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Processo n.º 785/97
1ª Secção
Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
1. A., maior, solteira, propôs no Tribunal Judicial de Viana do Castelo
contra o CENTRO NACIONAL DE PENSÕES uma acção destinada a que o réu fosse
condenado a “reconhecer à autora o estado de cônjuge equiparado para os efeitos
do Decreto Regulamentar n.º 1/94 de 18 de Janeiro, bem como a pagar-lhe as
pensões de sobrevivência a que tem direito nessa qualidade, incluindo as que se
vencerem desde a morte do falecido (...)”.
Para o efeito, alegou ter vivido com B., pensionista do réu, em condições
análogas às dos cônjuges desde “princípios de 1965” e – referindo-se aos
requisitos previstos no artigo 2020º do Código Civil, no artigo 8º do
Decreto-Lei n.º 322/90 de 18 de Outubro e no Decreto Regulamentar n.º 1/94 de 18
de Janeiro – afirmou necessitar da pensão por não ter rendimentos suficientes
para uma existência condigna e não poder propor a acção exigida pelo n.º 1 do
artigo 3º do referido Decreto Regulamentar porque o falecido “não tinha, à data
da sua morte, quaisquer bens ou rendimentos, ou qualquer herança nem, tão pouco,
qualquer pessoa de família”.
Por sentença de 7 de Outubro de 1996 – fls. 38 – o réu foi absolvido da
instância, por ineptidão da petição inicial, com fundamento na falta de causa de
pedir por não alegação de “quaisquer factos tendentes a mostrar que não existem
as pessoas mencionadas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 2009º [do Código
Civil] ou que existem mas não têm possibilidades económicas de prestar alimentos
à autora”.
Inconformada, a autora recorreu para a Relação do Porto. Por acórdão de 25 de
Fevereiro de 1997, a fls. 42, a sentença foi revogada e a acção foi julgada
improcedente. A Relação considerou que a insuficiente alegação de factos, medida
à luz dos requisitos constantes dos preceitos legais acima indicados, conduzia à
improcedência da acção e não à ineptidão da petição inicial.
De novo inconformada, a autora recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça,
suscitando, tal como fizera sem êxito perante a Relação do Porto, a
inconstitucionalidade das normas contidas no artigo 8º do Decreto-Lei n.º 322/90
e nos artigos 2º e 3º do Decreto Regulamentar n.º 1/94.
O Supremo Tribunal de Justiça confirmou, porém, a decisão de improcedência da
acção.
2. A. recorreu então para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na
alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC),
pretendendo a apreciação das normas do “artigo 3º n.º 1 do Decreto Regulamentar
n.º 1/94 de 18 de Janeiro e do artigo 8º do Decreto-Lei n.º 322/90 de 18 de
Outubro” por violação das “normas contidas nos artigos 13º, 63º, 67º e 115º da
Constituição da República”.
Notificada para o efeito, a recorrente concluiu da seguinte forma a sua
alegação:
1. Os cônjuges sobrevivos têm direito a pensão de sobrevivência nos
termos do disposto no DL 322/90 de 18/10.
2. Estes, para obter tal pensão, não têm de provar a necessidade de tal
pensão, nem, tão pouco, de propor acção contra a herança do falecido ou
familiares para obter alimentos.
3. O “cônjuge sobrevivo” de facto, face ao disposto no art. 3º do DL
322/90 de 18/10, também tem direito à pensão de sobrevivência.
4. O legislador, através dessa norma, apenas exige ao “cônjuge” de facto
que proponha acção para fazer prova de que viveu durante mais de dois anos
consecutivos, antes da morte do/a companheiro/a.
5. A interpretação que os Tribunais de Instância e o STJ fizeram da norma
do art. 8º n.º1 do DL 322/90 é inconstitucional por violar o art. 13º, 63º n.º 1
e 3 e 67º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
6. O Governo ao regulamentar o art. 8º do DL 322/90 de 18/10, através do
art. 3º do Dec. Reg.1/94 de 18/01, excede em exigências o que aquela norma
estabelece.
7. Um decreto regulamentar não pode exigir mais do que a lei
regulamentada.
8. Por isso, o art. 3º n.º1 do Dec. Reg 1/94, é inconstitucional por
violar o art. 115º da Constituição da República Portuguesa.
O recorrido não alegou.
3. Cumpre decidir.
É o seguinte o texto da norma do artigo 8º do Decreto-Lei n.º 322/90 de 18 de
Outubro:
Artigo 8º
Situação de facto análoga à dos cônjuges
1 – O direito às prestações previstas neste diploma e o respectivo regime
jurídico são tornados extensivos às pessoas que se encontrem na situação
prevista no n.º 1 do artigo 2020º do Código Civil.
2 – O processo de prova das situações a que se refere o n.º 1, bem como a
definição das condições de atribuição das prestações, consta de decreto
regulamentar.
Por seu turno, o artigo 3º do Decreto Regulamentar n.º 1/94 de 18 de Janeiro, a
que se refere o artigo 8º n.º 2 que se acaba de citar, tem o seguinte texto:
Artigo 3º
Condições de atribuição
1 – A atribuição das prestações às pessoas referidas no artigo 2º fica
dependente de sentença judicial que lhes reconheça o direito a alimentos da
herança do falecido nos termos do disposto no artigo 2020º do Código Civil.
2 – No caso de não ser reconhecido tal direito, com fundamento na inexistência
ou insuficiência de bens da herança, o direito às prestações depende do
reconhecimento judicial da qualidade de titular daquelas, obtido mediante acção
declarativa interposta, com essa finalidade, contra a instituição de segurança
social competente para a atribuição das mesmas pensões.
Consiste a presente questão em saber se são ou não inconstitucionais as normas
dos artigos 8º do Decreto-Lei n.º 322/90 e do artigo 3º, n.º 1 (aqui, apenas
este n.º 1) do Decreto Regulamentar n.º 1/94 quando interpretadas no sentido de
que a atribuição da pensão de sobrevivência (ou, em outros casos, do direito ao
subsídio por morte também previsto, nas mesmas condições, pelo Decreto-Lei n.º
322/90) por morte de beneficiário da segurança social a quem com ele convivia em
união de facto depende da obtenção de sentença judicial que lhe reconheça o
direito a alimentos da herança do falecido nos termos do n.º 1 do artigo 2020º
do Código Civil.
Acontece que o Tribunal Constitucional já teve ocasião de apreciar a questão de
constitucionalidade que é colocada no presente recurso. Com efeito, escreveu-se
no Acórdão n.º 233/2005 (www.tribunalconstitucional.pt), o seguinte:
«4. (...) no seu Acórdão n.º 195/2003 (Diário da República, II série, de 22 de
Maio de 2003), o Tribunal Constitucional decidiu “não julgar inconstitucional a
norma do artigo 8º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 322/90 (...) na parte em que faz
depender a atribuição da pensão de sobrevivência por morte do beneficiário da
segurança social a quem com ele convivia em união de facto de todos os
requisitos previstos no n.º 1 do artigo 2020º do CC'.
Tal norma – na parte relativa à atribuição de pensões de sobrevivência – foi
então apreciada à luz da alegada violação dos direitos tutelados pelo artigo 26º
da Constituição e do princípio da igualdade, ao qual foi reconduzido o ultimo
dos direitos englobados pelo artigo 26º, que entendeu não violado, e do n.º 1 do
artigo 36º, conjugado com o princípio da proporcionalidade.
No que toca à primeira questão, isto é, à alegada violação do princípio da
igualdade pela norma do artigo 8º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 322/90, afirmou-se
o seguinte:
“(...) será que a distinção entre cônjuges (contemplados como titulares do
direito às prestações em questão no artigo 7º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei
n.º 322/90) e pessoas em situação de união de facto, para efeitos de fixação das
condições de atribuição da pensão de sobrevivência, requerendo para estas que
não possam exigir alimentos aos seus familiares mais próximos, é violadora do
princípio da igualdade?
A perspectiva da recorrente parece ser a de que a distinção entre pessoas
casadas e pessoas em situação de união de facto, para efeitos de atribuição da
pensão de sobrevivência, viola o princípio da igualdade por ser destituída de
fundamento razoável, constitucionalmente relevante, considerando,
designadamente, que ‘sempre será necessário fazer prova da já referida vivência
há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges’.
Cumpre, porém, reconhecer que este último argumento dá por pressuposto o
reconhecimento de uma imposição constitucional, por força do princípio da
igualdade, de um mesmo tratamento para cônjuges e pessoas que vivem em união de
facto (ainda que há mais de dois anos). Ora, numa certa perspectiva pode, é
certo, admitir-se que uma certa caracterização da situação de união de facto,
pela sua duração e por outras circunstâncias (por exemplo, a existência de
filhos comuns) a aproxima da situação típica dos cônjuges. No caso, porém, a
exigência de uma convivência há mais de dois anos em condições análogas às dos
cônjuges serve apenas para caracterizar de forma mínima a situação de união de
facto que poderá ser juridicamente relevante, para lhe serem reconhecidos –
embora, segundo o Código Civil, em medida bastante limitada e muito distinta da
relação entre os cônjuges – alguns efeitos jurídicos. É que, diversamente do que
acontece com a relação matrimonial, em que um acto revestido de uma forma
jurídica solene marca a criação de uma nova relação jurídica, no caso da
convivência entre pessoas não casadas, justamente por estar em causa uma
situação de união de facto, o tempo mínimo de convivência é considerado
relevante pelo legislador para o efeito de reconhecimento de efeitos jurídicos
(assim, por exemplo, o artigo 1º, n.º 1, das citadas Lei n.ºs 135/99 e 7/2001
condicionam ambos os efeitos jurídicos que reconhecem à circunstância de se
tratar de pessoas “que vivem em união de facto há mais de dois anos”).
O problema não pode, pois, ficar resolvido logo com a mera invocação da
existência de uma convivência há mais de dois anos, em condições análogas às dos
cônjuges. Antes está, precisamente, em saber se uma situação de união de facto,
assim caracterizada, pode ser tratada de forma diversa do casamento, para o
efeito em causa.
Ora, como este Tribunal tem reconhecido, existem diferenças importantes, que o
legislador pode considerar relevantes, entre a situação de duas pessoas casadas,
e que, portanto, voluntariamente optaram por alterar o estatuto jurídico da
relação entre elas – mediante um “contrato celebrado entre duas pessoas de sexo
diferente que pretendem constituir família mediante uma plena comunhão de vida,
nos termos das disposições deste Código”, como se lê no artigo 1577º do Código
Civil –, e a situação de duas pessoas que (embora convivendo há mais de dois
anos “em condições análogas às dos cônjuges”) optaram, diversamente, por manter
no plano de facto a relação entre ambas, sem juridicamente assumirem e
adquirirem as obrigações e os direitos correlativos ao casamento.
Assim, como se salientou, por exemplo, também no referido Acórdão n.º 275/2002,
“não se pode excluir a liberdade do legislador de prever um regime jurídico
específico para os cônjuges, visando, por exemplo, a prossecução de objectivos
políticos de incentivo ao matrimónio”. Pelo que, “considerando desde logo a
existência de especiais deveres entre os cônjuges”, se pode dizer, como se
afirmou no citado Acórdão n.º 14/2000, que “(...) de harmonia com o nosso
ordenamento (ainda suportado constitucionalmente), o regime das pessoas unidas
pelo matrimónio confrontadamente com a união de facto não permite sustentar que
nos postamos perante situações idênticas à partida e, consequentemente, que
requeiram tratamento igual.”
Ora, um dos pontos em que o tratamento jurídico diverso entre ambas as situações
pode relevar é, justamente, o das condições, ora em causa, para o reconhecimento
do direito à pensão de sobrevivência no caso da união de facto.
Importa, aliás, recordar que, por exemplo, quem vive em situação de união de
facto também não é herdeiro (nem legitimário, nem legítimo) do de cujus com quem
convivia, apenas tendo um direito a exigir alimentos da herança, se não os puder
obter das pessoas referidas no artigo 2009º, n.º 1, alíneas a) a d) do Código
Civil. E, se é certo poder sustentar-se que os fundamentos e a natureza dos
direitos à pensão de sobrevivência e a alimentos são distintos, não pode deixar
de notar-se o paralelo entre a situação sucessória do convivente em união de
facto – reduzida ao referido direito a exigir alimentos da herança – e a
situação decorrente da norma em causa, quanto à condição questionada para
atribuição da pensão de sobrevivência.
Ora, nem esta diferenciação de tratamento pode considerar-se destituída de
fundamento razoável ou arbitrária, nem, por outro lado, se baseia num critério
que tenha de ser irrelevante, considerando o efeito jurídico visado. Na verdade,
trata-se, aqui, tal como na distinção da posição sucessória do cônjuge e do
convivente em união de facto, justamente de um daqueles pontos do regime
jurídico em que o legislador trata mais favoravelmente a situação dos cônjuges,
não só visando objectivos políticos de incentivo ao matrimónio – enquanto
instituição social que tem por criadora de melhores condições para assegurar a
estabilidade e a continuidade comunitárias –, mas também como reverso da
inexistência de um vínculo jurídico, com direitos e deveres e um processo
especial de dissolução, entre as pessoas em situação de união de facto.
Tal diverso tratamento jurídico não pode considerar-se destituído de fundamento
constitucionalmente relevante, não podendo divisar-se na norma em apreço
violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da Lei Fundamental.”
No que toca à segunda questão, isto é, à alegada violação do n.º 1 do artigo 36º
da Constituição, conjugado com o princípio da proporcionalidade, escreveu-se no
mesmo Acórdão n.º 195/03:
“8. A conclusão a que chegámos é certamente sufragada também por quem não
considere que o legislador constitucional dispensa no artigo 36º, n.º 1,
protecção à família, enquanto 'elemento fundamental da sociedade',
distinguindo-a, no n.º 1 e no n.º 2 desse artigo, do casamento, incluindo
igualmente uma família não fundada no casamento – e que, portanto, pode
retirar-se desta imposição, em conjugação com o princípio da proporcionalidade,
um parâmetro autónomo, susceptível de conduzir a decisões de
inconstitucionalidade, como foi o caso do citado Acórdão n.º 275/2002.
Mesmo, porém, à luz de outro entendimento do artigo 36º, n.º 1, da Constituição
conjugado com o princípio da proporcionalidade – como o que fundou o citado
aresto –, não se é, porém, conduzido a um juízo de inconstitucionalidade da
norma ora em causa. É que, no presente caso, não se está perante uma exclusão de
plano, e em abstracto, do direito do convivente, por contraposição ao direito do
cônjuge, e antes a norma em questão (que não trata de qualquer indemnização, ou
“compensação” de danos pessoais), o artigo 8º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 322/90,
de 18 de Outubro, visou justamente, pelo contrário, conceder também protecção,
pela extensão de prestações na eventualidade da morte dos beneficiários do
regime geral de segurança social, “às pessoas que se encontrem na situação
prevista no n.º 1 do artigo 2020.º do Código Civil”. Mesmo o condicionamento da
pensão à impossibilidade de obter alimentos (nos termos da norma em causa e do
citado artigo 3º do Decreto Regulamentar n.º 1/94) representa, ainda, a prova,
justamente, da necessidade de protecção da pessoa em causa, por não a poder
obter dos seus familiares directos.
E já se viu que existe fundamento constitucionalmente relevante para a distinção
de tratamento em causa. Não pode, pois, afirmar-se que, desse condicionamento do
direito à pensão de sobrevivência (tal como, por exemplo, da não atribuição da
qualidade de herdeiro legítimo ou legitimário), resulte violação de um “dever de
não desproteger, sem uma justificação razoável, a família que se não fundar no
casamento”, que se afirmou no citado Acórdão n.º 275/2002, quanto àqueles pontos
do regime jurídico que directamente contendam com a protecção dos seus membros
“e que não sejam aceitáveis como instrumento de eventuais políticas de incentivo
à família que se funda no casamento” (itálico aditado).”
5. Sobre esta questão, e referindo estes dois acórdãos do Tribunal
Constitucional, Rita Lobo Xavier, em “Uniões de Facto e Pensão de
Sobrevivência”, in Jurisprudência Constitucional, 3, Julho-Setembro 2004, págs.
17 e segs, observou que «em ambos os casos o problema é similar, decorrendo da
circunstância de os textos legais, embora admitindo a pessoa que vivia em união
de facto com o beneficiário falecido no conjunto das pessoas com direito a
pensão de sobrevivência, parecerem exigir para o reconhecimento desse direito a
verificação de determinadas condições que não são impostas quando se trata da
habilitação do cônjuge sobrevivo a semelhante pensão. Para o cônjuge sobrevivo,
a sua habilitação à pensão de sobrevivência basta-se com a prova da qualidade de
cônjuge. O companheiro sobrevivo só é “herdeiro hábil” se estiver nas “condições
do artigo 2020º do Código Civil” (artigo 40º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei
n.º 142/73, de 31 de Março), se se encontrar “na situação prevista no n.º 1 do
artigo 2020º do Código Civil” (artigo 8º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 322/90)»
(cfr. “Uniões de Facto...”, cit., pág. 18).
O que está em causa é, pois, saber se, com esta remissão para o artigo 2020º do
Código Civil, não será discriminatório ou desproporcionado exigir ao companheiro
sobrevivo, para além da prova da convivência em condições análogas às dos
cônjuges por mais de dois anos, o reconhecimento judicial do direito a receber
alimentos.
Posta a questão nestes termos, não pode deixar de se reconhecer que “uma união
de facto não implica forçosamente solidariedade patrimonial, logo não basta a
prova dessa relação para se considerar verificada a diminuição da capacidade
económica que é pressuposto da atribuição da pensão”. Pelo contrário, no caso do
cônjuge sobrevivo esta diminuição é pressuposta (cfr. “Uniões de Facto...”,
cit., pág. 21).»
Consequentemente, e tal como o Acórdão n.º 195/2003, também o Acórdão n.º
233/2005 concluiu no sentido da não inconstitucionalidade das ditas normas.
É certo que no Acórdão n.º 88/2004 (DR, II série, de 16 de Abril de 2004),
apreciando não estas, mas normas semelhantes relativas ao funcionalismo público,
constantes do Estatuto das Pensões de Sobrevivência aprovado pelo Decreto-Lei
n.º142/73 de 31 de Março, o Tribunal julgou inconstitucional, “por violação do
princípio da proporcionalidade, tal como resulta das disposições conjugadas dos
artigos 2º, 18º, n.º 2, 36º, n.º 1, e 63º, n.ºs 1 e 3, todos da Constituição da
República, a norma que se extrai dos artigos 40º n.º 1 e 41º n.º 2 do Estatuto
das Pensões de Sobrevivência no funcionalismo público, quando interpretada no
sentido de que a atribuição da pensão de sobrevivência por morte de beneficiário
da Caixa Geral de Aposentações, a quem com ele convivia em união de facto,
depende também da prova do direito do companheiro sobrevivo a receber alimentos
do companheiro falecido, com o prévio reconhecimento da impossibilidade da sua
obtenção nos termos das alíneas a) a d) do artigo 2009º do Código Civil”.
Todavia, posteriormente (Acórdão n.º 159/2005), o Tribunal reiterou o julgamento
de não inconstitucionalidade da norma do artigo 41º n.º 2, 1ª parte, do mesmo
Estatuto das Pensões de Sobrevivência, nestes termos:
«[...] na óptica do princípio da igualdade, a situação de duas pessoas que
declaram a intenção de conceder relevância jurídica à sua união e a submeter a
um determinado regime (um específico vínculo jurídico, com direitos e deveres e
um processo especial de dissolução) não tem de ser equiparada à de quem,
intencionalmente, opta por o não fazer. O legislador constitucional não pode ter
pretendido retirar todo o espaço à prossecução, pelo legislador
infra-constitucional, cujo programa é sufragado democraticamente, de objectivos
políticos de incentivo ao matrimónio enquanto instituição social, mediante a
formulação de um regime jurídico próprio – por exemplo, distinguindo entre a
posição sucessória do convivente em união de facto (reduzida ao referido direito
a exigir alimentos da herança) e a do cônjuge.
A diferenciação de tratamento em causa na presente norma não pode, assim, ser
considerada como destituída de fundamento razoável ou arbitrária,
verificando-se, por outro lado, um indiscutível paralelo entre ela e o
tratamento sucessório de ambas as situações (introduzido pela reforma de 1977 e
cuja conformidade com a Lei Fundamental não é aqui questionada).
7. Superada a objecção que se pudesse pretender extrair do princípio da
igualdade, e admitida a presente diferenciação à luz da política legislativa que
o legislador democrático entenda dever prosseguir, não ficam, porém, dissipados
todos os argumentos conducentes a uma conclusão de inconstitucionalidade. Aliás,
o acórdão recorrido baseou o seu julgamento de inconstitucionalidade,
decisivamente, na invocação do princípio da proporcionalidade (conjugado com o
reconhecimento constitucional da “família não fundada no casamento”), tal como o
havia feito (e invocando) o citado acórdão n.º 88/2004.
Também neste plano se considera, porém, que é de reiterar a fundamentação
transcrita, do acórdão n.º 195/2003.
Com efeito, o que está em causa no confronto de uma solução normativa com o
princípio da proporcionalidade não é simplesmente a gravidade ou a dimensão das
desvantagens ou inconvenientes que pode acarretar para os visados (com, por
exemplo, a necessidade da prova da carência de alimentos, ou, mesmo a exclusão
total de certos direitos). O recorte de um regime jurídico – como o da
destruição do vínculo matrimonial ou o dos seus efeitos sucessórios – pela
hipótese do casamento, deixando de fora situações que as partes não pretenderam
intencionalmente submeter a ele, tem necessariamente como consequência a
exclusão dos respectivos efeitos jurídicos. O que importa apurar é se tal
recorte é aceitável – se segue um critério constitucionalmente aceitável – tendo
em conta o fim prosseguido e as alternativas disponíveis – sem deixar de
considerar a ampla margem de avaliação de custos e benefícios e como de escolha
dessas alternativas, que, à luz dos objectivos de política legislativa que ele
próprio define dentro do quadro constitucional, tem de ser reconhecida ao
legislador (e que este Tribunal reconheceu, por exemplo, no acórdão n.º 187/01,
publicado no Diário da República, II série, de 26 de Junho de 2001).
Ora, como revela o paralelo da solução normativa em causa com a posição
sucessória do cônjuge sobrevivo e da união de facto – não equiparada, aliás,
pelas Leis n.ºs 135/99 e 7/2001 –, o tratamento post mortem do cônjuge é,
justamente, um daqueles pontos do regime jurídico em que o legislador optou por
disciplinar mais favoravelmente o casamento.
Esta distinção entre a posição post mortem do cônjuge e a do companheiro em
união de facto – que, aliás, podem concorrer entre si depois da morte do
beneficiário – é adequada à prossecução do fim de incentivo à família fundada no
casamento, que não é constitucionalmente censurável – e antes recebe até (pelo
menos numa certa leitura) particular acolhimento no texto constitucional. A
conveniência de tal distinção de tratamento post mortem, com os concomitantes
reflexos patrimoniais, pode ser, e será com certeza, diversamente apreciada a
partir de diversas perspectivas, no debate político-legislativo – em que poderão
vir a encontrar acolhimento argumentos como o da distinção entre o direito a
alimentos e a pensão de sobrevivência, a existência e o sentido dos descontos
efectuados pelo companheiro falecido, à luz do regime então vigente e da sua
situação pessoal, ou a maior ou menor conveniência em aprofundar consequências
económicas específicas de uma relação familiar como o casamento. Mas a
Constituição não proscreve essa distinção, ainda quando ela tem como
consequência deixar de fora do regime estabelecido para a posição sucessória do
cônjuge o companheiro em união de facto.
8. Entende-se ser justamente isto o que se passa com a interpretação em
causa, segundo a qual os requisitos para o direito à pensão de sobrevivência são
diversos, dependendo, no caso de união de facto, e tal como em geral para o
direito a alimentos nos termos do artigo 2020º do Código Civil, de aquele ter
direito a obter alimentos da herança, por não os poder obter das pessoas
referidas no artigo 2009º do mesmo Código.
Aliás, não é só para o companheiro sobrevivo que existem condições específicas
para ser reconhecido o direito à pensão: o ex-cônjuge ou cônjuge separado de
pessoas e bens só dela beneficia se tiver sido casado com o beneficiário pelo
menos um ano e se na data da morte tiver direito a uma pensão de alimentos; os
pais e os avós têm de estar “a cargo” do contribuinte à data da morte para
terem direito a pensão, etc.. E a pensão cessa quando os titulares do direito
obtiverem outras fontes de rendimento. Apenas ao cônjuge não são exigidas
condições adicionais, pois os cônjuges estão ligados por específicos deveres de
solidariedade patrimonial – o dever de assistência e, na constância do
casamento, o dever de contribuir para os encargos da vida familiar (artigos
1672º e 1675º do Código Civil). Diversamente, a união de facto não implica
forçosamente, por opção das partes, deveres patrimoniais, ou uma geral
solidariedade patrimonial, admitindo-se mesmo que quem vive em união de facto
continue a ter direito a alimentos do ex-cônjuge ou, até, mantenha uma pensão de
sobrevivência (e podendo, mesmo ser este o motivo para continuar na situação de
união de facto, e não casar). Recorde-se, aliás, que os próprios diplomas que
introduziram medidas de protecção das pessoas que vivem em união de facto (Leis
135/99, de 28 de Agosto e 7/2001, de 11 de Maio) não obrigaram os membros da
união de facto a deveres de assistência recíprocos ou a deveres de alimentos em
caso de ruptura, ou, sequer, alteraram os preceitos do Código Civil sobre
alimentos em caso de morte.
Por outro lado, e como se notou no acórdão n.º 195/2003, na solução normativa em
apreço não se verifica qualquer “exclusão de plano, e em abstracto, do direito
do convivente, por contraposição ao direito do cônjuge”. Antes a norma em
questão (que não disciplina qualquer ressarcimento, ou “compensação” de danos
pessoais) “visou justamente, pelo contrário, conceder também protecção, pela
extensão de prestações na eventualidade da morte dos beneficiários do regime
geral de segurança social, ‘às pessoas que se encontrem na situação prevista no
n.º 1 do artigo 2020.º do Código Civil’”. O sentido da remissão para o artigo
2020º do Código Civil, com a exigência de provar os requisitos exigidos neste
normativo, como “condicionamento da pensão à impossibilidade de obter
alimentos”, mais não é do que “a prova, justamente, da necessidade de protecção
da pessoa em causa, por não a poder obter dos seus familiares directos”, sendo,
portanto, coerente com o objectivo visado pela prestação social em causa: para o
cônjuge, considerando os deveres de solidariedade patrimonial e a obrigação de
alimentos em caso de ruptura, presume-se essa situação; para o caso da união de
facto, é necessário fazer prova da necessidade de protecção, tal como quando se
pretende obter alimentos.
Da exigência daqueles requisitos (tal como, por exemplo, do não reconhecimento
da qualidade de herdeiro legítimo ou legitimário) não resulta, pois, qualquer
violação do princípio da proporcionalidade – sendo de notar, aliás, que, para
além da possível conveniência em distinguir a posição do cônjuge, pode
verificar-se também, no caso concreto, um problema de concurso entre aquele e o
companheiro em união de facto.»
Este julgamento foi posteriormente confirmado pelo Acórdão n.º 614/2005 do
Plenário deste Tribunal.
5. Ora bem: no presente recurso, o Tribunal reitera o julgamento de não
inconstitucionalidade proferido nos citados arestos. Tal como se disse no
Acórdão n.º 233/2005, cabe aqui assinalar o seguinte:
“Em primeiro lugar, e no que toca ao princípio da igualdade, também em relação
às normas desaplicadas se verifica um indiscutível paralelo com a diferenciação
entre o tratamento sucessório do companheiro e do cônjuge sobrevivos; quanto ao
princípio da proporcionalidade, e atendendo à circunstância de à união de facto
ser alheia a existência de um dever de solidariedade patrimonial entre os
companheiros, não se afiguram excessivas as condições específicas previstas nas
normas agora desaplicadas para ser reconhecido o direito à pensão ao companheiro
sobrevivo. Diferentemente, tais condições específicas são uma simples
decorrência da circunstância de a união de facto não implicar forçosamente, por
opção das partes, deveres patrimoniais, ou uma geral solidariedade patrimonial,
como sucede com o casamento.
Em segundo lugar, e como se referiu no acórdão n.º 159/05, e apesar de este
argumento ser menos relevante, não é só quanto ao companheiro sobrevivo que
existem condições específicas para ser reconhecido o direito à pensão: o próprio
cônjuge sobrevivo, não havendo filhos do casamento, só tem direito à pensão se
tiver casado com o beneficiário pelo menos um ano antes do falecimento deste,
salvo se a morte tiver resultado de acidente ou doença contraída ou manifestada
depois do casamento (artigo 9º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 322/90); o ex-cônjuge,
em caso de casamento declarado nulo ou anulado, só tem direito à pensão se à
data da morte do beneficiário recebesse pensão de alimentos decretada ou
homologada judicialmente (artigo 9º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 322/90); os
ascendentes têm de estar “a cargo” do beneficiário falecido, não podendo
existir cônjuges, ex-cônjuges e descendentes com direito às mesmas prestações
(artigo 14º do Decreto-Lei n.º 322/90).
Atendendo, pois, à necessidade de diferenciar entre o estatuto das diferentes
classes de pessoas com direito às prestações previstas no Decreto-Lei n.º
322/90, com base no grau de “solidariedade patrimonial” verificado entre essas
pessoas e o beneficiário, não parece excessivo exigir ao companheiro sobrevivo o
reconhecimento judicial do direito a alimentos da herança do falecido, nos
termos do n.º 1 do artigo 2020º do Código Civil, ou da qualidade de titular
daquelas prestações, em caso de insuficiência ou inexistência de bens da
herança, em acção proposta nos termos do disposto no artigo 3º do Decreto
Regulamentar n.º 1/94”.
6. No presente recurso, a recorrente acusa ainda o n.º 1 do artigo 3º
do Decreto Regulamentar n.º 1/94 de inconstitucionalidade por violação do artigo
115º da Constituição (actual artigo 112º) por exigir 'mais' do que o referido
artigo 8º, que apenas consideraria necessário que provasse que viveu com o seu
companheiro durante mais de 2 anos, antes da morte dele. Alega que ao impor a
necessidade de 'propor uma acção contra a herança ou herdeiros do falecido', o
Governo 'excedeu em exigências o que o legislador não quis'.
Trata-se, no entanto, de alegação totalmente infundada.
Na verdade, e em primeiro lugar, a recorrente não esclarece que norma do artigo
115º (correspondente ao actual artigo 112º), na redacção vigente à data da
aprovação do Decreto Regulamentar n.º 1/94, é que seria violada; apenas afirma
que 'um decreto regulamentar não pode exigir mais do que a lei regulamentada'.
Em todo o caso, e porque neste recurso apenas se podem analisar questões de
constitucionalidade – e não de simples ilegalidade, se a mesma ocorresse –,
admite-se que a recorrente se refira ao n.º 5 do mesmo artigo 115º, segundo o
qual 'nenhuma lei pode (…) conferir a actos de outra natureza o poder de, com
eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar
qualquer dos seus preceitos'.
Sucede, todavia, que o Decreto Regulamentar n.º 1/94 se limitou a regular 'o
processo de prova das situações a que se refere o n.º 1' do artigo 8º do
Decreto-Lei n.º 322/90 e as 'condições de atribuição das prestações', nos termos
previstos no respectivo n.º 2. Ora, não excedendo a habilitação que lhe foi
conferida pelo mesmo n.º 2 do artigo 8º, respeitando a forma ali imposta, e não
incorrendo em nenhuma das proibições enunciadas no n.º 5 do referido artigo 115º
da Constituição, não se encontra qualquer razão que permita acolher a referida
acusação de inconstitucionalidade.
Nestes termos, e sem necessidade de outras considerações, julga-se improcedente
esta alegação.
7. Assim, decide-se negar provimento ao recurso, confirmando a decisão
recorrida no que respeita à questão de inconstitucionalidade. Custas pela
recorrente, fixando-se a taxa de justiça, sem prejuízo do apoio judiciário
concedido, em 20 UC.
Lisboa, 26 de Setembro de 2006
Carlos Pamplona de Oliveira
Rui Manuel Moura Ramos
Maria Helena Brito (vencida, tal como no Acórdão n.º 614/2005, pelos fundamentos
do Acórdão n.º 88/2004)
Maria João Antunes (vencida pelos fundamentos do Acórdão n.º 88/2004 –
cfr.,ainda, parte final da declaração de voto aposta ao Acórdão n.º 614/2005).
Artur Maurício