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Processo n.º 276/06
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Helena Brito
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. O Fundo de Acidentes de Trabalho requereu, a fls. 101, a
remição obrigatória da pensão por acidente de trabalho devida ao sinistrado A..
O beneficiário opôs-se à remição (fls. 109).
2. Por sentença de 3 de Fevereiro de 2006, o juiz do Tribunal do
Trabalho de Bragança indeferiu a requerida remição, nos seguintes termos (fls.
120 e seguintes):
“[…]
2. Nos termos dos artigos 33° n.º 1 da Lei 100/97 de 13/9 e 56° n.º 1 als. a) e
b) do D.L. 143/99 de 30/4, aplicável às pensões resultantes de acidentes
ocorridos antes da sua entrada em vigor, por força do disposto no artigos 41°
n.º 2 al. a) da Lei, passaram a ser obrigatoriamente remíveis as pensões anuais
devidas a sinistrados e a beneficiários legais de pensões vitalícias que não
sejam superior a seis vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada à
data da fixação da pensão e as devidas a sinistrados, independentemente do valor
da pensão anual, por incapacidade permanente e parcial inferior a 30%.
Alinhamos com a posição expressa no Ac. do STJ de 13/7/2004 (n.º convencional
JSTJ000, in http://www.dgsi.pt), no sentido de que a data da fixação da pensão
não pode ser entendida como a data da decisão judicial que a fixou, mas antes a
data a partir da qual a pensão é devida. Esta tese não colide, salvo melhor
entendimento, com a uniformização de jurisprudência fixada pelo STJ no seu
Acórdão n.º 4/2005, publicado no DR I-A de 2/5/2005.
Ora, o sinistrado está afectado de uma IPP de 30% e a pensão em causa é devida
desde 4/12/1993. Por sua vez, o seu valor inicial era de 177.572$00 (€ 885,73),
ou seja, era inferior a seis vezes a remuneração mínima mensal garantida mais
elevada estabelecida pelo D.L. 124/93 de 16/4, que era de 47.400$00 (€ 236,43).
Estariam, pois, à partida, reunidos os pressupostos necessários à remição
obrigatória da pensão.
3. Contudo, tal como vem sendo entendido pelo Tribunal Constitucional
relativamente às pensões emergentes de incapacidades parciais permanentes
superiores a 30%, também neste caso de pensões resultantes de incapacidade
parcial igual a 30% as normas dos artigos 56° n.º 1 al. a) e 74° do D.L. 143/99
de 30/4 estão feridas de inconstitucionalidade por violação do direito à justa
reparação por acidente de trabalho ou doença profissional, consagrado no art.
59º n.º 1 al. f) da Constituição, quando interpretadas no sentido de imporem a
remição obrigatória total dessas pensões vitalícias, independentemente da
vontade do pensionista.
Transcreve-se, por elucidativa, parte da fundamentação do Acórdão n.º 56/2005 do
Tribunal Constitucional publicado no Diário da República, II Série, n.º 44 de
3/5/2005, doutamente relatado pelo Exm° Conselheiro Paulo Mota Pinto, no qual se
apreciou a inconstitucionalidade material do citado art. 74° do D.L. 143/99,
quando interpretado no sentido de abranger no conceito de pensões de reduzido
montante todas as pensões infortunísticas laborais, incluindo nelas as situações
de total ou elevada incapacidade permanente:
[…]
4. Os ensinamentos resultantes da jurisprudência constitucional citada, embora
se refiram ao artigo 74° do D.L. 143/99 de 30/4, valem igualmente para o art.
56° n.º 1 al. a) quando interpretado no sentido de impor a remição obrigatória
total, isto é independentemente da vontade do titular, de pensões atribuídas por
incapacidades parciais permanentes superiores a 30%, na medida em que, ao impor
uma limitação ao direito do sinistrado poder optar, nestes casos, ou pela
remição, ou, antes, pelo recebimento da sua pensão sob a forma de renda anual,
tal interpretação põe em causa o princípio constitucional do direito à justa
reparação por acidente de trabalho ou doença profissional estabelecido no art.
59° n.º 1 al. f) da Constituição.
E valem, igualmente para os casos em que a incapacidade é igual a 30%, pois que
a própria lei ordinária (arts. 17º n.º 1 al. c) e 33º da Lei 100/99 de 13/9 e
56º n.º 1 als. a) e b), a contrario e n.º 2 do D.L. 143/99 de 30/4), que
equipara uma tal desvalorização às situações de incapacidade superior a 30%, ao
estabelecer as mesmas condições de remição, quer obrigatória, quer facultativa,
não se vislumbrando razão material bastante para distinguir entre aquela e esta
no que respeita à conformidade constitucional das citadas disposições legais em
matéria de remição de pensões. Com efeito, quer num caso como no outro estão em
causa situações de maior gravidade, em que o coeficiente de incapacidade importa
já uma efectiva e acentuada diminuição da capacidade de ganho.
Assim, também nos casos de pensões emergentes de incapacidade parcial permanente
igual a 30% o direito constitucional à justa reparação dos danos emergentes de
acidente de trabalho postula que, à semelhança do que sucede para os sinistrados
afectados de IPP superior a 30%, seja o titular da pensão, no seu livre
arbítrio, a decidir qual a forma de reparação que melhor lhe convém, isto é, a
optar entre o recebimento da sua pensão em duodécimos e o recebimento de um
capital de remição, ponderando os riscos inerentes à sua aplicação.
Conclui-se, pois, que a interpretação do arts. 56° n.º 1 al. a) e 74º do D.L.
143/99 de 30/4 no sentido de impor a remição obrigatória total, isto é
independentemente da vontade do titular, de pensões vitalícias atribuídas a
sinistrados por incapacidade parcial permanente igual a 30%, põe em causa o
princípio constitucional do direito à justa reparação por acidente de trabalho
ou doença profissional estabelecido no art. 59° n.º 1 al. f) da Constituição, na
medida em que impõe uma limitação ao direito do beneficiário-pensionista poder
optar, ou pela remição, ou, antes, pelo recebimento da sua pensão sob a forma de
renda anual.
5. Pelo exposto, considerando que o sinistrado nestes autos declarou não aceitar
a remição da sua pensão, decide-se não aplicar, por inconstitucional, por
violação do art. 59° n.º 1 al. f) da Constituição, a norma resultante do arts.
56° n.º 1 al. a) e 74º do D.L. 143/99 de 30/4, quando interpretadas no sentido
de impor a remição obrigatória total, isto é independentemente da vontade do
titular, de pensões atribuídas por incapacidades parciais permanentes iguais a
30% e, consequentemente, indeferir a requerida remição obrigatória da pensão
fixada nestes autos ao sinistrado A.
[…].”.
3. Desta sentença recorreu o Ministério Público para o Tribunal
Constitucional, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal
Constitucional, pretendendo a apreciação da conformidade constitucional da norma
resultante dos artigos 56º, n.º 1, alínea a), e 74º, ambos do Decreto-Lei n.º
143/99, de 30 de Abril, quando interpretados no sentido de imporem a remição
obrigatória total, isto é, independentemente da vontade do titular, de pensões
atribuídas por incapacidades parciais permanentes iguais a 30% (fls. 127).
O recurso foi admitido por despacho de fls. 128.
4. Nas alegações (fls. 137 e seguintes), concluiu assim o
Ministério Público:
“1 – Face à firme corrente jurisprudencial, formada na esteira do decidido no
acórdão n.º 56/05, não se conforma com o princípio constitucional da justa
reparação dos danos emergentes de acidentes laborais, estabelecido no artigo
59°, n.º 1, alínea f) da Constituição da República Portuguesa, o regime que se
traduz em impor ao trabalhador/sinistrado – contra a sua vontade expressa no
processo – a obrigatória remição das pensões vitalícias que – independentemente
do seu montante pecuniário – visam compensar graus elevados – iguais ou
superiores a 30% – de incapacidade laboral.
2 – Tal entendimento tanto se justifica quanto às pensões fixadas anteriormente
à vigência do Decreto-Lei n.º 143/99 (previstas no artigo 74°), como às pensões
decorrentes de acidentes já ocorridos após vigorar este diploma legal, cuja
remição obrigatória está prevista e regulada no artigo 56°.
3 – Não viola o princípio da igualdade a circunstância de – em consequência da
remição da pensão – certos trabalhadores receberem um capital indemnizatório,
que passam a administrar livremente, enquanto os restantes continuam a receber
uma indemnização expressa em pensão ou renda vitalícia, não objecto de remição.
4 – Porém, a norma constante dos artigos 56°, n.º 1, alínea a), e 74º do
Decreto-Lei n.º 143/99, ao impor, independentemente da vontade do trabalhador, a
remição obrigatória total de pensões atribuídas por incapacidades parciais
permanentes iguais ou superiores a 30%, ofende o princípio constitucional da
justa reparação de danos causados por acidentes laborais.
5 – Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade constante
da decisão recorrida, em função deste parâmetro constitucional.”.
Os recorridos não alegaram (fls. 152).
Cumpre apreciar e decidir.
II
5. Já depois da produção de alegações pelo Ministério Público, o
Tribunal Constitucional decidiu questão semelhante à que constitui o objecto do
presente recurso, embora não reportada aos mesmos preceitos legais.
Na verdade, no Acórdão n.º 292/2006, de 4 de Maio (disponível em
www.tribunalconstitucional.pt), o Tribunal Constitucional julgou
“inconstitucional, por violação do disposto na alínea f) do n.º 1 do artigo 59º
da Constituição, o conjunto normativo constante do n.º 1 do artigo 33º da Lei
n.º 100/97, de 13 de Setembro, e da alínea a) do n.º 1 do artigo 56º do
Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, quando interpretados no sentido de
imporem, independentemente da vontade do trabalhador, a remição total de pensões
cujo montante não seja superior a seis vezes a remuneração mínima mensal
garantida mais elevada à data da sua fixação, atribuídas em consequência de
acidentes de trabalho de que resultou uma incapacidade parcial permanente de 30%
e ocorridos anteriormente à data da entrada em vigor daquela Lei”.
A questão que constitui o objecto do presente recurso é, como se disse,
semelhante à que foi decidida neste aresto, atendendo a que, também no presente
processo – e como se refere na sentença recorrida (supra, 2.) –, “[…] o
sinistrado está afectado de uma IPP de 30% […]. Por sua vez, o seu valor inicial
era de 177.572$00 (euros 885, 73), ou seja, era inferior a seis vezes a
remuneração mínima mensal garantida mais elevada estabelecida pelo D.L. 124/93
de 16/4, que era de 47.400$00 (euros 236, 43)”.
Elemento comum às duas questões é também, naturalmente, a oposição do
sinistrado à remição (supra, 1.).
O único elemento que distingue as duas questões é o de a pensão em causa no
presente processo ser devida desde 4 de Dezembro de 1993 – ou seja, deste uma
data anterior à vigência do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, ora em
apreciação – e como tal ter sido tratada pela sentença recorrida (supra, 2.),
enquanto, no processo que deu origem ao Acórdão n.º 292/06, de 4 de Maio, o
despacho então impugnado foi “entendido como tendo considerado a situação que
tinha que decidir como se ela se reportasse a um acidente de trabalho ocorrido
já na vigência daqueles diplomas [isto é, a Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, e
o Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril]”.
Por isso mesmo, no presente processo está em causa, não apenas o preceituado
no artigo 56º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, mas
também o preceituado no artigo 74º do mesmo diploma.
Os preceitos em causa dispõem o seguinte:
“Artigo 56º
Condições de remição
1. São obrigatoriamente remidas as pensões anuais:
a) Devidas a sinistrados e a beneficiários legais de pensões vitalícias que não
sejam superiores a seis vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada
à data da fixação da pensão;
[…].”.
“Artigo 74º
Regime transitório de remição das pensões
As remições das pensões, previstas na alínea d) do n.º 1 do artigo 17º e no
artigo 33º da lei, serão concretizadas gradualmente, nos termos do quadro
seguinte:
PeríodosPensão anual
(contos)
Até 31 de Dezembro de
2000............................................................< 80
Até 31 de Dezembro de
2001............................................................< 120
Até 31 de Dezembro de
2002............................................................< 160
Até 31 de Dezembro de
2003............................................................< 400
Até 31 de Dezembro de
2004............................................................< 600
Até 31 de Dezembro de
2005............................................................> 600
[na redacção do Decreto-Lei n.º 382-A/99, de 22 de Setembro]”.
Por sua vez, os artigos 17.º, n.º 1, alínea d), e 33.º da Lei n.º 100/97, de
13 de Setembro (que aprovou o novo regime jurídico dos acidentes de trabalho e
das doenças profissionais), estabeleceram:
“Artigo 17.º
Prestações por incapacidade
1 – Se do acidente resultar redução na capacidade de trabalho ou ganho do
sinistrado, este terá direito às seguintes prestações:
[...]
d) Na incapacidade permanente parcial inferior a 30%: capital de remição de uma
pensão anual e vitalícia correspondente a 70% da redução sofrida na capacidade
geral de ganho, calculado nos termos que vierem a ser regulamentados;
[...].”.
“Artigo 33.º
Remição de pensões
1 – Sem prejuízo do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 17.º, são
obrigatoriamente remidas as pensões vitalícias de reduzido montante, nos termos
que vierem a ser regulamentados.
2 – Podem ser parcialmente remidas as pensões vitalícias correspondentes a
incapacidade igual ou superior a 30%, nos termos a regulamentar, desde que a
pensão sobrante seja igual ou superior a 50% do valor da remuneração mínima
mensal garantida mais elevada.”
O elemento diferenciador da questão sub judice em relação à tratada no
Acórdão n.º 292/2006, de 4 de Maio, não se afigura, porém, apto a afastar a
possibilidade de transposição, para o presente caso, da fundamentação constante
do citado Acórdão n.º 292/2006, de 4 de Maio: na verdade, a conclusão acerca da
violação do disposto na alínea f) do n.º 1 do artigo 59º da Constituição, a que
se chegou neste aresto, vale tanto para as pensões “novas” como para as pensões
“antigas”.
6. E é a seguinte a fundamentação de tal conclusão:
“[…]
5.1. Da jurisprudência tirada pelo Tribunal Constitucional em matéria de
apreciação da conformidade ou desconformidade com a Constituição relativamente à
remição de pensões devidas por infortúnios laborais retira-se que tem, numa
primeira linha, sido dado relevo à tutela da autonomia da vontade do trabalhador
vítima de acidente laboral ou de doença profissional que lhe impôs uma
diminuição acentuada da sua capacidade para o trabalho, pois somente ele poderá
ponderar se é do seu interesse continuar a perceber determinado quantitativo
vitalício representativo daquela pensão ou se, pelo contrário, a perda da sua
capacidade de ganho pode ser compensada com um capital ou um eventual rendimento
do capital decorrente da remição. E isto desde que a pensão que tenha sido
atribuída seja representativa do asseguramento de um rendimento susceptível de
garantir uma existência minimamente condigna.
Outrotanto, e ainda segundo aquela jurisprudência, não sucede se em causa se
colocarem situações de acidentes de trabalho ou doenças profissionais que não
demandaram acentuada perda de capacidade de trabalho.
É que, em tais situações, o lesado pode ainda desempenhar o seu labor e a
compensação pelo infortúnio que sofreu – ponderando os consabidamente diminutos
montantes das pensões atribuídas nesses casos, a natural degradação valorativa
da moeda e a sempre tendencial elevação dos custos – facilmente poderá, ao ser a
pensão vitalícia «transformada», pela remição num dado capital, ser considerável
como uma «justa reparação» ancorada no direito que é conferido pela alínea f) do
n.º 1 do artigo 59º da Constituição.
Neste ponto, tem cabimento a citação do que se escreveu no Acórdão deste
Tribunal n.º 302/99 (in Diário da República, II Série, de 16 de Julho de 1999),
quando aí se considerou que a consagração da remição impositivamente decretada
tem a ver com a circunstância de a perda da capacidade de trabalho não ter sido
«por demais acentuada, o que o mesmo é dizer que o acidente de trabalho não
implicou a futura continuação do desempenho do labor por parte do trabalhador»,
permitindo que «a compensação correspondente à pensão que lhe foi fixada – e
sabido que é que, de uma banda, o montante das pensões é de pouco relevo e, de
outra, que o quantitativo fixado se degrada com o passar do tempo – possa ser
‘transformada’ em capital, a fim de ser aplicada em finalidades económicas
porventura mais úteis e rentáveis que a mera percepção de uma ‘renda’ anual cujo
quantitativo não pode permitir a subsistência condigna a quem quer que seja».
E, por isso, se escreveu no Acórdão n.º 468/02, (publicado no indicado jornal
oficial, II Série, de 4 de Janeiro de 2003), que nas situações de acidentes de
trabalho e doenças profissionais que implicaram uma incapacidade permanente para
o trabalho inferior a 30%, o que se prescreve no acima transcrito artº 33º da
Lei n.º 100/97 traduz uma forma como o legislador desejou que, «atentas as
circunstâncias, se efectivasse o direito dos trabalhadores a serem justamente
reparados do infortúnio laboral que sofreram, o que significa que veio consagrar
um direito que, na sua óptica, para as ditas circunstâncias, concretizava a
justa reparação» a que alude a alínea f) do n.º 1 do artigo 59º da Lei
Fundamental.
Daí que se tenha entendido – considerando que, teleologicamente, a imposição da
remição das pensões nessas circunstâncias se justifica com base no raciocínio
segundo o qual a privação de futuras e eventuais actualizações dos respectivos
quantitativos (que, como é facto notório incarecido de demonstração, a
experiência revela serem de mui pequena monta) – a remição obrigatoriamente
imposta ainda se inclui (como «contrapartida» da perda da capacidade de trabalho
e, logo, de ganho do trabalhador) no conceito de «justa reparação».
Também o Tribunal Constitucional tem trilhado a senda de, como «excepção» ao
relevo da tutela da autonomia da vontade do trabalhador, a par das situações de
menos acentuada incapacidade permanente para o trabalho, ter como não
conflituante com a Lei Fundamental, os casos em que, independentemente dessa
incapacidade, o montante da pensão é de tal sorte diminuto que não pode ser tido
como apto para, de um modo mínimo, assegurar uma condigna subsistência do
lesado.
Porém, quanto a este último particular, como já se disse, colocavam-se situações
em que o trabalhador era já falecido e, por conseguinte, nem sequer era
equacionável a ponderação da sua vontade.
6. Como se viu, a situação sub iudicio cura da pretensão de remição de uma
pensão atribuída por um acidente de trabalho do qual resultou para o trabalhador
uma incapacidade permanente para o trabalho de 30%.
Neste conspecto, a corte argumentativa que conduziu à declaração de
inconstitucionalidade com força obrigatória geral vertida no Acórdão n.º
34/2006, poderia não ser globalmente transponível para o caso em apreço, já que
se não trata de uma incapacidade parcial permanente superior a 30%.
Ainda assim, mesmo nesta perspectiva, não se vá sem dizer que o raciocínio que
formou o «fio condutor» daquele aresto foi o de, porque a pensão, nas situações
de «acidentes de trabalho ou doenças profissionais cuja gravidade seja de tal
sorte que vá acentuadamente diminuir a capacidade laboral do trabalhador e,
reflexamente, a possibilidade de auferir um salário condigno com ao menos, a sua
digna subsistência» [constituindo, pois, a pensão um «complemento à parca (e por
vezes nula) remuneração que aufere em consequência da reduzida capacidade de
trabalho») e porque «a aplicação de um capital – ainda que no momento em que
essa intenção é formulada se apresente como um investimento adequado, porquanto
proporcionador de um rendimento mais satisfatório do que o correspondente à
percepção da pensão anual – é sempre alguma coisa que, em virtude de ser
aleatória, comporta riscos», haveria que se atender, por forma a ser respeitado
direito consagrado na alínea f) do n.º 1 do artigo 59º da Constituição, à
vontade expressa pelo trabalhador e não a uma «imposição do risco do capital a
receber», a qual «limitaria o direito dos trabalhadores a uma justa reparação,
quando vítimas de acidente de trabalho ou doença profissional».
Ora, reportando-se a situação em espécie a um acidente de trabalho de que
resultou uma incapacidade parcial permanente de 30%, não se poderá desconsiderar
a circunstância de a lei ordinária, como deflui das disposições combinadas dos
artigos 33º da Lei n.º 100/97 e 56º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º
143/99, entender que as incapacidade parciais permanentes não muito acentuadas
são aquelas que se situam numa percentagem inferior a 30%.
E, nesse contexto, poder-se-ia enveredar por um raciocínio semelhante ao que foi
prosseguido no Acórdão 34/2006.
6.1. No entanto, como acima se viu, o despacho ora impugnado só pode ser
entendido como tendo considerado a situação que tinha que decidir como se ela se
reportasse a um acidente de trabalho ocorrido já na vigência daqueles diplomas
(e não a pensão fixada no domínio de lei anterior, caso em que cobrava aplicação
a norma do artº 74º do Decreto-Lei n.º 143/99) e estando em questão uma pensão
cujo valor, à data da atribuição, não era superior a seis vezes a remuneração
mínima mensal garantida mais elevada, opondo-se o trabalhador à remição.
De onde dever concluir-se que, para o caso em apreciação, em que se depara uma
oposição do trabalhador, não servirá a jurisprudência deste Tribunal tirada a
propósito da não insolvência constitucional das dimensões normativas reportadas
à alínea a) do n.º 1 do artº 56º do Decreto-Lei n.º 143/99 (cfr. Acórdãos acima
citados).
Assim sendo, o problema que cumpre equacionar não se coloca tanto ao nível de
uma confrontação com o princípio da igualdade (cujo parâmetro foi o utilizado
nos citados acórdãos), mas sim, mais acentuadamente, com o direito à justa
reparação consagrado na alínea f) do n.º 1 do artigo 59º do Diploma Básico.
Vale isto por dizer que a pergunta cabida para a solução da questão é a de saber
se ofende aquele normativo a remição imposta pela alínea a) do n.º 1 do artº 56º
do Decreto-Lei n.º 143/99, se em causa estiver uma pensão de valor não superior
a seis vezes a remuneração mínima mensal mais elevada à data da sua fixação,
atribuída por um acidente de trabalho ou doença profissional que acarretou uma
incapacidade parcial permanente não inferior a 30%, opondo-se a tanto o
trabalhador.
Ora, estando em causa um direito constitucionalmente conferido aos
trabalhadores, e porque se não trata de um infortúnio laboral de que redundou
uma perda de capacidade laboral inferior a 30%, não obstante o montante da
pensão (tido por reduzido pelo legislador ordinário), entende-se, com a entidade
recorrente, que a dimensão normativa daquele preceito que agora se analisa, ao
não devolver ao trabalhador «a sua livre opção sobre o modo como pretende ser
ressarcido» das consequências da incapacidade que o afecta (que o próprio
legislador ordinário considera não serem de pequena monta, justamente por não
ser inferior a 30%) deixa de privilegiar «em última análise, o valor ‘autonomia’
da vontade que, em regra, deverá funcionar como parâmetro fundamental nesta
sede».
E, assim sendo, são, para a situação em presença, transponíveis, quanto ao ponto
conexionado com a relevância da autonomia da vontade do trabalhador, as
considerações que têm sido utilizadas pela jurisprudência deste Tribunal para
alcançar juízos de inconstitucionalidade quanto à remição de pensões e a que
acima se aludiu.
[…].”.
É para a fundamentação relativa à violação do artigo 59º, n.º 1, alínea f),
da Constituição, constante do aresto acabado de transcrever, que agora se
remete, concluindo-se, portanto, no sentido da inconstitucionalidade da
interpretação normativa que constitui o objecto do presente processo.
III
7. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal
Constitucional decide:
a) Julgar inconstitucional, por violação do artigo 59º, n.º 1,
alínea f), da Constituição, a norma resultante dos artigos 56º, n.º 1, alínea
a), e 74º, ambos do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, quando interpretados
no sentido de imporem, independentemente da vontade do trabalhador, a remição
total de pensões cujo montante não seja superior a seis vezes a remuneração
mínima mensal garantida mais elevada à data da sua fixação, atribuídas por
incapacidades parciais permanentes iguais a 30%, resultantes de acidentes
ocorridos anteriormente à data da entrada em vigor daquela Lei;
b) Consequentemente, negar provimento ao recurso, confirmando a
decisão recorrida no que se refere ao juízo de inconstitucionalidade.
Lisboa, 26 de Setembro de 2006
Maria Helena Brito
Rui Manuel Moura Ramos
Maria João Antunes
Carlos Pamplona de Oliveira
Artur Maurício