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Processo n.º 335/06
2.ª Secção
Relator : Conselheiro Paulo Mota Pinto
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1.Notificado do Acórdão n.º 479/2006, do Tribunal Constitucional, pelo qual se
indeferiu a arguição de nulidade do Acórdão n.º 386/2006, que desatendeu a
reclamação para a conferência e confirmou a decisão sumária de 24 de Maio de
2006, que decidira não tomar conhecimento do recurso interposto por A. (ao
abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento
e Processo do Tribunal Constitucional, e visando a apreciação da
constitucionalidade da norma do artigo 333.º, n.ºs 1, 2 e 3, do Código de
Processo Penal, por pretensa violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da
República Portuguesa), com fundamento na sua extemporaneidade, veio aquele pedir
a aclaração desse acórdão dizendo:
«No douto acórdão proferido, considera-se não se ter verificado violação do
princípio do contraditório pelo facto de o recorrente não ter sido notificado da
resposta do Ministério Público à sua reclamação para a conferência da decisão
sumária de não conhecimento do recurso.
O Ministério Público foi chamado a pronunciar-se sobre uma questão decisiva e
crucial para o recorrente que era a admissão ou não do recurso interposto para
este Tribunal.
Decisiva e crucial, porquanto, com a não admissão do presente recurso
esgotava-se (como se esgotou) a possibilidade de o recorrente poder ver
apreciada a constitucionalidade da interpretação que foi dada à norma do artigo
333.º, n.ºs 1, 2 e 3, do CPP pelo Tribunal da Relação do Porto, cuja acórdão
confirmou a decisão condenatória privativa de liberdade da primeira instância.
Não se tratava, portanto, de um mero incidente em que estava em causa uma
irregularidade ou uma qualquer nulidade sanável.
Em última instância, as consequências do julgamento dessa questão repercutiam-se
no bem jurídico, depois do direito à vida, mais precioso para um ser humano que
é a liberdade.
É certo que a Lei do Tribunal Constitucional não prevê expressamente a
notificação ao recorrente das respostas do Ministério Público, ou seja, usando a
terminologia redutora do Ministério Público, não prevê qualquer “direito de
réplica”.
Contudo, nos casos omissos, como parece ser o caso, o artigo 69.° da Lei n.º
28/82 manda aplicar nos recursos para o TC as normas do Código de Processo
Civil.
O artigo 3.º, n.º 3, do Cód. Proc. Civil estabelece que o Juiz deve observar e
fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não
lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de
direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso.
Aliás, em matéria penal e antes da última revisão do CPP (Lei n.º 59/98, de 25
de Agosto), o próprio Tribunal Constitucional produziu jurisprudência no sentido
de que os arguidos e demais sujeitos processuais afectados pela interposição do
recurso deveriam ser notificados da resposta do MP, quando este se não limitasse
a apor o visto.
E na sequência dessa mesma jurisprudência, essa exigência de contraditório veio
a ser consagrada no n.º 2 do artigo 417.° do CPP.
Era a própria jurisprudência do Tribunal Constitucional, mesmo quando a lei
adjectiva o não consagrava, que seguia a prática de garantir o contraditório às
respostas do Ministério Público.
Parece, pois, verificar-se uma contradição com jurisprudência anterior e com a
lei, uma vez que, apesar de a lei adjectiva subsidiariamente aplicável ser no
sentido contrário, o Tribunal Constitucional entendeu não reconhecer ao
recorrente direito de se pronunciar sobre a tomada de posição do Ministério,
cuja resposta se não limitou a apor um visto, mas definindo um entendimento que
afectava o recorrente, sem, contudo, o não fundamentar de ponto de vista legal.
Não obstante reconhecer-se que a decisão não será alterada, não deixa de se
considerar oportuna a aclaração do douto acórdão no sentido de se esclarecer se
se consagra a doutrina de o recorrente não deve ser notificado da posição do
Ministério Público ou de outro sujeito processual, não obstante estar consagrado
o princípio do contraditório na norma processual subsidiariamente aplicável (n.
° 3 do artigo 3.º do CPC) por força do disposto no artigo 69.° da Lei n.º 28/82,
de 15 de Novembro, o que respeitosamente se requer.»
O representante do Ministério Público junto deste Tribunal, notificado para se
pronunciar, veio responder nos seguintes termos:
“O representante do Ministério Público, junto deste Tribunal, notificado para o
efeito, nos autos à margem referenciados, vem dizer que sendo o teor do Acórdão
proferido, a fls. 513 e 514, perfeitamente claro, deverá ser indeferido o pedido
de aclaração formulado”.
Cumpre decidir.
II. Fundamentos
2.Como se sabe, o pedido de aclaração de decisões judiciais não é via idónea
para obter a alteração do decidido, mas apenas para esclarecer ambiguidades,
faltas de clareza ou a eventual obscuridade, realmente existente, da decisão ou
dos seus fundamentos.
Pelo Acórdão n.º 479/2006, o Tribunal Constitucional decidiu desatender a
arguição de nulidade do Acórdão n.º 386/2006 por entender que essa arguição
carecia de fundamento sério, uma vez que “o reclamante não tinha de ser
notificado da resposta do Ministério Público à sua reclamação para a conferência
de decisão sumária no sentido do não conhecimento do recurso, não gozando de
qualquer direito de replicar a tal resposta, pelo que não é afectada a garantia
do contraditório e o seu direito de defesa”.
Com o presente pedido de aclaração, o reclamante não vem pedir o esclarecimento
de qualquer fundamento da decisão, ou do seu teor. Antes pretende saber se na
decisão se “consagra” certa “doutrina”, não obstante o que, em sem entendimento,
seriam regras ou princípios a ela contrários. Resulta, aliás, da própria
fundamentação do pedido que o reclamante não ficou com quaisquer dúvidas sobre o
que no aresto se decidiu, nem sobre as razões da decisão tomada (desde logo,
quando diz: “[n]o douto acórdão proferido, considera-se não se ter verificado
violação do princípio do contraditório pelo facto de o recorrente não ter sido
notificado da resposta do Ministério Público à sua reclamação para a conferência
da decisão sumária de não conhecimento do recurso.”), mas antes que discorda
desse fundamento. É desta discordância que se dá conta no pedido da aclaração.
Porém, este não serve para expor divergências relativamente à decisão tomada e
obter nova pronúncia do Tribunal, mas apenas para ver esclarecidas dúvidas que
resultem de ambiguidades ou obscuridades que a decisão contenha. Como o
reclamante não tem (nem podia ter, à luz do teor da decisão reclamada) dúvidas,
mas sim discordâncias, e a decisão não enferma de quaisquer obscuridades ou
ambiguidades, há que desatender o pedido de aclaração formulado – admitindo-se,
porém, que a conduta processual do requerente não configure ainda verdadeira
litigância de má fé.
Nada há, pois, a esclarecer, devendo o pedido de aclaração ser desatendido.
III. Decisão
Com estes fundamentos, decide-se desatender o pedido de aclaração do Acórdão n.º
479/2006 e, em consequência, condenar o reclamante em custas, fixando a taxa de
justiça em 20 (vinte ) unidades de conta.
Lisboa, 17 de Outubro de 2006
Paulo Mota Pinto
Mário José de Araújo Torres
Rui Manuel Moura Ramos