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Processo nº 120/06
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos de recurso, vindos do Tribunal de Trabalho de Bragança,
em que é recorrente o Ministério Público, foi interposto recurso para o Tribunal
Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70º, nº 1, alínea a), da Lei da
Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), da
sentença daquele Tribunal de 2 de Dezembro de 2005.
2. Considerando que A. se opôs à remição da pensão de que é beneficiária, o
Tribunal de Trabalho de Bragança indeferiu pedido de remição obrigatória da
pensão que fora fixada, recusando a aplicação da norma resultante do artigo 56º,
nº 1, alínea a), do Decreto-Lei nº 143/99, de 30 de Abril, quando interpretada
no sentido de impor a remição obrigatória total, isto é independentemente da
vontade do titular, de pensões atribuídas por incapacidades parciais permanentes
superiores a 30% ou por morte, por violação do artigo 59º, nº 1, alínea f), da
Constituição da República Portuguesa.
É o seguinte o teor da decisão recorrida:
«1. Veio a seguradora responsável, a fls. 74, requerer a remição da pensão
devida à beneficiária A. por morte do seu cônjuge, B., em consequência de
acidente de trabalho, alegando que a mesma se tornou obrigatoriamente remível
por força do disposto nos artigos 41º nº 2 da Lei 100/97 de 13/9 e 56° e 74° do
D.L. 143/99, de 30/4, na redacção do D.L. 382-A/99 de 23/9.
Notificada para se pronunciar, sob a advertência de o seu
silêncio ser havido como oposição, a referida beneficiária veio declarar que
pretende receber mensalmente a sua pensão, manifestando dessa forma a sua
oposição à remição.
A Digna Magistrada do M.ºP.º emitiu parecer favorável à
pretensão da requerente, conforme douta promoção de fls. 81, sustentando que
estão preenchidos os pressupostos previstos nos arts. 33° e 41º nº 2 al. a da
Lei 100/97 de 13/9 e 74° do D.L. 143/99 de 30/4.
Cumpre decidir.
2. Nos termos dos artigos 33° n.º 1 da Lei 100/97 de 13/9 e 56°
n.º 1 als. a) e b) do D.L. 143/99 de 30/4, aplicável às pensões resultantes de
acidentes ocorridos antes da sua entrada em vigor, por força do disposto no
artigos 41° n.º 2 al. a) da Lei, passaram a ser obrigatoriamente remíveis as
pensões anuais devidas a sinistrados e a beneficiários legais de pensões
vitalícias que não sejam superior a seis vezes a remuneração mínima mensal
garantida mais elevada à data da fixação da pensão e as devidas a sinistrados,
independentemente do valor da pensão anual, por incapacidade permanente e
parcial inferior a 30%.
Alinhamos com a posição expressa no Ac. do STJ de 13/7/2004
(n.º convencional JSTJ000, in http://www.dgsi.pt), no sentido de que a data da
fixação da pensão não pode ser entendida como a data da decisão judicial que a
fixou, mas antes a data a partir da qual a pensão é devida. Esta tese não
colide, salvo melhor entendimento, com a uniformização de jurisprudência fixada
pelo STJ no seu Acórdão n° 4/2005, publicado no DR I-A de 2/5/2005.
Ora, a pensão em causa é devida à beneficiária desde
12/02/1982. Por sua vez, o seu valor inicial era de 52.776$00 (€ 263,25), ou
seja, era inferior a seis vezes a remuneração mínima mensal garantida mais
elevada estabelecida pelo D.L. 296/81 de 27/10, que era de 10.700$00 (€ 53,37).
Estariam, pois, à partida, reunidos os pressupostos necessários
à remição obrigatória da pensão.
3. Contudo, tal como vem sendo entendido pelo Tribunal
Constitucional relativamente às pensões emergentes de incapacidades parciais
permanentes superiores a 30%, também no caso de pensões vitalícias por morte
devidas aos beneficiários legais as normas dos artigos 56° n° 1 al. a) e 74° do
D.L. 143/99 de 30/4 estão feridas de inconstitucionalidade por violação do
direito à justa reparação por acidente de trabalho ou doença profissional,
consagrado no art. 59° n° 1 al. f) da Constituição, quando interpretadas no
sentido de imporem a remição obrigatória total dessas pensões vitalícias,
independentemente da vontade do pensionista.
Transcreve-se, por elucidativa, parte da fundamentação do
Acórdão n° 56/2005 do Tribunal Constitucional publicado no Diário da República,
II Série, n° 44 de 3/5/2005, doutamente relatado pelo Exmº Conselheiro Paulo
Mota Pinto, no qual se apreciou a inconstitucionalidade material do citado art.
74° do D.L. 143/99, quando interpretado no sentido de abranger no conceito de
pensões de reduzido montante todas as pensões infortunísticas laborais,
incluindo nelas as situações de total ou elevada incapacidade permanente:
«(…)
5- No Acórdão n.º 379/2002 (publicado em Acórdãos do Tribunal
Constitucional, vol. 54, págs. 313-321) escreveu-se, a propósito, então, do
artigo 56° do Decreto-Lei n.º 143/99, que a “filosofia subjacente” à remição
obrigatória de pensões prevista no seu n.° 1, segundo dois diferentes critérios
– o do montante diminuto da pensão, segundo a alínea a), e o do grau de
incapacidade laboral, nos termos da alínea b) – e à remição facultativa de
pensões, prevista no seu n.º 2, era:
“[…] a de permitir que a compensação correspondente à pensão
fixada ao trabalhador vítima de acidente de trabalho ou de doença profissional,
não impeditivos de posterior exercício da sua actividade, possa converter-se em
capital e, assim, ser aplicada porventura de modo mais rentável do que a
permitida pela mera percepção de uma renda anual.
Se a via que o legislador encontrou é válida perante uma
incapacidade diminuta, a que corresponda montante de pensão reduzido, já não o
será em casos de maior gravidade, de modo a colocar, porventura, em causa, dada
a álea inerente, a aplicação do capital. Daí o não se aceitar que, nos casos de
incapacidade de trabalho fixada em maior percentagem, com natural repercussão no
montante da pensão, se estabeleça uma limitação ao poder de o trabalhador pedir
ou não a remição, reflectida na obrigatoriedade de a esta se proceder.”
Tal interpretação da teleologia das normas é corroborada pela
salvaguarda, no n.º 2 do artigo 33° da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, de um
limite máximo à remição parcial em situações de “incapacidade igual ou superior
a 30%” (“desde que a pensão sobrante seja igual ou superior a 50% do valor da
remuneração mínima mensal garantida mais elevada”), e pela inexistência de
previsão de “ um capital de remição”, no artigo 17° da Lei n.º 100/97 , para
situações em que a incapacidade fosse superior a 30%. (...).
Em todo o caso, o argumento mais relevante apresentado pela
decisão recorrida contra a conformidade constitucional da norma do artigo 74° do
Decreto-Lei n.º 143/99 (na redacção dada pelo artigo 2°, do Decreto-Lei n.º
382-A/99, e na interpretação que foi efectuada pela decisão recorrida, que o
Tribunal Constitucional tem de aceitar como um dado no presente recurso) foi,
justamente, o dos limites à teleologia da remição: nesses casos de incapacidade
elevada, “só a subsistência de uma pensão vitalícia poderá precaver o sinistrado
contra o destino, eventualmente aleatório, do capital resultante da remição
obrigatória, em casos como o sub judice”.
Neste ponto, a decisão recorrida foi também ao encontro da
ponderação reiterada pelo Tribunal Constitucional no Acórdão 302/99 (publicado
em Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 43, págs. 597-603), no qual se pode
ler:
“o estabelecimento de pensões por incapacidade tem em vista a
compensação pela perda da capacidade de trabalho dos trabalhadores devida a
infortúnios de que foram alvo no ou por causa do desempenho do respectivo labor.
E, por isso, compreende-se que, se uma tal perda não foi por
demais acentuada, o que o mesmo é dizer que o acidente de trabalho ou a doença
profissional não implicou a futura continuação do desempenho de labor por parte
do trabalhador (ainda que tenha reflexo, mesmo em medida não muito relevante, na
retribuição por aquele desempenho, justamente pela circunstância de não
apresentar uma total capacidade de trabalho), se permita que a compensação
correspondente à pensão que lhe foi fixada - e sabido que é que, de uma banda, o
montante das pensões é de pouco relevo e, de outra, que o quantitativo fixado se
degrada com o passar do tempo - possa ser ‘transformada’ em capital, a fim de
ser aplicada em finalidades económicas porventura mais úteis e rentáveis do que
a mera percepção de uma ‘renda’ anual cujo quantitativo não pode permitir
qualquer subsistência digna a quem quer que seja.
Transformação essa que ocorrerá a requerimento do trabalhador
ou da entidade responsável pelo pagamento da pensão, ou, até, obrigatoriamente,
por força da própria lei, neste último caso quando a incapacidade for diminuta
(até 10%) e o montante da pensão for reduzido.
Outrotanto se não passará quando em causa se postarem acidentes
de trabalho ou doenças profissionais cuja gravidade seja de tal sorte que vá
acentuadamente diminuir a capacidade laboral do trabalhador e, reflexamente, a
possibilidade de auferir salário condigno com, ao menos, a sua digna
subsistência. Nestas situações, e porque a pensão é, necessariamente, de mais
elevado montante, servirá ela de complemento à parca (e por vezes nula)
remuneração que aufere em consequência da reduzida capacidade de trabalho.
Se o montante dessas pensões se perspectivar como algo que
actua (ou actuaria desejavelmente) como um mínimo de asseguramento de
subsistência, então compreende-se que o legislador pretenda, como assinala o
Ex.mo Procurador-Geral Adjunto na sua alegação, “colocar o trabalhador a coberto
dos riscos de aplicação do capital de remição”.
Efectivamente, a aplicação de um capital - ainda que no momento
em que essa intenção é formulada se apresente como um investimento adequado,
porquanto proporcionador de um rendimento mais satisfatório do que o
correspondente à percepção da pensão anual - é sempre alguma coisa que, em
virtude de ser aleatória, comporta riscos.
E daí se aceitar que, nos casos em que a incapacidade de
trabalho se situa em maior percentagem (com o consequente maior montante da
pensão), o legislador, para ressalva do próprio trabalhador que dessa
incapacidade padece, não autorize a remição das respectivas pensões, desta sorte
estabelecendo uma limitação ao poder do trabalhador de pedir ou não a remição.”
Neste acórdão n.º 302/99 (bem como no Acórdão n.º 482/99,
disponível em www.tribunalconstitucional.pt), o Tribunal Constitucional
pronunciou-se sobre a conformidade constitucional de disposições que vedam a
remição de certas pensões “a requerimento dos pensionistas ou das entidades
responsáveis”, e julgou-as inconstitucionais por violação das disposições
conjugadas dos artigos 13°, n.º 1,59°, n.º 1, alínea f), e 63°, n.º 3, da
Constituição.
No presente caso, o problema é de certa forma inverso, pois não
está em causa a limitação ao poder de o trabalhador ponderar se, atento o
diminuto quantitativo da pensão, não seria mais compensador a efectivação da
remição {que redundava - disse-se -, “verdadeiramente, na consagração de uma
discriminação materialmente infundada, actuando como um obstáculo a que o
sistema de segurança social proteja adequadamente […] o direito dos
trabalhadores à justa reparação, quando vítimas de acidentes de trabalho ou de
doença profissional [artigo 59°, n° 1, alínea f), do diploma básico]”}, mas
antes a limitação a continuar a receber a pensão, pela imposição de uma remição
obrigatória, para todas as pensões infortunísticas laborais, mesmo que por
incapacidades parciais permanentes que excedam 30%.
Todavia, também no presente caso a interpretação em causa
redunda numa limitação do poder de o trabalhador ponderar se é menos arriscado
continuar a receber a pensão e recusar a remição – numa imposição do risco do
capital a receber –, a qual, com a extensão que a dimensão normativa admite,
tornaria precário e limitaria o direito dos trabalhadores a uma justa reparação,
quando vítimas de acidente de trabalho ou doença profissional.
(...)
Pode, assim, concluir-se, como nos acórdãos citados, que a
remição total obrigatória –isto é, independentemente da vontade do beneficiário
– de uma pensão vitalícia atribuída por uma incapacidade parcial permanente
superior a 30% é inconstitucional por violação do direito à justa reparação por
acidente de trabalho ou doença profissional, consagrado no artigo 59°, n.º 1,
alínea f), da Constituição.
(...).»
4. Os ensinamentos resultantes da jurisprudência constitucional
citada, embora se refiram ao artigo 74° do D.L. 143/99 de 30/4, valem igualmente
para o art. 56° n° 1 al. a) quando interpretado no sentido de impor a remição
obrigatória total, isto é independentemente da vontade do titular, de pensões
atribuídas por incapacidades parciais permanentes iguais ou superiores a 30%, na
medida em que, ao impor uma limitação ao direito do sinistrado poder optar , ou
pela remição, ou, antes, pelo recebimento da sua pensão sob a forma de renda
anual, tal interpretação põe em causa o principio constitucional do direito à
justa reparação por acidente de trabalho ou doença profissional estabelecido no
art. 59° n° 1 al. f) da Constituição.
E valem também, salvo melhor entendimento, nos casos em que o
pensionista não é o trabalhador sinistrado, mas antes um seu beneficiário legal.
Com efeito, a lei estende o regime especial da reparação dos
acidentes de trabalho aos familiares dos trabalhadores, como decorre do disposto
no art. 1º da Lei 100/97, o que se justifica, na medida em que aqueles
familiares beneficiam, se não mesmo dependem, dos rendimentos do trabalho por
estes auferidos. Como decorre do disposto no art. 20° da referida lei, o direito
desses familiares é reconhecido, nuns casos, independentemente destes terem ou
não rendimentos próprios (cônjuge ou pessoa em união de facto e filhos até aos
25 anos enquanto frequentarem ensino médio ou superior ou quando afectados de
doença física ou mental que os incapacite sensivelmente para o trabalho) e,
noutros casos, porque o trabalhador contribuía regularmente para o seu sustento
(ascendentes ou quaisquer parentes sucessíveis à data da morte até aos 25 anos
enquanto frequentarem ensino médio ou superior ou quando afectados de doença
física ou mental que os incapacite sensivelmente para o trabalho). Em todas as
situações o pressuposto da atribuição ao beneficiário legal de uma pensão por
morte do trabalhador sinistrado é o da contribuição deste, presumida ou
efectiva, para o sustento daquele. Daí que a pensão por morte atribuída aos
beneficiários legais tenha a natureza de uma prestação de carácter alimentício,
que, se para uns funcionará como um complemento aos seus meios de subsistência,
para outros será o principal, se não mesmo o único meio de assegurar uma
subsistência condigna.
Em qualquer caso, o direito constitucional à justa reparação
dos danos emergentes de acidente de trabalho postula que, à semelhança do que
sucede no caso do pensionista ser o próprio trabalhador sinistrado, seja o
beneficiário legal, no seu livre arbítrio, a decidir qual a forma de reparação
que melhor lhe convém, isto é, a optar entre o recebimento da sua pensão em
duodécimos e o recebimento de um capital de remição, ponderando os riscos
inerentes à sua aplicação.
Em abono de tal entendimento, transcreve-se uma passagem do
douto Acórdão do Tribunal Constitucional n° 379/2002, Proc. 172/02, de
26/2/2002, publicado no D.R. II, 290, de 16/1/2002 (citado, aliás, no Ac. n°
56/03 supra referido), que embora se tivesse pronunciado pela conformidade
constitucional da remição de pensões por morte de reduzido montante
perspectivada sob o prisma do princípio da igualdade quando comparadas com
outras pensões por morte que não sejam consideradas de reduzido montante, não
deixou de adiantar a desconformidade constitucional da remição das mesmas
pensões à luz do principio da justa reparação dos acidentes de trabalho:
5. - (...).
No caso sub judice o beneficiário da pensão não
é o próprio sinistrado, uma vez que este morreu, mas poder-se-á defender que,
também aqui, haverá que proceder a idêntica ponderação: se, face a um quadro em
que as pensões tendem inevitavelmente a degradar-se, se consideraram
inconstitucionais as normas que estabelecem “uma limitação ao poder do
trabalhador de pedir ou não a remição”, justificar-se-ia também um juízo de
inconstitucionalidade para uma interpretação normativa que, por morte do
trabalhador, impõe a remição obrigatória das pensões, sujeitas a actualizações
anuais e ajustes por idade dos beneficiários, para assim se salvaguardar a
liberdade de o beneficiário correr os riscos do capital de remição (...).
A mesma ponderação é feita, num caso semelhante, no Ac. n°
21/2003, do T.Const., de 15/1/2003, publicado no D.R. II, n° 42 de 19/2/2003, no
qual se refere, a dado passo, que «tal como naquelas [Acórdãos nºs 302/99 e
482/99] anteriores decisões (face a um quadro em que as pensões tendiam
inevitavelmente a degradar-se) se consideraram inconstitucionais as normas que
estabeleciam “uma limitação ao poder do trabalhador de pedir ou não a remição”,
dir-se-ia que haveria que chegar agora a um juízo de inconstitucionalidade da
interpretação da norma (...) que impõe a remição obrigatória de pensões, por
morte do trabalhador, sujeitas a actualizações anuais e reajustes por idade dos
beneficiários, desde que tenham a oposição destes, para se salvaguardar a
liberdade de o beneficiário “correr os riscos de aplicação do capital de
remição”, como naquelas decisões.»
Conclui-se, pois, que a interpretação do art. 56° n° 1 al. a) do D.L. 143/99 de
30/4 nº sentido de impor a remição obrigatória total, isto é independentemente
da vontade do titular, de pensões vitalícias atribuídas por morte aos
beneficiários legais do sinistrado falecido, defendida pela seguradora
responsável e pela Digna Procuradora da República, põe em causa o princípio
constitucional do direito à justa reparação por acidente de trabalho ou doença
profissional estabelecido no art. 59° n° 1 a1. f) da Constituição, na medida em
que impõe uma limitação ao direito do beneficiário-pensionista poder optar, ou
pela remição, ou, antes, pelo recebimento da sua pensão sob a forma de renda
anual.
5. Pelo exposto, considerando que a beneficiária nestes autos se opôs à remição
da sua pensão, decide-se não aplicar, por inconstitucional, por violação do art.
59° n° 1 al. f) da Constituição, a norma resultante do art. 56° n° 1 a1. a) do
D.L. 143/99 de 30/4, quando interpretada no sentido de impor a remição
obrigatória total, isto é independentemente da vontade do titular , de pensões
atribuídas por incapacidades parciais permanentes superiores a 30% ou por morte,
e, consequentemente, indeferir a requeri da remição obrigatória da pensão fixada
nestes autos à beneficiária A.».
3. Desta decisão foi interposto o presente recurso, visando a apreciação da
norma resultante do artigo 56º, nº 1, alínea a), do Decreto-Lei nº 143/99, de 30
de Abril, «quando interpretada por forma a impor a remição obrigatória total,
isto é independentemente da vontade do titular, de pensões atribuídas por
incapacidades parciais permanentes superiores a 30% ou por morte».
4. Notificado para alegar, o Ministério Público formulou as seguintes
conclusões:
«1 - Face à firme corrente jurisprudencial, formada na esteira do decidido no
acórdão n° 56/05, não se conforma com o princípio constitucional da justa
reparação dos danos emergentes de acidentes laborais, estabelecido no artigo
59°, n° 1, alínea f) da Constituição da República Portuguesa o regime que se
traduz em impor ao trabalhador/sinistrado ou, no caso de morte, ao
familiar/beneficiário – contra a sua vontade expressa no processo – a
obrigatória remição das pensões vitalícias que – independentemente do seu
montante pecuniário - visam compensar graus elevados - superiores a 30% – de
incapacidade laboral.
2 - Tal entendimento tanto se justifica quanto às pensões fixadas anteriormente
à vigência do Decreto-Lei n° 143/99 (previstas no artigo 74°), como às pensões
decorrentes de acidentes já ocorridos após vigorar este diploma legal, cuja
remição obrigatória está prevista e regulada no artigo 56°.
3 - Não viola o princípio da igualdade a circunstância de – em consequência da
remição da pensão – certos trabalhadores ou beneficiários receberem um capital
indemnizatório, que passam a administrar livremente, enquanto os restantes
continuam a receber uma indemnização expressa em pensão ou renda vitalícia, não
objecto de remição.
4 - Porém, a norma constante do artigo 56°, n° 1, alínea a) do Decreto-Lei n°
143/99, ao impor, independentemente da vontade do trabalhador ou beneficiário, a
remição obrigatória total de pensões atribuídas por incapacidades parciais
permanentes superiores a 30%, ou por morte do sinistrado, ofende o princípio
constitucional da justa reparação de danos causados por acidentes laborais.
5 - Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade constante
da decisão recorrida».
II. Fundamentação
O Tribunal de Trabalho de Bragança recusou a aplicação da norma resultante do
artigo 56º, nº 1, alínea a), do Decreto-Lei nº 143/99, de 30 de Abril, quando
interpretada no sentido de impor a remição obrigatória total, isto é
independentemente da vontade do titular, de pensões atribuídas por incapacidades
parciais permanentes superiores a 30% ou por morte, por violação do disposto no
artigo 59º, nº 1, alínea f), da Constituição da República Portuguesa.
Esta recusa de aplicação ocorreu num processo em que a beneficiária de pensão
atribuída por morte do cônjuge, em consequência de acidente de trabalho ocorrido
em 1982, declarou pretender receber mensalmente tal pensão – de valor não
superior a seis vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada à data
da sua fixação –, na sequência de requerimento de remição total da mesma feito
pela seguradora responsável.
A questão de constitucionalidade que é objecto do presente recurso foi já
decidida por este Tribunal, no Acórdão nº 457/2006 (não publicado), no sentido
de julgar inconstitucional, por violação do artigo 59º, nº 1, alínea f), da
Constituição da República Portuguesa, a norma do artigo 56º, nº 1, alínea a),
do Decreto‑Lei nº 143/99, de 30 de Abril, interpretada no sentido de impor a
remição obrigatória de pensões devidas por acidentes de trabalho, ocorridos
anteriormente à data da entrada em vigor desse diploma, de que haja resultado a
morte do sinistrado, que não sejam superiores a seis vezes a remuneração mínima
mensal garantida mais elevada à data da fixação da pensão, opondo‑se o
beneficiário à remição.
É a seguinte a fundamentação deste Acórdão:
«Conforme se refere nas alegações do Ministério Público, era sustentável – face
à situação de facto subjacente à decisão recorrida, reportada a acidente de
trabalho ocorrido em 1986 – que se considerasse aplicável o disposto no artigo
74.º, e não directamente o estatuído no artigo 56.º, n.º 1, alínea a), do
Decreto‑Lei n.º 143/99, de 30 de Abril.
No entanto, foi esta última a norma cuja aplicação foi
expressamente recusada, com fundamento na sua inconstitucionalidade, pela
decisão recorrida, pelo que é a questão da sua conformidade constitucional que
constitui objecto do presente recurso, embora circunscrita à dimensão
delimitada pela situação subjacente à decisão. Isto é: constitui objecto do
presente recurso a norma constante do artigo 56.º, n.º 1, alínea a), do
Decreto‑Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, interpretada no sentido de impor a
remição obrigatória de pensões devidas por acidentes de trabalho, ocorridos
anteriormente à data da entrada em vigor desse diploma, de que haja resultado a
morte do sinistrado, que não sejam superiores a seis vezes a remuneração
mínima mensal garantida mais elevada à data da fixação da pensão, opondo‑se o
beneficiário à remição.
São numerosas as decisões deste Tribunal sobre a presente
problemática, embora incidindo em casos em que beneficiário da pensão é o
próprio sinistrado e do acidente haja resultado incapacidade parcial permanente
superior a 30%.
Pelo Acórdão n.º 34/2006, na sequência do Acórdão n.º 56/2005 e
das Decisões Sumárias n.ºs 234/2005 e 247/2005, foi declarada “a
inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do
artigo 74.º do Decreto‑Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, na redacção dada pelo
Decreto‑Lei n.º 382‑A/99, de 22 de Setembro, interpretado no sentido de impor a
remição obrigatória total de pensões vitalícias atribuídas por incapacidades
parciais permanentes do trabalhador/sinistrado, nos casos em que estas
incapacidades excedam 30%, por violação do artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da
Constituição da República Portuguesa”. Esse juízo de inconstitucionalidade foi
reiterado no Acórdão n.º 73/2006 e da aludida declaração de
inconstitucionalidade foi feita aplicação nos Acórdãos n.ºs 82/2006 e 112/2006 e
nas Decisões Sumárias n.ºs 34/2006, 36/2006, 38/2006, 39/2006, 48/2006, 76/2006,
180/2006, 219/2006 e 234/2006.
E, relativamente à norma, ora em causa, do artigo 56.º, n.º 1,
alínea a), do Decreto‑Lei n.º 143/99, cuja aplicação fora recusada, com
fundamento em inconstitucionalidade, pelas decisões recorridas (embora se
tratasse de acidentes ocorridos antes da entrada em vigor desse diploma), o
Tribunal Constitucional, considerando transponível a fundamentação desenvolvida
a propósito do artigo 74.º, julgou‑a inconstitucional nos Acórdãos n.ºs 58/2006,
118/2006, 204/2006, 292/2006, 322/2006 e 323/2006. Este juízo de
inconstitucionalidade foi reiterado nas Decisões Sumárias n.ºs 87/2006,
102/2006, 110/2006, 111/2006, 128/2006, 129/2006, 131/2006, 144/2006, 145/2006,
148/2006, 159/2006, 160/2006, 195/2006, 207/2006, 261/2006 e 262/2006, na
generalidade das quais nenhuma alusão se faz à data do acidente. Constituiu
fundamento do juízo de inconstitucionalidade constante de todos os Acórdãos e
Decisões Sumárias acabados de citar a violação do artigo 59, n.º 1, alínea f),
da Constituição da República Portuguesa, e, nos Acórdãos n.ºs 322/2006 e
323/2006 (embora com votos dissidentes quanto a este fundamento), ainda a
violação do princípio da confiança.
Recentemente, pelo Acórdão n.º 438/2006, o Tribunal
Constitucional apreciou, pela primeira vez, embora reportada ao artigo 74.º do
citado diploma, a mesma questão de inconstitucionalidade ora em causa, em que
beneficiário da pensão não era o sinistrado, já que do acidente resultou a sua
morte, mas sim a sua viúva, e decidiu “julgar inconstitucional, por violação
conjugada do disposto na alínea f) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição e do
princípio da confiança, inerente ao princípio do Estado de Direito, consagrado
no artigo 2.º da Constituição, a norma constante do artigo 74.º do Decreto‑Lei
n.º 143/99, de 30 de Abril (na redacção emergente do Decreto‑Lei n.º 382‑A/99,
de 22 de Setembro), interpretada no sentido de impor a remição obrigatória
total de pensões vitalícias atribuídas por morte, opondo‑se o titular à remição,
pretendida pela seguradora”.
Como nesse Acórdão se reconhece, “pese embora a circunstância
de o titular (por direito próprio, não por sucessão) do direito à pensão não
ser, aqui, o trabalhador, não se afasta o critério da tutela constitucional do
direito à «assistência e justa reparação» por «acidentes de trabalho» para
aferir a validade constitucional da norma em apreciação, já que o direito a
pensão desempenha, no fundo, uma função de substituição da contribuição que o
vencimento do trabalhador significava para a subsistência do beneficiário”.
Na verdade, apesar da formulação literal do preceito
constitucional (“1. Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça,
cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas,
têm direito: (…) f) A assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente
de trabalho ou de doença profissional.”), não parece sustentável que o direito à
justa reparação de acidente de trabalho fique circunscrito à pessoa do
trabalhador. Nenhuma razão material justificaria que, exactamente nos casos em
que o sinistro laboral teve mais graves consequências – a morte do trabalhador
–, se tornasse mais ténue a exigência constitucional da justiça da reparação.
É certo que para as situações em que o beneficiário da pensão
não é o trabalhador sinistrado não valem todos os argumentos aduzidos na
jurisprudência deste Tribunal atrás citada, em especial o que apela à maior ou
menor valia do salário que o trabalhador poderá continuar a auferir de acordo
com a sua capacidade residual de trabalho.
No entanto, o cerne do juízo de inconstitucionalidade radica em
que a imposição da remição de pensões, que o beneficiário já vinha auferindo e
que não são de reduzido montante, apesar da oposição desse beneficiário a essa
remição (e, assim, com desrespeito da autonomia da sua vontade), atenta a maior
aleatoriedade dos proventos que se poderão obter com a aplicação do capital face
à percepção regular da pensão, não assegura a “justa reparação”
constitucionalmente imposta.
Neste contexto, assume relevância a consideração, exposta na
passagem transcrita do Acórdão n.º 438/2006, da função, que a pensão tem, de
substituição da contribuição que o vencimento do trabalhador significava para a
subsistência do beneficiário.
Consideração que é assim desenvolvida:
“Essa função é, aliás, revelada pelos termos em que o artigo 20.º da Lei n.º
100/97 define, quer o círculo dos titulares, quer as condições da sua
atribuição.
Basta verificar que o direito é reconhecido a pessoas a quem o sinistrado, em
vida, estava legalmente obrigado a prestar alimentos ou, em certos casos, os
prestava de facto: cônjuge (cfr. artigos 1672.º, 1675.º, 2009.º, n.º 1, alínea
a), e 2015.º do Código Civil), ex‑cônjuge ou cônjuge judicialmente separado de
pessoas e bens com direito a alimentos (cfr. artigos 2009.º, n.º 1, alínea a), e
2016.º do Código Civil), filhos (cfr. artigos 1874.º, 1880.º, 2009.º, n.º 1,
alínea b), do Código Civil), ascendentes (cfr. artigo 2009.º, n.º 1, alínea b),
do Código Civil) e quaisquer parentes sucessíveis, desde que o sinistrado
«contribuísse com regularidade para o seu sustento». No último caso, há um
alargamento (subjectivo) em relação ao que consta do artigo 2009.º, alíneas d) e
e), do Código Civil, todavia contrabalançado com a exigência acabada de referir.
Quanto ao direito a pensão reconhecido ao unido de facto, há que ter em conta
que o artigo 6.º da Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, exige, como condição de
atribuição da pensão, a reunião das condições constantes do artigo 2020.º do
Código Civil, ou seja, para que o agora interessa, a titularidade do «direito a
exigir alimentos da herança do falecido».”
Concluindo‑se, como se conclui, que a dimensão normativa ora em
apreço viola o disposto no artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da CRP, torna‑se
desnecessário apreciar se também ocorre violação do princípio da confiança».
É esta jurisprudência – para cuja fundamentação se remete – que agora se
reitera.
III. Decisão
Em face do exposto, decide-se:
a) Julgar inconstitucional, por violação do artigo 59º, nº 1,
alínea f), da Constituição da República Portuguesa, a norma do artigo 56º, nº
1, alínea a), do Decreto‑Lei nº 143/99, de 30 de Abril, interpretada no sentido
de impor a remição obrigatória de pensões devidas por acidentes de trabalho,
ocorridos anteriormente à data da entrada em vigor desse diploma, de que haja
resultado a morte do sinistrado, que não sejam superiores a seis vezes a
remuneração mínima mensal garantida mais elevada à data da fixação da pensão,
opondo‑se o beneficiário à remição;
b) Negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida
no que diz respeito ao juízo de inconstitucionalidade.
Sem custas.
Lisboa, 26 de Setembro de 2006
Maria João Antunes
Maria Helena Brito
Rui Manuel Moura Ramos
Carlos Pamplona de Oliveira - com declaração.
Artur Maurício (com declaração)
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei a decisão com um fundamento não totalmente coincidente.
Entendo – conforme, aliás, já escrevi em declaração ao Acórdão n.º 204/06 –, que
a norma impugnada atinge elementos essenciais da pensão infortunística já
fixada, prejudicando de forma inadmissível a reparação a que se destina. Na
verdade, o modo como a pensão foi integrada no património do beneficiário
durante o período de tempo em que lhe foram regularmente pagas as prestações
pecuniárias devidas a este título, confere ao interessado o direito a não
sofrer, independentemente da sua vontade ou da ocorrência de uma causa
superveniente, inesperadas alterações no montante, na periodicidade, e na
regularidade do processamento desses abonos.
Em suma, é a violação do princípio da confiança que conduz – em minha opinião –
ao juízo de inconstitucionalidade da norma.
Carlos Pamplona de Oliveira
Declaração de Voto
Muito embora aceite um julgamento de inconstitucionalidade da norma em causa, na
dimensão apreciada, com o fundamento autónomo da violação do artigo 59º, nº 1,
alínea f), da Constituição, entendo na linha dos Acórdãos nºs. 322/06 e 323/06,
que subscrevi, que se verifica igualmente a violação do referido preceito
constitucional em conjugação com o princípio da confiança.
Artur Maurício