seguintes:
a) O artigo 158.º do Código de Processo Civil, que dispõe o seguinte: “1. As
decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida
suscitada no processo são sempre fundamentadas. 2 . A justificação não pode
consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na
oposição”;
b) O artigo 659.º do Código de Processo Civil, que dispõe o seguinte: “1. A
sentença começa por identificar as partes e o objecto do litígio, fixando as
questões que ao tribunal cumpre solucionar. 2. Seguem-se os fundamentos, devendo
o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e
aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.”
7. Ora, desde logo, o acórdão de 07 de Março de 2006 encontra-se formalmente
fundamentado e estruturado nos termos previstos nos artigos 158.º e 659.º, n.º 2
do CPC, isto é, nos seguintes termos:
Capitulo I – vide páginas 1 a 5 do acórdão de 07 de Março de 2006 -
identificação das partes e do objecto do litígio, fixando as questões que ao
tribunal cumpre solucionar mediante transcrição das conclusões de recurso do
Recorrente;
Capitulo II - páginas 5 a 8 do acórdão de 07 de Março de 2006 – discriminação
dos factos que considera provados;
Capítulo III – páginas 8 a 13 do acórdão de 07 de Março de 2006 – alegações
vagas e genéricas sobre o objecto do litígio e o instituto da reversão e reserva
em geral sem qualquer alusão a qualquer preceito ou norma jurídica em concreto.
Conclusão – página 14 do acórdão de 07 de Março de 2006 – síntese conclusiva da
decisão final.
8. Assim, considerando que o acórdão de 07 de Março de 2006 está, pelo menos
formalmente fundamentado e estruturado nos termos dos citados artigos a
Recorrente entende que é manifestamente forçado afirmar-se que o acórdão de 07
de Março de 2006 não aplicou, pelo menos implicitamente, os arts. 158.º e 659.º,
n.º 2 do Código de Processo Civil.
9. Acresce que, o afirmado no Capítulo III do acórdão de 07 de Março de 2006
permite ainda concluir que a interpretação normativa que teve por referência os
arts. 158.º e 659.º, n.º 2 do Código de Processo Civil foi efectuada no sentido
de que para se dar cumprimento à estatuição (obrigação de fundamentação e
obrigação de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes)
de tais preceitos não seria necessário indicar expressamente as normas aplicados
que justificaram o sentido da decisão.
10. Aliás, ainda que dúvidas existissem quanto à aplicação implícita, pelo
acórdão de 7 de Março de 2006, da norma que se extrai dos artigos 158.º e 659.º,
n.º 2 do Código de Processo Civil no sentido referido, tais dúvidas vieram a ser
totalmente dissipadas pelo resposta dada à arguição de nulidade efectuada pelo
acórdão de 9 de Maio de 2006.
11. A Recorrente arguiu a nulidade do referido acórdão nos seguintes termos:
“A al. b) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC comina de nulidade a decisão que “não
especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”
No caso concreto o A. foi declarado como dono e legítimo comproprietário dos
1.013.8548 ha da Herdade …dessa, sem qualquer motivação de direito quanto às
concretas normas e preceitos legislativas que fundaram tal decisão.
Assim sendo, a R. desconhece quais os concretos preceitos legais em que se
fundou o Acórdão recorrido para chegar à conclusão de que A. é dono e legítimo
comproprietário dos 1.013.8548 ha da Herdade … .
Aliás, tal revela-se no caso sub judice como extremamente grave, pois pretendo a
R. interpor recurso do acórdão para o tribunal constitucional esta desconhece em
absoluto quais as normas ou preceitos legislativos que foram aplicados para
alicerçar o sentido da sua decisão.
A decisão objecto da presente reclamação encontra-se, assim, viciada por falta
de fundamentação de direito, pelo que o acórdão sub judice é nulo, nos termos do
artigo 668.º, nº 1, al. b) do CPC.
12. Por acórdão de 09 de Maio de 2006 foi tal arguição de nulidade por falta de
fundamentação indeferida utilizando para fundamentar tal indeferimento fazendo
um uso lacónico da seguinte frase “não há, pois, qualquer (...) falta de
fundamentação” (cfr. acórdão a fls...).
13. Portanto, com tal frase o acórdão de 09 de Maio de 2006 mais não se fez que
confirmar e reiterar (e não inovar) o entendimento normativo já veiculado no
acórdão de 07 de Março de 2006, isto é, o entendimento segundo qual se retira da
norma contida nos artigos 158.º e 659.º, n.º 2 do Código de Processo Civil que o
Tribunal não está obrigado a indicar expressamente em sede de fundamentação de
direito as normas ou preceitos legislativos que foram aplicados para alicerçar o
sentido da sua decisão.
14. É que, salvo o devido respeito, o silogismo judiciário expresso na decisão
reclamada, além de carecer de coerência lógica, revela a presença de uma
manifesta contradição:
a) Por um lado: afirma-se que o Acórdão de 9 de Maio 2006 (que se limita a
confirmar sem carácter inovatório o entendimento normativo vertido no Acórdão de
7 de Março de 2006) aplicou os artigos 158.º e 659.º, n.º 2 do CPC;
b) Por outro lado, contraditoriamente: afirma-se que a decisão confirmada (o
Acórdão de 7 de Março de 2006) não aplicou os artigos 158.º e 659.º, n.º 2 do
CPC.
15. Aliás, o único silogismo judiciário legalmente admissível seria o seguinte:
Primeira Premissa: o Acórdão de 9 de Maio de 2006 aplicou a norma contida nos
artigos 158.ºe 659.º, n.º 2 do CPC segundo a qual o Tribunal não está obrigado a
indicar expressamente em sede de fundamentação de direito as normas ou preceitos
legislativos que foram aplicados para alicerçar o sentido da sua decisão.
Segunda Premissa: o Acórdão de 9 de Maio de 2006 ao afirmar que o Acórdão de 7
de Março de 2006 não enferma de falta de fundamentação confirmou ou reiterou o
entendimento normativo sufragado pelo Acórdão de 7 de Março de 2006 a partir dos
artigos 158.ºe 659.º, n.º 2 do CPC.
Conclusão: Ambos os Acórdãos (o de 9 de Maio de 2006 e o de 7 de Março de 2006)
aplicaram a norma contida nos artigos 158.ºe 659.º, n.º 2 do CPC segundo a qual
o Tribunal não está obrigado a indicar expressamente em sede de fundamentação de
direito as normas ou preceitos legislativos que foram aplicados para alicerçar o
sentido da sua decisão.
16. Finalmente, tenha-se ainda presente que norma que se retira dos artigos
158.º e 659.º, n.º 2 do CPC nunca assim foi configurada ou aplicada pelas duas
instâncias de recurso que precederam a prolacção do acórdão do Supremo Tribunal
de Justiça e nem seria expectável que tal assim acontecesse (pugnando pela
admissibilidade do recurso nessa circunstancias, vide o Acórdão nº 136/85,
Acórdãos do Tribunal Constitucional, 6º vol., págs. 615 e segs.; o Acórdão nº
94/88, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 11º vol., págs. 1089 e segs.; o
Acórdão nº 51/90, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 15º vol., págs. 499 e
segs.; e o Acórdão nº 60/95, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 30º vol.,
págs. 445 e segs.).
17. Assim, só resta concluir pela admissibilidade do recurso do acórdão de 7 de
Março de 2006 quanto à inconstitucionalidade da norma por falta de fundamentação
porquanto a norma que se retira dos artigos 158.º e 659.º, n.º 2 do CPC foi, de
facto, aplicada pelo Tribunal a quo e o referido acórdão não admite recurso
ordinário por já haverem sido esgotados todos os recurso que no caso cabiam
(cfr. art. 70.º, n.º 2 e 5 da LOFPTC e 676.º e 678.º do CPC).
(ii) DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO DO ACÓRDÃO DE 9 DE MAIO DE 2006
18. Acresce que, mesmo que se entenda que “Tais preceitos [os artigos 158.º,
659.º, n.º 2 e 668.º, n.º 1 do CPC] a terem alguma vez sido aplicados com o
sentido que a recorrente invoca (...) só o poderiam ter sido no acórdão de 9 de
Maio de 2006, que decidiu, contra opinião da recorrente, não haver lugar a
qualquer aclaração ou reforma do acórdão de 7 de Março de 2006 e não existir,
nesse acórdão, qualquer nulidade, designadamente por omissão de fundamentação”
(cfr. decisão sumária a fls...) ainda assim, o presente recurso sempre deveria
ser admitido porquanto o mesmo tem por objecto, além do acórdão de 7 de Março de
2006, o acórdão de 9 de Maio de 2006.
19. Tal resulta literalmente do requerimento de recurso da Recorrente, onde se
refere: “O presente recurso tem assim por objecto a inconstitucionalidade da
norma que se retira dos artigos (...) na interpretação formulada pelo Tribunal a
quo (no Acórdão final e no Acórdão que indeferiu a nulidade por falta de
fundamentação)” (cfr. requerimento de recurso a fls...).
20. Tal é, aliás, o único entendimento que se coaduna com a invocação efectuada
no requerimento de recurso para sustentar a sua admissibilidade de que “Tal
norma, com os contornos delimitados no termos número anterior,: (...) refere-se
a normas processuais aplicáveis, a título principal ou incidental, na própria
decisão que vai apreciar o requerimento em que se contenha a arguição de
nulidade ou o pedido de aclaração” (cfr. requerimento de recurso).
21. Também aqui, a norma que se retira dos artigos 158.º, 659.º, n.º 2 e 668.º,
n.º 1, al. b) do CPC nunca assim foi configurada ou aplicada pelas duas
instâncias de recurso que precederam a prolacção do acórdão do Supremo Tribunal
de Justiça e nem seria expectável que tal assim acontecesse.
22. Assim sendo, só resta também concluir pela admissibilidade do recurso quanto
ao acórdão de 9 de Maio de 2006 até porque, como foi expressamente referido na
decisão sumária, não restam dúvidas que a norma que se retira dos artigos 158.º,
659.º, n.º 2 e 668.º, n.º 1, al. b) do CPC foi aplicada pelo citado acórdão e
este não admite recurso ordinário por a lei o não prever (cfr. art. 70.º, n.º 2
e 5 da LOFPTC e 670.º, n.º 2 do CPC).
B) DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO QUANTO APLICAÇÃO DE NORMA INCONSTITUCIONAL POR
VIOLAÇÃO DO DIREITO DE PROPRIEDADE E DO DIREITO A JUSTA INDEMNIZAÇÃO
23. O Requerente delimitou o objecto do presente recurso, além do mais, nos
seguintes termos:
“O presente recurso tem ainda por objecto a inconstitucionalidade da norma que
se retira dos artigos 1305.º, 1310.º, 1311.º e 1316.º do Código Civil e dos
artigos 14.º, 17.º, 20.º e 26.º n.º 2 da Lei 109/88, do artigo 31.º da Lei n.º
109/88 na redacção da Lei 46/90, de 22 de Agosto, do artigo 44.º da Lei n.º
86/95, de 01 de Setembro, do artigo 11º, n.º 1, do Decreto Regulamentar nº
44/88, de 14 de Dezembro, dos artigos. 1.º e 13º da Lei 80/77, de 26 de Outubro
e dos artigos 1.º, 3.º e 4.º do Decreto-Lei n.º 199/88, de 31 de Maio, na
interpretação formulada pelo Tribunal a quo – segundo a qual é possível esbulhar
ou retirar à R., sem atribuir qualquer compensação, o crédito sobre o Estado a
título a indemnização pela expropriação da parcela da “Herdade da …” de que a A.
era titular em virtude do acordo de partilha homologado - por violação das
normas e princípios consagrados nos artigos 8.º e 18.º, n.º 2 e 3, 62.º, n.º 1 e
2, 94.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa” (cfr. requerimento de
recurso a fls...).
24. A Decisão Sumária fundamenta a não admissibilidade do recurso invocando que:
a imputação de inconstitucionalidade foi efectuada à decisão judicial e não à
norma, e;
que os preceitos questionados não foram interpretados no sentido identificado
pela Recorrente.
25. Em primeiro lugar, está bem patente na expressão utilizada no requerimento
de recurso que “O presente recurso tem ainda por objecto a inconstitucionalidade
da norma que se retira dos artigos (...) na interpretação formulada pelo
Tribunal a quo” (cfr. requerimento recurso) que a imputação da
inconstitucionalidade foi efectuada à norma e não à decisão judicial.
26. Em segundo lugar, sob pena de existir situações de denegação de justiça
constitucional, nos casos em que fundamentação adoptada pelo tribunal a quo
revela deficiências na concretização das normas jurídicas aplicadas, já se
decidiu admitir o recurso sempre que se possa deduzir que tal norma foi aplicada
ou desaplicada implicitamente pelo Tribunal a quo (cfr. nesse sentido, entre
outros, o Acórdão do TC n.º 205/95 e n.º 206/95).
27. No caso concreto:
a) Os AA. da presente acção, então Recorrentes interpuseram recurso para o
Supremo Tribunal de Justiça alegando, em conclusão, “a violação dos artigos
1305.º e 1316.º do Código Civil e o artigos 14.º, 20.º e 26.º n.º 2 da Lei
109/88, o artigo 31.º da Lei n.º 109/88 na redacção da Lei 46/90, de 22 de
Agosto, o artigo 44.º da Lei n.º 86/95, de 01 de Setembro e o artigo 145.º, n.º
2 do CPA” (cfr. 21.ª conclusão das alegações de recurso dos AA.);
b) A Recorrente, em face da ausência de referência a qualquer preceito legal
expresso tem de presumir que a norma segundo a qual se reconheceu o A. como
contitular do direito de propriedade da Herdade da …, e em simultâneo se
esbulhou ou retirou à R., sem qualquer compensação, o crédito a título de
indemnização sobre o Estado de que a R. era titular em virtude do acordo de
partilha homologado foi retirada da interpretação conjugada dos preceitos cuja
interpretação constitui objecto do recurso.
28. Por outro lado, se é verdade que não foi expressamente afirmado pelo
Tribunal a quo que a dimensão normativa adoptada permitia “esbulhar ou retirar à
R., sem atribuir qualquer compensação, o crédito sobre o Estado a título a
indemnização pela expropriação da parcela da “Herdade da …” de que a A. era
titular em virtude do acordo de partilha homologado” a verdade é que tal é a
consequência lógica de se ter decidido que a parcela de terreno da herdade
objecto de reserva e reversão configurava um bem comum do casal não partilhado e
em consequência declarou-se “o autor (sucessores)” como “dono e legítimo
proprietário, em contitularidade com a ré, em comum e sem determinação de parte
dos 1.013.8548 há da Herdade …, com as legais consequências” (cfr. acórdão do
Supremo Tribunal de Justiça a fls...);
29. Assim sendo, podendo afirmar-se:
a) que a imputação da inconstitucionalidade foi efectuada a uma norma e não à
decisão proferida pelo STJ, e;
b) que a partir das conclusões que delimitaram o objecto do recurso é possível
determinar, pelo menos implicitamente, a norma inconstitucional que vem
suscitada no presente recurso;
há que concluir-se pela admissibilidade do recurso sobre inconstitucionalidade.
C) DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO QUANTO APLICAÇÃO DE NORMA INCONSTITUCIONAL POR
VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES E DO CASO JULGADO
30. A Recorrente delimitou o objecto do presente recurso, além do mais, nos
seguintes termos:
“O presente recurso tem ainda por objecto a inconstitucionalidade da norma que
se retira dos artigos 66.º e 101.º do Código de Processo Civil, do art. 18.º da
Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, dos artigos 14.º, 17.º, 20.º e 26.º n.º 2 da Lei
109/88, do artigo 31.º da Lei n.º 109/88 na redacção da Lei 46/90, de 22 de
Agosto, do artigo 44.º da Lei n.º 86/95, de 01 de Setembro, do artigo 11º, n.º
1, do Decreto Regulamentar n.º 44/88, de 14 de Dezembro e do artigo 145.º, n.º 2
do CPA, na interpretação formulada pelo Tribunal a quo – segundo a qual se
atribuiu ao A. a propriedade que adveio a título exclusivo para a R. através dos
actos administrativos que conferiram a reserva e a reversão - por violação das
normas e princípios consagrados nos artigos 2.º, 111.º, n.º 1 e 2, 202.º, n.º 2,
203.º, 205.º, n.º 2, 211.º, n.º 1 e 212.º n.º3 da Constituição da República
Portuguesa.” (cfr. requerimento de recurso a fls...).
31. Decisão Sumária fundamenta a não admissibilidade do recurso com o referido
objecto na circunstância de se entender que a imputação de inconstitucionalidade
poderia ter sido efectuada em momento anterior pois seria “previsível “ a
aplicação da norma com os referidos contornos.
32. No caso concreto, há que ter presente o seguinte:
a) Nos termos do artigo 1316.º do Código Civil “o direito de propriedade
adquire-se por contrato, sucessão por morte, usucapião, ocupação, acessão e
demais modos previstos na lei”;
b) No caso sub judice a aquisição do direito de propriedade, quer por reserva
quer por reversão, representa um dos modos de aquisição da propriedade previstos
na lei (cfr. art. 44.º, n.º 1 da Lei n.º 86/95, de 1 de Setembro, e art. 14.º da
Lei n.º 109/88, de 26 de Setembro) caindo portanto na parte final do citado
artigo 1316.º do Código Civil.
c) Do rol de factos provados nos presente autos não resulta qualquer acto ou
facto jurídico do qual possa resultar a aquisição da propriedade a favor do A.
nos termos do artigo 1316.º do Código Civil (por contrato, sucessão por morte,
usucapião, ocupação, acessão, por reserva ou por reversão);
d) Isto é, do rol de factos considerados provados, a menos que se queira colocar
em crise, desconsiderar a vigência na ordem jurídica ou anular os actos
administrativos que atribuíram o direito de propriedade em exclusivo à R., não
resulta qualquer título aquisitivo do direito de propriedade que se afirma ter
sido constituído a favor do A..
33. Ora, atento a tais pressupostos de facto e de direito, a Recorrente nunca
poderia configurar ou admitir, ainda que em abstracto, que o tribunal pudesse
alguma vez declarar o primitivo A. como comproprietário dos 1.013.8548 ha da
Herdade ….
34. É que, salvo o devido respeito, uma vez que a lei não prevê qualquer outro
modo de aquisição da propriedade além dos previstos no artigo 1306.º do Código
Civil e não resulta provado nos autos qualquer facto que permite a aquisição da
propriedade a favor do A., a dimensão normativa que obteve vencimento no acórdão
de 7 de Março de 2006 nunca seria esperada pela Recorrente.
35. Para mais, segundo se afirma próprio no acórdão de 7 de Março de 2006 “é da
competência da justiça administrativa a apreciação da legalidade dos actos
administrativos em causa e é da competência do foro cível decidir se os
herdeiros do auto são ou não comproprietários com a ré das áreas atribuídas a
esta” (cfr. acórdão a fls...).
36. Porém, não obstante tal conclusão, a verdade é que o acórdão se debruçou, em
concreto, sobre a apreciação do instituto da reserva e da reversão numa lógica
cassatória (de anulação ou declaração de nulidade) de censura aos actos
administrativos que conferiram a reserva ou a reversão em exclusividade à R..
37. Portanto, a aplicação da norma com os referidos contornos nunca seria
“expectável”, pois tal só seria admissível se se configurasse, em abstracto,
como possível que os Tribunais Comuns invadissem a esfera de competência da
administração e dos tribunais administrativos adoptando uma interpretação
normativa que não tem qualquer base na letra e no espirito dos artigos 66.º e
101.º do Código de Processo Civil, do art. 18.º da Lei n.º 3/99, de 13 de
Janeiro, dos artigos 14.º, 17.º, 20.º e 26.º n.º 2 da Lei 109/88, do artigo 31.º
da Lei n.º 109/88 na redacção da Lei 46/90, de 22 de Agosto, do artigo 44.º da
Lei n.º 86/95, de 01 de Setembro, do artigo 11º, n.º 1, do Decreto Regulamentar
n.º 44/88, de 14 de Dezembro e do artigo 145.º, n.º 2 do CPA.
38. Acresce que, invocar a inconstitucionalidade de tal norma seria admitir a
tese, desde sempre rejeitada pela Recorrente, de que os Tribunais comuns
poderiam proceder à apreciação do instituto da reserva e da reversão censurando,
portanto, a atribuição, pelos actos administrativos praticados, da propriedade
em exclusiva à R. em manifesta contradição com a estratégia processual que
sempre foi adoptada nos presentes autos (admitindo-se a possibilidade de recurso
nessas circunstâncias vide o Acórdão nº 605/95, Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 32º vol., págs. 449 e segs.).
39. Por último, tenha-se presente que a inconstitucionalidade normativa
suscitada constitui matéria que revela em sede de incompetência absoluta do
Tribunal a quo, pelo que o poder jurisdicional, por força do que se preceitua no
artigo 102.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, nunca se esgotaria com a
decisão recorrida o que só por si imporia a admissão do recurso (admitindo o
recurso nessas circunstâncias vide o Acórdão nº 3/83, Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 1º vol., págs. 245 e segs.)
D) DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO QUANTO APLICAÇÃO DE NORMA INCONSTITUCIONAL POR
VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA TUTELA JURISDICIONAL EFECTIVA E DO DIREITO DE
PROPRIEDADE
40. A Recorrente delimitou o objecto do presente recurso, além do mais, nos
seguintes termos:
“O presente recurso tem ainda por objecto a inconstitucionalidade da norma que
se retira dos artigos 4.º, n.º 2, al. a) e 409.º do Código de Processo Civil,
dos artigos 342.º, n.º 1, 1305.º, 1311.º e 1316.º do Código Civil e dos artigos
14.º, 20.º e 26.º n.º 2 da Lei 109/88, do artigo 31.º da Lei n.º 109/88 na
redacção da Lei 46/90, de 22 de Agosto e do artigo 44.º da Lei n.º 86/95, de 01
de Setembro, na interpretação formulada pelo Tribunal a quo – segundo a qual é
possível a atribuição da propriedade ao A. numa acção de simples apreciação
positiva e sem que se tivesse provado qualquer facto aquisitivo da propriedade a
favor do A. - 18.º, n.º 2 e 3, 20.º, n.º 1 e 4, 62.º, n.º 1 e 2 da Constituição
da República Portuguesa (cfr. requerimento de fls...).
41. A Decisão Sumária fundamenta a não admissibilidade do recurso com o referido
objecto invocando que:
a) a norma, com os referidos contornos, não foi aplicada pelo tribunal a quo;
b) não se está perante um sentido normativo de todo em todo insólito ou
imprevisível, em termos de dispensar a recorrente da suscitação antecipada da
questão de inconstitucionalidade.
42. Como já se referiu, nos casos em que fundamentação adoptada pelo tribunal a
quo revela deficiências na concretização das normas jurídicas aplicadas, já se
decidiu admitir o recurso sempre que se possa deduzir que tal norma foi aplicada
ou desaplicada implicitamente pelo Tribunal a quo (cfr., nesse sentido, entre
outros, o Acórdão do TC n.º 205/95 e n.º 206/95).
43. Ora, no caso concreto:
a) Está-se inequivocamente perante uma acção de simples apreciação positiva;
b) Não foi feita prova de qualquer facto aquisitivo da propriedade a favor do
A.;
44. Ora, em face da ausência de referência a qualquer preceito legal expresso no
referido acórdão é legitimo presumir que a norma segundo a qual é possível a
atribuição da propriedade ao A. numa acção de simples apreciação positiva sem
que se tivesse provado qualquer facto aquisitivo da propriedade a favor do A.
foi retirada da interpretação conjugada dos preceitos cuja interpretação
constitui objecto do recurso.
45. Acresce que, atento a tais pressupostos de facto e de direito, a Recorrente
nunca poderia configurar ou admitir, ainda que em abstracto, que o tribunal
pudesse alguma vez declarar o primitivo A. como comproprietário dos 1.013.8548
ha da Herdade ….
46. Assim sendo, podendo afirmar-se:
a) que a partir das conclusões que delimitaram o objecto do recurso é possível
determinar, pelo menos implicitamente, a norma inconstitucional que vem
suscitada no presente recurso;
b) que a aplicação da norma com os referidos contornos nunca seria “expectável”
para a Recorrente;
há que concluir-se pela admissibilidade do presente recurso.[...]”.
9. Notificados para responder, os reclamados nada disseram.
Dispensados os vistos, cumpre decidir.
III – Fundamentação
10. A decisão sumária reclamada concluiu, em primeiro lugar, pela
impossibilidade de conhecer do objecto do recurso na parte em que a recorrente
pretendia ver apreciada “a inconstitucionalidade da norma que se retira dos
artigos 158.°, 659.°, n.° 2 e 668.°, n.° 1, al. b) do Código de Processo Civil
aplicáveis ex vi do artigo 713.°, n.° 2 e 716.°, n.° 1 e 726.° do mesmo Código
de Processo, na interpretação formulada pelo Tribunal a quo (no Acórdão final e
no Acórdão que indeferiu a nulidade por falta de fundamentação), - segundo a
qual o Tribunal não está obrigado a indicar expressamente em sede de
fundamentação de direito as normas ou preceitos legislativos que foram aplicados
para alicerçar o sentido da sua decisão”, por não ter sido essa norma aplicada,
como ratio decidendi, pela decisão recorrida, expressamente identificada pela
recorrente no requerimento de interposição do recurso como sendo o Acórdão de 7
de Março de 2006. A reclamante vem contestar esta conclusão procurando, em
síntese, demonstrar que: (i) o acórdão de 7 de Março de 2006 aplicou, ainda que
implicitamente, a norma que vem questionada (nºs 6 a 17 da reclamação); (ii) o
recurso interposto tem também por objecto o acórdão de 9 de Maio de 2006 (nºs 18
a 22 da reclamação). Vejamos.
10.1. É, desde logo, improcedente a extensa argumentação da reclamante no
sentido de imputar ao Acórdão de 7 de Março de 2006 uma alegada aplicação
implícita de uma determinada interpretação normativa dos preceitos relativos ao
dever de fundamentação das decisões judiciais. Com efeito, como detalhadamente
se demonstrou na decisão reclamada – argumentação com a qual se concorda – não
há naquele acórdão qualquer aplicação, implícita ou explicita, como ratio
decidendi, da norma agora aqui questionada e no sentido em que o vem. Razão pela
qual nunca se poderia, nesta parte, conhecer do objecto do recurso.
10.2. Alega ainda a reclamante que, ao contrário do que se decidiu na decisão
sumária reclamada, o recurso interposto também tem por objecto o acórdão de 9 de
Maio de 2006. Mas, nesta parte, é inequivocamente desmentida, como também já se
demonstrou na decisão sumária reclamada, pelas suas próprias palavras, uma vez
que, no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, que
supra já transcrevemos, identificou de forma expressa e por mais de uma vez a
decisão recorrida como sendo o Acórdão de 7 de Março de 2006. Nesse sentido,
refere expressamente naquela peça processual: “notificada do Acórdão de 7 de
Março de 2006 a fls. .., com ele não se podendo conformar, vem dele interpor
recurso para o Tribunal Constitucional […]” (negrito aditado).
A isto contrapõe agora a reclamante que do requerimento de interposição do
recurso resulta “literalmente” que o mesmo também tem por objecto o acórdão de 9
de Maio de 2006, uma vez que “tal é o único entendimento que se coaduna com a
invocação efectuada no requerimento de recurso para sustentar a sua
admissibilidade de que «Tal norma, com os contornos delimitados no termos número
anterior: (...) refere-se a normas processuais aplicáveis, a título principal ou
incidental, na própria decisão que vai apreciar o requerimento em que se
contenha a arguição de nulidade ou o pedido de aclaração»”. Porém,
manifestamente, sem razão. Com efeito, de quanto afirma pode, quando muito,
retirar-se que a reclamante considera que a norma cuja constitucionalidade
pretendeu, nesta parte, ver apreciada, foi efectivamente aplicada quer pelo
acórdão de 7 de Março quer pelo acórdão de 9 de Maio, mas nada pode extrair-se
no sentido da opção pela interposição do recurso (também) desta última decisão.
Acresce, por último, que ainda que fosse possível aceitar-se – o que, como já se
viu não é e só a benefício do raciocínio aqui se admite – que, nesta parte, o
recurso tem também por objecto a decisão de 9 de Maio de 2006, ainda assim o
mesmo sempre seria de não admitir por uma outra razão. É que, ao suscitar
perante o Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo
668º do CPC, a questão da nulidade do Acórdão de 7 de Março de 2006, por falta
de fundamentação de direito (cfr. nºs 22 a 27 da reclamação por nulidade), a
reclamante não confrontou aquele Supremo Tribunal (como exige o artigo 72º, nº
2, da LTC) com qualquer questão de constitucionalidade normativa reportada
àquele (ou a qualquer outro) preceito legal.
10.3. Assim sendo, apenas resta concluir pela impossibilidade de conhecer do
objecto do objecto do recurso na parte em que a recorrente pretendia ver
apreciada “a inconstitucionalidade da norma que se retira dos artigos 158.°,
659.°, n.° 2 e 668.°, n.° 1, al. b) do Código de Processo Civil aplicáveis ex vi
do artigo 713.°, n.° 2 e 716.°, n.° 1 e 726.° do mesmo Código de Processo, na
interpretação formulada pelo Tribunal a quo (no Acórdão final e no Acórdão que
indeferiu a nulidade por falta de fundamentação), - segundo a qual o Tribunal
não está obrigado a indicar expressamente em sede de fundamentação de direito as
normas ou preceitos legislativos que foram aplicados para alicerçar o sentido da
sua decisão” e, consequentemente, pela improcedência, nesta parte, da presente
reclamação.
11. De acordo com o requerimento de interposição do recurso pretendia ainda a
ora reclamante que o Tribunal Constitucional apreciasse a constitucionalidade da
norma “que se retira dos artigos 1305.°, 1310.°, 1311.° e 1316.° do Código Civil
e dos artigos 14.°, 17.°, 20.° e 26.° n.° 2 da Lei 109/88, do artigo 31.° da Lei
n.° 109/88 na redacção da Lei 46/90, de 22 de Agosto, do artigo 44.° da Lei n.°
86/95, de 01 de Setembro, do artigo 11°, n.° 1, do Decreto Regulamentar n°
44/88, ‘de 14 de Dezembro, dos artigos. 1.º e 13° da Lei 80/77, de 26 de Outubro
e dos artigos 1.°, 3º e 4.° do Decreto-Lei n.° 199/88, de 31 de Maio, na
interpretação formulada pelo Tribunal a quo - segundo a qual é possível esbulhar
ou retirar à R., sem atribuir qualquer compensação, o crédito sobre o Estado a
título a indemnização pela expropriação da parcela da «Herdade da …» de que a A.
era titular em virtude do acordo de partilha homologado - por violação das
normas e princípios consagrados nos artigos 8.° e 18.°, n.° 2 e 3, 62.°, n.° 1 e
2, 94.°, n.° 1 da Constituição da República Portuguesa”. Na decisão sumária
reclamada concluiu-se pela impossibilidade de, também nesta parte, conhecer do
objecto do recurso. Para assim concluir, baseou-se aquela decisão em três
diferentes fundamentos, qualquer deles só por si suficiente para assim decidir.
11.1. Em primeiro lugar considerou-se que, atentos os termos em que a questão
vinha colocada pela recorrente, e que imediatamente supra se recordaram, não se
trataria de uma verdadeira questão de constitucionalidade normativa, mas, quando
muito, do questionar da inconstitucionalidade da própria decisão judicial
recorrida. A reclamante contesta esta conclusão alegando que «está bem patente
na expressão utilizada no requerimento de recurso que “O presente recurso tem
ainda por objecto a inconstitucionalidade da norma que se retira dos artigos
(...) na interpretação formulada pelo Tribunal a quo” (…) que a imputação da
inconstitucionalidade foi efectuada à norma e não à decisão judicial» (nº 25 da
reclamação).Mais uma vez, porém, sem qualquer razão. É certo que a ora
reclamante começa por se referir a uma norma alegadamente extraída por
interpretação dos preceitos que cita. Mas, como pode ver-se, não só nunca
formula, em termos normativos, o conteúdo dessa tal norma, como rapidamente sai
desse plano para se colocar – bem como a toda a discussão - no plano do caso
concreto e do modo como ele foi decidido.
11.2. Considerou-se ainda na decisão sumária reclamada que, mesmo que pudesse
admitir-se que estava ali colocada uma questão de constitucionalidade normativa,
ela não teria sido suscitada perante o Supremo Tribunal de Justiça - como,
aliás, reconhece a própria reclamante - antes de ter sido proferida a decisão
recorrida, como exige o artigo 72º, nº 2, da LTC, não se tratando de um daqueles
casos excepcionais em que se justifica a dispensa do cumprimento desse ónus.
Ora, sobre esta conclusão, que mantém inteira validade, a reclamante nada diz,
ao menos que possa infirmá-la, pelo que agora apenas resta, recuperando a
fundamentação que a sustenta, reiterá-la.
11.3. Finalmente baseou-se ainda a decisão sumária reclamada na circunstância de
não ter a decisão recorrida aplicado os preceitos que, nesta parte, vêm
questionados, no exacto sentido indicado pela recorrente; i.e., no sentido de
que “é possível esbulhar ou retirar à R., sem atribuir qualquer compensação, o
crédito sobre o Estado”. Alega agora a reclamante que “se é verdade que não foi
expressamente afirmado pelo Tribunal a quo que a dimensão normativa adoptada
permitia “esbulhar ou retirar à R., sem atribuir qualquer compensação, o crédito
sobre o Estado a título a indemnização pela expropriação da parcela da “Herdade
da …” de que a A. era titular em virtude do acordo de partilha homologado” a
verdade é que tal é a consequência lógica de se ter decidido que a parcela de
terreno da herdade objecto de reserva e reversão configurava um bem comum do
casal não partilhado e em consequência declarou-se “o autor (sucessores)” como
“dono e legítimo proprietário, em contitularidade com a ré, em comum e sem
determinação de parte dos 1.013.8548 ha da Herdade …, com as legais
consequências”. Mas, manifestamente, também agora não lhe assiste razão.
Como se demonstrou já na decisão sumária reclamada, em termos que merecem a
nossa inteira concordância, pelo que agora se reiteram, o que se concluiu no
acórdão recorrido não foi que era possível “esbulhar ou retirar à R., sem
atribuir qualquer compensação, o crédito sobre o Estado a título a indemnização
pela expropriação da parcela da “Herdade da …” de que a A. era titular em
virtude do acordo de partilha homologado”, (negrito aditado) mas, precisamente,
que o que estava em causa era um bem que não existia no património do casal à
data do inventário e partilha e, consequentemente, que não lhe havia sido
atribuído por esta pelo que não faz parte do património da ora reclamante. Nas
palavras da própria decisão recorrida, que mais uma vez se recordam “não fazem
parte do património exclusivo da recorrida bens que na altura do inventário não
existiam no património do casal, como é o caso da nova área de reserva e da área
atribuída a título de reversão”.
11.4. Assim sendo, verifica-se que, também nesta parte, improcede a reclamação.
12. Concluiu ainda o Tribunal pela impossibilidade de conhecer da alegada
inconstitucionalidade da norma “que se retira dos artigos 66.° e 101.° do Código
de Processo Civil, do art. 18.° da Lei n.° 3/99, de 13 de Janeiro, dos artigos
14.°, 17.°, 20.° e 26.° n.° 2 da Lei 109/88, do artigo 31.° da Lei n.° 109/88 na
redacção da Lei 46/90, de 22 de Agosto, do artigo 44.° da Lei n.° 86/95, de 01
de Setembro, do artigo 11º, n.º1, do Decreto Regulamentar n.° 44/88, de 14 de
Dezembro e do artigo 145.°, n.° 2 do CPA, na interpretação formulada pelo
Tribunal a quo - segundo a qual se atribuiu ao A. a propriedade que adveio a
título exclusivo para a R. através dos actos administrativos que conferiram a
reserva e a reversão - por violação das normas e princípios consagrados nos
artigos 2.°, 111.º, n.° 1 e 2, 202.°, n.° 2, 203.°, 205.°, n.° 2, 211.°, n.° 1 e
212.° n.°3 da Constituição da República Portuguesa”, por não ter a mesma sido
colocada perante o Supremo Tribunal de Justiça, antes de ter sido proferida a
decisão recorrida, como exige o artigo 72º, nº 2, da LTC.
Reconhecendo que a questão não foi efectivamente colocada perante aquele
Tribunal, antes de proferida a decisão recorrida, alega contudo a reclamante, em
síntese, que não tinha de o ter sido, por não ser previsível que o Tribunal
pudesse dar aos preceitos em causa aquele sentido normativo. A esta questão já
se respondeu desenvolvidamente na decisão sumária reclamada, em termos que, por
continuarem válidos, agora, no essencial, se recordam. Como então se demonstrou,
compulsados os autos verifica-se que desde a propositura da acção que o Autor
vinha defendendo a atribuição em contitularidade da propriedade que adveio para
a R. através dos actos administrativos que conferiram a reserva e a reversão,
tendo sido justamente para esse fim que intentou, no Tribunal Judicial de Beja,
a acção de reivindicação. Verifica-se ainda que, não tendo a sua tese vingado na
1ª Instância e na Relação, chegou mesmo a invocar, nas alegações do recurso para
o Supremo Tribunal de Justiça, que determinadas normas, que teriam possibilitado
as anteriores decisões das instâncias, “são inconstitucionais por violação do
artigo 62° da CRP, uma vez que conduziram à perda do direito de propriedade do
autor das áreas reivindicadas, sem qualquer indemnização ou compensação.” Ora,
como então se disse, “considerando a recorrente que a solução normativa
defendida pelos autores não poderia ser alcançada sem uma interpretação em
violação da Constituição dos preceitos infra-constitucionais aplicáveis ao caso,
como agora considera, bastaria - no caso de pretender abrir uma via de recurso
de constitucionalidade para o Tribunal Constitucional - que tivesse respondido
às alegações dos ora recorridos suscitando a questão da constitucionalidade das
normas que poderiam ser invocadas para fundar a solução por estes propugnada. A
verdade, porém, é que nunca o fez, podendo e devendo fazê-lo. Com efeito, ao
contrário do que a recorrente parece crer, em regra não é apenas após a efectiva
aplicação de uma norma por uma decisão judicial (no caso, a decisão recorrida)
que surge a oportunidade processual de suscitar a questão da sua
inconstitucionalidade. Sendo previsível a aplicação de uma norma – ou a sua
aplicação com um determinado sentido normativo – tem efectivamente a recorrente
o ónus de, antecipando essa possível aplicação, confrontar desde logo o Tribunal
que há-de proferir a decisão recorrida com a questão da sua
inconstitucionalidade […]”.
Assim, concluindo como se fez já na decisão sumária reclamada, “sendo
efectivamente previsível que a decisão recorrida, concordando com a solução
normativa que vinha sendo defendida desde sempre pelos ora recorridos, pudesse
aplicar os preceitos em causa no sentido cuja constitucionalidade a recorrente
agora pretende ver apreciada, era-lhe efectivamente exigível que tivesse, se
pretendia acautelar a possibilidade de ver a questão apreciada pelo Tribunal
Constitucional, suscitado, nas próprias contra-alegações do recurso apresentadas
no Supremo Tribunal de Justiça, as questões de constitucionalidade que
considerasse pertinentes”.
Improcede, assim, também neste ponto, a reclamação.
13. Finalmente, a decisão sumária reclamada concluiu ainda pela impossibilidade
de conhecer da norma “que se retira dos artigos 4.°, n.° 2, al. a) e 409.° do
Código de Processo Civil, dos artigos 342.°, n.° 1, 1305.°, 1311.° e 1316.° do
Código Civil e dos artigos 14.°, 20.° e 26.° n.° 2 da Lei 109/88, do artigo 31.°
da Lei n.° 109/88 na redacção da Lei 46/90, de 22 de Agosto e do artigo 44.° da
Lei n.° 86/95, de 01 de Setembro, na interpretação formulada pelo Tribunal a quo
- segundo a qual é possível a atribuição da propriedade ao A. numa acção de
simples apreciação positiva e sem que se tivesse provado qualquer facto
aquisitivo da propriedade a favor do A. - 18.°, n.° 2 e 3, 20.°, n.° 1 e 4,
62.°, n.° 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa”, quer porque a questão
não foi suscitada perante o Supremo Tribunal de Justiça, quer porque essa norma
não terá sido aplicada com esse sentido normativo pela decisão recorrida.
Mais uma vez a reclamante contesta que assim seja. Fá-lo, porém, em termos (cfr.
nºs 42 a 46 da reclamação) que em nada abalam a fundamentação em que, nesta
parte, assenta a decisão reclamada, na qual se encontram já as respostas para as
questões agora colocadas pela reclamante.
Daí que, por isso, apenas reste reiterar tal fundamentação, concluindo, uma vez
mais, pela improcedência da reclamação, também neste ponto.
14. Nestas circunstâncias, verifica-se, por tudo quanto se deixou exposto, que
improcedem todos os fundamentos da reclamação ora apresentada.
III – Decisão
Nestes termos, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência,
confirmar a decisão reclamada no sentido do não conhecimento do objecto do
recurso.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 21 de Setembro de 2006
Gil Galvão
Bravo Serra
Artur Maurício