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Processo n.º 445/06
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Mário Torres
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do
Tribunal Constitucional,
1. A., notificada do Acórdão n.º 388/2006, que
– após considerar que o requerimento de “aclaração” por ela deduzido contra a
decisão sumária do relator, de 22 de Maio de 2006, de não conhecimento do
objecto do recurso configurava verdadeira reclamação para a conferência, nos
termos do n.º 3 do artigo 78.º‑A da Lei de Organização, Funcionamento e
Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de
Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro
(LTC), e como tal devia ser tratada – indeferiu tal reclamação, vem arguir a
nulidade do referido Acórdão, “nos termos conjugados dos artigos 670.º, n.º 3,
668.º, n.º 1, alínea c), e 3.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, ex vi artigo
4.º do Código de Processo Penal”, com os seguintes fundamentos:
“1. Contrariamente ao que vem defendido no douto acórdão aclarando, o pedido de
aclaração não configura uma verdadeira reclamação para a conferência, no
sentido ali implícito de que da respectiva decisão resultou a preclusão de uma
nova reclamação nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 78.º‑A da Lei de
Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela
Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98,
de 26 de Fevereiro (LTC). Ou seja, da reclamação própria da decisão sumária a
que se referem os n.ºs 1 e 3 do referido artigo 78.º‑A da LTC.
2. Efectivamente, a considerar diferentemente, o Tribunal Constitucional
estaria necessariamente a dar cobertura a verdadeiras «decisões‑surpresa»,
criando um «critério de decisão» ou seja (uma) norma susceptível de
fiscalização concreta de constitucionalidade, ao arguido do disposto no
princípio da confiança ínsito no princípio do Estado de direito democrático
consignado, entre outros lugares, no artigo 2.º da Constituição da República
Portuguesa e à amplitude das garantias de defesa em processo penal, consagradas
no n.º 1 do artigo 32.º da mesma Lei Fundamental, cuja interpretação ninguém
ousará configurar como «norma programática».
3. Por outra banda, também é pacífica a jurisprudência desse
Alto Tribunal no sentido de ser passível de fiscalização concreta de
constitucionalidade uma norma (critério de decisão) que, pese embora não tenha
sido suscitada durante o processo, se encontra na situação de ao interessado
não ser exigível que antevisse a possibilidade de aplicação da norma ao caso
concreto, de modo a impor‑se‑lhe o ónus de levantar a questão antes da decisão.
Aliás,
4. Segundo o princípio Nullum judex sine actore que vigora no
nosso sistema jurídico privado, a intervenção do Tribunal só se deve verificar
a requerimento dos interessados, como aliás dispõe o n.º 1 do artigo 3.º do
Código de Processo Civil, ao estatuir que «o tribunal não pode resolver o
conflito de interesses que a acção pressupõe sem que a resolução lhe seja
pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir
oposição».
5. No caso sub judice e salvo sempre o devido respeito, foi
negado à recorrente o exercício activo do direito de acção na medida em que o
que foi requerido foi uma aclaração da decisão sumária de fls. …, intuito esse
que consubstancia em si a pretensão das partes requererem ao tribunal o
esclarecimento de alguma obscuridade ou ambiguidade que a decisão contenha, nos
termos consagrados nos artigos 669.º e 670.º, aplicáveis por força do artigo
716.º, todos do Código de Processo Civil.
6. O pedido de aclaração tem, pois, cabimento quando algum
passo importante do texto da decisão não permita compreender o pensamento do
julgador ou, por comportar dois ou mais sentidos, suscite dúvidas sobre aquele
em que foi utilizado.
7. No caso em apreço, o que se pretendeu no respectivo pedido
de aclaração foi «ver esclarecido se a valoração da prova escapa imune a
qualquer e toda a fiscalização concreta de constitucionalidade, desde que os
restantes pressupostos legais se mostrem verificados».
8. O que, salvo sempre o devido respeito, não configura
verdadeira reclamação para a conferência, conforme é entendido por esse Alto
Tribunal. Apenas e tão‑só se pretendeu o esclarecimento de uma obscuridade ou
ambiguidade.
9. O n.º 3 do artigo 78.º‑A da LTC apenas refere que «Da
decisão sumária do relator pode reclamar‑se para a conferência …». Trata-se
apenas de uma possibilidade ...
10. Ora, salvo o sempre devido respeito, requerida a aclaração
que não uma reclamação, consabidamente esta sujeita a outros e diversos
requisitos, «o prazo para [arguir] nulidades ou pedir a reforma só começa a
correr depois de notificada a decisão proferida sobre esse requerimento», nos
termos do disposto nos artigos 669.º e 670.º, aplicáveis por força do artigo
716.º, todos do Código de Processo Civil, por aplicação subsidiária.
11. No caso sub judice e ao contrário do que vem expendido nos
citados Acórdãos n.ºs 282/2006 e 283/2006 desse Altíssimo Tribunal nunca foi
requerida qualquer reclamação para a conferência.
12. Com a aclaração pretendida o que se diligenciou foi no
sentido do esclarecimento de uma obscuridade ou ambiguidade contida na decisão,
nos termos já referidos do disposto no artigo 669.º, [n.º 1], alínea a), do
Código de Processo Civil.
13. O pedido de aclaração tem, assim, cabimento quando algum
passo importante do texto da decisão não permita compreender o pensamento do
julgador ou, por comportar dois ou mais sentidos diversos, suscite, como aliás
suscitou, dúvidas sobre aquele em que foi utilizado.
14. Ainda no caso em apreço, a ora recorrente, clara e
inequivocamente não reclamou, o que significa que não suscitou impugnação da
decisão aclaranda, apenas e tão‑só pretendeu ver‑lhe dissolvida uma dúvida ou
obscuridade. Aliás, ao converter ou convolar o pedido de aclaração em
reclamação para a conferência, o Tribunal, alegadamente, terá cometido uma
ilegalidade, o que consubstancia também, em si, uma inconstitucionalidade. Como
também é consabido, o processo de fiscalização sucessiva concreta de
constitucionalidade normativa encontra‑se subordinado ao princípio do
dispositivo que domina o processo cível e que tem aqui aplicação subsidiária
(artigo 264.º do Código de Processo Civil) e segundo o qual às partes cabe
iniciar o processo, dar‑lhe o conteúdo que entendam (formulando o pedido e a
causa de pedir, etc.). Assim, e salvo melhor opinião, o Tribunal encontra‑se
sempre vinculado ao quadro processual desenhado pelas partes. Tudo isto sob pena
de o julgador ter o poder discricionário de seleccionar, escolher e só apreciar
as questões por si consideradas «úteis» para a decisão da causa. Neste acaso, o
julgador teria o poder de «julgar úteis» a priori as questões que contêm a
decisão prefigurada.
15. É o chamado princípio do pedido, embora as partes tenham o
dever de, conscientemente, não formular pedidos ilegais ou ainda não articular
factos contrários à verdade nem sequer diligências meramente dilatórias. O que
foi, aliás, cumprido, na íntegra, pela recorrente.
16. Questão não menos relevante e até essencial centra‑se no
facto não despiciendo de que à recorrente foi negado o direito consubstanciado
no n.º 1 do artigo 32.º da CRP ao serem‑lhe negadas as garantias necessárias de
defesa a que, inequivocamente, tem direito, o que fere de inconstitucionalidade
material o acórdão aclarando. Na verdade, ao não atender, prima facie, o
requerimento de aclaração, o Tribunal infringiu o princípio constitucional da
defesa na parte em que não lhe foi concedido, mediante a remoção de uma
obscuridade ou ambiguidade do acórdão, a sua defesa, ou, pelo menos,
objectivá‑la e concretizá‑la. De facto, ao não fazer recair sobre o
requerimento inicial de aclaração o devido despacho, convolando‑a,
ilegitimamente, em reclamação, foi negado e privado à requerente e ora
recorrente uma das suas garantias de defesa. E diga-se, en passant, que essa
aclaração era uma condição sine qua non para o seu exercício.
17. É que, inicialmente, a recorrente não pretendeu fazer uma
oposição, em sentido próprio, à decisão. Apenas procurou interpretar o
pensamento «enxuto» do Tribunal para, em sede própria, esgrimir os seus
argumentos.
18. Ora, esta iniciativa ínsita, entre outros, no princípio do
dispositivo, identifica uma ordem jurídica em que o titular do direito pode, em
regra, dispor dela, com a iniciativa e o impulso processual a pertencer às
partes, sendo certo que são elas a desencadear a intervenção do Tribunal.
19. No caso sub judice existe notoriamente uma lacuna a esse
nível com a recusa por parte do Tribunal Constitucional de à ora recorrente ser
facultado o poder de modelar o thema decidendum com o pedido e a defesa, em
suma, carreando para os autos os factos que irão permitir ao Tribunal ajuizar da
pertinência do requerido. No fundo, está‑se perante uma espécie de coacção
legal.
20. Também foi ferido de morte o princípio ínsito no artigo 1.º da CRP, em que é
consagrada a dignidade da pessoa humana, valor axial e nuclear que emerge como
verdadeiro princípio regulativo primário de toda a ordem jurídica e que não pode
ser afastado quer por entidades públicas quer particulares.
21. Igualmente foi explicitamente violado o princípio da protecção da confiança,
ínsito na ideia de Estado de direito democrático (artigo 2.º da CRP), na medida
em que, ao ser negado o direito de aclaração inicialmente requerida, foi
alegadamente frustrada a sua legítima expectativa, perante uma decisão que,
salvo o sempre devido respeito, é legalmente inadmissível e, pelo menos,
irrazoável.
22. O Tribunal ad quem, na administração da justiça, em matérias de natureza
jurídico‑constitucional, está apenas sujeito à lei e não pode aplicar normas ou,
como parece ser o caso, criá‑las, com infracção do disposto na Constituição ou
nos princípios nela consignados, nos termos do disposto nos artigos 203.º e
204.º do mesmo diploma legal.
23. As suas decisões estão, consequentemente, sujeitas à cominação do artigo
3.º, n.º 3, da CRP.
24. E não se diga que a arguição da nulidade processual ora suscitada se
consubstancia num expediente adequado para se conseguir uma espécie de terceiro
grau de recurso…
25. No caso em análise, invoca‑se também a jurisprudência do Tribunal
Constitucional sobre as situações como a presente em que o recorrente é colhido
de surpresa. Na verdade, perante as circunstâncias do presente processo, o
insólito da decisão não exigia à recorrente o ónus de considerar
antecipadamente a interpretação normativa que foi adoptada.
Nestes termos, e sempre com o mui douto suprimento de V. Ex.a, encontrando‑se
por decidir o requerimento inicial de aclaração apresentado em 6 de Junho de
2006 e nada tendo sido, para além disso, requerido pela recorrente, mormente
nenhuma reclamação sido suscitada, requer‑se, muito respeitosamente, a nulidade
processual do acórdão proferido a fls. ... e que sobre aquele requerimento de
aclaração, previamente apresentado, seja superiormente proferida a competente
decisão por esse Alto Tribunal, por a requerente não renunciar, como nunca
renunciou, a tal direito.”
Notificados os recorridos da precedente
arguição de nulidade, apenas o representante do Ministério Público respondeu,
propugnando o seu improvimento, porquanto, não estando o Tribunal vinculado à
qualificação de um requerimento ou peça processual efectuada pela parte, os
meios legais de impugnação da decisão sumária proferida nos autos estão
esgotados, uma vez que o Tribunal entendeu tratar o designado pedido de
aclaração como uma reclamação para a conferência, e sendo certo que o Acórdão
n.º 388/2006 não deixou de decidir a questão suscitada pela recorrente.
Tudo visto, como apreciar e decidir.
2. Contrariamente ao que a recorrente parece
ter entendido, não resulta do acórdão ora reclamado a tese de que é sempre
inadmissível pedido de aclaração das decisões sumárias proferidas pelo relator
do processo, ao abrigo do disposto no artigo 78.º‑A, n.º 1, da LTC. O que aí se
considerou foi que o pretenso pedido de esclarecimento formulado pela
recorrente, atentos os fundamentos nele expostos, configurava uma verdadeira
reclamação para a conferência, nos termos do n.º 3 do citado preceito, e como
tal devia ser tratado. Em parte alguma do respectivo requerimento a recorrente
identificou qualquer passagem da decisão sumária que considerasse obscura ou
ambígua, limitando‑se a, através da formulação de uma dúvida jurídica abstracta
(“a valoração da prova escapa imune a qualquer e toda a fiscalização concreta
de constitucionalidade?”) manifestar enviesadamente a sua discordância com o
sentido da decisão sumária. Ora, o modo processualmente adequado de
manifestação dessa discordância é a reclamação para a conferência, e não
pretenso pedido de “aclaração” da decisão sumária.
Recorde‑se que este Tribunal (que tem decidido,
através de acórdãos em conferência, pedidos de aclaração e/ou arguição de
nulidades de decisões sumárias – cf., a título meramente exemplificativo, os
Acórdãos n.ºs 431/2000, 135/2003, 26/2004, 67/2004, 367/2004, 65/2006
[complementado pelo Acórdão n.º 282/2006] e 283/2006) já entendeu, perante
“falso pedido de aclaração”, que dele não tinha de conhecer, com a consequência
de se considerar transitada em julgado a decisão sumária. Referimo‑nos ao
Acórdão n.º 508/2003, que indeferiu reclamação de despacho do Relator que
decidira não conhecer de “pedido de esclarecimento” de decisão sumária e
considerar esta transitada em julgado. Nesse despacho consignara‑se:
“2 – Nos termos do artigo 78.º‑A, n.º 3, da LTC, da decisão
sumária prevista no n.º 1 do mesmo preceito cabe reclamação para a conferência.
Consequentemente, na falta de reclamação aquela decisão
transita em julgado.
Não está, porém, excluído que, previamente, o recorrente
requeira, nos termos do artigo 669.º, n.º 1, alínea a), do CPC, o
«esclarecimento de alguma obscuridade ou ambiguidade» que a decisão reclamanda
contenha; o prazo para a reclamação contar‑se‑á, então, a partir do despacho que
deferir ou indeferir o pedido de aclaração.
Ponto é que se trate, substancialmente e independentemente do
seu mérito, de um pedido de esclarecimento relativamente ao teor do despacho em
causa. O que significa que não basta a mera invocação do disposto no artigo
669.º, n.º 1, alínea a), do CPC e a alusão expressa a um pedido de
«esclarecimento» para se considerar que se está perante o meio processual ali
previsto com o inerente efeito interruptivo do prazo para reclamar da decisão
sumária para a conferência.
Ora, no caso, só formalmente o pedido é de esclarecimento, uma
vez que o recorrente não manifesta qualquer dificuldade de apreensão do teor da
decisão sumária que julgou improcedente o recurso de constitucionalidade,
limitando‑se a formular a pergunta ao relator sobre se tomou em consideração o
aludido despacho de fls. 365, supostamente ilegível, proferido no STJ.
A decisão sumária é, aliás, claríssima, limitando‑se a conhecer
das questões de constitucionalidade que, reportadas ao acórdão do STJ recorrido
(de 18 de Dezembro de 2002), o recorrente pretendia ver apreciadas pelo
Tribunal Constitucional, sendo irrelevante para o efeito, e qualquer que fosse
o seu teor, o despacho de fls. 365 (datado de 22 de Maio de 2003). Senão
vejamos:
(…)
Do que acaba de se relatar resulta evidente o que acima se começou por dizer: o
pedido de «esclarecimento» formulado pelo recorrente nada tem a ver com o meio
previsto no artigo 669.º, n.º 1, do CPC.
Constituindo, com efeito, a decisão sumária o julgamento do recurso interposto
do acórdão do STJ de 18 de Dezembro de 2002 e não aludindo ela, como se impunha,
a qualquer outro despacho posterior a tal aresto, o que o recorrente faz, sob a
capa de um «pedido de esclarecimento», não é mais do que uma pergunta descabida
que não pode reportar-se à inteligibilidade daquela decisão.”
Deduzida reclamação contra este despacho, aduzindo‑se que a lei
não permite que o julgador não aprecie o pedido de esclarecimento, mas apenas
que o defira ou indefira, e que o prazo para recurso só começa a correr depois
de notificada a decisão proferida sobre o requerimento, não podendo o julgador
julgar desde logo expirado aquele prazo como foi decidido, o referido Acórdão
n.º 508/2003 desatendeu tal reclamação, com a seguinte fundamentação:
“2 – O despacho em causa explicita o decidido e o fundamento em que assenta.
A decisão é a de não conhecimento do pedido formulado a fls. 381 e o fundamento
o de, substancialmente, se não estar perante um pedido de esclarecimento, tal
como o artigo 669.º, n.º 1, alínea a), do CPC o prevê.
A que objecto se reporta, pois, a decisão de não conhecimento?
Claramente a uma pretensão que, não se considerando ser de aclaração da decisão
sumária, não poderia ser apreciada de acordo com a disciplina própria do pedido
previsto na citada norma processual.
O que, em rigor, se deixa perceber no despacho em causa é que o Tribunal estava
perante um requerimento anómalo e que só formalmente se apoiava no disposto no
artigo 669.º, n.º 1, alínea a), do CPC, não podendo ser conhecido como tal.
Nesta lógica, não tem cabimento a alegação de que a lei não consente uma decisão
de não conhecimento do pedido de aclaração, só permitindo o deferimento ou o
indeferimento, decisões estas que supõem um pedido substancialmente de
esclarecimento, ainda que eventualmente infundado.
Como não tem a de que a decisão sobre esse pedido interrompe o prazo de
reclamação do julgado «aclarando», interrupção que se compreende em função das
dúvidas do peticionante, fundadas ou infundadas, quanto ao sentido ou
fundamentos daquele julgado, podendo, consequentemente, pôr em causa uma tomada
de posição do interessado, esclarecida e ponderada, face ao mesmo julgado
(acatamento ou impugnação).
O que de todo repugna ao sistema é o «aproveitamento» de um mecanismo
processual legítimo para obter uma dilação no trânsito em julgado da decisão com
pedidos que nada têm a ver com a inteligibilidade dessa decisão, mas se
acobertam no preceito que prevê aquele mecanismo.
Trata‑se de uma tese que a conferência também aqui acolhe e a que o reclamante
não opõe qualquer argumento consistente.
Como também não opõe – significativamente – ao que no despacho constitui uma
razão essencial do que nele se decidiu: o pedido nada ter a ver com a
inteligibilidade da decisão sumária.
E, com efeito, qualquer que fosse o teor do despacho proferido no STJ, posterior
ao acórdão recorrido e sobre o qual a decisão sumária exclusivamente se tinha
que pronunciar e se pronunciou (nela, não há uma palavra sobre aquele despacho),
sempre o reclamante dispunha de todos os elementos necessários para reclamar
para a conferência daquela decisão, ou seja, para demonstrar que não era
manifestamente infundada a questão de constitucionalidade suscitada – a
infracção da garantia de acesso à justiça em que incorreriam as normas do artigo
720.º, n.º 2, do CPC e 37.º, n.º 1, alínea d), do Decreto‑Lei n.º 387‑B/87.”
No caso dos presentes autos, optou‑se, em vez
do não conhecimento do “falso pedido de aclaração” com o consequente trânsito em
julgado da decisão sumária, pela qualificação do pretenso “pedido de
esclarecimento” como “reclamação para a conferência” da mesma decisão, o que ao
Tribunal era lícito fazer, já que não está condicionado pela qualificação
jurídica feita dessa peça processual pela parte apresentante, em manifesta
desconformidade com a sua substância. Trata‑se, no fundo, do cumprimento da
regra, emergente do princípio da tutela jurisdicional efectiva,
constitucionalmente consagrado, que manda privilegiar as decisões de mérito em
detrimento das decisões de mera forma, e que corresponde ao dever de os
tribunais providenciarem oficiosamente pelo andamento regular e célere do
processo (artigo 265.º, n.º 1, do Código de Processo Civil – CPC), determinando
a prática dos actos que melhor se ajustem ao fim do processo (artigo 265.º‑A do
CPC), o que inclui a faculdade de convolação dos meios processuais
incorrectamente utilizados (cf., a título de exemplo, o disposto no artigo
688.º, n.º 5, do CPC).
Nesta mesma linha jurisprudencial se inserem,
por último, o Acórdão n.º 379/2006, que decidiu tratar como reclamação para a
conferência um “requerimento de aclaração” de decisão sumária no qual não se
apontava nenhum problema de interpretação desta, mas apenas se revelava
discordância quanto à afirmação, nela contida, de que não fora definida pelo
recorrente qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, e o Acórdão n.º
427/2006, que desatendeu arguição de nulidade do Acórdão n.º 362/2006, arguição
fundada em este Acórdão ter decidido como reclamação para a conferência um
requerimento designado por “arguição de nulidade” de decisão sumária, referindo
o Tribunal que, não obstante tal requerimento não ter sido formalmente designado
pelo requerente como “reclamação para a conferência”, a verdade é que, atento o
seu conteúdo, era esse o meio processual a que correspondia, sendo, por outro
lado, inquestionável, desde logo por força dos princípios da economia e da
adequação processuais, que o tribunal que proferiu certa decisão tem o
poder‑dever de corrigir a incorrecta qualificação jurídico‑processual de certa
pretensão do recorrente, tratando‑a nos quadros da reclamação para a conferência
quando, em termos substanciais, apesar de invocadas pretensas ou ficcionadas
nulidades, o que se pretende é a pura e simples impugnação da decisão sumária
proferida.
3. Em face do exposto, acordam em indeferir a
presente arguição de nulidade.
Custas pela recorrente, fixando‑se a taxa de
justiça em 15 (quinze) unidades de conta.
Lisboa, 27 de Setembro de 2006.
Mário José de Araújo Torres
Paulo Mota Pinto
Rui Manuel Moura Ramos