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Processo nº 532/2006
3ª Secção
Relatora: Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. Pelo acórdão n.º 174/2006, de fls. 4528, foi deferida a reclamação
apresentada por A. contra o despacho de não admissão do recurso que interpusera
para o Tribunal Constitucional do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20
de Outubro de 2005, de fls. 4355, que , por sua vez, julgara o recurso perante
ele interposto da seguinte forma:
'Tudo visto, o Supremo Tribunal de Justiça, reunido em conferência para apreciar
a questão prévia suscitada no exame preliminar do relator, decide-se ante a sua
manifesta improcedência, pela rejeição do recurso oposto pela cidadão A. ao
acórdão n.º 4333/04-3 da Relação de Lisboa, que, no âmbito do comum colectivo
64/02.2JELSB do 2º Juízo Criminal do Seixal, o condenara em 14JUL04 e 06QBR05,
como autor de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art. 21.1 do
Dec-Lei n.º 15/93, na pena de quatro anos e oito meses de prisão e, em cúmulo
jurídico com a pena de dois anos e quatro meses de prisão que lhe fora aplicada
na 1ª instância, por crime p. e p. pelo art. 275.1 do C. Penal, na pena unitária
de cinco anos e seis meses de prisão'.
A questão prévia em causa foi assim descrita neste mesmo acórdão:
«6.1. Em 30MAI03, o ora recorrente havia recorrido – intercalarmente (fls. 2487)
e ss. – do despacho de pronúncia ('Não foram [indicadas] nos despachos que
autorizaram as escutas concretizadas as razões pelas quais se entendeu que tal
diligência era necessária para a descoberta da verdade e da prova; as escutas
não foram acompanhadas judicialmente entre a decisão que as ordenou e a que
ratificou a sua transcrição, as decisões que ordenaram as escutas não têm
motivação de facto; a sua evolução deveu-se a estrito critério policial: tal
torna-as nulas').
6.2. Esse recurso foi recebido, em 03JUN03, para 'subir a final com o recurso
interposto da decisão que puser termo à causa' (fls. 2491).
6.3. Acontece, porém, que o ora recorrente – conformado com a decisão do
tribunal colectivo – não interpôs recurso da decisão final. Fê-lo, todavia, em
seu detrimento, o MP, com (essencial) fundamento nas escutas telefónicas cuja
legalidade o recorrido havia posto em causa no seu recurso retido. Teria
competido a este, por isso, alertar – 'obrigatoriamente' – o tribunal , pelo
menos na respectiva contra-motivação, para os recursos retidos em relação aos
quais mantivesse interesse.
6.4. E, como esse alerta era 'obrigatório' (dele dependendo, por isso mesmo, o
conhecimento do tribunal de recurso), o interessado, de duas uma: a) ou
recorria, subordinadamente, da própria sentença com que se conformara (de
maneira a alertar o tribunal para o seu interesse no conhecimento – em razão do
recurso do MP – do recurso retido) ou, pelo menos, aproveitava a
contra-motivação do recurso para manifestar ao tribunal ad quem a manutenção ou
repristinação desse seu interesse.
6.5. Não o tendo feito, o seu recurso retido – já que não actualizado no momento
processual próprio – perdeu, definitivamente, actualidade.
6.6 Repare-se, de resto, que o ora recorrente nem sequer reclamou contra essa
(pretensa) omissão de pronúncia no recurso (de 09AGO04) oportunamente interposto
do acórdão (pretensamente) omisso, mas tão só, em posterior acto avulso (datado
de 28SET04), e que veio tardiamente explicitar que, 'para além dos vícios
assacados à decisão recorrida, ocorria que a mesma tinha um outro de
conhecimento oficioso, a omissão de pronúncia quanto ao recurso interlocutório'.
Só que, por não se verificar o apontado vício (já que o interessado no
conhecimento do recurso retido não alertara o tribunal ad quem, na resposta ao
recurso do MP ou mesmo em recurso subordinado, para a subsistência do seu
interesse), não haveria – nem haverá – que dele tomar conhecimento, agora,
oficiosamente.»
No recurso interposto para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na
alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, o recorrente
pretendia ver 'apreciada dupla inconstitucionalidade, a saber:
a) do artigo 412º, n.º 5 do CPP, quando interpretado, nos termos em que o foi na
decisão recorrida, isto é, no sentido de que, o recorrido está obrigado a
manifestar nos autos em que recursos retidos está interessado, não se tendo os
mesmos tornado inúteis, quando a matéria questionada no recurso interlocutório,
não obstante tal impugnação, é utilizada para fundamentar alteração na matéria
de facto, por afrontamento do artigo 32º, n.º 1 da CRP;
b) do artigo 412º, n.º 3, als. a) e b) do CPP, quando interpretado nos termos em
que o foi na decisão recorrida, isto é, no sentido de que o Mº Pº não é obrigado
a especificar os elementos subsumíveis a tais alíneas, podendo mesmo indicar os
factos pretensamente errados, a título exemplificativo, podendo o juiz ajudar na
especificação de tais elementos, por afrontamento dos artigos 32º, n.º 1 e 5 da
CRP'.
Pelo despacho de fls. 4367 o recurso não foi admitido. Quanto à
inconstitucionalidade atribuída ao artigo 413º, alíneas a) e b) do n.º 3 do
Código de Processo Penal, 'porque a decisão recorrida o não interpretou' no
sentido apontado pelo recorrente; relativamente ao n.º 5 do artigo 412º do
Código de Processo Penal, 'porque o recurso é manifestamente infundado (art.
76.2 da LTC). Pois que, não obstante a matéria impugnada no recurso
interlocutório (do arguido) haver sido utilizada para fundamentar o recurso
principal (do Ministério Público), o arguido poderia, em recurso subordinado ou
na própria resposta ao recurso do Ministério Público, ter manifestado (e não
manifestou) o seu interesse no conhecimento do recurso retido. Tanto bastaria,
segundo a decisão recorrida, para que a Relação dele devesse tomar conhecimento.
Doutro modo, a Relação nem sequer saberia – nem estaria obrigada a saber – da
existência, nas profundezas do processo, de tal remoto e recôndito recurso'.
Deste despacho reclamou B. para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto
no n.º 4 do artigo 76º da Lei nº 28/82, mas apenas quanto à não admissão do
recurso relativo à norma do n.º 5 do artigo 412º do Código de Processo Penal. E
foi essa reclamação que foi deferida pelo citado acórdão n.º 174/2006.
2. Nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 77º da Lei nº 28/82, o deferimento
da reclamação 'faz caso julgado quanto à admissibilidade do recurso'; o mesmo
não sucede, naturalmente, quanto à respectiva procedência, ainda que o motivo da
sua não admissão tenha sido a manifesta falta de fundamento.
Nos termos do requerimento de interposição do recurso, constitui o seu objecto
a norma constante do n.º 5 do artigo 412º do Código de Processo Penal quando
interpretada no sentido de que ' o recorrido está obrigado a manifestar nos
autos em que recursos retidos está interessado, não se tendo os mesmos tornado
inúteis, quando a matéria questionada no recurso interlocutório, não obstante
tal impugnação, é utilizada para fundamentar alteração na matéria de facto',
norma que o recorrente acusa de violar 'o artigo 32º, n.º 1 da CRP'.
Conforme resulta do acórdão nº 174/2006, não há obstáculos ao conhecimento do
mérito do recurso. Assim, e nomeadamente, está ultrapassada a questão da
utilidade do respectivo julgamento, nos termos questionados pelo Ministério
Público no âmbito da reclamação.
O que o deferimento da reclamação já não permite ao recorrente é,
posteriormente, ampliar ou modificar o objecto do que recurso que interpôs.
Assim, não se considerará, por implicarem dimensões do nº 5 do artigo 412º do
Código de Processo Penal que não foram impugnadas pelo recorrente quando o
recurso foi interposto, nem a alteração constante da conclusão 1. das alegações
apresentadas no Tribunal Constitucional, adiante transcritas, que coloca na
dependência da vontade do recorrido a escolha do momento para “dar cumprimento
ao artigo 412º, nº 5 do CPP', nem o aditamento que, na conclusão 2. das mesmas
alegações, acrescenta a necessidade do convite para que o mesmo indique se
mantém interesse nos recursos retidos.
3. Notificadas para o efeito, as partes apresentaram alegações.
O recorrente, após transcrever parte do acórdão nº 174/2996, formulou as
seguintes conclusões:
'1. O recorrido não tem que dar cumprimento ao artigo 412º, n.º 5 do CPP,
enquanto não sentir, face à tramitação processual essa necessidade.
2.Verificado nos autos esse incumprimento, não se tendo tornado o recurso
necessário, há que convidá-lo a manifestar o seu interesse pelos recursos que
tiver pendentes.
3. É inconstitucional, por violação do artigo 32º, n.º 1 da CRP a interpretação
do aludido artigo, em sentido contrário'.
Quanto ao Ministério Público, observou que não cabe ao Tribunal Constitucional
“determinar qual seja a melhor interpretação da norma em causa, nomeadamente o
âmbito e consequências processuais da omissão de adequado cumprimento pelo
recorrente do ónus prescrito naquele preceito legal e da sua extensão ao
recorrido no recurso dominante”, cabendo apenas ao Tribunal Constitucional
“sindicar se a interpretação normativa, efectivamente realizada de tal norma, é
ou não compatível com os preceitos constitucionais”. Disse ainda que lhe parece
“evidente que não viola a Constituição o mero estabelecimento do ónus que consta
do nº 5 do artigo 412º do Código de Processo Penal e a sua aplicabilidade ao
recorrido no recurso dominante” já que é uma imposição “apropriada a
possibilitar uma maior eficiência do sistema jurisdicional”, por um lado, e “não
implica um sacrifício desproporcionado para ao arguido/recorrente”, não se
traduzindo em nenhuma “dificuldade substancial”concluiu a contra-alegação nestes
termos:
'I – É inconstitucional, por violação do princípio das garantias de defesa, a
interpretação normativa do artigo 412º, n.º 5, do Código de Processo Penal,
segundo a qual (ao contrário do que ocorre no processo civil) é
irremediavelmente preclusiva a omissão de especificação dos recursos retidos que
conservam interesse para o recorrente, conduzindo a omissão de referência aos
mesmos (apesar de oportunamente interpostos e motivados) por parte do recorrente
– que legitimamente optou por não apresentar contramotivação no recurso
dominante, interposto pelo Ministério Público – à respectiva preclusão, sem que
ao arguido seja, ao abrigo do princípio da cooperação, facultada oportunidade
processual para se pronunciar sobre a subsistência de interesse processual na
apreciação dos recursos retidos.
2 – Termos em que deverá proceder o presente recurso.'.
4. A norma cuja inconstitucionalidade se pretende ver apreciada é a
constante do nº 5 do artigo 412º do Código de Processo Penal, que tem a seguinte
redacção:
Artigo 412º
(Motivação do recurso e conclusões)
1. [...]
2. [...]
3. [...]
4. [...]
5. Havendo recursos retidos, o recorrente especifica obrigatoriamente,
nas conclusões, quais os que mantêm interesse.
Do acórdão 174/2006 consta a história deste n.º 5, introduzido no Código de
Processo Penal pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, bem como a referência à
questão (de direito ordinário) de saber se deve ou não considerar-se abrangido
no seu regime o recorrido no recurso que determina a subida dos recursos
retidos, relativamente aos quais ele ocupa a posição de recorrente.
5. Como também se dá nota no acórdão nº 174/2006, o Tribunal Constitucional já
se pronunciou por diversas vezes sobre o n.º 5 do artigo 412º do Código de
Processo Penal.
Sempre estiveram, no entanto, em causa interpretações diferentes da que agora
releva, aplicadas em outros tantos casos concretos. E o Tribunal sempre
observou que a razão de ser do preceito é, por um lado, evitar que o tribunal
superior tenha de julgar recursos que vieram a revelar-se inúteis, deixando ao
critério do recorrente (em recursos retidos) a avaliação do interesse que neles
mantenha e, por outro, minimizar o risco de esquecimento, pelo tribunal, de
recursos anteriormente interpostos, apelando para o efeito à cooperação que é
exigível aos diversos intervenientes processuais.
Assim, no seu acórdão n.º 191/2003 (Diário da República, II série, de 28 de Maio
de 2003), o Tribunal Constitucional decidiu “ julgar inconstitucional, por
violação das disposições conjugadas do artigo 32º, nº 1, e do artigo 20, nº 4,
parte final, da Constituição, o artigo 412º, nº 5, do Código de Processo Penal,
interpretado no sentido de que é insuficiente para cumprir o ónus de
especificação ali consignado a referência a “todos” os recursos, nas conclusões
da motivação, sempre que no texto desta tenha sido feita a sua identificação
individualizada e seriada”.
O Tribunal Constitucional considerou, então, que “tendo em conta a identidade e
unicidade da peça processual em causa – a motivação do recurso” e constando
dessa mesma peça (no texto) a especificação dos recursos retidos e a indicação
(nas conclusões) de que o recorrente mantinha interesse em todos eles, era
excessivo impor, como condição do julgamento dos recursos retidos, a 'repetição
de identificação individualizada dos recursos retidos” nas conclusões.
No acórdão 724/2004 (Diário da República, II série, de 4 de Fevereiro de 2005),
o Tribunal Constitucional decidiu “Julgar inconstitucional, por violação das
disposições conjugadas dos artigos 32º, n.º 1, e 20º, n.º 4, parte final, da
Constituição, o artigo 412º, n.º 5, do Código de Processo Penal, interpretado no
sentido de que a exigência da especificação dos recursos retidos em que o
recorrente mantém interesse, constante do preceito, também é obrigatória, sob
pena de preclusão do seu conhecimento, nos casos em que o despacho de admissão
do recurso interlocutório é proferido depois da própria apresentação da
motivação do recurso interposto da decisão final do processo”, nomeadamente por
entender inaceitável “transferir totalmente e apenas para o arguido os efeitos
decorrentes do incumprimento de um ónus cuja conformação legislativa assenta em
razões de cooperação e colaboração entre o recorrente e o julgador numa situação
em que o cumprimento apenas poderia ser perspectivado sobre uma admissão
hipotética do recurso interposto, por o tribunal não ter cumprido o seu dever de
emitir pronúncia sobre requerimento anterior do arguido através do qual interpôs
o recurso dito retido (…)”.
E, recentemente, no acórdão n.º 381/2006, ainda inédito, o Tribunal, por um
lado, reiterou o julgamento de inconstitucionalidade constante do citado acórdão
nº 724/2004 e, por outro, fazendo apelo à semelhança ao que o Tribunal
repetidamente decidira “sobre uma questão paralela, referida aos ónus constantes
dos n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 412º do Código de Processo Penal, tendo concluído no
sentido da inconstitucionalidade destes preceitos quando interpretados no
sentido de que a mera falta de indicação, nas próprias conclusões da motivação,
de qualquer das menções aí contidas tem como efeito imediato o não conhecimento,
nessa parte , do recurso do arguido, sem que ao mesmo seja facultada
oportunidade de suprir tal deficiência (cfr., entre muitos outros no mesmo
sentido, os Acórdãos n.ºs 288/00, 388/01, 401/2001, 320/2002, 529/2003, 322/2004
ou 405/2004, todos disponíveis na página Internet deste Tribunal”, afirmou:
“A fundamentação que conduziu a esta jurisprudência é inteiramente transponível
para os presentes autos. Com efeito, sendo certo, por um lado, que o cumprimento
adequado do ónus a que se refere o artigo 412º, n.º 5, do CPP, não pressupõe –
numa interpretação funcionalmente adequada, para utilizarmos as palavras do
acórdão n.º 191/2003, já citado – o uso de qualquer fórmula sacramental e, por
outro, que na conclusão 11ª os recorrentes mencionam a existência de dois
recursos interlocutórios retidos, versando sobre a matéria da prescrição,
referindo que os mesmos deveriam 'subir a final', se, ainda assim, alguma dúvida
persistia no espírito do tribunal sobre se os recorrentes mantinham ou não o
interesse na sua apreciação, deveria efectivamente ter procedido a um convite
para o seu esclarecimento, sob pena de, não o tendo feito, decidir com base numa
interpretação normativa do n.º 5 do artigo 412º do Código de Processo Penal que
é incompatível com as disposições conjugadas dos artigos 32º, n.º 1, e 20º, n.º
4, parte final, da Constituição da República Portuguesa.»
Assim, julgou “inconstitucional, por violação das disposições conjugadas dos
artigos 32º, n.º 1, e 20º, n.º 4, parte final, da Constituição da República
Portuguesa, o n.º 5 do artigo 412º do Código de Processo Penal, na interpretação
que permita ao tribunal ad quem, considerando não ser suficiente para o
cumprimento do ónus previsto nesse preceito a referência nas conclusões ao
recurso interlocutório retido e a que o mesmo subirá a final, a liminar rejeição
desse recurso, entretanto já admitido, sem que seja formulado ao recorrente um
convite para explicar se mantém interesse no seu conhecimento'.
6. A norma em apreciação no presente recurso é, portanto, diferente das que
foram consideradas nos referidos acórdãos.
Não deixa, todavia, de respeitar a uma mesma questão substancial e que, no
fundo, se prende, por um lado, com a liberdade de conformação do legislador na
definição das regras de processo penal, e, por outro, com os limites que a
tutela constitucional do direito ao recurso constante do nº 1 do artigo 32º da
Constituição impõe a essa liberdade, nomeadamente vista do ângulo do princípio
da proporcionalidade.
Como se sabe, e se dá nota nos acórdãos anteriormente citados, o Tribunal
Constitucional tem afirmado repetidamente que não é legítimo ao legislador, ao
definir aquelas regras, impor ónus de tal forma excessivos ou desproporcionados
que venham a traduzir-se numa lesão constitucionalmente inaceitável do direito
ao recurso.
Isto se disse também, por exemplo, no seu acórdão nº 260/2002 (Diário da
República, II série, de 24 de Julho de 2002):
«6. O Tribunal Constitucional já por diversas vezes afirmou que se integra na
liberdade de conformação do legislador ordinário a definição das regras
relativas ao processamento dos recursos. Assim, por exemplo, no seu acórdão nº
299/93 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 24º vol., p. 699 e segs.), citado
em vários acórdãos posteriores, o Tribunal Constitucional observou que “(...) o
legislador tem ampla liberdade de conformação no estabelecimento das regras
sobre recursos em cada ramo processual (...)”; necessário é que essas regras não
signifiquem a imposição de ónus de tal forma injustificados ou desproporcionados
acabem por importar lesão da garantia de acesso à justiça e aos tribunais ou,
mais especificamente, no que toca ao processo penal, das garantias de defesa e
de recurso afirmadas no citado nº 1 do artigo 32º.
(…) 8. No que respeita ao formalismo dos recursos em processo penal,
relativamente ao qual há que contar com o referido artigo 32º, º 1, da
Constituição, o Tribunal Constitucional, recorrendo igualmente ao crivo da
proporcionalidade, na sequência de julgamentos de inconstitucionalidade
formulados em três casos concretos (acórdãos nºs 43/99, 417/99, publicados no
Diário da República, II série, respectivamente, de 26 de Março de 1999, de 13 de
Março de 2000 e 43/00, não publicado), julgou inconstitucional, “com força
obrigatória geral (...), por violação do artigo 32º, n.º 1, da Constituição da
República Portuguesa, (...) a norma constante dos artigos 412º, n.º 1, e 420º,
n.º 1, do Código de Processo Penal (na redacção anterior à Lei n.º 59/98, de 25
de Agosto), quando interpretados no sentido de a falta de concisão das
conclusões da motivação implicar a imediata rejeição do recurso, sem que
previamente seja feito convite ao recorrente para suprir tal deficiência.”
Como se tinha escrito no citado acórdão nº 417/99, tais normas impunham “uma
limitação desproporcionada das garantias de defesa do arguido em processo penal,
restringindo o seu direito ao recurso e, nessa medida, o direito de acesso à
justiça”.»
7. Como se viu, também foi por se entender estarem em causa interpretações do nº
5 do artigo 412º do Código de Processo Penal que impunham ao recorrente um ónus
desproporcionado – por confronto com as vantagens, também já apontadas, da
colaboração do interessado e com a consequência decorrente do seu incumprimento
– que o Tribunal Constitucional se pronunciou no sentido da
inconstitucionalidade nos acórdãos n.º 191/2003, 724/2004 3 381/2006.
Note-se, aliás, que tal desproporcionalidade – e agora deixa-se de lado a
hipótese contemplada no acórdão nº 724/2004, pois no caso de que nos ocupamos, o
recurso retido tinha sido oportunamente admitido – assentou decisivamente na
circunstância de na mesma peça processual de que constam as conclusões de
recurso, local onde o nº 5 do artigo 412º do Código de Processo Penal determina
que seja fornecida a indicação, especificadamente, do interesse no julgamento
dos recursos retidos, se considerarem suficientemente especificados tais
recursos; e julgou-se que tal especificação, por ventura não tão perfeita quanto
poderia ser, era todavia idónea para alertar o tribunal para que os tinha de
julgar – ou por saber exactamente que recursos havia a decidir, ou, pelo menos,
por saber que havia recursos a julgar, justificando-se então que convidasse o
recorrente a especificá-los.
Esta circunstância foi também julgada decisiva quando se apreciaram recursos
que, referidos aos nºs 2, 3 e 4 do artigo 412º do Código de Processo Penal, se
julgou ser inconstitucional uma interpretação que considerasse absolutamente
impeditiva do julgamento do recurso uma falta das correspondentes indicação nas
conclusões do recurso (cfr. os acórdãos atrás citados), pronunciando-se o
Tribunal Constitucional no sentido da não inconstitucionalidade quando a omissão
ocorria também na motivação.
Com efeito, no seu acórdão n.º 140/2004 (Diário da República, II série, de 17
de Abril de 2004), foi decidido 'não julgar inconstitucional a norma do artigo
412º, n.ºs 3, alínea b), e 4, do Código de Processo Penal interpretada no
sentido de que a falta, na motivação e nas conclusões de recurso em que se
impugne a matéria de facto, a especificação nele exigida tem como efeito o não
conhecimento desta matéria e a improcedência do recurso, sem que ao recorrente
tenha sido dada oportunidade de suprir tais deficiências'.
Para além disso, nunca se colocou qualquer dúvida quanto ao regime aplicável,
nem houve decisões divergentes sobre as implicações do incumprimento do ónus
imposto pelo nº 5 do artigo 412º do Código de Processo Penal, introduzido neste
diploma, como se disse, pela Lei nº 59/98, e inspirado na lei de processo civil.
Não se encontra, assim, motivo semelhante ao que se julgou contribuir para o
juízo de inconstitucionalidade formulado no citado acórdão nº 260/2002.
8. É certo que, no caso presente, está em causa a imposição do ónus de
especificação ao recorrido no recurso dominante, e não ao recorrente neste
último recurso; e é igualmente certo que a lei de processo penal lhe não impõe,
nem o ónus de responder à motivação apresentada pelo recorrente (no caso, pelo
Ministério Público), nem o ónus de (e aqui o Tribunal Constitucional não tem que
discutir a interpretação feita pelo Supremo Tribunal de Justiça quanto à
admissibilidade de recurso subordinado) recorrer subordinadamente, utilizando a
peça processual correspondente, conforme o caso, para indicar que tem interesse
no julgamento de um recurso retido que anteriormente interpôs.
Daqui não decorre, todavia, que seja desproporcionado exigir ao recorrido que,
eventualmente nessas mesmas peças, e ainda que apenas com esse objectivo, venha
fornecer essa indicação ao tribunal, sobretudo num caso em que, como o próprio
recorrente afirma, a questão objecto do seu recurso retido era relevante para o
recurso principal.
Note-se, a terminar, que se não pode afirmar que o acórdão recorrido tenha
considerado preclusivamente que só nessas peças processuais podia ser cumprido o
ónus de especificação agora em causa. Resulta claramente do respectivo texto,
quando afirma que nem sequer ao arguir a nulidade do acórdão da Relação o
recorrido o cumpriu, que o Supremo Tribunal de Justiça não restringiu
formalmente àquelas peças essa possibilidade.
O que o Supremo Tribunal de Justiça, no fundo, entendeu, foi que o recorrido
teve oportunidade de colocar ante a Relação, tribunal a quem competia julgar o
recurso retido, em momento anterior ao julgamento do recurso principal, a
questão do seu interesse no julgamento do recurso retido.
Não releva, para o efeito, que o primeiro acórdão da Relação tenha sido anulado.
Releva, sim, que o arguido teve plena oportunidade de, em momentos diversos e
mais que suficientes, dar cumprimento a um ónus cuja justificação está mais que
demonstrada.
9. Nestes termos, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão
recorrida no que respeita à questão de constitucionalidade.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 ucs.
Lisboa, 28 de Julho de 2006
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Bravo Serra
Gil Galvão
Vítor Gomes
Artur Maurício