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Processo n.º 510/06
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1.A. vem reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo
78.º-A da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal
Constitucional (Lei do Tribunal Constitucional), da decisão sumária de 7 de
Julho de 2006, que decidiu não tomar conhecimento dos recursos de
constitucionalidade por ele interpostos e condená-lo em custas, com sete
unidades de conta de taxa de justiça. Tal decisão teve o seguinte teor:
I. Relatório
1. A. apresentou requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade,
nos seguintes termos:
“Excelentíssimos Senhores Conselheiros
Nos autos, supra referenciados, não se conformando com o despacho de 16/12/2004
e com os acórdãos de 14/05/2005 e de 21/10/2005, vem o arguido, A., interpor
recurso de apreciação concreta de constitucionalidade para o Tribunal
Constitucional, ao abrigo do disposto nas normas dos artigos 280.º, n.º 1,
alínea b), da Constituição da República Portuguesa e 70.º, n.º 1, alíneas b) e
i), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro.
Na situação em apreço não é admissível qualquer outro recurso ordinário, (artigo
70.º, n.º 2, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro).
O recurso sobe imediatamente, nos próprios autos e tem efeito suspensivo (ex vi
do artigo 78.°, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro).
E por ser legal, ter legitimidade e estar em tempo (ex vi dos artigos 72.°, n.º
1, alínea b), e 75.°, n.º 1, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro), requer-se
seja admitido o presente recurso seguindo-se os demais termos.”
Admitidos os autos, no Tribunal Constitucional foi, em 5 de Junho de 2006,
proferido pelo relator o seguinte despacho:
“Nos termos do artigo 75.º-A, n.ºs 5 e 6, da Lei do Tribunal Constitucional,
convido o recorrente a, no prazo de 10 (dez) dias, indicar com precisão:
- a decisão de que interpõe recurso de constitucionalidade;
- a norma, ou normas, que pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional,
enunciando, se for o caso, a interpretação normativa que questiona;
- a peça processual em que suscitou a respectiva questão de constitucionalidade.
Pedido de fls. 5877: envie a certidão requerida.”
O recorrente respondeu a este convite dizendo:
«A., recorrente nos autos em epígrafe, notificado nos termos e para os efeitos
do disposto no art.º 75.°-A, n.ºs 5 e 6, da LTC, vem expor e requerer o
seguinte:
1. NOTA PRÉVIA
O arguido foi notificado via fax do douto despacho de V. Exa. convidando‑o a
corrigir o requerimento de interposição de recurso, fazendo-se menção no
frontispício desse mesmo fax das palavras “Arguido preso”.
Ora, o arguido não se encontra preso à ordem dos presentes autos, sendo que os
co-arguidos que foram condenados em pena de prisão já se encontram a cumprir tal
pena à ordem dos presentes autos, pelo que o presente processo não se enquadra
no disposto no art.º 103.°, n.º 2, als. a) e b), e 104.°, n.º 2, do Código de
Processo Penal, não sendo de considerar, por isso, processo urgente.
2. DA RESPOSTA AO CONVITE
O recorrente pretende interpor recurso dos acórdãos do Supremo Tribunal de
Justiça de 9 de Fevereiro de 2005 e de 19 de Outubro de 2005.
O recurso vem interposto:
1.º Da interpretação que se retira do vertido nos art.ºs 63.°, n.° 1, 358° n.ºs
1 e 3, 1.°, n.°1, al. f), 359.°, n.º 1, e 119.°, al. c), do Código de Processo
Penal no sentido de que, sendo o arguido acusado e condenado pela prática de um
determinado crime (cfr. o do art.º 275.°, n.º 3, do Código Penal), procedendo‑se
no acórdão da Relação à condenação do arguido por crime diverso (o do art.º 6.°
do DL. n.º 22/97) sem que se haja comunicado tal alteração da qualificação
jurídica nem ao arguido nem ao seu defensor, por violação do princípio do
contraditório e das garantias de defesa postulados no art.º 32.°, n.ºs 1, 5 e 6,
da Constituição e ainda por se encontrar em desconformidade com o decidido nos
acórdãos n.ºs 674/99, 518/98 e 519/98 do Tribunal Constitucional;
2.° Da interpretação que se extrai do disposto nos art.ºs 11.°, n.º 3, do Código
de Processo Penal, 36.° da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, e 119.°, al. e), do
Código de Processo Penal, no sentido de que, sendo arguida uma nulidade que se
invoca como insanável antes do trânsito em julgado do acórdão condenatório do
Supremo Tribunal de Justiça, relativa ao acórdão da Relação, o Supremo Tribunal
de Justiça através das suas secções é competente para julgar a nulidade arguida,
por violação dos art.ºs 20.°, n.ºs 1 e 5, e 32.°, n.ºs 1 e 9, da Constituição;
3.° Da interpretação do vertido nos art.ºs 358.°, n.ºs 1 e 3, 359.°, n.º 1, e
119.°, al. e), e 122.°, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal no sentido de
que, verificando-se no acórdão da Relação uma alteração substancial ou não
substancial dos factos descritos na acusação, a comunicação desses factos ou
alteração da qualificação jurídica pode fazer-se no tribunal de recurso, por
violação das garantias de defesa, do direito ao recurso e do acusatório, nos
termos do disposto nos art.ºs 20.°, n.ºs 1 e 5, e 32.°, n.ºs 1 e 5, da
Constituição;
4.° Da interpretação do disposto no art.º 677.° do Código de Processo Civil,
aplicável por via do art.º 4.° do Código de Processo Penal, no sentido de que,
tendo o recorrente solicitado uma aclaração de um acórdão, e, em face do
indeferimento da aclaração, arguido nulidades dos acórdãos anteriores, sendo
esse requerimento indeferido e vindo interpor recurso para o Tribunal
Constitucional, que foi admitido a subir imediatamente e com efeito suspensivo,
o primitivo acórdão se considerar parcialmente transitado em julgado, por
violação dos art.ºs 20.º, n.ºs 1 e 5, e 32.°, n.ºs 1 e 2, da Constituição.
As questões de constitucionalidade arguidas constam do requerimento de
reclamação para a conferência expedido via postal registada no dia 30 de
Dezembro de 2004.
Termos em que se requer a V. Exa. se digne admitir o recurso, seguindo-se os
demais termos.»
São, pois, duas as decisões impugnadas pelo recorrente no presente recurso: o
acórdão de 9 de Fevereiro de 2005 e o acórdão de 19 de Outubro de 2005, ambos do
Supremo Tribunal de Justiça.
Pode ler-se no primeiro dos referidos arestos:
“Pelas razões constantes do despacho do relator de fls. 5633 que aqui se dá por
reproduzido e se concorda, acordam em confirmar o mesmo despacho.”
Diz-se no referido despacho de fls. 5633, datado de 16 de Dezembro de 2004:
“Com o requerimento de fls. 5629 e seguintes, veio o arguido A. pedir que o
processo baixe ao Tribunal da Relação do Porto a fim de aí ser conhecida a
nulidade prevista no art.º 119.º, alínea c), do C.P.P. – não se ter dado
cumprimento ao disposto no art.º 358.º, n.ºs 1 e 3, do mesmo Código – ao alterar
a qualificação jurídica dos factos relativos ao crime de porte de arma, e, em
alternativa, para o caso de se não ordenar tal baixa, que se considere
interposto recurso para o Tribunal Constitucional.
Foi ouvido o M.º P.º.
Como é jurisprudência unânime deste S.T.J., o objecto do recurso é delimitado
pelo teor das conclusões apresentadas.
Quando interpôs recurso do acórdão do Tribunal da Relação, o recorrente não
levantou nas suas conclusões qualquer questão relacionada com o não cumprimento
do disposto no citado n.º 1 do art.º 358.º – vejam-se as 48 conclusões
apresentadas, nomeadamente as 39.ª e 48.ª. Não se refere uma única vez, que
seja, ao crime de detenção de arma.
Temos para nós que o não cumprimento do disposto no n.º 1 do art.º 358.º não
constitui nulidade insanável.
E não tendo invocado tal nulidade nem no tribunal recorrido, nem na motivação
apresentada, não se vê agora que exista qualquer fundamento legal que permita
fazer baixar os autos para aí, no tribunal a quo, vir a mesma a ser apreciada.
O prazo para invocar tal nulidade há muito que decorreu – art.º 120.º do C.P.P..
E uma observação se impõe desde já: é que toda a matéria relacionada com a
condenação pela prática do crime de tráfico de estupefacientes (incluindo a
pena, claro) transitou em julgado.
*
Pelo requerimento de fls. 5629 julgo interposto recurso para o Tribunal
Constitucional, a subir imediatamente nos autos, com efeito suspensivo.”
Pode ler-se na segunda decisão impugnada pelo recorrente – o acórdão de 19 de
Outubro de 2005:
«Do acórdão de 29.9.04, a fls. 5620, reclamou o arguido A. nos termos do
requerimento de fls. 5629, que aqui se dá por reproduzido, em que invoca a
nulidade prevista no artigo 119.º, alínea e), do C.P.Penal por não se ter dado
cumprimento ao disposto no art.º 358.º, n.ºs 1 e 3, do mesmo Código, requerendo
que os autos baixassem ao Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão ou ao
Tribunal da Relação do Porto, conforme o tribunal que se entendesse ser
competente para apreciação da invocada nulidade. Juntamente com esta questão, o
reclamante interpõe recurso para o Tribunal Constitucional.
Na decisão do relator a fls. 5633 foi dito, em suma, que o recorrente, ao
interpor recurso do acórdão do Tribunal da Relação, não levantou na motivação,
mormente nas conclusões, qualquer questão relacionada com o não cumprimento do
disposto no art.º 358.º, n.ºs 1 e 3, e que tal não cumprimento não integrava
qualquer nulidade insanável, nomeadamente a invocada na citada alínea do art.º
119.º. E da conjugação destes dois factos concluiu-se que não havia fundamento
legal que permitisse fazer baixar os autos ao tribunal a quo para aí se conhecer
da invocada nulidade. E dado os termos do requerimento, logicamente admitiu-se o
recurso interposto para o Tribunal Constitucional.
Veio em seguida o arguido reclamar para a conferência a fls. 5651, dizendo, em
resumo, que existem três questões: a primeira, prende-se com a qualificação da
arguida nulidade como sanável ou insanável, que se consubstancia em não ter sido
dado prazo de defesa nem conhecimento da alteração da qualificação jurídica
realizada; a segunda, prende-se com a competência deste Supremo para conhecer da
nulidade; a terceira, prende-se com a questão de saber se se encontra ou não
transitada em julgado a matéria relacionada com a condenação pela prática do
crime de tráfico de estupefacientes.
Colhidos os vistos, por acórdão de 9.2.05 confirmou-se o despacho em causa.
Notificado desta decisão, veio o arguido a fls. 5687 arguir a sua nulidade nos
termos conjugados das alíneas a) e c) do art.º 379.º e n.º 4 do art.º 425.º,
ambos do C.P.Penal. Lê-se a certo passo do requerimento: “Tendo este Tribunal
proferido o acórdão de 09/02/2005, no qual se dá como reproduzido o despacho do
Relator de fls. 5633 e seguintes, o recorrente não viu apreciadas nenhuma das
inconstitucionalidades por si suscitadas, nem a nulidade prevista no art.º
119.º, alínea c), do Código de Processo Penal. Assim, verifica-se que o Tribunal
deixou de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar […]”.
Por acórdão de 20.4.05, a fls. 5657, julgou-se verificar-se a situação prevista
no art.º 720.º, n.º 1, do C.P.Civil, aplicável por força do art.º 4.º do
C.P.Penal, pelo que se ordenou a extracção de traslado e a remessa dos autos ao
Tribunal Constitucional.
Proferido neste Tribunal o acórdão de fls. 5749, e remetido a este Supremo o
processo, foi ordenado que se colhessem os vistos dos Ex.m.ºs Adjuntos, o que
ocorreu.
Cumpre agora decidir.
Conforme se vê do acórdão de 11.2.04, a fls. 5317, o recurso interposto pelo
arguido A. do acórdão do Tribunal da Relação foi rejeitado por duas ordens de
razões: primeira, tendo em conta as penas aplicadas e o disposto no art.º 400.º,
n.º 1, al. f), do C.P.Penal; segunda, por o recorrente A. só ter levantado,
praticamente, questões de facto, invocando os vícios previstos nas alíneas do
n.º 2 do art.º 410.º, que já haviam sido devidamente apreciados pelo Tribunal da
Relação, local próprio para tal exame e ter repetido, quase palavra por palavra,
a motivação que antes apresentara no recurso da 1.ª instância.
O ponto de vista que vem sendo defendido nestes autos por este Supremo Tribunal
é o de que, uma vez rejeitado o recurso interposto, não se pode estar a analisar
questões relacionadas com o decidido pelo tribunal a quo.
E impõe-se insistir neste ponto: nas conclusões apresentadas no recurso
interposto do acórdão do Tribunal da Relação não há qualquer referência a uma
possível violação do art.º 358.º, resultante da alteração da qualificação
jurídica levada a cabo.
Talvez por esta razão, o não se ter alongado no despacho de fls. 5633 sobre a
questão da violação do art.º 358.º.
Da leitura do art.º 119.º do C.P.Penal resulta que – como já salientou o acórdão
deste Supremo de 13.2.02, Proc. 4123/01, 3.ª – a omissão do disposto no art.º
358.º, n.ºs 1 e 3, “não é porém expressamente cominada na lei como nulidade,
pelo que, atento o princípio da legalidade constante do n.º 1 do art.º 118.º do
C.P.P., constitui, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, uma irregularidade,
sujeita ao regime constante do art.º 123.º do C.P.P.”.
E como resulta dos autos, só em reclamações posteriores ao acórdão de 11.2.04
tal questão foi levantada.
Considerando-se, pois, tal situação como mera irregularidade – há muito sanada –
não é ela de conhecimento oficioso.
Com tal interpretação não nos parece que se esteja a ofender o disposto nos
art.ºs 20.º, n.º 1, 32.º, n.º 1, e 205.º, n.º 1, da Constituição da República
(ver fls. 5629 v.º do requerimento apresentado).
Como processo que é, tem que obedecer às regras estabelecidas na lei processual.
O facto de a lei permitir os recursos, não quer dizer que se possa recorrer de
todo e qualquer despacho e em momento à escolha do arguido.
No caso dos autos, a defesa do arguido mostra-se totalmente garantida. Só que as
questões levantadas deviam tê-lo sido atempadamente, isto é, de acordo com a
lei.
A competência para julgar as questões postas está definida na lei. E de acordo
com ela se agiu. Não se vê que exista qualquer fundamento legal para que se
ordene a devolução do processo ao tribunal recorrido para aí se analisar uma
questão que só no tribunal ad quem foi levantada.
Quanto à questão de se julgar transitada a decisão quanto ao crime de tráfico,
tal ponto de vista resulta da conjugação do decidido no acórdão de 11.2.04 e das
posteriores questões levantadas pelo recorrente nos seus requerimentos. Tudo foi
resumido à questão de tratamento jurídico do não cumprimento do disposto no
art.º 358.º.
Impõe-se, finalmente, fazer aqui um reparo que nos parece importante. Como se
diz no despacho preliminar proferido no Tribunal Constitucional a 24.5.05, a
fls. 5694, “sempre a decisão de rejeição do recurso penal se manteria, embora
limitada ao fundamento extraído da norma do citado art.º 434.º”.
Foram prestados os esclarecimentos que nos pareceram dever ser dados em face do
requerido a fls. 5629, 5651 e 5687.
Nestes termos, acordam em, com os esclarecimentos prestados, se manter o
decidido.»
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentos
2. O presente recurso foi admitido no tribunal a quo, mas essa decisão não
vincula este Tribunal, como prevê o n.º 3 do artigo 76.º da Lei do Tribunal
Constitucional, e, entendendo-se que não se pode conhecer dos recursos, lavra-se
a presente decisão sumária, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A do
mesmo diploma.
3. Há que começar por apurar se pode tomar-se conhecimento dos recursos, que vêm
intentados, como resulta claramente do respectivo requerimento, ao abrigo do
disposto nas alíneas b) e i) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal
Constitucional.
A alínea i) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional prevê o
recurso de decisões que “recusem a aplicação de norma constante de acto
legislativo, com fundamento na sua contrariedade com uma convenção
internacional, ou a apliquem em desconformidade com o anteriormente decidido
sobre a questão pelo Tribunal Constitucional”. Na previsão desta norma
incluem-se os casos de recusa de aplicação de norma legal com fundamento na sua
contrariedade com convenção internacional, ou de aplicação de norma legal em
desconformidade com o anteriormente decidido pelo Tribunal Constitucional sobre
a questão da contrariedade dessa norma com convenção internacional. Em ambos os
casos, impõe-se que ocorra uma situação de desconformidade de norma constante de
acto legislativo com uma convenção internacional, circunstância que aqui
manifestamente não sucede.
No caso em apreço, porém, não se vislumbra qualquer recusa de aplicação de lei,
muito menos com fundamento na sua contrariedade com uma convenção internacional
(que não se vê qual seja), nem a sua aplicação em desconformidade com o
anteriormente decidido por este Tribunal sobre a questão da contrariedade dessa
norma com convenção internacional.
Poderá admitir-se que houve lapso na menção da alínea i) e que se pretendeu
interpor recurso ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do
Tribunal Constitucional, pois o recorrente invoca como fundamento do recurso os
Acórdãos n.ºs 674/99, 518/98 e 519/98.
É manifesto, porém, que não se pode conhecer do recurso mesmo se interposto ao
abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional.
De facto, o fundamento do recurso interposto ao abrigo desta alínea é a
aplicação, pela decisão recorrida, de norma que o Tribunal Constitucional tenha
julgado inconstitucional em momento anterior ao da referida decisão.
Ora, no Acórdão n.º 674/99 foram julgadas inconstitucionais as normas contidas
nos artigos 358.º e 359.º do Código de Processo Penal quando interpretados no
sentido de se não entender como alteração dos factos – substancial ou não
substancial – a consideração, na sentença condenatória, de factos atinentes ao
modo de execução do crime, que, embora constantes ou decorrentes dos meios de
prova juntos aos autos, para os quais a acusação e a pronúncia expressamente
remetiam, no entanto aí se não encontravam especificadamente enunciados,
descritos ou discriminados. Nos Acórdãos n.ºs 518/98 e 519/98, por sua vez, em
aplicação da declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral,
constante do Acórdão n.º 445/97, foi julgada inconstitucional a norma ínsita na
alínea f) do n.º 1 do artigo 1.º do Código de Processo Penal, em conjugação com
os artigos 120.º, 284.º, n.º 1, 303.º, n.º 3, 309.º, n.º 2, 359.º, n.ºs 1 e 2,
e 379.º, alínea b), do mesmo Código, quando interpretada, nos termos constantes
do acórdão lavrado pelo Supremo Tribunal de Justiça em 27 de Janeiro de 1993 e
publicado, sob a designação de «Assento nº 2/93», na 1ª série-A do Diário da
República, de 10 de Março de 1993 – aresto esse entretanto revogado pelo Acórdão
nº 279/95 do Tribunal Constitucional –, no sentido de não constituir alteração
substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia a simples alteração
da respectiva qualificação jurídica, mas tão-somente na medida em que,
conduzindo a diferente qualificação jurídica dos factos à condenação do arguido
em pena mais grave, não se prevê que este seja prevenido da nova qualificação e
se lhe dê, quanto a ela, oportunidade de defesa.
Nenhuma destas normas foi, porém, aplicada pelas decisões recorridas, da leitura
das quais resulta claramente que o Supremo Tribunal de Justiça não conheceu
sequer da questão da alteração da incriminação pelo crime de uso e detenção de
arma proibida, por, nos termos do despacho de fls. 5633, confirmado pelo ora
recorrido acórdão de fls. 5668, o não cumprimento do disposto no artigo 358.º,
n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Penal não ter sido invocado pelo recorrente e
não constituir nulidade insanável, e por, como se pode ler no ora recorrido
acórdão de fls. 5803 e segs., uma vez rejeitado o recurso interposto, não se
poder analisar questões relacionadas com o decidido pelo tribunal a quo, bem
como por na motivação de fls. 5069 a 5076 não haver qualquer referência a uma
possível violação do referido artigo 358.º.
Assim, não se verificando o requisito de admissibilidade exigido pela alínea g)
do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, não pode o Tribunal Constitucional conhecer do
objecto do recurso.
4. Pelo recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei
do Tribunal Constitucional o recorrente pretende ver apreciada a
constitucionalidade dos seguintes conjuntos de normas:
- Norma dos artigos 63.°, n.° 1, 358.° n.ºs 1 e 3, 1.°, n.° 1, alínea f), 359.°,
n.º 1, e 119.°, alínea c), do Código de Processo Penal, interpretados “no
sentido de que, sendo o arguido acusado e condenado pela prática de um
determinado crime (cfr. o do art.º 275.°, n.º 3, do Código Penal), procedendo-se
no acórdão da Relação à condenação do arguido por crime diverso (o do art.º 6.°
do DL. n.º 22/97) sem que se haja comunicado tal alteração da qualificação
jurídica nem ao arguido nem ao seu defensor”;
- Norma dos artigos 11.°, n.º 3, do Código de Processo Penal, 36.° da Lei n.º
3/99, de 13 de Janeiro, e 119.°, alínea e), do Código de Processo Penal,
interpretados “no sentido de que, sendo arguida uma nulidade que se invoca como
insanável antes do trânsito em julgado do acórdão condenatório do Supremo
Tribunal de Justiça, relativa ao acórdão da Relação, o Supremo Tribunal de
Justiça através das suas secções é competente para julgar a nulidade arguida”;
- Norma dos artigos 358.°, n.ºs 1 e 3, 359.°, n.º 1, e 119.°, alínea e), e
122.°, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal, na interpretação “de que,
verificando-se no acórdão da Relação uma alteração substancial ou não
substancial dos factos descritos na acusação, a comunicação desses factos ou
alteração da qualificação jurídica pode fazer-se no tribunal de recurso”;
- Norma do artigo 677.° do Código de Processo Civil, aplicável por via do artigo
4.° do Código de Processo Penal, interpretado “no sentido de que, tendo o
recorrente solicitado uma aclaração de um acórdão, e, em face do indeferimento
da aclaração, arguido nulidades dos acórdãos anteriores, sendo esse requerimento
indeferido e vindo interpor recurso para o Tribunal Constitucional, que foi
admitido a subir imediatamente e com efeito suspensivo, o primitivo acórdão se
considerar parcialmente transitado em julgado”.
Como se sabe, é necessário, para se poder conhecer de recurso de
constitucionalidade intentado, como o presente, (também) ao abrigo do disposto
no artigo 70º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, a mais do
esgotamento dos recursos ordinários e de que a inconstitucionalidade da norma,
ou dimensão normativa, impugnada tenha sido suscitada durante o processo, que
tal norma impugnada tenha sido aplicada como ratio decidendi pelo tribunal
recorrido, isto é, que tal norma ou interpretação normativa tenha constituído
fundamento decisivo para o tribunal recorrido. Tal como a efectiva recusa de
aplicação de norma(s) por inconstitucionalidade é pressuposto do recurso
interposto ao abrigo da alínea a), a apreciação da questão de
constitucionalidade suscitada ao abrigo da alínea b) está condicionada por uma
efectiva aplicação de norma(s) cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada
durante o processo (neste sentido, cfr. os Acórdãos deste Tribunal n.ºs 162/88,
284/94, 364/96, 674/99 e 125/2000, publicados no Diário da República, II série,
respectivamente de 14 de Novembro de 1988, 17 de Junho de 1994, 9 de Maio de
1996, 25 de Fevereiro de 2000 e 24 de Outubro de 2000). Esta exigência resulta
do facto de só nesse caso a decisão da questão de constitucionalidade poder
reflectir-se utilmente no processo.
Ora, verifica-se, desde logo, que, em relação à norma reportada aos artigos
63.°, n.° 1, 358.° n.ºs 1 e 3, 1.°, n.° 1, alínea f), 359.°, n.º 1, e 119.°,
alínea c), do Código de Processo Penal, que ela não foi aplicada nas decisões
recorridas com o sentido que o recorrente identificou. Nem poderia ter sido,
pois a interpretação indicada, na sequência do convite do relator, em que se
traduziria tal norma – “no sentido de que, sendo o arguido acusado e condenado
pela prática de um determinado crime (cfr. o do art.º 275.°, n.º 3, do Código
Penal), procedendo-se no acórdão da Relação à condenação do arguido por crime
diverso (o do art.º 6.° do DL. n.º 22/97) sem que se haja comunicado tal
alteração da qualificação jurídica nem ao arguido nem ao seu defensor” (sic) –
não faz verdadeiramente sentido, limitando-se a uma descrição de circunstâncias
do caso (designadas por gerúndios: “sendo … procedendo-se…)”.
Quanto à norma referida aos artigos 11.°, n.º 3, do Código de Processo Penal,
36.° da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, e 119.°, alínea e), do Código de
Processo Penal, consultando as decisões de que se pretende recorrer, verifica‑se
que a norma impugnada também não foi aplicada pelo tribunal recorrido com o
sentido indicado pelo recorrente – o “de que, sendo arguida uma nulidade que se
invoca como insanável antes do trânsito em julgado do acórdão condenatório do
Supremo Tribunal de Justiça, relativa ao acórdão da Relação, o Supremo Tribunal
de Justiça através das suas secções é competente para julgar a nulidade
arguida”. Isto porque o tribunal recorrido se limitou a sublinhar que o não
cumprimento do disposto no n.º 1 do artigo 358º não constitui nulidade
insanável, considerando-se, pois, tal situação como mera irregularidade, pelo
que, ao tratar da arguida nulidade que invoca como insanável, não abordou
especificamente, e não julgou, a questão do não cumprimento do disposto no n.º 1
do artigo 358º – desde logo, por ter considerado que tal questão não fora posta
pelo recorrente. Por a interpretação impugnada pelo recorrente não ter sido
aplicada pelas decisões recorridas, não pode este Tribunal conhecer, pois, da
questão de constitucionalidade da norma dos artigos 11.°, n.º 3, do Código de
Processo Penal, 36.° da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, e 119.°, alínea e), do
Código de Processo Penal.
O mesmo se tem de concluir, ainda, quanto à norma dos artigos 358.°, n.ºs 1 e 3,
359.°, n.º 1, e 119.°, alínea e), e 122.°, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo
Penal, na interpretação (identificada na resposta ao despacho/convite de
aperfeiçoamento proferido pelo ora relator) de que, “verificando-se no acórdão
da Relação uma alteração substancial ou não substancial dos factos descritos na
acusação, a comunicação desses factos ou alteração da qualificação jurídica pode
fazer-se no tribunal de recurso”. A este propósito discorreu o despacho de fls.
5633, confirmado pelo ora recorrido acórdão de fls. 5668:
«Quando interpôs recurso do acórdão do Tribunal da Relação, o recorrente não
levantou nas suas conclusões qualquer questão relacionada com o não cumprimento
do disposto no citado n.º 1 do art.º 358.º – vejam-se as 48 conclusões
apresentadas, nomeadamente as 39.ª e 48.ª. Não se refere uma única vez, que
seja, ao crime de detenção de arma.
Temos para nós que o não cumprimento do disposto no n.º 1 do art.º 358.º não
constitui nulidade insanável.
E não tendo invocado tal nulidade nem no tribunal recorrido, nem na motivação
apresentada, não se vê agora que exista qualquer fundamento legal que permita
fazer baixar os autos para aí, no tribunal a quo, vir a mesma a ser apreciada.»
E o acórdão de fls. 5803 e segs:
«Da leitura do art.º 119.º do C.P.Penal resulta que – como já salientou o
acórdão deste Supremo de 13.2.02, Proc. 4123/01, 3.ª – a omissão do disposto no
art.º 358.º, n.ºs 1 e 3, “não é porém expressamente cominada na lei como
nulidade, pelo que, atento o princípio da legalidade constante do n.º 1 do art.º
118.º do C.P.P., constitui, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo uma
irregularidade, sujeita ao regime constante do art.º 123.º do C.P.P.”.
E como resulta dos autos, só em reclamações posteriores ao acórdão de 11.2.04
tal questão foi levantada.
Considerando-se, pois, tal situação como mera irregularidade – há muito sanada –
não é ela de conhecimento oficioso.
Com tal interpretação não nos parece que se esteja a ofender o disposto nos
art.ºs 20.º, n.º 1, 32.º, n.º 1, e 205.º, n.º 1, da Constituição da República
(ver fls. 5629 v.º do requerimento apresentado).
Como processo que é, tem que obedecer às regras estabelecidas na lei processual.
O facto de a lei permitir os recursos, não quer dizer que se possa recorrer de
todo e qualquer despacho e em momento à escolha do arguido.
No caso dos autos, a defesa do arguido mostra-se totalmente garantida. Só que as
questões levantadas deviam tê-lo sido atempadamente, isto é, de acordo com a
lei.
A competência para julgar as questões postas está definida na lei. E de acordo
com ela se agiu. Não se vê que exista qualquer fundamento legal para que se
ordene a devolução do processo ao tribunal recorrido para aí se analisar uma
questão que só no tribunal ad quem foi levantada.»
Da transcrição efectuada fica claro que a norma dos artigos 358.°, n.ºs 1 e 3,
359.°, n.º 1, 119.°, alínea e), e 122.°, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal
não foi de todo aplicada nos acórdãos recorridos, muito menos com a
interpretação indicada pelo recorrente. Em nenhum desses acórdãos se afirmou, ou
pressupôs, sequer implicitamente, que se verificara uma alteração (substancial
ou não substancial) dos factos descritos na acusação, ou que a comunicação
desses factos ou alteração da qualificação jurídica pode fazer-se no tribunal de
recurso.
Resta verificar a possibilidade de conhecer da conformidade constitucional da
norma do artigo 677.° do Código de Processo Civil, “aplicável por via do artigo
4.° do Código de Processo Penal no sentido de que, tendo o recorrente solicitado
uma aclaração de um acórdão, e, em face do indeferimento da aclaração, arguido
nulidades dos acórdãos anteriores, sendo esse requerimento indeferido e vindo
interpor recurso para o Tribunal Constitucional, que foi admitido a subir
imediatamente e com efeito suspensivo, o primitivo acórdão se considerar
parcialmente transitado em julgado”.
A este propósito, lê-se no despacho de fls. 5633, confirmado pelo ora recorrido
acórdão de fls. 5668:
«E uma observação se impõe desde já: é que toda a matéria relacionada com a
condenação pela prática do crime de tráfico de estupefacientes (incluindo a
pena, claro) transitou em julgado».
E, no acórdão de fls. 5803 e segs., o seguinte:
«Quanto à questão de se julgar transitada a decisão quanto ao crime de tráfico,
tal ponto de vista resulta da conjugação do decidido no acórdão de 11.2.04 e das
posteriores questões levantadas pelo recorrente nos seus requerimentos. Tudo foi
resumido à questão de tratamento jurídico do não cumprimento do disposto no
art.º 358.º».
Atenta a natureza instrumental do recurso de constitucionalidade, só existe
interesse jurídico em conhecer da questão de constitucionalidade que constitui
objecto do recurso se a decisão de tal questão puder influir na decisão do
processo de onde aquele emerge. Tal apenas sucede quando e se a decisão
recorrida tiver aplicado como sua ratio decidendi a norma arguida de
inconstitucionalidade, não existindo nessa decisão outro fundamento que só por
si tenha sido bastante (cfr. os Acórdãos deste Tribunal n.ºs 454/91, 337/94,
608/95, 577/95, 1015/96, 196/97 e 508/98, publicados, os três primeiros, no
Diário da República, II série, respectivamente de 24 de Abril de 1992, 4 de
Novembro de 1994, e 19 de Março de 1996).
O Supremo Tribunal de Justiça afirmou a fls. 5633 e verso que
«Quando interpôs recurso do acórdão do Tribunal da Relação, o recorrente não
levantou nas suas conclusões qualquer questão relacionada com o não cumprimento
do disposto no citado n.º 1 do art.º 358.º – vejam-se as 48 conclusões
apresentadas, nomeadamente as 39.ª e 48.ª. Não se refere uma única vez, que
seja, ao crime de detenção de arma.»
E a fls. 5805 e verso o seguinte:
«Como processo que é, tem que obedecer às regras estabelecidas na lei
processual. O facto de a lei permitir os recursos, não quer dizer que se possa
recorrer de todo e qualquer despacho e em momento à escolha do arguido.
No caso dos autos, a defesa do arguido mostra-se totalmente garantida. Só que as
questões levantadas deviam tê-lo sido atempadamente, isto é, de acordo com a
lei.»
Da fundamentação transcrita resulta que as decisões recorridas se basearam,
decisivamente, na consideração de que a questão do não cumprimento do disposto
no n.º 1 do artigo 358.º do Código de Processo Penal não fora atempadamente
levantada pelo recorrente.
A observação, ou ponto de vista, que considerou a matéria relacionada com a
condenação pela prática do crime de tráfico de estupefacientes transitada em
julgado aparece, apenas, como consideração adicional, e não como ratio decidendi
do tribunal recorrido. O outro fundamento referido já seria, aliás, suficiente
para chegar ao mesmo resultado a que chegaram as decisões recorridas. Pelo que a
decisão que viesse a ser proferida sobre a (in)constitucionalidade da norma do
artigo 677.° do Código de Processo Civil não poderia repercutir-se em nenhuma
daquelas decisões.
Tanto basta para impor o não conhecimento do recurso, igualmente no que diz
respeito à norma do artigo 677.º do Código de Processo Civil.»
2.Diz-se na reclamação apresentada:
«Por douta decisão sumária de 7 de Julho transacto foi decidido não conhecer do
recurso interposto pelo reclamante em qualquer das suas vertentes por se
entender que não estavam reunidos os seus pressupostos.
Entendeu-se, assim, em primeiro lugar que o STJ não conheceu sequer da questão
da alteração da incriminação pelo crime de uso e detenção de arma proibida
porquanto se defendeu nas decisões do STJ que o não cumprimento do disposto no
artigo 358.°, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Penal não foi invocado pelo
recorrente, não constituía nulidade insanável e ainda por, uma vez rejeitado o
recurso, não se poder analisar questões relacionadas com o decidido no tribunal
a quo, bem como por na motivação não haver qualquer referência a uma possível
violação do art.º 358.°.
Antes de mais, cumpre referir que, efectivamente o recorrente pretendia interpor
recurso nos termos da alínea g) do n.° 1 do art.º 70.º da LTC e não nos termos
da alínea i) da mesma disposição, como aliás decorre no contexto do requerimento
de aperfeiçoamento da interposição de recurso e como, aliás, não deixou de notar
o Exm.º Relator neste Tribunal, pelo que a final se requererá a rectificação de
tal lapso de escrita.
É entendimento do reclamante que efectivamente o STJ conheceu da questão da
alteração da incriminação em causa, uma vez que no acórdão de 29 de Setembro de
2004 se disse que tal nulidade tinha de ser arguida e se escreveu no despacho de
fls. 5633 que foi coonestado e mantido pelo acórdão de 5 de Fevereiro de 2005
que a nulidade arguida não era insanável e ainda que “O prazo para arguir tal
nulidade há muito que decorreu – art.º 120.º do CPP.”
Assim, não só foi conhecida a questão da alteração da qualificação jurídica,
como também se considerou que a mesma constituía nulidade dependente de arguição
(ou de conhecimento provocado), como o são todas as nulidades constantes do
art.º 120.° do Código de Processo Penal.
Acresce que não só o STJ conheceu da questão como, posteriormente, veio a dar o
dito por não dito, expendendo, no acórdão de 19 de Outubro de 2005, que se
pronunciou sobre a arguição de nulidades do acórdão que recaiu sobre a
reclamação para a conferência, que o facto de não ser comunicado ao arguido e ao
seu defensor a alteração da qualificação jurídica dos factos pelos quais foi
acusado e condenado constituía mera irregularidade (vd. na terceira folha do
acórdão diz-se – citando-se anteriormente um outro acórdão do STJ –
“Considerando-se, pois, tal situação como mera irregularidade – há muito sanada
– não é ela de conhecimento oficioso.”)
Pelo exposto, entende o reclamante que pode afirmar-se que o STJ conheceu da
invalidade arguida, dando inclusivamente duas decisões díspares quanto à mesma
questão.
Assim, deveria ser conhecido o recurso respeitante à desconformidade do acórdão
recorrido com os acórdãos n.ºs 518/98, 519/98 e 674/99 do Tribunal
Constitucional.
Quanto à parte do recurso interposto nos termos do art.º 70.º, n.º 1, alínea b),
da LTC também não foi conhecida porquanto, nos dizeres da decisão reclamada,
necessário se torna que a norma impugnada tenha sido aplicada como ratio
decidendi pelo Tribunal recorrido, isto é, que tal norma ou interpretação
normativa tenha constituído fundamento decisivo para o Tribunal recorrido.
O reclamante concorda com a decisão proferida relativamente às normas constantes
dos números 1.º, 3.º e 4.º do requerimento de interposição de recurso.
No entanto, o reclamante já não pode concordar com o que se diz na folha 12 da
decisão reclamada quanto à interpretação que se extraiu do disposto nos art.ºs
11.°, n.° 3, e 119.°, alínea e), do Código de Processo Penal, e 36.° da Lei n.º
3/99.
Com efeito, o reclamante interpôs recurso da interpretação que se extraiu das
normas conjugadas dos art.ºs 11.°, n.º 3, 119.°, alínea e), do Código de
Processo Penal, e 36.° da Lei n.º 3/99, no sentido de que, sendo arguida uma
nulidade que se invoca como insanável antes do trânsito em julgado do acórdão
condenatório do STJ, relativa ao acórdão da Relação, o STJ, através das suas
secções, é competente para julgar a nulidade arguida, por violação dos art.ºs
20.º, n.ºs 1 e 5, e 32.°, n.ºs 1 e 9, da Constituição da República Portuguesa.
Ora, tal inconstitucionalidade foi invocada no requerimento de reclamação para a
conferência e no requerimento de arguição de nulidade do acórdão que sobre o
primeiro requerimento recaiu.
A arguição de tal inconstitucionalidade foi levada a efeito, tendo em conta o
despacho de fls. 5633 e o acórdão de 9 de Fevereiro de 2005, que consideraram a
invalidade decorrente da falta de comunicação da alteração da qualificação
jurídica, como nulidade dependente de arguição (cfr. art.º 120.º do Código de
Processo Penal).
Apenas posteriormente o STJ veio a considerar, por acórdão de 19 de Outubro de
2005, que “tal situação constituía mera irregularidade” (cfr. art.º 123.° do
Código de Processo Penal).
Ora, o que se discute nesta parte do recurso não é o tipo de nulidade ou se esta
existe ou não, mas sim se o STJ é ou não competente para sindicar tal matéria,
uma vez que a invalidade arguida se reporta ao acórdão da Relação.
Verifica-se que apesar de o STJ negar a competência para o conhecimento de tal
invalidade no acórdão de 29 de Setembro de 2004, em virtude de o recurso ter
sido rejeitado, vem, no mesmo acórdão, a dizer que “tal nulidade teria de ser
arguida”.
Daí que, em face de tal posição do STJ, se tenha requerido a baixa dos autos ao
tribunal a quo para conhecimento dessa nulidade, baixa essa que foi negada
consecutivamente pelo despacho de fls. 5633, pelo acórdão de 9 de Fevereiro de
2005 no qual se diz que existe uma nulidade sanável, e pelo acórdão de 19 de
Outubro de 2005, no qual se diz que tal situação configura uma mera
irregularidade.
Portanto,, não está aqui em causa o cumprimento do disposto no art.º 358.° do
Código de Processo Penal mas tão-só a competência para julgar uma eventual e
invocada violação do mesmo, uma vez que quanto à primeira questão o STJ não se
pronunciou tendo em conta a rejeição do recurso, decisão essa considerada legal
e conforme às regras constitucionais por decisão sumária deste Tribunal de 24 de
Maio de 2005, que foi mantida por acórdão de 8 de Junho de 2005.
Assim, a interpretação impugnada pelo reclamante foi aplicada pelas decisões
recorridas como ratio decidendi uma vez que o STJ conheceu da nulidade invocada,
mas, ainda que assim não se entendesse, certo é que “A aplicação da norma tanto
pode ser expressa com implícita (Acs. n.ºs 88/86, 47/90, 253/93)”, sendo certo
que “o não conhecimento por parte de um Tribunal da inconstitucionalidade de uma
norma, quando podia e devia fazê‑lo, equivale a aplicação implícita da mesma
(Ac. 318/90)”.
Tendo em conta que, como se alegou, o Tribunal podia ter conhecido da questão de
constitucionalidade ainda que se entenda que esse mesmo Tribunal não conheceu
dessa questão, o Tribunal Constitucional não está impedido de a conhecer.
Isto apesar de se invocar o art.º 119.°, alínea e), do Código de Processo Penal,
dado que, ainda que não tenha sido julgada a aludida nulidade como insanável,
sempre cumpriria conhecer da inconstitucionalidade da interpretação conjugada
dos art.ºs 11.°, n.º 3, do Código de Processo Penal e 36.° da Lei n.º 3/99 por
violação dos art.ºs 20.°, n.ºs 1 e 5, e 32.°, n.ºs 1 e 9, da Constituição.
De facto, o conhecimento da invalidade arguida pelo STJ, uma vez que tal decisão
não admite recurso, é violadora do direito ao recurso, das garantias de defesa e
ainda do princípio do juiz natural, dado que a competência para o conhecimento
de tal invalidade estaria cometida à Relação.
Assim, deveria conhecer-se do recurso também nesta parte.
Termos em que se requer respeitosamente a V. Exas. se dignem:
a) considerar rectificada a alusão que no requerimento de interposição de
recurso se faz à norma da alínea i) do art.º 70.° da LTC, aí passando a constar
a alínea g) da mesma norma;
b) atender a presente reclamação e, em consequência, ser notificado o reclamante
para produzir alegações nos termos do art.º 78.°-A, n.º 5, da L.T.C.,
seguindo-se a ulterior tramitação.»
3.O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional
respondeu pela seguinte forma à referida reclamação:
1 – A presente reclamação é manifestamente improcedente.
2 – Na verdade – e mesmo admitindo a correcção feita quanto ao tipo de recurso
fundado na alínea i) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82 – é evidente –
como se demonstra na decisão reclamada – que não há qualquer contradição entre o
decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão recorrido, e os acórdãos
fundamentos citados pelo reclamante.
3 – Relativamente ao recurso fundado na alínea b) de tal preceito legal, as
razões aduzidas em nada abalam o fundamento da douta decisão reclamada, sendo
manifesto que o Supremo não aplicou o sentido normativo especificado pelo
recorrente, que continua a confundir as problemáticas da competência para
conhecer de certo vício processual com a da respectiva qualificação (como
nulidade ou irregularidade).»
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentos
4.Adianta-se desde já que a presente reclamação é improcedente, pois a
argumentação aduzida pelo recorrente não abala os fundamentos da decisão
reclamada.
Quanto ao recurso que o recorrente diz agora ter querido interpor ao abrigo da
alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, mesmo
admitindo a correcção da alínea ao abrigo da qual foi interposto, é manifesto
que não existiu qualquer julgamento contrário a uma decisão do Tribunal
Constitucional sobre a mesma norma. Como se afirmou na decisão reclamada,
nenhuma das normas apreciadas pelos Acórdãos n.ºs 674/99, 518/98 e 519/98 foi
aplicada em qualquer das decisões recorridas. Da leitura destas resulta
claramente que o Supremo Tribunal de Justiça não conheceu sequer da questão da
alteração da incriminação pelo crime de uso e detenção de arma proibida, por o
não cumprimento do disposto no artigo 358.º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo
Penal não ter sido invocado pelo recorrente e não constituir nulidade insanável,
e por, uma vez rejeitado o recurso interposto, não se poder analisar questões
relacionadas com o decidido pelo tribunal a quo, bem como por na motivação do
recurso de fls. 5069 a 5076 não haver qualquer referência a uma possível
violação do artigo 358.º. A argumentação do recorrente pretende confundir a
decisão sobre a existência de uma arguição tempestiva de uma irregularidade com
a decisão sobre a alteração da incriminação, como é patente quando afirma, na
reclamação, que “o STJ conheceu da questão da alteração da incriminação em
causa, uma vez que no acórdão de 29 de Setembro de 2004 se disse que tal
nulidade tinha de ser arguida e se escreveu no despacho de fls. 5633, que foi
coonestado e mantido pelo acórdão de 5 de Fevereiro de 2005, que a nulidade
arguida não era insanável e ainda que ‘O prazo para arguir tal nulidade há muito
que decorreu – art.º 120.º do CPP’.”
Para além da mistura destas duas questões, que a decisão reclamada distinguiu, a
presente reclamação não põe em causa a ausência de identidade normativa entre as
normas aplicadas nas decisões recorridas e as normas apreciadas nos citados
acórdãos‑fundamento.
Há, pois, que confirmar a decisão reclamada, na parte relativa ao recurso (que
admitiu, corrigindo o requerimento, ter sido) interposto ao abrigo da alínea g)
do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional.
5.Quanto ao recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da
Lei do Tribunal Constitucional, o recorrente conforma-se com a decisão reclamada
na parte em que ela concluiu pela impossibilidade de tomar conhecimentos das
dimensões normativas que identificara nos n.º 1, 3 e 4 do requerimento de
recurso, por não terem sido aplicadas como ratio decidendi pela decisão
recorrida. Apenas está em causa a decisão de não conhecimento do recurso da
dimensão normativa identificada no n.º 2 daquele requerimento: a “interpretação
que se extrai do disposto nos art.ºs 11.°, n.º 3, do Código de Processo Penal,
36.° da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, e 119.°, al. e), do Código de Processo
Penal, no sentido de que, sendo arguida uma nulidade que se invoca como
insanável antes do trânsito em julgado do acórdão condenatório do Supremo
Tribunal de Justiça, relativa ao acórdão da Relação, o Supremo Tribunal de
Justiça através das suas secções é competente para julgar a nulidade arguida,
por violação dos art.ºs 20.°, n.ºs 1 e 5, e 32.°, n.ºs 1 e 9, da Constituição”.
Como salientou correctamente o Ministério Público, também neste ponto, porém, a
reclamação assenta numa confusão, desta vez entre a respectiva qualificação como
nulidade ou irregularidade de um vício processual e a competência para conhecer
de um vício qualificado como nulidade. O tribunal recorrido limitou-se a
sublinhar que o não cumprimento do disposto não constitui nulidade insanável,
mas antes mera irregularidade, e não se considerou competente para julgar a
nulidade arguida relativamente a uma decisão proferida por outro tribunal.
Aliás, as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal de Justiça foram apenas no
sentido de negar a devolução dos autos ao Tribunal da Relação (de não ordenar a
baixa do processo), assentando apenas na intempestividade da actuação do
recorrente, devido à qualificação do vício como irregularidade, e não na
apreciação da nulidade arguida (”Não se vê que exista qualquer fundamento legal
para que se ordene a devolução do processo ao tribunal recorrido para aí se
analisar uma questão que só no tribunal ad quem foi levantada”).
A dimensão normativa relativa à competência do Supremo Tribunal de Justiça para
julgar uma nulidade de uma decisão do Tribunal da Relação não foi, pois,
aplicada pelas decisões recorridas.
E a presente reclamação tem, assim, de ser desatendida.
III. Decisão
Pelos fundamentos expostos, decide-se desatender a presente reclamação e
confirmar a decisão sumária de não conhecimento do recurso, bem como condenar o
recorrente em custas, com 20 ( vinte ) unidades de conta de taxa de justiça.
Lisboa, 10 de Agosto de 2006
Paulo Mota Pinto
Mário José de Araújo Torres
Rui Manuel Moura Ramos