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Processo n.º 326/06
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. O relator proferiu a seguinte decisão, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da
Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro:
“1. Proferiu-se o seguinte despacho:
“1. A., inconformado com a decisão do Presidente do Tribunal da Relação de
Évora, de 9 de Março de 2006, que julgou improcedente a reclamação que deduziu
contra o despacho do juiz do Tribunal de Instrução Criminal de Évora, de 31 de
Janeiro de 2006, que rejeitou, por inadmissibilidade legal, o recurso que
pretendia interpor da decisão do mesmo Juiz de Instrução Criminal, que julgou
improcedente o recurso de impugnação da decisão da entidade administrativa que
lhe recusou o pedido de apoio judiciário, veio interpor recurso para o Tribunal
Constitucional, com fundamento na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro, pretendendo “apreciação da inconstitucionalidade das
normas contidas no n.º 1 do artigo 28.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, com
a interpretação que emerge da douta decisão em crise aplicando em bloco o novo
regime resultante da sobredita Lei a todo e qualquer pedido de apoio judiciário,
independentemente da natureza do processo e da qualidade do requerente, não
faria sentido, por desnecessária, manter a menção a uma única instância de
recurso, resultando, assim, essa como regra em vigor”.
2. Não resultando com clareza do requerimento de interposição de recurso qual a
interpretação que emerge da decisão recorrida, referente à norma do n.º 1 do
artigo 28.º da Lei n.º 34/2004, que o recorrente pretende ver apreciada, e tendo
em conta que sobre ele recai o ónus de a enunciar de forma clara e precisa,
atento o disposto nos n.ºs 1, 5, 6 e 7, do artigo 75.º-A, e n.ºs 1 e 2 do artigo
78.º-A, da Lei do Tribunal Constitucional, notifique o recorrente para, em dez
dias, concretizar o objecto do recurso nesse sentido.”
2. O recorrente respondeu nos seguintes termos:
“Confessa o Recorrente ter imensa dificuldade, como a que tem este Tribunal, em
ter perfeito entendimento dos fundamentos que sustentam a douta decisão onde a
norma é erradamente interpretada, em seu entender, a norma arguida assim de
inconstitucionalidade, pelo que, ante maior ciência jurídica de V. Exas.,
Senhores Conselheiros, toma a liberdade de transcrever arte da decisão de onde
respigou o que julga ser a interpretação tida por errada, - segundo parágrafo, a
negrito – para perfeito entendimento do ali expresso:
A expressão ‘em última instância’, ínsita no n.º 1 do artº 29º da Lei nº
30-E/2000, como bem refere o Exmo. Procurador da República, visava justamente
limitar o recurso a um único grau: da decisão da autoridade administrativa
recorria-se para o tribunal da comarca; da decisão da autoridade judiciária –
quanto aos pedidos de apoio judiciário formulados por arguidos em processo penal
– cabia recurso para o Tribunal da Relação. Por outras palavras: o tribunal da
comarca tratando-se de recurso da decisão dos serviços de segurança social – ou
o Tribunal da Relação – estando em causa pedidos de apoio judiciário formulados
por arguidos em processo penal – decidiam em última instância.
Aplicando-se o novo regime, estabelecido pela Lei nº 34/2004, em bloco, a todo e
qualquer pedido de apoio judiciário, independentemente na natureza do processo e
da qualidade do requerente, não faria sentido, por desnecessária, manter a
‘menção a uma única instância de recurso’, pois é essa a regra que vigora.
Destarte, daquilo que ao Recorrente é dado inteligir, defende o Venerando
Tribunal a quo que a nova lei era ‘herdado’da que a antecedeu o princípio do
único grau de recurso em sede de apoio judiciário, deixando de existir
necessidade de tal princípio estar expresso na letra da lei como estava no nº 1
do artº 29º da Lei nº 30-E/2000 onde tal desiderato se destinava, unicamente, a
diferenciar os diferentes regimes de apreciação liminar do instituto conforme a
qualidade do seu requerente.
É esta interpretação extraída do texto da decisão, como se vê, que o Recorrente
tem por desconforme aos imperativos constitucionais e à própria jurisprudência
para além do que nesse aspecto se tornar elucidativo o projecto de alteração da
lei proposta pelo Governo e apresentado previamente aos agentes judiciários,
onde no nº 5 do artº 28º voltará a estar expresso a irrecorribilidade como na
anterior Lei nº 30-E/2000, de 20 de Dezembro, ao contrário do que se passa com o
texto actualmente vigente, fazendo clarividente aquilo que emana do nº 2 artº 9º
do Código Civil, qual seja que não pode o intérprete considerar o pensamento
legislativo que não tenha um mínimo de correspondência na letra da lei ainda que
imperfeitamente expresso, como melhor se aduzirá em sede de alegações.”
3. Como se referiu no despacho de fls. 42, o recorrente tem o ónus de enunciar,
logo no requerimento de interposição do recurso, de modo preciso e claro, a
norma cuja (in)constitucionalidade pretende que seja apreciada. Se questiona uma
certa interpretação normativa, torna-se necessário que precise esse sentido, de
modo a que, vindo a norma a ser considerada inconstitucional com esse sentido, o
Tribunal o possa enunciar na sua decisão por tal forma que o tribunal recorrido
possa, ao reformar a decisão, saber qual o sentido da norma que não pode ser
utilizado por ser incompatível com a Constituição (cfr., entre outros, acórdãos
n.º 178/95, 366/96 e 116/02, in Diário da República, II Série, de 21 de Junho de
1995, 10 de Maio de 1996 e 8 de Maio de 2002, respectivamente).
Sucede que o modo como o recorrente respondeu ao convite que lhe foi formulado
não satisfaz minimamente este ónus de delimitação objectiva do recurso. Com
efeito, em vez de enunciar, numa proposição clara, o sentido normativo do n.º 1
do artigo 28.º aplicado pela decisão recorrida e que tem por inconstitucional, o
recorrente transcreveu e criticou os argumentos e o processo interpretativo
utilizados pela decisão recorrida para desatender a reclamação. Ora, uma coisa
são os argumentos, inclusivamente por comparação entre o teor dispositivo actual
dos preceitos que integram o regime jurídico vigente e o daquele que o precedeu,
em ordem a chegar a determinada solução e outra coisa é a enunciação do comando
jurídico ou critério normativo de decisão susceptível de generalização que,
extraído de um desses preceitos ou de determinado bloco legal, funcionou como
ratio decidendi. Com o que agora veio dizer o recorrente nada acrescentou de
útil ao que constava do requerimento de interposição do recurso, o que equivale
a não ter respondido ao convite (cfr. n.º 7 do artigo 75.º-A da LTC).
Assim sendo, o recurso não pode prosseguir.
4. Porém, mesmo que assim se não entendesse e se considerasse suficientemente
definido o objecto do recurso, sempre haveria de proferir-se decisão a julgá-lo
imediatamente improcedente, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º da LTC, por se
tratar de questão simples, considerando a consistente jurisprudência anterior do
Tribunal acerca do regime constitucional do duplo grau de jurisdição ou do
direito ao recurso de decisões judiciais.
Na verdade, tratando-se de um processo de fiscalização concreta de
constitucionalidade, o que poderia estar em causa neste recurso seria a norma
extraída do n.º 1 do artigo 28.º da Lei n.º 34/2006, de 29 de Julho,
interpretada no sentido de que não é admissível recurso jurisdicional da decisão
que aprecie a impugnação da decisão administrativa que indefira o pedido de
apoio judiciário requerido com vista à constituição de assistente em processo
crime. Atendendo ao carácter instrumental do recurso de fiscalização concreta de
constitucionalidade, esta é a dimensão normativa que importa considerar,
independentemente de a formulação genérica da fundamentação da decisão recorrida
poder ter um alcance mais extenso. Não se cura, portanto, de saber se a questão
se equacionaria nos mesmos termos e teria a mesma resposta – na perspectiva
constitucional que é a única que cabe a este Tribunal apreciar –, perante
pretensões de apoio judiciário formuladas por outros sujeitos processuais (v.
gr., pelo arguido) ou instrumentais da tutela de interesses e direitos de outra
natureza (v. gr. para defesa judicial contra actos lesivos de direitos,
liberdades e garantias). Como também não há que apreciar a hipótese de a decisão
judicial que se pretende impugnar ser outra que não uma decisão que tome
conhecimento do mérito da impugnação da decisão administrativa de indeferimento
(v. gr., uma decisão de rejeição da impugnação por falta de pressupostos
processuais).
Isto posto, justificar-se-ia a transposição para a hipótese considerada da
jurisprudência firme do Tribunal de que o direito de acesso aos tribunais não
impõe a existência de um duplo grau de jurisdição, em todo e qualquer caso.
A este propósito, escreveu-se, por exemplo, no Acórdão nº 415/2001 (Diário da
República, II Série, de 30 de Novembro de 2001), com remissão para
jurisprudência anterior, o seguinte:
“ […]
Ora a verdade é que, como o Tribunal Constitucional tem afirmado uniforme e
repetidamente, não resulta da Constituição, em geral, nenhuma garantia do duplo
grau de jurisdição, ou seja, nenhuma garantia genérica de direito ao recurso de
decisões judiciais; nem tal direito faz parte integrante e necessária do
princípio constitucional do acesso ao direito e à justiça, expressamente
consagrado no citado artigo 20º da Constituição.
Como, por exemplo, se entendeu expressamente no acórdão nº 638/98 (Diário da
República, II Série, de 15 de Maio de 1999), e ainda recentemente se reafirmou
no acórdão nº 202/99 (Diário da República, II Série, de 6 de Fevereiro de 2001),
aprovado em plenário, “7. O artigo 20º, nº 1, da Constituição assegura a todos
‘o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses
legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de
meios económicos’.
Tal direito consiste no direito a ver solucionados os conflitos, segundo a lei
aplicável, por um órgão que ofereça garantias de imparcialidade e independência,
e face ao qual as partes se encontrem em condições de plena igualdade no que diz
respeito à defesa dos respectivos pontos de vista (designadamente sem que a
insuficiência de meios económicos possa prejudicar tal possibilidade). Ao fim e
ao cabo, este direito é ele próprio uma garantia geral de todos os restantes
direitos e interesses legalmente protegidos.
Mas terá de ser assegurado em mais de um grau de jurisdição, incluindo-se nele
também a garantia de recurso? Ou bastará um grau de jurisdição?
A Constituição não contém preceito expresso que consagre o direito ao recurso
para um outro tribunal, nem em processo administrativo, nem em processo civil;
e, em processo penal, só após a última revisão constitucional (constante da Lei
Constitucional nº 1/97, de 20 de Setembro), passou a incluir, no artigo 32º, a
menção expressa ao recurso, incluído nas garantias de defesa, assim consagrando,
aliás, a jurisprudência constitucional anterior a esta revisão, e segundo a qual
a Constituição consagra o duplo grau de jurisdição em matéria penal, na medida
(mas só na medida) em que o direito ao recurso integra esse núcleo essencial das
garantias de defesa previstas naquele artigo 32º.
Para além disso, algumas vozes têm considerado como constitucionalmente incluído
no princípio do Estado de direito democrático o direito ao recurso de decisões
que afectem direitos, liberdades e garantias constitucionalmente garantidos,
mesmo fora do âmbito penal (ver, a este respeito, as declarações de voto dos
Conselheiros Vital Moreira e António Vitorino, respectivamente no Acórdão nº
65/88, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 11, pág. 653, e no Acórdão nº
202/90, id., vol. 16, pág. 505).
Em relação aos restantes casos, todavia, o legislador apenas não poderá suprimir
ou inviabilizar globalmente a faculdade de recorrer.
Na verdade, este Tribunal tem entendido, e continua a entender, com A. Ribeiro
Mendes (Direito Processual Civil, III - Recursos, AAFDL, Lisboa, 1982, p. 126),
que, impondo a Constituição uma hierarquia dos tribunais judiciais (com o
Supremo Tribunal de Justiça no topo, sem prejuízo da competência própria do
Tribunal Constitucional - artigo 210º), terá de admitir-se que ‘o legislador
ordinário não poderá suprimir em bloco os tribunais de recurso e os próprios
recursos’ (cfr., a este propósito, Acórdãos nº 31/87, Acórdãos do Tribunal
Constitucional, vol. 9, pág. 463, e nº 340/90, id., vol. 17, pág. 349)
Como a Lei Fundamental prevê expressamente os tribunais de recurso, pode
concluir-se que o legislador está impedido de eliminar pura e simplesmente a
faculdade de recorrer em todo e qualquer caso, ou de a inviabilizar na prática.
Já não está, porém, impedido de regular, com larga margem de liberdade, a
existência dos recursos e a recorribilidade das decisões (cfr. os citados
Acórdãos nº 31/87, 65/88, e ainda 178/88 (Acórdãos do Tribunal Constitucional,
vol. 12, pág. 569); sobre o direito à tutela jurisdicional, ainda Acórdãos nº
359/86, (Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 8, pág. 605), nº 24/88,
(Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 11, pág. 525), e nº 450/89, (Acórdãos
do Tribunal Constitucional, vol. 13, pág. 1307).
(...)
9. Não existe, desta forma, um ilimitado direito de recorrer de todas as
decisões jurisdicionais, nem se pode, consequentemente, afirmar que a garantia
da via judiciária, ou seja, o direito de acesso aos tribunais, envolva sempre,
necessariamente, o direito a um duplo grau de jurisdição (com excepção do
processo penal).”».
É certo que no caso o recurso que se pretendia interpor visava uma decisão
judicial relativa ao pedido de apoio judiciário para intervenção num processo
penal. Porém, trata-se de intervir no processo penal na qualidade de assistente,
não tendo aplicação o n.º 1 do artigo 32.º da Constituição, que respeita às
garantias de defesa do arguido. E do n.º 7 do mesmo artigo 32.º da Constituição,
que confere dignidade constitucional ao direito do ofendido intervir no
processo, nada se retira que imponha ao legislador ordinário que assegure o
segundo grau de jurisdição para apreciação das decisões judiciais que recaiam
sobre pretensões instrumentais desse direito, como é a impugnação da decisão
administrativa denegatória do pedido de apoio judiciário com vista à
constituição de assistente. A norma constitucional não especifica o conteúdo do
direito de intervenção do ofendido, remetendo para a lei ordinária a sua
densificação. O que a lei não pode é retirar ao ofendido, directa ou
indirectamente, o direito de participar no processo que tenha por objecto ofensa
de que foi vítima (Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa
Anotada, Tomo I, pág. 361). A norma em causa não contende, sequer
indirectamente, com a efectivação desse direito de intervir, porque apenas torna
indiscutível, na ordem dos tribunais judiciais, a decisão que considera que o
interessado não reúne as condições para fazê-lo com benefício de apoio
judiciário.
5. Decisão
Pelo exposto (tendo prioridade a questão relativa à falta de definição do
objecto do recurso), decide-se não tomar conhecimento do recurso e condenar o
recorrente nas custas, fixando a taxa de justiça em 7 (sete) unidades de conta.”
2. A recorrente reclamou para a conferência, ao artigo do n.º 3
do artigo 78.º-A da LTC, nos termos seguintes:
“A decisão sumária ora sujeita a julgamento ampliado sustenta-se, basicamente,
no facto de não se mostrar minimamente satisfeito o ónus de delimitação
objectiva do recurso uma vez que não é enunciado, por meio de proposição clara,
o sentido normativo do n.º 1 do art.º 28.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho,
aplicado pela decisão decorrida e que tem por inconstitucional, estando limitado
à transcrição e crítica dos argumentos e processo interpretativo ali utilizados.
Com o maior dos respeitos se tem que reiterar que, dentro das suas capacidades
de inteligir o texto sindicado, o Recorrente faz, de forma acessível ao comum
dos cidadãos, ao bónus paterfamilias, a descrição sumária da interpretação que é
erradamente, na sua opinião, dada ao preceito em causa.
Mais, por via das dúvidas, não aconteça estar errada a sua leitura, submete aos
espíritos mais sábios e esclarecidos dos Senhores Conselheiros, o texto
criticado, para que resulte claro aquilo que pretende.
De uma decisão pouco esclarecedora, ainda que douta, não se logra tirar
conclusão certa, resumo adequado, sem uma margem mínima que seja, de erro
interpretativo…daí a cautela, em sede de aperfeiçoamento, de submeter a mais
douta ciência a interpretação de tão ambíguo texto.
Ora, mesmo no texto recursivo primário se logra alcançar - ainda que com as
aludidas limitações próprias da obscuridade do texto recorrido – que a errónea
interpretação dali emergente é a de que “(…) aplicando-se em bloco o novo regime
resultante da sobredita Lei e todo e qualquer pedido de apoio judiciário,
independentemente do processo e da qualidade do recorrente, não faria sentido,
por desnecessária, manter a menção a uma única instância de recurso, resultando,
assim, essa como regra em vigor.”
Perceptível ou não esta interpretação tirada do próprio texto recorrido, é
aquela que lá se encontra escrita por entendimento de todos que a ele têm
acesso.
Alterá-lo seria desvirtuá-lo e, então sim, se poderiam lançar dúvidas sobre a
sua própria interpretação, carecida de reforma e sujeita a rejeição por
ininteligível, até por falta de correspondência no texto apreciando.
Daqui – e do restante texto em que se integra como transcrito na oportunidade
aperfeiçoante – parece resultar que o Tribunal a quo interpreta a norma do n.º 1
do artº 28º da Le n.º 34/2004 no sentido de que, apesar de ali não estar
expresso, existe um único grau de recurso no âmbito daquele diploma legal.
Porque se dúvidas podem surgir sobre a tese que sustenta a decisão ali
recorrida, já a decisão em si mesma não deixa margem para outra interpretação,
de resto de sinal contrário à mais recente jurisprudência sobre essa matéria.
Pelo que, limitando-se o Recorrente a transcrever a parte d texto que parece
conter, na sua óptica, a tese de que discorda e tem por inconstitucional, mais
não se lhe pode pedir, mostra-se cumprido – na forma possível e mais ampla, na
medida em que transcreve a tese interpretativa – de modo suficiente o ónus de
delimitar o tema do recurso, salvo melhor e mais douta opinião.
Sem que se possa dizer que no texto recursivo se limita o Recorrente a criticar
a decisão recorrida e a interpretação dela emanente, pois que o que ali está
expresso é a ligação que tenta tornar perceptível, de forma sumaríssima, a
diferença entre essa interpretação e aquela que considera correcta, sendo esta
indispensável para cumprimento dos imperativos processuais deste tipo de recurso
constitucional.
Donde só se possa concluir que o recurso reúne todos os elementos possíveis para
objectivar o âmbito do recurso interposto, carecido assim de prossecução nos
demais termos até final.
Acessoriamente, também a doutíssima decisão sumária ora trazida sob reclamação,
faz alusão a que as normas dos n.ºs 1 e 7 do art.º 32.º da Constituição da
República não garantem de per se o acesso a um duplo grau de jurisdição.
Sobre esta matéria se alude apenas que o imperativo do art.º 13.º da lei
fundamental, na perspectiva do Recorrente, traduz na perfeição a igualdade de
direitos de cidadania entre todos, sejam eles arguidos ou vítimas/ofendidos em
processo penal.
Para além de que ali se olvida as demais normas cuja violação são ali
expressamente invocadas, quais sejam as dos n.ºs 1, 4 e 5 do art,.º 20.º, n.º 1
do art.º 202.º, parte final do art.º 203º e art.º 204.º, cuja conexão e
concomitância é de extrema relevância para a matéria sub júdice, mormente por a
decisão recorrida, na sua interpretação da norma objecto do recurso, tomar
interpretação sem qualquer correspondência no texto da lei.
A violação de todos os preceitos invocados não pode ser afastada sem apreciação
concreta, como é o caso da douta decisão sumária ora reclamada.”
O Ministério Público responde que não se descortinam razões
para pôr em crise a decisão reclamada, pelo que a reclamação deverá improceder.
3. Apreciada a reclamação, não se encontram nela argumentos que
possam pôr em crise os fundamentos da decisão sumária, que traduzem
jurisprudência consolidada do Tribunal quanto ao ónus de definição do objecto do
recurso.
Acrescentar-se-á, apenas, que a eventual dificuldade em interpretar a decisão
recorrida não transforma esse ónus em exigência desproporcionada, tendo de ser
resolvida pelo interessado com recurso aos instrumentos processuais correntes,
designadamente os previstos no artigo 669.º do Código de Processo Civil. Aliás,
como a recorrente reconhece, a decisão em si mesma não deixa margem para dúvida
sobre o sentido normativo que constitui ratio decidendi da decisão recorrida, o
que mais estranho torna que não tenha sido aproveitado o convite a completar o
requerimento de interposição para enunciá-lo.
A referência que o recorrente faz aos nºs 1, 4 e 5 do artigo
20.º, n.º 1 do artigo 202.º, parte final do artigo 203.º e artigo 204.º da
Constituição “cuja conexão e concomitância” considera “de extrema relevância
para a matéria sub judice, mormente por a decisão recorrida, na sua
interpretação da norma objecto do recurso, tomar interpretação sem qualquer
correspondência no texto da lei” revelam que aquilo que o recorrente quer ver
apreciada não é a opção normativa, mas a própria decisão recorrida que se teria
desviado das funções constitucionalmente estabelecidas para os tribunais,
desprezando o dever de obediência às fontes normativas constitucionalmente
determinadas. Nesta perspectiva, ficaria explicada a estratégia adoptada pelo
recorrente de proceder à indicação do processo interpretativo em vez da norma
que a decisão recorrida aplicou. Mas isso é imputar a inconstitucionalidade
directamente à própria decisão, censurar a actuação do tribunal e não as opções
do legislador (ainda que em determinada interpretação mediatizada pela
interpretação efectuada pela decisão recorrida), o que não cabe no recurso de
constitucionalidade como ele foi instituído no sistema jurídico português, que
não é do tipo recurso de amparo.
4. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação e condenar o recorrente nas
custas, fixando a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 22 de Setembro de 2006
Vítor Gomes
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Artur Maurício