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Processo n.º 241/06
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal
Constitucional
1. A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional,
ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de
Novembro (LTC) (i) da sentença do Tribunal de Trabalho de Lisboa (1.º Juízo)
julgou improcedente a impugnação da decisão do Instituto de Solidariedade e
Segurança Social que lhe indeferira um pedido de apoio judiciário, bem como (ii)
do despacho que indeferiu o pedido de aclaração (iii) e do despacho que julgou
improcedente a arguição de nulidades dessa mesma sentença.
Esse recurso não foi admitido, por despacho de 25 de Outubro de 2005, com
fundamento em que não se verifica o pressuposto da admissibilidade do recurso da
alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, uma vez que o recorrente não suscitara
a inconstitucionalidade de qualquer norma, quer no requerimento dirigido ao
ISSS, quer no recurso de impugnação.
2. O requerente reclama desta decisão para o Tribunal
Constitucional, ao abrigo do n.º 4 do artigo 76.º da LTC, sustentando,
relativamente a cada grupo de normas que identifica, que levantou a questão de
constitucionalidade no momento processual em que tal lhe era permitido, não lhe
sendo exigível que o fizesse em momento anterior e de modo a que o tribunal a
quo tenha tido oportunidade de sobre tais questões se pronunciar, cumprindo-se
assim a finalidade da norma da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
O Instituto de Segurança Social, IP, sustenta que o recurso não
deve ser admitido pelas razões do despacho reclamado.
O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu o seguinte parecer:
“O ora reclamante interpôs recurso de constitucionalidade simultaneamente da
sentença que julgou improcedente a impugnação deduzida e dos subsequentes
despachos que se pronunciaram sobre os pedidos de aclaração e de arguição de
nulidades.
Relativamente a tais despachos, proferidos no âmbito dos referidos incidentes
pós‑decisórios, apenas cumpre salientar que – não cabendo obviamente a este
Tribunal sindicar a concreta decisão, na parte em que considera nada haver a
aclarar e não se verificarem as apontadas nulidades – não se mostram obviamente
aplicados, com o critério normativo da decisão, as interpretações normativas que
o recorrente reportou aos arts. 659.º, 653.º e 655.º do CPC: na verdade, a
“ratio decidendi” de tais despachos é apenas a constatação de que a sentença
proferida não padece de ambiguidade ou obscuridade e que “não ocorre falta de
fundamentação, nem de indicação da matéria de facto provada, nem aferição entre
os fundamentos e a decisão” (fls. 95), afirmações obviamente indindicáveis, por
desprovidas de natureza “normativa” e consequentemente excluídas dos poderes
cognitivos deste Tribunal.
Relativamente à sentença que julgou improcedente a impugnação deduzida, a
respectiva “ratio decidendi”consistiu apenas na conclusão de que – tendo o
requerente um rendimento mensal ilíquido de € 1.734,25 – não se verificam os
pressupostos da presunção de insuficiência económica a que alude o n.º 2 do art.
20º da Lei n.º 30-E/2000, sendo certo que o requerente não cumpriu o ónus
probatório que o vinculava, no que toca à demonstração da alegada carência
económica. Não se pronuncia a sentença sobre a questão da titularidade dos
rendimentos auferidos, sendo óbvio que a questão de constitucionalidade da norma
que consta do citado n.º 2 do art. 20º deveria ter sido suscitada antes da
prolação de tal sentença – e não apenas no requerimento de arguição da
respectiva nulidade.
Finalmente, consideramos manifestamente infundada a questão de
constitucionalidade colocada quanto à norma constante do n.º 3 do art. 28.º da
Lei n.º 30-E/2000: estando em causa a impugnação jurisdicional de uma decisão
administrativa, desfavorável ao impugnante, a atribuição de natureza preclusiva
ao incumprimento do prazo para a Administração remeter os autos a juízo
reverteria em prejuízo para o impugnante, inviabilizando uma eventual
reapreciação jurisdicional da matéria e operando uma insólita sedimentação da
decisão proferida pela Administração/Segurança Social!”
O reclamante foi ouvido sobre o parecer, por poder entender-se
que nele se propõe a não admissão do recurso por fundamento diverso daquele em
que assentou o despacho reclamado, tendo respondido desenvolvidamente, nos
termos que constam de fls. 35-38, no sentido da sua improcedência.
Em resposta a esclarecimentos solicitados ao tribunal a quo,
face à deficiência das peças com que a reclamação foi instruída, em ordem a
saber se na petição inicial de recurso da decisão administrativa de
indeferimento do pedido de apoio judiciário tinha sido suscitada alguma questão
de constitucionalidade e em que termos, obteve-se cópia dessa petição.
3. Com relevo para a decisão da presente reclamação, interessa
considerar as ocorrências processuais seguintes:
a) Em 18 de Março de 2005, foi proferida a seguinte sentença:
“O recorrente A. requereu concessão do benefício do apoio judiciário em 7-7-2004
(fls. 33).
O Instituto de Solidariedade e Segurança Social comunicou em 3‑8‑2004 ser sua
intenção indeferir o pedido por não estar comprovada a alegada insuficiência
económica (fls. 32), tendo indeferido o pedido de concessão do benefício do
apoio judiciário por despacho de 19 de Agosto de 2004.
Interposto recurso de impugnação a fls. 8 e seguintes, foi junta resposta à
impugnação judicial (fls. 2 e seg.tes).
Nos termos do art. 29°, n° 1 da Lei 30-E/2000 de 20.12, o tribunal é competente
para apreciação do recurso.
O recorrente levou ao processo de pedido de apoio judiciário elementos que não
provam a alegada insuficiência económica. Pelo contrário, conclui-se ter o
recorrente um rendimento mensal ilíquido de €1.734,5, o qual, deduzidas as
despesas documentadas é superior ao montante legalmente previsto para que o
beneficio requerido lhe seja concedido, face ao disposto no art. 20°, n° 2 da
Lei 30-E/2000 de 20.12.
A prova da insuficiência económica cabe ao requerente – art. 342° do CC – não
tendo sido cumprido o respectivo ónus, sendo certo que não está abrangido por
qualquer presunção.
Termos em que se confirma a decisão recorrida, julgando-se improcedente o
recurso de impugnação.
Nos termos da alínea o) do art. 6° do Código das Custas Judiciais, fixo à causa
o valor de € 869.443,34, por ser esse o valor da acção para o qual foi requerido
o beneficio, a qual corre termos no 3° Juízo – 3ª Secção do Tribunal de Trabalho
de Lisboa, sob o n° 2978/04.6TTLSB.
Custas pelo recorrente.
Comunique ao Instituto de Solidariedade e Segurança Social.”
b) O reclamante pediu a aclaração da sentença, nos termos do
requerimento de fls. 77 e segs., sustentando que o artigo 20.º da Lei n.º
30-E/2000, de 20 de Dezembro, não estabelece qualquer determinação do montante
legalmente previsto para que o benefício de apoio judiciário seja concedido e
requerendo o esclarecimento da parte em que a sentença “fundamenta que o
rendimento mensal ilíquido de €1.734,25, o qual, deduzidas as despesas
documentadas é superior ao montante legalmente previsto para que o benefício
requerido lhe seja concedido, face ao disposto no artigo 20.º, n.º 2, da Lei n.º
30-E/2000 de 20.12.”.
c) Sobre este requerimento recaiu o seguinte despacho:
“Fls. 77 (req.to de 15-4-05):
Nos termos das disposições conjugadas dos art.s 669°, n° 1, alínea a) e 666°, n°
3, ambos do CPC, para ser atendido o requerimento de aclaração é preciso que
aponte concretamente a obscuridade ou ambiguidade, cujo esclarecimento se
pretende e que se trate realmente de um vício que prejudique a sentença ou o
despacho (A. Reis, CPC Anotado, vol. V; p, 153).
A obscuridade é uma imperfeição da sentença ou despacho que se traduz na sua
ininteligibilidade. A ambiguidade nestas peças é a susceptibilidade de nelas ou
uma passagem delas determinada se poder atribuir dois ou mais sentidos (A. Reis,
CPC Anotado, vol. V; p. 152 e J Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, p. 249).
Na decisão aclaranda de fls, 72 decidiu-se só e apenas só julgar improcedente o
recurso de impugnação.
Esta é que é decisão. O que antecede esta é a fundamentação e não a decisão. E é
nesta que se incluem os fundamentos do caso julgado e não naquela. E por isso
que é desta que se recorre e não daquela (Castro Mendes, Recursos, edição da
AAFDL, 1980, p. 14 e nota 1).
Ora, no requerimento de fls. 77 não se aponta à decisão aclaranda concretamente
qualquer obscuridade ou ambiguidade, apenas se formula uma questão que não tem
de ser respondida, o que é manifestamente um uso do incidente de aclaração para
aquilo que ele nunca deve ser usado.
Quanto a custas, não tem que ser ordenada uma redução que decorre da lei.
Pelo exposto e porque a decisão aclaranda é bem clara, compreende-se
perfeitamente o que está escrito e o que está escrito não tem mais de um
sentido, não há nela nada a aclarar.
Termos em que indefiro o pedido de aclaração.
Pelo incidente a que deu causa condeno o requerente na taxa de justiça de duas
UC’s (CCJ, art. 16°).”
d) Seguidamente, pelo requerimento de fls. 85 e segs., o
reclamante arguiu a nulidade da sentença por
“a) omissão de pronúncia – alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º CPCivil;
b) oposição entre a fundamentação e a decisão – alínea c) do n.º 1 do artigo
668º CPCivil;
c) falta de fundamentação – alínea b) do nº 1 do artigo 668º CPCivil.
I – de direito
II – das respostas à matéria de facto.”
e) Sobre esta arguição recaiu o seguinte despacho:
“Fls. 85 (req.to de 30-5-05):
Não obstante o alegado pelo recorrente, afigura-se que a sentença não é nula nos
termos das alíneas b), c) e d) do n° 1 do art. 668° do Cód. Proc. Civil, pois
pronuncia-se sobre as questões que devia apreciar.
Não ocorre falta de fundamentação, nem de indicação da matéria de facto provada,
nem oposição entre os fundamentos e a decisão.
Com efeito, na decisão em causa, refere-se que o recorrente levou ao processo de
pedido de apoio judiciário elementos que não provam a alegada insuficiência
económica. Mais se refere que o recorrente tem um rendimento mensal ilíquido de
€ 1.734,25, o qual, deduzidas as despesas documentadas é superior ao montante
legalmente previsto para que o beneficio requerido lhe seja concedido, face ao
disposto no art. 20°, n° 2 da Lei 30‑E/2000 de 20.12. Refere-se ainda que a
prova da insuficiência económica cabe ao requerente – art. 342° do CC – não
tendo sido cumprido o respectivo ónus, sendo certo que não está abrangido por
qualquer presunção. Tais factos conduzem logicamente à decisão constante da
sentença, não se verificando, por isso, as nulidades previstas nas alíneas b) e
c) do n° 1 do citado preceito.
Não se verifica omissão de pronúncia porquanto o prazo previsto no art. 28°, n°
3 da Lei 30-E/2000 de 20.12 é meramente ordenador e não preclusivo.
Assim, não se verifica também a nulidade previstas na alínea d) do n° 1 do
citado preceito.
Pelo exposto, em cumprimento do disposto no n° 4 do art. 668° do Cód. Proc.
Civil, nada se oferece acrescentar ou alterar na mesma.”
f) O reclamante interpôs recurso para o Tribunal
Constitucional, da sentença e dos despachos que indeferiram o pedido de
aclaração e a arguição de nulidades, nos termos seguintes:
“O recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei
n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 85/89,
de 7 de Setembro e pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro.
II
Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade das seguintes normas:
a) Constante do n.º 3 do artigo 28° da Lei 30-E/2000, de 20 de Dezembro, quando
interpretada no sentido que lhe foi dada no despacho que indefere a arguição de
nulidade da sentença, de fls…, em que o prazo de dez dias nela estabelecido é
entendido como meramente ordenador, ao arrepio do disposto nos artigos 41° da
mesma Lei e n.º 3 do artigo 145° e n.º 1 do artigo 144°, ambos do Código de
Processo Civil;
b) Da norma vertida no n.º 2 do artigo 659° do Código de Processo Civil, na
interpretação que lhe foi dado tanto na sentença, como no despacho que indefere
o seu pedido de aclaração e no despacho que indefere arguição de nulidade da
mesma, segundo a qual é suficiente, para a fundamentação de direito de uma
decisão, a mera indicação de uma disposição legal;
c) Constante do n.º 2 do artigo 659° do Código de Processo Civil no sentido que
lhe foi dada tanto na sentença, como no despacho que indefere o pedido de
aclaração e no despacho que indefere arguição de nulidade da sentença, de que é
compreensível e, consequentemente, devidamente fundamentada, uma sentença ou
despacho que aplica uma norma que estabelece numa presunção (artigo 20°/2 da Lei
n.º 30-E/2000, de 20 de Dezembro) para concluir decidindo pela existência de um
“máximo legal” preclusivo do direito invocado pelo recorrente;
d) Nos termos conjugados do disposto nos n.º 2 e 3 do artigo 659° e n.º 2 do
artigo 653°, ambos do Código de Processo Civil quando interpretadas no sentido,
como consta da sentença e do despacho que indefere a arguição de nulidade da
mesma, de que não constitui obrigação do Tribunal a indicação dos factos
relevantes para a decisão da causa submetidos a sua apreciação;
e) Nos termos conjugados do disposto nos n.º 2 e 3 do artigo 659° e n.º 2 do
artigo 653°, ambos do Código de Processo Civil no sentido que lhes foi dado
tanto na sentença, como no despacho que indefere a arguição de nulidade da
mesma, em que são interpretados como não tendo o Tribunal obrigação de apreciar
criticamente as provas que lhe foram apresentadas;
f) Constante do n.º 1 do artigo 655° do Código de Processo Civil quando
interpretada no sentido, como consta da sentença e do despacho que indefere a
arguição de nulidade da mesma, de que as provas apresentadas podem ser
arbitraria e discricionariamente apreciadas pelo Tribunal.
g) Da norma constante do n.º 2 do artigo 20° da Lei n.º 30-E/2000, de 20 de
Dezembro, quando conjugada com o disposto na alínea c) do n.º 1 do mesmo artigo,
na interpretação constante da sentença e do despacho que indefere a arguição de
nulidade da mesma, de que o rendimento aí mencionado é o do agregado familiar e
não o rendimento “per capita”.
III)
Tais interpretações violam:
a) Os princípios da igualdade das partes, da legalidade democrática, da
imparcialidade e independência dos juízes; artigos 13°, n.º 1 e 4 do 20°, n.º 2
do 202°, 203° todos da Constituição da República Portuguesa (CRP), 6° Convenção
Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) e 10° Declaração Universal dos Direitos do
Homem (DUDH);
b) Os princípios da legalidade, fundamentação das decisões judiciais,
independência e imparcialidade do Juiz; n.º 2 do artigo 202°, 203° e n.º 1 do
artigo 205° CRP, 6° CEDH, 10° DUDH;
c) Os princípios da legalidade, fundamentação das decisões judiciais,
independência e imparcialidade do Juiz; n.º 2 do artigo 202°, 203° e n.º 1 do
artigo 205° CRP, 6° CEDH, 10° DUDH;
d) Os princípios da legalidade, fundamentação das decisões judiciais,
independência e imparcialidade do Juiz; 202°/2, 203° e 205°/1 CRP, 6° CEDH, 10°
DUDH;
e) Os princípios da legalidade, fundamentação das decisões judiciais,
independência e imparcialidade do Juiz; 202°/2, 203°, 205°/1 CRP, 6° CEDH e 10°
DUDH;
f) Os artigos 20°/1 e 4, 202° e 203° CRP, 6° CEDH e 10° DUDH;
g) Os princípios da igualdade, justiça distributiva, acesso ao direito e aos
tribunais; artigos 13° e n.º 1 do artigo 20° CRP, 6° CEDH, 2°, 7° e 10° DUDH
IV
A questão da inconstitucionalidade foi suscitada nos autos em requerimento
arguindo a nulidade da sentença, de fls…”
g) O recurso não foi admitido pelo despacho reclamado, que é do
seguinte teor:
“Fls. 103 (req.to de 12-7-05)
A. interpõe recurso para o Tribunal Constitucional alegando que o faz ao abrigo
da alínea b) do n° 1 do art. 70° da Lei 28/82 de 15.11, na redacção que lhe foi
dada pela Lei 85/89 de 7.9 e pela Lei 13-A/98 de 26.2.
Dispõe o citado preceito que cabe recurso para o Tribunal Constitucional, em
secção, das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade
haja sido suscitado durante o processo.
Ora, quer no requerimento dirigido ao Instituto de Solidariedade e Segurança
Social em 16-8-2004, junto a fls. 16/17, quer no recurso de impugnação de 9 de
Setembro de 2004, junto de fls. 8 a 11, não é suscitada a inconstitucionalidade
de qualquer norma.
O facto de no requerimento de interposição de recurso se pretender verem
apreciadas inconstitucionalidades não antes suscitadas não integra a previsão da
citada alínea b).
Termos em que não admito o recurso.”
4. Ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC cabe
recurso para o Tribunal Constitucional de decisões dos demais tribunais em cuja
ratio decidendi tenha sido feita aplicação de norma cuja constitucionalidade
(ou, no seu caso, ilegalidade por violação de lei com valor reforçado) tenha
sido suscitada, pelo recorrente, de modo processualmente adequado perante o
tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a
dela conhecer (artigo 72.º da LTC). No caso, foi por incumprimento deste ónus
que o recurso não foi admitido. O recorrente contrapõe que o cumpriu, quanto à
questão referida na alínea g) do requerimento de interposição na petição da
impugnação e, quanto às demais, no requerimento de arguição de nulidades, por
não ter disposto da oportunidade anterior, face à natureza dessas questões.
Sucede que na reclamação prevista no n.º 4 do artigo 76.º e regulada no artigo
77.º da LTC o Tribunal Constitucional tem indiscutivelmente poderes de reexame,
devendo indeferir a reclamação se ocorrer algum dos fundamentos de indeferimento
do requerimento de interposição previstos no n.º 2 do artigo 76.º,
independentemente de confirmar ou não o fundamento adoptado pelo tribunal a quo.
É o que desde logo decorre do facto de a decisão que mande admitir o recurso
fazer caso julgado quanto à sua admissibilidade (n.º 4 do artigo 77.º da LTC).
Assim, passa a apreciar-se se o recurso deve ser admitido ou
se, pelo contrário, ocorre fundamento para que o não seja, ainda que diverso
daquele de que se serviu o despacho sob reclamação, seguindo, por comodidade
expositiva, a arrumação adoptada pelo reclamante.
5. Quanto às normas processuais relativas à estrutura da
sentença, ao julgamento da matéria de facto e à apreciação das provas – alíneas
b) a f) do requerimento de interposição
Nas alíneas do requerimento de interposição do recurso em
epígrafe o ora reclamante enunciou vários sentidos ou dimensões normativas dos
n.ºs 2 e 3 do artigo 659.º, do n.º 2 do artigo 653.º e do n.º 1 do artigo 655.º
do Código de Processo Civil que diz terem sido adoptados e aplicados pelo
tribunal a quo. Para rebater o fundamento adoptado para a não admissão do
recurso, sustenta na reclamação que a questão de constitucionalidade dessas
normas foi suscitada no requerimento de arguição de nulidades da sentença e que
esse era o momento processualmente adequado, uma vez que é “a própria sentença,
enquanto peça processual (e não enquanto decisão que conhece do objecto da
causa) que é violadora da Constituição”, não sendo exigível às partes que
sistematicamente lembrem ao juiz o dever de fundamentação das sentenças e de
resolução de todas as questões que deva apreciar e os limites do princípio da
livre apreciação da prova.
O Tribunal vem uniformemente decidindo que, por via de regra, o
pedido de aclaração de decisão judicial ou a arguição da sua nulidade já não
constituem momento idóneo para suscitar questões de constitucionalidade. Às
partes é exigível que antecipem as várias possibilidades interpretativas
razoáveis das normas susceptíveis de serem aplicadas no processo, tendo o ónus
de adoptar uma estratégia processual ordenada a confrontar o tribunal com o que
entendem ser normas ou dimensões normativas inconstitucionais de modo a abrir o
recurso de constitucionalidade. Exceptuam-se, porém, os casos em que não houve
oportunidade processual para suscitar a questão antes da decisão final agindo
com a diligência exigível a um operador judiciário normal. A esta luz, se a
questão de constitucionalidade incidir sobre problemática susceptível de ser
conhecida após a “decisão final” ter sido proferida, nomeadamente quando se
trate de normas processuais relativas ao regime de nulidades da decisão, pode a
inconstitucionalidade ser suscitada no momento da respectiva arguição, não sendo
razoável exigir que a prognose chegue ao extremo de impor que, antes daquela
decisão, se suscite vício de inconstitucionalidade relativo a norma implicada em
eventual nulidade do julgamento.
Todavia, nem por ser assim o recurso deve ser admitido na parte
que neste passo está em exame.
Com efeito, a desconformidade com normas ou princípios constitucionais invocada
no requerimento de arguição de nulidades da sentença, no que especificamente
toca à fundamentação e ao julgamento da matéria de facto, é directamente
referida à própria decisão judicial, em si mesma considerada, e não às normas a
que esta devesse obedecer. Censurou-se a sentença por desrespeito a imperativos
de direito ordinário, constitucional e de convenções internacionais na matéria;
mas em passo algum se confrontou o tribunal que proferiu a decisão alegadamente
nula, ou cujo julgamento da matéria de facto se alega ser arbitrário, com uma
questão de constitucionalidade normativa, por forma a que este devesse saber que
era chamado a fazer uso do poder conferido pelo artigo 204.º da Constituição e
recusar a aplicação aos sentidos normativos agora indicados nas alíneas b), c),
d), e) e f) do requerimento de interposição do recurso.
Assim, logo por aí, por não ter sido suscitada de modo processualmente adequado
perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida a questão de
constitucionalidade das normas dos n.ºs 2 e 3 do artigo 659.º, do n.º 2 do
artigo 653.º e do n.º 1 do artigo 655.º do Código de Processo Civil, não pode
admitir-se o recurso de constitucionalidade interposto.
De todo o modo, também é exacto o que se refere no parecer do
Ministério Público e que igualmente afasta a admissibilidade do recurso para o
Tribunal Constitucional e que consiste em as interpretações que o recorrente
reporta aos artigos 659.º, 553.º e 655.º do Código de Processo Civil não terem
integrado a ratio decidendi da sentença e dos despachos recorridos. Tais
despachos limitaram-se a verificar que a sentença proferida não padece de
ambiguidade ou obscuridade e que não ocorre falta de fundamentação, nem omissão
de indicação da matéria de facto provada, nem oposição entre os fundamentos e a
decisão e a reafirmar o juízo sobre a situação económica do recorrente,
afirmações obviamente excluídas dos poderes cognitivos deste Tribunal. De modo
algum o tribunal a quo funda o seu julgamento ou o seu procedimento, sequer
implicitamente, na imputação aos indicados preceitos de qualquer dos sentidos
normativos que o reclamante enuncia nas mencionadas alíneas do requerimento de
interposição, erigindo como critério susceptível de generalização qualquer dos
sentidos que o recorrente indica quanto à fundamentação das sentenças em matéria
de direito e de facto e quanto à apreciação das provas e ao julgamento da
matéria de facto.
Assim, quanto às normas (ou sentidos normativos) a que se
refere a epígrafe e que se encontram transcritos na alínea f) do n.º 3 do
presente acórdão, improcede a reclamação.
6. Quanto à norma de direito substantivo – alínea g) do
requerimento do requerimento de interposição.
Pretende o requerente ver apreciada a inconstitucionalidade da
norma constante do n.º 2 do artigo 20.° da Lei n.º 30-E/2000, de 20 de Dezembro,
quando conjugada com o disposto na alínea c) do n.º 1 do mesmo artigo, na
interpretação constante da sentença e do despacho que indefere a arguição de
nulidade da mesma, de que o rendimento aí mencionado é o do agregado familiar e
não o rendimento “per capita”.
Diz que suscitou esta inconstitucionalidade nos n.ºs 15 a 21 da petição do
recurso da decisão administrativa. Todavia, esta afirmação é flagrantemente
inexacta, como a simples leitura da referida passagem do articulado que a seguir
se transcreve torna imediatamente patente:
“15º
Ora, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 20º da Lei n.º 30‑E/2000, de 20
de Dezembro, goza da presunção de insuficiência económica quem tiver rendimentos
mensais, provenientes do trabalho, iguais ou inferiores a uma vez e meia o
salário mínimo nacional.
16º
Tal presunção é afastada, nos termos do nº 2 do mesmo artigo, se os restantes
rendimentos totalizarem valor superior a três vezes o salário mínimo nacional.
17º
Tal referência tem de ser entendida como referente a três vezes o salário mínimo
nacional por membro do agregado familiar.
18º
Com efeito, na línea c) do nº 1 a referência é apenas ao requerente.
19º
O que significa que goza de presunção uma pessoa que tenha aquele rendimento.
20º
Terá pois de se entender que, os rendimentos referidos no nº 2 são per capita,
até pelo facto de aí não se referir qualquer quantidade de membros do agregado
familiar.
21º
Sob pena de poder a presunção ser afastada quando o rendimento per capita é
inferior ao salário mínimo nacional – bem abaixo da presunção estabelecida na
alínea c) do nº 1 – (por exemplo, um rendimento de um agregado familiar composto
por dez pessoas de dois mil euros).”
Nada mais há neste texto do que a defesa de determinado
entendimento do direito ordinário, sem sombra de questionamento da validade de
um entendimento normativo contrário ou diverso por violação de normas ou
princípios constitucionais.
Assim, também nesta parte a reclamação improcede.
7. Quanto à norma do n.º 3 do artigo 28.º da Lei n.º 30-E/2000 – alínea a) do
requerimento de interposição.
No requerimento de fls. 72, de arguição de nulidades da
sentença, o recorrente arguiu a nulidade decorrente de o tribunal nada ter dito
sobre a questão, que defendeu ser de conhecimento oficioso, de não ter sido
respeitado pelo serviço de segurança social o prazo estabelecido pelo n.º 3 do
artigo 28.º da Lei n.º 30-E/2000.
Nesse requerimento, fez alusão a questões de constitucionalidade referidas a
este preceito nas seguintes passagens:
“10º
Mesmo que, por absurdo, o que só se admite por mera cautela de patrocínio, face
à clareza da lei (10 dias para revogar a decisão sobre o pedido de apoio
judiciário ou, mantendo-a, enviar), se se entendesse que o prazo de dez dias
referido se contava a partir da data da decisão de manutenção do indeferimento –
o que ocorreu a 19 de Outubro (vide fls 5) – o acto continua a ter sido
praticado fora de prazo (uma vez que o último dia seria 29 de Outubro).
11°
Aliás, entende o recorrente que tal interpretação seria inconstitucional por
violação do disposto nos artigos 20°, n.ºs 1 e 4, 202°/2, 203° e 13° da
Constituição da República Portuguesa e 6° CEDH e 10° DUDH porquanto:
1 – Assume a recorrida, a partir do momento da interposição do recurso, estatuto
processual de parte;
2 – A recorrida não está investida de “jus imperii” pelo que é titular dos
deveres e direitos reconhecidos pela lei processual civil a qualquer entidade
que assuma posição processual idêntica à sua (princípio da igualdade das partes,
corolário do imperativo constitucional vertido no n.º 4 do artigo 20° CRP e
também no n.º1 do artigo 6° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e 10° da
Declaração Universal dos Direitos do Homem);
3 – Os normativos legais têm pois de ser interpretados e aplicados tendo em
conta a igualdade de armas e o princípio da legalidade democrática (corolário do
disposto no artigo 20º/4,13° e 202°/2 CRP – também 203° CRP, enquanto condição
da imparcialidade e independência dos juízes -, e do artigo 6° CEDH e 10° DUDH),
sob pena de violação do princípio da igualdade (13° CRP);
4 – O que manifestamente não sucederia se entendesse que os prazos aplicáveis à
recorrida seriam contados de forma diversa dos aplicáveis ao recorrente;
5 – A que acresce o facto de a Lei 30-E/2000 determinar a aplicação das regras
estabelecidas quanto a prazos urgentes (ie, reconhecendo a especial necessidade
de celeridade), pelo que se, por absurdo, se se entendesse que os dez dias
determinados no n.º 3 do artigo 28° seriam contados da data em que a recorrida
mantivesse a decisão, estaríamos perante o esvaziamento total e completo, senão
mesmo a subversão, da eficácia e validade do disposto no artigo 41° e a negação
do acesso a decisão em prazo razoável (20º/4 CRP, 6° CEDH e 10° DUDH);
6 – Colocando assim nas mãos da recorrida a capacidade absoluta (porque não
susceptível de impugnação, defesa ou fiscalização) de decidir o momento de
cumprimento do determinado no artigo 28°/3 da Lei 30-E/2000, em violação do
disposto nos artigos 13° e 20º/1 e 4 da Constituição e 6° CEDH e 10° DUDH.
12°
E ainda assim, continuaria o acto a ter sido praticado fora de prazo!
13°
Sendo o prazo estabelecido no n.º 3 do artigo 28° da Lei 30-E/2000, um prazo
processual peremptório, é um prazo de caducidade.
14°
Como ensina o prof. Oliveira Ascensão, em linguagem chã para secundaristas do
curso de direito, em Teoria Geral do Direito Civil, vol. IV, Lisboa, 1993, pág.
285, os prazos processuais são prazos de caducidade. Decorridos estes, nem o
juiz pode abrir novo processo, nem as partes o podem aceitar. É matéria excluída
da disponibilidade das partes.
15°
E dúvidas não pode haver de que é um prazo processual, sob pena de denegar o
acesso ao direito e aos tribunais ou, no mínimo, protelar por tempo
indeterminável o acesso a uma decisão, em violação do disposto nos n.º 1 e 4 do
artigo 20° da Constituição da República Portuguesa e 6° CEDH e 10° DUDH.
(…)
30º
Pelo que ter-se-á de concluir, conforme o supra referido, pela
inconstitucionalidade da interpretação que entenda que, sendo um prazo
substantivo de caducidade a sua não notificação ao recorrente, precludiu o seu
direito a vê-lo reconhecido, por violação do direito de defesa, disposto nos n.º
1 e 4 do artigo 20° da Constituição da República Portuguesa, 6° CEDH e 10° DUDH.
31°
Quando muito, e por mera cautela, desde já se alega a nulidade de falta de
notificação ao recorrente de qualquer elemento processual que permita tomar
conhecimento da data de pendência da acção, desde já ampliando a causa de pedir,
nos termos do artigo 273° e 3° CPCivil (novamente, sob pena de violação do
disposto nos n.º 1 e 4 do artigo 20° CRP, 6° CEDH e 10° DUDH), com a alegação da
ocorrência de caducidade da acção face à data da sua propositura, com as legais
consequências (conforme já supra explanado nos artigos 6° a 12° do presente
requerimento).
32°
Retomando, dúvidas não podem existir que o prazo referido no artigo 28° da Lei
30‑E/2000 é prazo peremptório;
(…).”
A isto respondeu o tribunal a quo, no despacho de fls. 95, que
não se verifica omissão de pronúncia “porquanto o prazo previsto no artigo 28.º,
n.º 3 da Lei 30‑E/2000, de 20 de Dezembro, é meramente ordenador e não
preclusivo”.
Aceita-se que o recorrente invocou a questão de
constitucionalidade desta norma na primeira oportunidade de que processualmente
dispôs, uma vez que a tramitação legal do recurso de impugnação das decisões
administrativas de indeferimento do pedido de apoio judiciário não prevê
qualquer intervenção do recorrente, em momento posterior ao incumprimento do
prazo para envio do processo ao tribunal por parte do serviço de segurança
social e anterior à sentença que julgue o recurso, nem tal intervenção teve
efectivamente lugar. Assim, pelas razões expostas em 5., não se justificaria a
não admissão do recurso por não ter sido cumprido o ónus a que se referem a
alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º e o n.º 2 do artigo 72.º da LTC.
Todavia a improcedência de um tal recurso de
constitucionalidade é manifesta, o que igualmente justifica que o Tribunal
indefira a reclamação, ao abrigo do n.º 2 do artigo 76.º da LTC, nos termos
referidos em 4.
Dispunha o artigo 28.º da Lei n.º 30-E/2000, de 20 de Dezembro
(cfr. Actualmente disposição similar no n.º 4 do artigo 25.º da Lei n.º 34/2004,
de 29 de Julho) que:
“1- O recurso de impugnação pode ser interposto directamente pelo interessado e
dirigido por escrito no serviço de segurança social que apreciou o pedido de
apoio judiciário, no prazo de 15 dias após o conhecimento da decisão.
2- O pedido de impugnação não carece de ser articulado, sendo apenas admissível
prova documental, cuja obtenção pode ser requerida através do tribunal.
3- Recebido o recurso, o serviço de segurança social dispõe de 10 dias para
revogar a decisão sobre o pedido de apoio judiciário ou, mantendo-a, enviar
aquele e cópia integral do processo administrativo ao tribunal competente.”
Decorre deste preceito que a petição do “recurso de
impugnação”, embora para apreciação pelo tribunal, é entregue no serviço da
segurança social que proferiu a decisão e não na secretaria do tribunal. No
prazo de 10 dias, a entidade administrativa competente pode revogar a decisão
ou, optando por manter o acto impugnado, enviar a petição de recurso ao
tribunal, instruída com certidão do processo administrativo (o geralmente
denominado “processo instrutor”).
Sustentou o recorrente, no requerimento em que suscitou a questão perante o
tribunal a quo, que a norma do n.º 3 artigo 28.º da Lei n.º 30-E/2000,
interpretada no sentido que esse prazo de 10 dias para a Administração enviar o
recurso ao tribunal é meramente ordenador e não preclusivo ou de caducidade,
viola o disposto nos artigos 13.º e 20.º, n.ºs 1 e 4, da Constituição, 6.º da
Convenção Europeia dos Direitos do Homem e 10.º da Declaração Universal dos
Direitos do Homem. Para tanto, argumentou que, a partir o momento de
interposição do recurso, a Administração assume o estatuto processual de parte,
sendo titular dos direitos e deveres reconhecidos pela lei processual civil,
pelo que o regime dos prazos para a prática dos seus actos tem de respeitar o
princípio da igualdade e que, de outro modo, seria violado o direito a uma
decisão em prazo razoável.
Antes de mais, a pretensão do recorrente em que se enxerta a
questão de constitucionalidade, tomada nos seus termos literais de simplesmente
ver judicialmente reconhecida a extinção do que apresenta como o “direito” da
entidade que proferiu a decisão de indeferimento do pedido de apoio judiciário
de praticar o acto de envio do recurso ao tribunal, conduz a um resultado
absurdo, que seria, ele sim, denegatório da tutela judicial contra decisões
administrativas desfavoráveis e do direito de acesso aos tribunais. Na verdade,
como salienta o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, a atribuição de natureza
preclusiva ao incumprimento do prazo para a Administração remeter os autos a
juízo reverteria em prejuízo para o impugnante, inviabilizando a apreciação
judicial da matéria e operando uma insólita sedimentação da decisão
administrativa desfavorável.
É certo que o recorrente, quando confrontado com o parecer do
Ministério Público veio defender algo de mais compatível com uma defesa racional
dos seus interesses. Sustenta que, sendo aquele prazo preclusivo, a decisão de
indeferimento não seria mantida dentro do prazo e considerar-se-ia revogada.
É duvidoso que esta construção jurídica ainda se compreenda na dimensão
normativa questionada perante o tribunal a quo, visto que desloca o fulcro do
problema das consequências do incumprimento do prazo para o momento da opção
entre revogar ou não a decisão impugnada, que idealmente precede o envio do
processo ao tribunal.
De todo o modo, a argumentação do recorrente para sustentar a
inconstitucionalidade da norma do n.º 3 do artigo 28.º da Lei n.º 30-E/2004 é
construída numa base manifestamente errónea quanto à natureza do acto dos
serviços da segurança social nela previsto, que afecta, de modo absoluto, a
consistência dos raciocínios que desenvolve por referência a normas ou
princípios constitucionais.
Com efeito, a norma que impõe ao serviço receptor da petição do recurso que a
remeta ao tribunal no prazo de 10 dias não estabelece um poder ou faculdade da
Administração, no exercício do qual esta esteja a agir em juízo enquanto
portadora de um interesse na manutenção do acto contraposto ao do recorrente –
formalmente, uma actuação enquanto parte processual –, mas um dever jurídico
inerente ao regime de entrega da petição do “recurso de impugnação” pelo qual se
adoptou.
Não é novidade no nosso sistema jurídico este regime de apresentação do
articulado introdutório da impugnação contenciosa de decisões administrativas
perante o serviço que proferiu a decisão impugnada. É o que – sem preocupações
de exaustão e com algumas particularidades para o efeito irrelevantes,
designadamente quanto a deveres instrutórios ou à previsão do poder de revogação
da decisão recorrida – sucede nos processos de impugnação de actos da chamada
“administração pública do direito privado” perante os tribunais judiciais, como
o recurso dos actos dos conservadores do registo civil (artigo 237.º do Código
do Registo Civil) e do registo predial (artigo 142.º do Código de Registo
Predial) e dos notários (artigo 177.º do Código do Notariado). Aliás, regime
semelhante de entrega da petição vigorou em tempos no contencioso administrativo
(artigo 2.º do Decreto Lei n.º 256-A/77, de 17 de Junho) e vigora ainda, embora
com carácter facultativo, no processo tributário (n.º 1 do artigo 103.º do
Código de Procedimento e Processo Tributário).
Independentemente da questão de saber se, em todos estes processos
impugnatórios, designadamente no caso de que agora nos ocupamos de recurso de
decisão que recaia sobre o pedido de apoio judiciário, a Administração tem a
posição de parte processual, o acto que lhe cumpre praticar de envio do processo
ao tribunal, se não optar pela revogação da decisão recorrida, é um mero acto
material mediante o qual se limita a cumprir o dever de colaboração com o
tribunal que se traduz em receber e encaminhar o recurso e que, em si mesmo, não
enuncia ou veicula qualquer pretensão perante o juiz, nem traduz o exercício de
qualquer poder de impulso ou conformação da relação processual.
E, enquanto disciplina o prazo para a Administração revogar o acto (ou mantê‑lo,
que é o reverso ou exercício negativo do poder revogatório), a norma do n.º 3 do
artigo 28.º não estabelece um prazo para a prática de um acto processual, mas
uma regra do regime de revogação deste tipo de acto administrativo
(revogabilidade ratione temporis; cfr. O regime geral do artigo 141.º do Código
de Procedimento Administrativo). Nessa vertente, disciplina-se um aspecto do
exercício do poder administrativo, não do exercício de um direito ou faculdade
processual a que corresponda um ónus. Ao revogar (ou não revogar) o acto, a
Administração não age no processo e perante o juiz; actua no procedimento e no
exercício de uma competência que, no nosso sistema jurídico e em regra geral,
emerge da titularidade do poder dispositivo na matéria (cfr. Artigo 142.º do
Código de Procedimento Administrativo). Trata-se, portanto, de um prazo
substantivo (que respeita à relação jurídica substantiva ou a aspectos
procedimentais desta) relativamente ao qual é inteiramente deslocado falar de
violação dos princípios da igualdade ou do processo equitativo, apenas pelo
simples facto de o seu desrespeito não ter as mesmas consequências da
inobservância dos prazos processuais (que respeitam à relação jurídica
processual) por parte do recorrente (Concebendo o regime instituído pelo artigo
2.º do Decreto-Lei n.º 256‑A/77, de 17 de Junho, que comportava a apresentação
necessária do recurso contencioso perante o autor do acto recorrido, a faculdade
deste de revogar ou sustentar o acto impugnado em determinado prazo e o dever de
enviar o recurso ao tribunal, instruído com os documentos pertinentes, como uma
“reclamação administrativa prévia” ao recurso contencioso, constituindo uma fase
do então correntemente designado “processo gracioso” enxertada no processo
contencioso inserida no dever de autocontrole da Administração, Maria da Glória
Ferreira Pinto, Considerações Sobre A Reclamação Prévia ao Recurso Contencioso,
separata dos Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, n.º 127).
Em conclusão, as opções postas pelo n.º 3 do artigo 28.º da Lei
n.º 30-E/2000 a cargo da Administração não se traduzem em actos da mesma
natureza dos actos processuais das partes, pelo que não são comparáveis as
consequências cominadas para o incumprimento do respectivo prazo (de ordenação
Vs. De preclusão) para efeitos do princípio da igualdade ou do direito a um
processo equitativo, pelo que é manifesto não poderem estes considerar-se
violados.
Finalmente, não pode atribuir-se ao entendimento de que o referido prazo é
“meramente ordenador e não preclusivo” o efeito de colocar nas mãos da entidade
recorrida a capacidade absoluta (porque não susceptível de impugnação, defesa ou
fiscalização) de decidir o momento de cumprimento do determinado no n.º 3 do
artigo 28.º, com o qual o recorrente esgrime quando invoca a violação do direito
a uma decisão em prazo razoável. Efectivamente, no caso não se colocou a questão
de saber se existe ou não meio processual para compelir a Administração a enviar
o processo para o tribunal, designadamente se o juiz pode avocar o processo ou
intimar a Administração a apresentá-lo, a requerimento do impugnante. No caso,
nenhum pedido desta natureza esteve em discussão. O processo deu entrada no
tribunal em 3 de Novembro de 2004, espontaneamente enviado pelos serviços da
segurança social (No entender do recorrente, deveria ter sido remetido até 20 de
Setembro de 2004).
Assim, discutir este problema corresponderia a apreciar uma
dimensão normativa diversa daquela com que o preceito foi aplicado, o que não
cabe em recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade.
8. Decisão
Pelo exposto, acordam em indeferir a reclamação, mantendo por
razões não inteiramente coincidentes, a decisão que não admitiu o recurso.
Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 20 (vinte)
unidades de conta.
Lisboa, 26 de Julho de 2006
Vítor Gomes
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Artur Maurício