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Processo n.º 1076/13
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José da Cunha Barbosa
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. A., melhor identificado nos autos, reclama para a conferência ao abrigo do n.º 3, do artigo 78.º-A, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (LTC), da decisão sumária proferida pelo Relator ao abrigo do n.º 1 do mesmo preceito.
2. A reclamação para a conferência tem o seguinte teor:
«(...)
l. Sempre com o devido e muito respeito, permite-se o Reclamante discordar com o entendimento explanado pelo Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Relator onde reitera o juízo de não inconstitucionalidade dos arts. 400º, n.º 1, al. f) e 432º, n.º 1, al, b) do C.P.Penal, nos termos expostos pelo ora Recorrente no seu requerimento de interposição de recurso, confirmando, assim, a decisão recorrida.
2. Ora, salvo melhor opinião e com todo o devido respeito, entende o Recorrente que tal decisão se mostra indevidamente ajuizada, na medida em que, decide, desde logo, do “mérito” do recurso apresentado, bastando com Jurisprudência em sentido diverso ao “defendido” pelo Recorrente, não “curando”, sequer, dos argumentos que no sentido da propalada inconstitucionalidade pudessem ser trazidos aos autos pelo Recorrente.
3. Na verdade, quanto a questão suscitada perante este Egrégio Tribunal, o Recorrente cumpriu, ao que modestamente se entende, o seu ónus legal, tendo especificado, devidamente, a questão da inconstitucionalidade que pretendia ver apreciada, e a quanto a que normas a mesma se referiria.
4. De modo que, haveria então que decidir quanto ao mérito do recurso apresentado, o que fez o Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Relator na sua douta Decisão Sumária da qual ora se reclama.
5. Isto porque, ainda que se manifeste total concordância com o que vem vertido na douta Decisão de que ora se reclama, quanto ao facto de o art. 32º da C.R.P. não impor um duplo grau de recurso em processo penal, o que valerá também para as decisões penais condenatórias,
6. Sempre, com todo o devido e merecido respeito, se entende que efetivamente, quanto à questão da aplicação da redação dos arts. 400º, n.º 1, al. f) e 432º, n.º 1, al. b) do C.P.Penal resultante da Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, e quanto à constitucionalidade, ou não, da mesma, o Tribunal recorrido pronunciou-se de forma expressa,
7. Designadamente, o Supremo Tribunal de Justiça na sua douta Decisão proferida quanto à Reclamação apresentada nos termos do art. 405º do C.P.Penal, decidindo pelo indeferimento de tal Reclamação, por, segundo tal decisão, não existir fundamento para a inconstitucionalidade invocada,
8. Porquanto, segundo o que ali surge, no plano constitucional a garantia do direito ao recurso fica constitucionalmente perfeita com a previsão de um único grau de recurso, o que sucedeu com o Recurso para o Tribunal da Relação do Porto.
9. Não obstante, o que entende modestamente o Recorrente estar em causa no caso presente não é, uma qualquer imposição de um duplo grau de recurso, mediante o qual o Tribunal recorrido terá decidido por não verificada uma qualquer inconstitucionalidade normativa nos presentes autos,
10. Mas sim, o que se entende estar em causa nos presentes autos de Recurso é o seu direito ao recurso, constitucionalmente consagrado, no referido art. 32º da C.R.P., e decorrente da redação dos ditos normativos anterior à Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto,
11. Pois que, a “imposição” da aplicação da redação de tais normativos resultante daquela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, resulta em manifesto e claro prejuízo do Recorrente,
12. Ao que acresce o facto de o direito ao recurso se haver constituído na esfera jurídica do Recorrente em momento anterior à entrada em vigor da dita Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto,
13. Não relevando, para efeitos de uma qualquer irrecorribilidade legalmente imposta, a data da Prolação da Decisão Condenatória, mas antes sim a data de autuação dos autos e, essencialmente, a data de Constituição como Arguido nos autos, no caso presente, do Recorrente,
14. Na medida em que, foi com essa sua constituição como Arguido que o Recorrente “adquiriu”, seja, se lhe reconheceu legalmente, o direito ao recurso, de todas quaisquer decisões, não só finais, cuja irrecorribilidade não estivesse prevista,
15. Irrecorribilidade essa, que terá forçosamente que ser entendida como, apenas e só, aquela que estivesse prevista legalmente no momento de uma tal constituição de arguido,
16. Pois que, sendo a lei processual penal de aplicação imediata, nos termos do n.º 1 do art. 5º do C.P.Penal, sempre temos que tal aplicação imediata está legalmente limitada quanto aos processos iniciados em momento anterior à sua vigência quando da mesma possa resultar prejuízo para o arguido, com o agravamento da sua situação processual, com a limitação do seu direito de defesa, isto nos termos do n.º 2 daquele mesmo normativo,
17. Ora, isto é precisamente o que sucede no caso presente, pois que a aplicação imediata da irrecorribilidade decorrente da alteração legislativa ocorrida em 2007 resultou numa clara limitação do direito de defesa do Recorrente, limitando o mesmo a um único grau de recurso.
18. Não se percebendo como se afigura possível defender uma tal limitação em razão de uma justiça célere, porquanto, ainda que se queira célere, sempre a justiça se quer “justa” e por forma a que o que hoje é verdade amanhã também o seja,
19. Sendo forçoso concluir-se que, o critério da “dupla conforme” que ora se quer impor ao caso presente, pura e simplesmente não teria aplicação, por limitar, como referido, os direitos de defesa dos arguidos, já constituídos e assim mantidos em momento anterior à entrada em vigor da propalada Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto.
20. Donde, atento tudo o exposto, porque não está em causa uma qualquer imposição do duplo grau de recurso, mas, antes sim, a proibição, sob pena de inconstitucionalidade, da aplicação imediata de normativo legal manifestamente “prejudicial”, porque limitativo,
21. Reitera-se o juízo de inconstitucionalidade da interpretação dos arts. 400º, n.º 1, al. f) e 432º, n.º 1, al. b do C.P.Penal, efetivada nos presentes autos, por violação do art. 32º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa,
22. No sentido da não admissibilidade do Recurso interposto de Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação que confirme a condenação proferida em 1ª Instância e aplique pena de prisão inferior a 8 (oito) anos, quando se trate de processo “autuado” e com a constituição do então Recorrente enquanto Arguido nos autos em momento anterior à entrada em vigor da Lei n.º 28/2007, de 29 de agosto.
23. Motivo pelo qual, será de revogar a douta Decisão Sumária ora Reclamada, com todas as consequências daí advenientes.
(...)»
3. O Ministério Público deduziu parecer pugnando pelo indeferimento da reclamação apresentada.
II. Fundamentação
4. Tem a decisão sumária reclamada a seguinte redação:
«(...)
1. A., melhor identificado nos autos, recorre para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (LTC), da decisão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10 de setembro de 2013, pela qual se indeferiu a reclamação apresentada pelo recorrente.
2. No requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional, sustenta o recorrente que:
«(...)
Os arts. 400º, n.º 1, al. f) e 432º, n.º 1, al. b) do C. P. Penal foram interpretados de forma inconstitucional na decisão da reclamação apresentada, na medida em que, e conforme referido nessa reclamação, a interpretação dos mesmos no sentido da não admissibilidade do recurso interposto, sempre viola o direito do ora Recorrente, direito esse constitucionalmente consagrado no art. 32º da Constituição da República Portuguesa.
Porquanto, essa inadmissibilidade de recurso surge de uma “imposição” legal que, por claramente desfavorável ao ora Recorrente, enquanto Arguido, não se lhe poderia/deveria ser oponível, donde e, por não estarmos perante uma qualquer inconstitucionalidade já anteriormente julgada por este Egrégio Tribunal Constitucional, a não admissão do recurso interposto sempre poderá redundar numa recusa, por parte deste Egrégio tribunal, em tomar conhecimento de um recurso em matéria de inconstitucionalidade, caso V. Exas. sejam de entender não haver tal Inconstitucionalidade sido suscitada, de forma formalmente válida, durante o processo, tendo-se colocado assim em “xeque” o direito do Recorrente de vir perante este Egrégio Tribunal Constitucional discutir, via recurso próprio para o efeito, a constitucionalidade de um Acórdão condenatório e atentatório da sua liberdade pessoal e enquanto cidadão.
Donde, pretende então o Recorrente seja apreciada a inconstitucionalidade da interpretação dos aludidos arts. 400º, n.º 1, al. f) e 432º, n.º 1, al. b) do C. P. Penal, no sentido da não admissibilidade do Recurso interposto do douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, ainda que em processo “autuado” em momento anterior à entrada em vigor da Lei nº 48/2007, de 29 de agosto, no caso de ser proferida decisão que confirme decisão de 1.ª instância e aplique pena de prisão em medida não superior a 8 (oito) anos, por violação do art. 32.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
Na medida em que, ao contrário do ora vertido pelo Supremo Tribunal de Justiça, o Direito ao Recurso (constitucionalmente consagrado) constitui-se na “esfera jurídica” do ora Recorrente aquando da sua constituição como Arguido nos presentes autos, porque desde esse momento teria então o direito legal de recorrer das decisões que lhe fossem desfavoráveis e cuja irrecorribilidade não fosse prevista na lei, independentemente de serem, ou não, decisões finais, como é o caso, momento esse, de constituição como arguido, muito anterior à entrada em vigor da referida Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto.
(...)»
3. Foi o ora recorrente condenado, em primeira instância, pela prática de vários crimes, em cúmulo jurídico das penas parcelares, na pena única de seis anos de prisão. O Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 19 de dezembro de 2012, concedeu parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido, decidindo condená-lo na pena única de cinco anos de prisão.
Inconformado, o recorrente interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, recurso esse não admitido, por despacho com data de 22 de abril de 2013, com fundamento nos artigos 432.º, n.º 1, alínea b), e 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, tendo em conta que o acórdão proferido confirmou in mellius a decisão da 1.ª instância, relativamente a uma condenação em pena de prisão inferior a oito anos.
Seguiu-se a reclamação de fls. 13, apresentada em 28 de maio de 2013, mediante requerimento com o seguinte teor:
«(...)
2. É certo que o recurso interposto pelo ora recorrente se trata de um recurso de um acórdão condenatório, proferido, em recurso, por Tribunal da Relação, que confirmou, em parte, decisão de 1.ª instância e aplicou pena privativa da liberdade em medida inferior à que havia sido anteriormente aplicada.
3. Pelo que, entendeu então o Venerando Sr. Juiz Desembargador do Tribunal da Relação do Porto como sendo tal acórdão irrecorrível, isto nos termos do preceituado no art. 400º, n.º 1, al. f) do C. P. Penal, na redação que para o mesmo resultou da Lei 48/2007, de 29 de agosto.
4. No entanto, entende modestamente o Recorrente que, com todo o devido e merecido respeito, a questão da “irrecorribilidade”, ou não, do Acórdão em crise sempre seria de aferir nos termos do preceituado no aludido art. 400º do C. P. Penal, mas na sua redação anterior à propalada Lei 48/2007, de 29 de agosto.
5. Pois que, e ainda que do preceituado no n.º 1 do art. 5º do C. Penal sempre resulte que “A lei processual penal é de aplicação imediata”, a verdade é que, o n.º 2 desse mesmo artigo limita legalmente essa mesma aplicação imediata “aos processos iniciados anteriormente à sua vigência quando da sua aplicabilidade imediata possa resultar: a) Agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa”;
6. Ora, posto isto, claro é que, os presentes autos se haviam já iniciado em momento anterior à entrada em vigor da aludida Lei 48/2007, de 29 de agosto (15 de setembro de 2007), bastando atender, mais que não seja, ao próprio NIPC dos mesmos, sendo claro se haverem iniciado os presentes autos já no ano de 2004.
7. Motivo pelo qual, se coloca então a questão, no que aos presentes autos concerne, da aplicabilidade imediata, ou não, da redação do aludido art. 400º resultante das alterações efetivadas pela referida Lei 48/2007, de 29 de agosto.
8. Sendo certo que, se de tal aplicabilidade imediata resultar para os arguidos, seja, para o ora Recorrente, um agravamento sensível da sua situação processual, com uma limitação do seu direito de defesa, sempre será de concluir pela, ainda, vigência da redação anterior daquele preceito processual penal.
9. Ora, e conforme resulta da douta decisão de não admissibilidade do recurso ora em crise, é claramente patente que a nova redação daquele art. 400º do C. P. Penal, do seu n.º 1, veio limitar fortemente o “direito” processual de um qualquer arguido (como é o caso) em poder recorrer para o STJ dos Acórdãos proferidos em recurso pelos Tribunais da Relação.
10. Na verdade, na sua nova redação, o n.º 1 do art. 400.º, designadamente, na sua alínea f), veio “declarar” a irrecorribilidade de “acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância de apliquem pena de prisão não superior a 8 anos”.
11. Por contraposição, e na redação anterior àquela que lhe foi conferida por aquela Lei 48/2007, de 29 de agosto, aquele n.º 1 do art. 400º não “declarava” a irrecorribilidade dos acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações, atendendo à pena concretamente aplicável, mas sim “declarava” essa irrecorribilidade atendendo à pena abstratamente aplicável.
12. Limitando então os recursos para o STJ dos acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que confirmassem decisão da primeira instância, em processo por crime a que fosse aplicável pena de prisão não superior a oito anos – cfr. alínea f) do n.º 1 do art. 400º, na sua anterior redação.
13. Donde, e atendendo à aludida “maior limitação” do direito de um qualquer arguido em recorrer de um acórdão, proferido em recurso pelas Relações, , que lhe é desfavorável, limitação essa resultante (“imposta”) da nova redação do art. 400º, nº 1 do C. P. Penal.
14. A qual, naturalmente, reveste uma clara limitação do seu direito de defesa, no qual obviamente, se inclui o seu direito ao recurso, aliás, constitucionalmente consagrada.
15. Sempre será de concluir que, se verifica a limitação legal, preceituada no referido n.º 2 do art. 5º do C. P. Penal, da aplicabilidade imediata do preceituado naquele n.º 1 do art. 400º na redação que lhe foi conferida pela propalada Lei 48/2007, de 29 de agosto.
16. Assim, e porque, no que concerne ao Recorrente ora Reclamante, os presentes autos se reportam a uma série de crimes aos quais na sua globalidade é aplicável pena de prisão superior a 8 (oito) anos,
17. Temos que, “a contrario” da irrecorribilidade patente da alínea f) do n.º 1 do art. 400º do C. P. Penal, na sua anterior redação, sempre o Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto é passível de recurso, nos termos do preceituado no art. 432º, alínea b), do C. P. Penal.
18. Requerendo-se, por isso, a V. Exa., seja admitido o Recurso interposto pelo ora Reclamante, do douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto.
19. Até porque, assim, não sucedendo, sempre será de questionar a própria constitucionalidade dos arts. 400º, n.º 1, al. f) e 432.º, n.º 1 al. b), do C. P. Penal.
20. Na medida em que, a interpretação dos mesmos no sentido da não admissibilidade do presente recurso, em razão de decisão proferida em processo judicial “autuado” em momento anterior à entrada em vigor da Lei 48/2007, de 29 de agosto, sempre viola o direito do ora Reclamante ao recurso, direito esse constitucionalmente consagrado no art. 32º da CRP, e que lhe era expressamente reconhecido aquando da “assunção” da categoria de Arguido nos autos.
(...)»
Por decisão de 10 de setembro de 2013, o Supremo Tribunal de Justiça indeferiu a reclamação apresentada, considerando que:
«(...)
3. O acórdão recorrido foi proferido em 19.12.2012 e a decisão da 1.ª instância em 27.06.2011, ambos posteriormente a 15 de setembro de 2007, data do início da vigência das alterações ao CPP constantes da Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto.
A influência das modificações da lei de processo penal nos processos pendentes – nos pressupostos, nos atos, na regulação sobre a prática e sobre as condições de validade dos atos – pode ter consequências mais ou menos intensas, requerendo fórmulas de resolução que permitam definir a lei aplicável.
O CPP contém norma – o artigo 5.º - que dispõe a este respeito que a nova lei se aplica imediatamente (isto é, também aos processos iniciados anteriormente à sua vigência), sem prejuízo, naturalmente, da validade dos atos realizados na vigência da lei anterior – artigo 5º, n.º 1, tudo na decorrência do princípio processual tempus regit actum.
Todavia, no respeito por princípios materiais ligados à posição do arguido, ou por exigências de coerência sistemática e harmonia intraprocessual, a lei nova não se aplicará aos processos iniciados anteriormente quando da aplicabilidade imediata possa resultar agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido ou quebra de harmonia e unidade dos vários atos do processo.
Nesta confluência de princípios e de compatibilidade entre a regra tempus regit actum e a posição processual de arguido, vista esta na perspetiva processual material das garantias de defesa, a modificação do sistema de recursos ou das regras sobre a admissibilidade do recurso podem suscitar problemas específicos.
A instância (a fase) de recurso tem autonomia relativa, mas processualmente relevante, na estrutura e na dinâmica do processo, tanto nos pressupostos em que o recurso é admissível, como nas sequências estritamente procedimentais de desenvolvimento e julgamento.
Estando, por isso, em causa o exercício de direitos processuais de um sujeito processual, que são inerentes e se confundem com a própria fase de recurso, o momento relevante a ter em conta para verificar a existência dos respetivos pressupostos de exercício será aquele (ou a prática do ato) que primeiramente define no processo a situação do sujeito interessado e que seja suscetível de ser questionada como objeto do recurso com a abertura da respetiva fase.
No que respeita ao arguido, o momento relevante do ponto de vista do titular do direito ao recurso é coincidente com o momento em que é proferida a decisão de que se pretende recorrer, pois é esta que contém e fixa os elementos determinantes para a formulação do juízo de interessado sobre o direito e o exercício do direito de recorrer.
Deste modo, a lei reguladora da admissibilidade do recurso – e, por consequência, da definição do tribunal de recurso – será a que vigorar no momento em que ficam definidas as condições e os pressupostos processuais do próprio direito ao recurso, isto é, no momento em que for primeiramente proferida uma decisão sobre a matéria da causa, ou seja, a decisão da primeira instância.
No caso, a decisão que primeiro se pronunciou foi proferida, como se referiu, já na vigência do regime de recursos após a entrada em vigor das alterações introduzidas pela Lei n.º 48/2007.
Anteriormente a este ato, não existia no processo situação processual definida no que respeita aos pressupostos do direito de recorrer, seja na integração do interesse em agir, legitimidade, seja nas condições objetivas dependentes da natureza e conteúdo da decisão: decisão desfavorável, condenação e definição do crime, pena aplicada. Os pressupostos de recorribilidade são, hoje, os definidos nesse momento, sem campo de intervenção do artigo 5.º, n.º 1, do CPP, por se não contemplar o caso de confluência de regimes.
Esta é a solução do Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, n.º 4/2009 de 18.02.09 (DR, I Série, de 19-03-2009), que apenas considerou aplicável a anterior redação da alínea f) do n.º 1 do art. 400.º do CPP aos casos em que a decisão de 1.ª instância tivesse sido proferida anteriormente ao início da vigência da Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto.
Deste modo, no caso é aplicável o regime vigente após a entrada em vigor da Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto.
4. Nos termos dos arts. 432.º, n.º 1, alínea b) e 400.º, n.º 1, alínea f) do CPP, não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos.
A mais recente e consolidada jurisprudência das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça considera que é confirmatório da decisão da 1.ª instância (“dupla conforme”) o acórdão da Relação que, in mellius, mantém a condenação, mas reduz a pena, por “até ao ponto em que a condenação anterior elimina o excesso resulta a confirmação da decisão anterior, o que no caso, determina a irrecorribilidade da decisão.
Com efeito, o acórdão em causa ao ter reduzido a pena única aplicada ao arguido fixando-a em 5 anos de prisão, em consequência da absolvição de um dos crimes de burla qualificada e de falsificação de documentos e da redução das penas parcelares aplicadas relativamente aos crimes de falsificação de documento, recetação e detenção de arma proibida foi mais favorável ao arguido.
O recurso não é, assim, admissível (artigos 432º, alínea b), e 400º, n.º 1, alínea f), do CPP.
5. O reclamante invoca a inconstitucionalidade dos arts. 432.º, n.º 1, alínea b) e 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP quando interpretados no sentido da não admissibilidade do recurso, em razão de decisão proferida em processo judicial “autuado” em momento anterior à entrada em vigor da Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, por violação do art. 32.º da CRP. Mas sem fundamento.
Com efeito, no plano constitucional a garantia do direito ao recurso prevista no n.º 1 do art. 32.º fica constitucionalmente perfeita com a previsão de um único grau, que foi exercido através do recurso interposto para a Relação pelo reclamante (cf., v.g., Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 189/01 e 377/2003 de 3 de maio de 2001 e de 15 de julho de 2003, respetivamente).
(...)»
4. Considerando, face à jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre a matéria, que nos encontramos perante uma “questão simples”, a mesma passa a ser decidida nos termos admitidos pelo artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC.
5. Delimitando o objeto do recurso, cumpre sublinhar que a questão a sindicar por este Tribunal reporta-se à alegada inconstitucionalidade dos artigos 400.º, n.º 1, alínea f), e 432.º, n.º 1, alínea b), do CPP, no sentido de não ser admissível recurso de decisões da Relação que confirmem a condenação proferida na primeira instância e apliquem pena de prisão inferior a oito anos. Na verdade, sobre o problema da aplicação (ou não), in casu, da nova redação dos normativos mencionados, introduzida pela Lei n.º 28/2007, de 29 de agosto, não incidiu nenhuma questão de constitucionalidade normativa de que o tribunal recorrido haja tomado conhecimento e sobre a qual este Tribunal possa, por conseguinte, pronunciar-se.
Ora, como há muito vem sufragando a jurisprudência constitucional sobre o tema, a Constituição, maxime, o artigo 32.º, n.º 1 desta, não impõe um duplo grau de recurso em processo penal, entendendo-se que esta proposição vale mesmo tratando-se de decisões penais condenatórias (cfr., entre outros, acórdãos n.ºs 178/88, 189/01, 49/2003, 616/05, 645/09, 353/10, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
Com efeito, há que compatibilizar as garantias de defesa do arguido com a ordenação de uma justiça célere, compreendendo-se, assim, a intenção do legislador de restringir em termos razoáveis o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, reservando-o para os casos de maior merecimento penal. Essa razoabilidade concretizou-se através de duas linhas orientadoras, a saber, o critério da “dupla conforme”, o que significa que não há recurso para o STJ se a Relação confirmar decisão condenatória da primeira instância traduzida na aplicação de pena até oito anos de prisão, e o critério da gravidade da pena aplicada, do qual decorre que, em regra, ao STJ só chegam, pela via do recursos, os casos mais graves (cfr. o acórdão n.º 153/12, disponível em www.tribunalconstitucional.pt). Neste sentido, a limitação do acesso ao STJ consagrada no artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, não tem merecido a censura deste Tribunal, como evidenciam, entre outros, os acórdãos n.ºs 189/01, 369/01, 435/01, 2/06 e 36/07, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
Não se descortinando razões, in casu, que demandem o afastamento desta jurisprudência, cumpre reiterar o juízo de não inconstitucionalidade dos artigos 400.º, n.º 1, alínea f), e 432.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal, quando interpretados no sentido de não ser recorrível para o Supremo Tribunal de Justiça decisão proferida pela Relação que confirme a condenação proferida pela primeira instância e aplique pena de prisão inferior a oito anos.
6. Pelo exposto, o Tribunal Constitucional decide negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
(...)»
5. A reclamação apresentada pelo reclamante não coloca minimamente em crise a decisão sumária proferida ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A, da LTC.
Com efeito, considerou o Relator que, na reclamação de fls. 7, o então recorrente não logrou impugnar a constitucionalidade da aplicação imediata aos autos da nova redação dos artigos 400.º, n.º 1, alínea f) e 432.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal (CPP) em termos que tenham feito emergir, para o tribunal recorrido, o ónus de se pronunciar sobre tal questão de constitucionalidade. Em consequência, como se conclui a partir da leitura da decisão recorrida, o Supremo Tribunal de Justiça apreciou aquele dissenso numa perspetiva exclusivamente infraconstitucional, limitando-se a invocar o acórdão de uniformização de jurisprudência e os princípios gerais pertinentes.
Neste sentido, a questão de constitucionalidade efetivamente levantada nos autos - e sobre a qual recaiu o juízo de não inconstitucionalidade proferido pelo tribunal recorrido – é a referente aos artigos 400.º, n.º 1, alínea f) e 432.º, n.º 1, alínea b), do CPP, quando interpretados no sentido de que não é admissível recurso para o STJ de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas Relações, que confirmem decisão da 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a oito anos, por violação do direito ao recurso consagrado no artigo 32.º da CRP.
Porém, talqualmente enfatizado na decisão sumária reclamada, esta é, atenta a vasta e constante jurisprudência constitucional sobre o tema (cfr., entre outros, os acórdãos n.ºs 189/01, 369/01, 435/01, 451/03, 490/03, 102/04, 610/04, 104/05, 2/06 e 36/07, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt), uma “questão simples”. Pelo que, não se vislumbrando argumentos que permitam pôr em causa a jurisprudência assinalada, devem dar-se por integralmente preenchidos os pressupostos que autorizam o Relator a proferir decisão sumária, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A, da LTC.
III. Decisão
6. Termos em que o Tribunal Constitucional decide indeferir a reclamação apresentada e, por conseguinte, confirmar a decisão sumária proferida.
Custas pelo reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 20 (vinte) UCs., sem prejuízo da existência de apoio judiciário concedido nos autos.
Lisboa, 12 de fevereiro de 2014.- José da Cunha Barbosa – Maria Lúcia Amaral – Joaquim de Sousa Ribeiro.