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Processo n.º 693/06
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
A – Relatório
1 – A., melhor identificado nos autos, reclama, ao abrigo do
disposto no artigo 78.º-A, n.º 3, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), da
decisão sumária proferida pelo relator, na qual se decidiu julgar não
inconstitucional a norma constante do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do Código
de Processo Penal, e, consequentemente, negar provimento ao recurso.
2 – A decisão reclamada tem o seguinte teor:
“1 – A. recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto
na alínea b) do n.º 1 do art.º 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua
actual versão (LTC), da decisão do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, de
23 de Junho de 2006, que indeferiu a reclamação deduzida, nos termos do art.º
405.º do Código de Processo Penal (CPP), contra o despacho proferido na Relação
do Porto pelo Desembargador relator, que não admitiu, com base no disposto no
art.º 400.º, n.º 1, alínea e), do mesmo diploma adjectivo, o recurso interposto
pelo mesmo recorrente para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) de acórdão
proferido pela mesma Relação, confirmativo de decisão da 1.ª instância que
determinara a revogação da suspensão da execução da pena.
2 – Pretende o recorrente que este Tribunal Constitucional aprecie a
“inconstitucionalidade do art.º 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, quando entende,
sem mais (…) que não é admissível recurso [para o STJ] de acórdãos proferidos,
em recurso, pelas relações, em processo por crime a que seja aplicável pena de
multa ou pena de prisão não superior a cinco anos, mesmo em caso de concurso de
infracções, ou em que o Ministério Público tenha usado da faculdade prevista no
art.º 16.º, n.º 3”.
3 – No caso em apreço, o acórdão da Relação, pretendido recorrer para
o STJ, confirmou decisão da 1.ª instância que determinara a revogação da
suspensão da pena de sete meses de prisão em que o recorrente fora condenado,
por sentença de 27 de Janeiro de 2003, pela prática de um crime de condução
ilegal, p. e p. pelo art.º 3.º, nºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de
Janeiro, em virtude de, durante o período de suspensão da execução da pena,
haver cometido um crime da mesma natureza.
O recurso não foi admitido por despacho do relator, no Tribunal da
Relação, abonando-se na aplicação do disposto na alínea e) do n.º 1 do art.º
400.º do CPP, tendo esse entendimento sido igualmente acolhido pela decisão ora
recorrida, proferida pelo Presidente do STJ, em reclamação para ele deduzida, ao
abrigo do art.º 405.º do mesmo código.
4 - Ora a questão de constitucionalidade da norma da alínea e) do n.º
1 do art. 400º do CPP tem sido dirimida por este Tribunal Constitucional em
diversos recursos de fiscalização concreta de constitucionalidade de que tem
conhecido, tendo concluído sempre pela sua não inconstitucionalidade. São disso
exemplo, entre outros, os Acórdãos nºs 49/03, 377/03, 65/2004, 264/04 e 390/04,
todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt/jurisprudencia [cf. quanto à
al. f), com argumentação similar, entre outros, os Acórdãos nºs 189/2001,
369/2001 e 435/2001].
A questão é hoje, portanto, uma questão simples (art.º 78.º-A, n.º1,
da LTC) e não se vislumbram quaisquer razões para abandonar, no âmbito do caso
concreto sub judicio, tal jurisprudência firme e pacífica.
Na verdade, os argumentos invocados em tal jurisprudência para
sustentar a legitimidade constitucional da limitação do recurso ao segundo grau
de jurisdição no caso de “acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, em
processo por crime a que seja aplicável pena de multa ou pena de prisão não
superior a cinco anos, mesmo em caso de concurso de infracções, ou em que o
Ministério Público tenha usado da faculdade prevista no art.º 16.º, n.º 3, do
CPP” que tenham aplicado ou mantido tais penas em definição da responsabilidade
penal do arguido, consequente do seu julgamento, valem, por maioria de razão,
para as situações em que o que está em causa não é já a definição originária da
responsabilidade penal dentro de tais molduras sancionatórias, mas tão só a
questão de saber se o arguido deve ou não cumprir efectivamente a pena em que
foi antes condenado e cuja execução lhe foi suspensa.
Assim sendo, aderindo ao sentido dessa jurisprudência e acolhendo a respectiva
fundamentação, constante, entre outros, do mencionado Acórdão n.º 377/03, deve
negar-se provimento ao recurso.
5 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide julgar não
inconstitucional a norma constante do artigo 400.º, n.º 1, alínea e) do Código
de Processo Penal e negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7 UCs.
3 – Discordando do decidido, o reclamante veio alegar que:
«Em conclusão:
a) Não podemos concordar, ou aceitar a Douta Decisão sumária de que se
reclama, s.d.r., ao entender julgar não inconstitucional a norma constante do
artigo 400º, nº 1, alínea e) de Código de Processo Penal e negar provimento ao
recurso.
b) Trata-se da interpretação do artigo 400º, nº 1, alínea e) do C.P.P.
que a Relação e o STJ fizeram contrariamente ao dimanado pelos mais basilares
preceitos Constitucionais.
c) Esta é a matéria de direitos, liberdades e garantias, directamente
aplicável, que vincula inclusive o Tribunal Constitucional.
d) Está em causa, em última análise, a liberdade do recorrente,
inequívoca matéria de direitos fundamentais.
e) Cabe ao Estado garanti-los. Art. 9º b) da Constituição da República
Portuguesa.
f) As normas respectivas, ainda que constantes do texto constitucional,
são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas, em
conformidade com o dimanado pelo art. 18/1 da Constituição da República
Portuguesa e não podem ser restringidas senão na conformidade do nº 2 do 29º da
DUDH.
g) Como defendem o Professor Jorge Miranda e Rui Medeiros (CRP anotada)
a vinculação dos tribunais aos preceitos constitucionais sobre direitos,
liberdades e garantias, envolve positivamente a interpretação, integração e
aplicação de modo a conferir-lhes a máxima eficácia possível dentro do sistema
jurídico.
h) À luz deste regime garantistico, o Tribunal, incluindo o Tribunal
Constitucional, estão vinculados à máxima defesa e aplicação precisamente das
maiores garantias de defesa dos arguidos.
i) Em qualquer sede ou estado do processo, incumbe-lhes buscar na
conformidade legal e constitucional, o regime que assegure ao arguido a plena
defesa dos seus direitos, liberdades e garantias.
j) A dita dimensão normativa do recurso, tal qual foi colocada no
requerimento da sua interposição é a seguinte:
k) Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade material da norma do
artigo 400º, nº 1, alínea e) do C.P.P., quando entende, sem mais, que não é
admissível recurso de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, em
processo por crime a que seja aplicável pena de multa ou pena de prisão não
superior a cinco anos, mesmo em caso de concurso de infracções, ou em que o
Ministério Público tenha usado da faculdade prevista no artigo 16º, nº 3.
l) Tal interpretação viola frontalmente o dimanado pelos artigos 32º,
nº1 e 5 e 13º, nº 1 da C.R.P..
m) Ademais, dispõe o artigo 20º da Constituição da República Portuguesa
que a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos
seus direitos e interesses legalmente protegidos.
n) Neste dispositivo constitucional está aflorado, e consagrado, o
princípio de acesso ao direito, aos tribunais e à justiça.
o) O acesso à justiça não se materializa apenas com a tutela
jurisdicional junto dos tribunais.
p) Aceder à justiça é a possibilidade de, no plano jurídico, permitir a
obtenção de uma decisão de uma decisão da mais alta instância portuguesa – o
STJ.
q) Sem qualquer menosprezo pelos Tribunais da Relação, salientamos que
apenas a jurisprudência emanada do Supremo Tribunal de Justiça, vale como
precedente, por vezes, muito perto da vinculatividade, no âmbito do julgamento
do aspecto jurídico da causa.
r) Com o devido respeito, que é muito e salvo melhor opinião, não foi
ainda efectuado um verdadeiro juízo jurisdicional sobre a questão.
s) Assim sendo, o presente caso necessita de ser reapreciado, para se
materializar a justiça que é princípio constitucional.
t) A dimensão normativa do recurso é a mesma que foi invocada aquando
da arguição da inconstitucionalidade, como resulta do texto de interposição do
recurso.
u) O que se defende é que foi feita interpretação contrária à
constituição, o que limitou objectivamente a defesa do arguido.
v) Nesta interpretação a norma é contrária ao dimanado pelos mais
basilares preceitos constitucionais e inconstitucional por violar o principio do
contraditório e o direito ao recurso.
w) Deve ser revogada a decisão sumária e o recurso admitido, em
conformidade com o dimanado legalmente.
x) Estando o tribunal vinculado à interpretação, integração e aplicação
dos direitos, liberdades e garantias de modo a conferir-lhes a máxima eficácia
possível e em ordem a assegurar a máxima defesa do arguido, também por aqui
haveria de ter, como devido respeito decidido doutro modo.
y) Deverá assim, ser recebido o recurso e a final, no vertente caso,
julgar inconstitucional a norma constante do artigo 400º, nº 1, alínea e) do
C.P.P.. ».
4 – Sustentando a manifesta improcedência da reclamação, o
representante do Ministério Público junto deste tribunal pugnou pela manutenção
do decidido.
Cumpre agora julgar.
B – Fundamentação
5 – O reclamante não invoca qualquer argumento jurídico
inovador em face dos fundamentos da jurisprudência deste Tribunal – referida na
decisão reclamada –, segundo a qual se tem entendido, de forma unânime, julgar
não inconstitucional a norma constante do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do
Código de Processo Penal.
De facto, nenhum dos dispositivos constitucionais tidos por
violados determina a existência forçosa ou necessária de um triplo grau de
jurisdição, em termos de impor, mesmo em matéria penal, recurso para o Supremo
Tribunal de Justiça.
Os fundamentos subjacentes a tal juízo encontram-se bem
elucidados na jurisprudência em que se estribou a decisão reclamada, maxime no
referido Acórdão n.º 377/03, e que aqui integralmente se renovam.
Cumpre apenas acrescentar, quanto à invocação do artigo 32.º,
n.º 5, da Constituição, que a norma sindicanda em nada afecta o princípio do
contraditório quanto à audiência de julgamento e aos actos instrutórios
pertinentes.
Pede, ainda, o reclamante que seja dispensado do pagamento de
multa pela apresentação do articulado da reclamação, em caso do seu
desatendimento.
Ora, o que é certo é que não é devida multa em caso de
indeferimento da reclamação, mas sim apenas custas.
Alega, porém, o reclamante haver formulado pedido de apoio
judiciário. Porque a sua apreciação e concessão não compete a este Tribunal mas
sim à Segurança Social, não pode o reclamante deixar de ser condenado em custas,
não sendo, porém, o seu pagamento devido no caso desse pedido ser concedido,
dada a sua formulação haver decorrido em momento anterior à decisão de
conhecimento da reclamação.
C – Decisão
6 – Destarte, atento o exposto, o Tribunal Constitucional
decide indeferir a presente reclamação.
Custas pelo Reclamante com 20 (vinte) UCs. de taxa de justiça.
Lisboa, 16.11.2006
Benjamim Rodrigues
Maria Fernanda Palma
Rui Manuel Moura Ramos