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Processo n.º 252/05
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. O relator proferiu a seguinte decisão sumária:
“1. A., identificada nos autos, intentou no Tribunal do Trabalho de Vila Nova de
Gaia, contra B., S.A., também ali identificada, acção emergente de contrato de
trabalho pedindo que fosse declarado nulo o seu despedimento e, em consequência,
que a ré fosse condenada a pagar-lhe as quantias indicadas na petição, no
montante global de 2.572.875$00, bem como as retribuições devidas desde a data
do despedimento até à sentença e, ainda, a reintegrá-la no seu posto de
trabalho.
A ré arguiu a sua ilegitimidade na contestação com o fundamento de que a partir
de 1 de Agosto de 2000 a entidade patronal da autora passou a ser a C. S.A. –
Departamento de Catering, por ter sido a esta que foi atribuída a concessão do
refeitório onde a autora trabalhava, e, em reconvenção, pediu que se declarasse
extinto o vínculo laboral existente entre autora e ré a partir daquela data. A
autora requereu a intervenção provocada da dita sociedade, a qual foi admitida.
A chamada contestou alegando a invalidade e ilegalidade da admissão do
chamamento, defendendo que a entidade patronal da autora era a ré, o que foi
indeferido, tendo, então a chamada interposto recurso de agravo o qual subiu com
o recurso interposto da sentença final.
Por acórdão de 2 de Junho de 2003, o Tribunal da Relação do Porto revogou o
despacho que admitiu o chamamento, por entender que foi deduzido
extemporaneamente, e ordenou a repetição do julgamento, dado que neste foi
produzida prova que tinha sido arrolada pela chamada.
Efectuado novo julgamento veio a ser proferida sentença a condenar a ré B. a
pagar à autora a quantia de € 237,66, respeitante a subsídio de férias em falta,
absolvendo-a dos demais pedidos, com o entendimento de que “a posição que do
contrato de trabalho da A. resultava se transmitiu para a C.”, nos termos do
artigo 37.º da LCT, pelo que não tendo a C. aceitado o trabalho da autora e
recusado ser sua entidade patronal, era de considerar que a despediu “sem justa
causa e sem processo disciplinar”, não podendo a ré B. ser condenada em
consequência deste despedimento e responsabilizada pelos créditos dele
resultantes.
2. Inconformada recorreu a autora para o Tribunal da Relação do Porto, invocando
a ilegalidade do seu despedimento, que entende ser nulo, por falta de processo
disciplinar, pedindo a consequente condenação da ré nas quantias peticionadas.
Nas suas alegações formulou a autora as seguintes conclusões:
1. «A autora fazia parte do quadro de pessoal da ré.
2. A ré explorava apenas o refeitório onde trabalhava a A.,
mas, tendo terminado o contrato de exploração onde trabalhava a A., nada impedia
que a ré atribuísse outras funções e noutro local à autora.
3. A autora foi despedida, sem processo disciplinar, tal como
resulta da matéria de facto, pelo que tal despedimento é nulo.
4. Sendo nulo, terá a ré de ser condenada a indemnizar a
autora, nos termos dos pedidos n.º 2 e 3 da petição inicial.
5. Foi violado o disposto nas al. A) e b) do artigo 13º do
D.L. 64-A/89, de 27/2.»
A ré B. interpôs recurso subordinado, suscitando, além do mais, a questão da sua
ilegitimidade “quanto ao pedido formulado pelo apelante relativamente aos
créditos vencidos após a transmissão do estabelecimento”, concluindo as suas
alegações nos seguintes termos:
1. «A aferição da legitimidade das partes em função da alegada
titularidade do objecto do processo, da forma unilateral como o autor configura
a acção controvertida, viola os arts. 2º e 20º da C.R.P..
2. A interpretação do art. 37º da L.C.T. que não considera
abrangido no referido normativo as situações em que uma empresa que confiava
determinado serviço a outra, põe termo ao contrato, passando ela própria a
assegurar tais serviços, ou entrega os mesmos a uma terceira, estranha ou do
mesmo grupo e desde que, a operação seja acompanhada da transferência de uma
entidade económica entre as duas empresas, viola o artigo 53º e 8º da C.R.P.»
O Ministério Público no Tribunal da Relação do Porto lavrou o parecer de fls.
403 a 407, pugnando pelo não provimento da apelação e pelo não conhecimento do
recurso subordinado da ré por “falta de legitimidade desta para recorrer”, visto
ter obtido ganho de causa.
3. Por acórdão de fls. 412 a 422, o Tribunal da Relação do Porto decidiu não
conhecer do recurso subordinado interposto pela ré e julgar procedente a
apelação, revogando a sentença recorrida na parte em que absolveu a ré B. e, em
consequência, declarou ilícito o despedimento da autora e condenou a ré B. a
reintegrá-la e a pagar-lhe a quantia de € 33.290,91, absolvendo-a dos demais
pedidos. Manteve ainda a sentença na parte em que havia condenado a ré a pagar a
quantia de € 237,66.
Para tanto, fundamentou-se este aresto no seguinte:
«III
Recurso principal.
Questão a apreciar.
Se face á matéria provada, e sendo o despedimento da Autora ilícito, deveria o
Réu ser condenado a pagar-lhe as quantias referentes ao despedimento.
O Mmo. Juiz a quo considerou que a factualidade provada aponta para a aplicação
do disposto no art.37 da LCT, pelo que tendo o estabelecimento onde laborava o
Réu sido entregue á C. - Departamento de Catering, e tendo esta recusado o
trabalho da Autora, é o Réu totalmente estranho á situação de despedimento
operado pela Sociedade C.. E como bem refere o Mmo. Juiz a quo, não existem
dúvidas que a Autora foi despedida. A questão é saber quem a despediu, ou seja,
qual era a entidade patronal da Autora: o Réu ou a C. S.A.
A Autora, nas suas alegações de recurso, defende que o Réu não era dono do
estabelecimento onde trabalhava, pois apenas detinha a sua exploração, e que
face ao acordo celebrado em 28.7.95 passou a Autora a fazer parte do quadro de
pessoal do Réu, concluindo, assim, que a sua entidade patronal, na data do
despedimento, era o apelado e mais ninguém. Analisemos então.
A. O contrato celebrado entre a D. e o Réu.
Conforme os arts.2 e 3 do referido contrato o Réu obrigou-se a fornecer
refeições no estabelecimento da D., nos horários, frequência e forma previstos
nas condições suplementares (nas condições suplementares são referidos os
horários do restaurante e do bar, a composição da refeição, o custo das matérias
primas e outras condições). E segundo o art.5 nº1 do mesmo contrato a D. - dona
do refeitório - obrigou-se a pagar ao Réu as facturas mensais que este lhe
apresentar até 60 dias após a data da factura.
E do teor de tais artigos conclui-se que o Réu não se obrigou a pagar «Uma
renda» ou qualquer quantia como contrapartida da exploração concedida (situação
que geralmente acontece quando se está perante uma concessão de exploração de
estabelecimento). Melhor dizendo, o Réu não se vinculou a prestar qualquer
prestação à D., mas antes foi esta que se obrigou a pagar os serviços ajustados
ao Réu – traduzidos no fornecimento de refeições.
Tal significa que entre a D. e o Réu foi celebrado um contrato de prestação de
serviços e de fornecimento.
E não obstante a existência de um contrato de prestação de serviços, poder-se-á
falar na existência de um estabelecimento – o refeitório – com vista a
aplicar-se o disposto no art. 37 da LCT?
Vejamos então.
O facto de o fornecimento de refeições ter de ser efectuado no dito refeitório
da D. –refeitório este apetrechado com mobiliário, máquinas e utensílios
facultados pela dona do mesmo –, tal não é suficiente para se concluir pela
existência de um estabelecimento comercial, com o significado de uma unidade
produtiva autónoma, ou como organização específica, susceptível, assim, de
transmissão ou transferência.
Na verdade, a dona do refeitório – a D. –, conforme matéria provada, é uma
empresa participada do Grupo C. e tem por objecto a «elaboração e utilização de
elementos pré-fabricados, nomeadamente de construção civi1» - ,fls.212, 214 e
216 dos autos. A sua actividade não está, assim, ligada, á exploração de bares e
refeitórios. E se assim é não parece que a D. ao estabelecer que o Réu serviria
as refeições no seu refeitório, com tal estivesse a «criar» um estabelecimento
comercial, um valor de mercado.
E o facto de no contrato em análise se falar em estabelecimento – art.1 nº 2 –,
certo é que tal é insuficiente para se concluir pela existência do mesmo. Aliás,
o Tribunal não está vinculado á qualificação jurídica que as partes dão aos
factos – art.664 do C.P.C..
Não se desconhece que o conceito de estabelecimento constante do art.37 da
L.C.T. tem sido entendido de forma mais ampla.
É a posição defendida pelo S.T.J. – na sequência da Directiva Comunitária
nº77/l87/CEE, na redacção dada pela Directiva 98/50/CE do Conselho de 29.6.98 –
que «para determinação de uma situação de transmissão de empresa, para efeitos
do art.37 da lei do contrato de trabalho - manutenção da identidade económica da
empresa, estabelecimento ou parte dele – não é necessário que existam relações
contratuais directas entre o cedente e o cessionário, pois que a transferência
se poderá efectuar também em duas fases, ou até por intermédio de um terceiro,
importando tão somente a conservação da identidade do estabelecimento e
prossecução da respectiva actividade, ou seja, sempre que a exploração da
empresa seja prosseguida sem interrupção pelo novo adquirente» – ac. do S.T.J.
de 27.9.00 no B.M.J. 499, p.281.
Contudo, no caso, e mesmo seguindo o entendimento defendido pelo S.T.J., certo é
que o conjunto formado pelo refeitório – com os utensílios e máquinas aí
existentes – não constitui um todo organizado com vista ao exercício de uma
actividade. Antes diríamos que a D. se limitou a disponibilizar o local onde as
refeições deveriam ser servidas.
Assim, e em conclusão, se dirá que
1. Face ao teor do contrato celebrado entre a D. e o Réu conclui-se que entre
eles foi celebrado um contrato de prestação de serviços e fornecimento.
2. Tal contrato, assim definido, não representa a exploração de um
estabelecimento comercial por parte do Réu.
3. Pelo que ao caso não é aplicável o disposto no art.37 da LCT, o qual
pressupõe a existência de um estabelecimento.
B. O acordo celebrado entre a C., o Réu e a Autora.
Face ao teor do referido acordo, em especial as cls.2ª e 3ª, verifica-se que a
dita Sociedade cedeu a sua posição contratual ao Réu, no que respeita ao
contrato de trabalho que celebrou com a Autora – art.424 do C.C. –, ou seja, o
Réu, como cessionário, passou, por força do dito acordo, a ser a entidade
patronal da Autora, sendo certo que esta, com tal cedência, manteve todos os
direitos e regalias que até então usufruía ao serviço da Sociedade cedente.
Isto significa que a partir de 1.8.95 o Réu passou a ser a entidade patronal da
Autora e obrigou-se a garantir-lhe como local de trabalho as instalações da D.
ou na área metropolitana do Porto – cl. 4ª do referido acordo.
E a questão que se coloca é a seguinte: tendo o contrato de prestação de
serviços e fornecimento celebrado entre a D. e o Réu terminado para no
refeitório passar a prestar os mesmos serviços a C. – Departamento de Catering,
passou esta a ser a entidade patronal da Autora?
A resposta terá de ser negativa pelas razões que atrás se deixaram expostas.
Com efeito, se entre a D.e o Réu não houve transmissão de estabelecimento, por
precisamente o refeitório não ser um estabelecimento comercial, igual conclusão
há que retirar no caso da C. – Departamento de Catering, a qual sucedeu ao Réu.
E precisamente por não se estar perante um estabelecimento comercial é que a C.
– que não era dona do refeitório – celebrou com o Réu e a Autora o contrato de
cessão da posição contratual.
Se no caso houvesse transmissão ou transferência do estabelecimento
desnecessário era a celebração do acordo de cessão da posição contratual atento
o disposto no art.37 da LCT. A tal conclusão se chega conjugando o teor do
contrato e acordo juntos aos autos.
Por isso, com a celebração do acordo de cessão da posição contratual passou a
Autora a pertencer aos quadros do Réu, pelo que estava este obrigado a mantê-la
ao seu serviço, independentemente de ele – Réu – manter-se ou não naquele
refeitório por força do contrato que celebrou com a dona do mesmo.
E no caso do Réu – B. – é mais flagrante a inexistência de um estabelecimento
aquando da cessação do contrato de prestação de serviços, na medida em que ele
cessou a sua actividade nesse refeitório mas não cessou a actividade a que se
dedica.
Mas poderia argumentar-se: mas então teria o Réu que receber todos os empregados
que trabalham nos refeitórios e nos quais aquele presta serviços! E certo que
para o Réu não decorre tal obrigação. Só que como no caso foi celebrado o acordo
de cessão da posição contratual, a obrigação de o Réu receber a Autora decorre
de tal acordo, já que não se está perante um estabelecimento.
E o CCT celebrado entre a ARESP e a FETESE para o sector das cantinas,
refeitórios e fábricas de refeições publicado no BTE nº 3, 1ª série, de 22.1.95,
veio acautelar, no art.56 nº1, precisamente aquelas situações em que não existe
transmissão do estabelecimento, determinando que «quando se verificar a cessação
do contrato celebrado entre a entidade concedente e a concessionária, a entidade
que passar a executar e ou a supervisionar o serviço, seja ou não a própria
cedente, obriga-se a ficar com todos os trabalhadores que ali normalmente
prestem serviço há mais de 90 dias imediatamente anteriores á data da
cessação...» – neste sentido é a posição de Maria Regina Redinha em «a
mobilidade interempresarial na contratação colectiva», em Questões Laborais, ano
1996, nº 8, p.152 e segts.
Contudo, tal preceito não é aplicável ao caso dos autos por a PE publicada no
BTE nº 24/95 ter excluído – art.1 – do âmbito da sua aplicação as entidades
patronais que se dediquem á actividade de catering, como é o caso da C. –
Departamento de Catering.
Por tudo o que se deixou dito conclui-se, assim, que a carta enviada pelo Réu á
Autora configura um despedimento ilícito, na medida em que ele era a entidade
patronal da Autora.
C. Das quantias devidas á Autora por força do despedimento.
Está provado que a Autora foi admitida ao serviço da Sociedade Construções C. em
2.6.86.
Assim, e atento o disposto no art.13 nº 1 al. b) da LCCT tem a Autora direito a
ser reintegrada e a receber as remunerações devidas desde a data do despedimento
– 1.8.00 – até á data do presente acórdão nos termos do art.13 nº1 al. a) do
mesmo diploma legal e acórdão uniformizador de jurisprudência com o nº 1/04
publicado no DR nº7, I-A série, de 9.1.04, a saber:
1. Remuneração de Agosto a Dezembro de 2000 e subsídio de Natal no montante de
686.100$00 (114.350$00X6) - € 3.422,25;
2. Remunerações de Janeiro a Dezembro e subsídios de férias e de natal, e no que
respeita aos anos de 2001,2002, 2003, no montante de 4.802.700$00
(114.350$00X42) - € 23.955,77;
3. Remunerações de Janeiro a 11 de Outubro de 2004 e subsídio de férias no
montante de 1.185.428$00 (114.350$00X10 + 114.350$00:30X 11) - € 5.912,89.
Total: € 33.290,91. Improcede o pedido de indemnização formulado pela Autora ao
abrigo do art.13 nº 3 da LCCT já que a mesma não deu cumprimento á parte final
da al. b) do nº 1 da citada disposição legal, bem como improcede o pedido de
pagamento dos créditos que reclamou ao abrigo do art.10 do D.L.874/76 de 28.12,
na medida em que a Autora é reintegrada, não tendo, assim, cessado a relação
laboral. Relativamente às férias vencidas e não gozadas a sentença recorrida
conheceu de tal questão a qual não foi objecto de recurso por parte da Autora.
***
IV
Recurso subordinado
Questão prévia – sua admissibilidade.
O Réu B. veio recorrer subordinadamente pedindo que seja declarado parte
ilegítima quanto aos direitos da Autora vencidos após a transmissão do
estabelecimento operada em 1.8.00, assim se mantendo a sua absolvição quanto aos
pedidos relativos a créditos posteriores àquela data.
O pedido formulado pelo Réu – e que é objecto do recurso subordinado – não é
admissível na medida em que relativamente ao mesmo Réu – B. – obteve vencimento.
Na verdade, a sentença recorrida sufragou e atendeu à posição ora colocada pelo
B. no presente recurso. E sendo pressuposto do recurso subordinado que a parte
tenha ficado vencida – art. 682º, n.º1, do CPC – decide-se não conhecer do
recurso subordinado interposto pelo Réu.»
4. Inconformada com este aresto veio a ré B., SA., com fundamento na alínea b)
do n.º 1 do artigo 70.º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, interpor recurso
para o Tribunal Constitucional, nos seguintes termos:
«O recurso tem cabimento, desde logo, porque desse douto Acórdão já o requerente
não pode interpor qualquer recurso ordinário por já haverem sido esgotados todos
os que no caso cabiam.
Depois, porque perante o TRIBUNAL CONSTITUCIONAL a requerente pretende sustentar
que é inconstitucional e ilegal a interpretação do art. 37.º da lei Individual
do Contrato de Trabalho, que considera que sendo fornecidas refeições por certa
empresa em refeitório, devidamente equipado, pertencente a outra empresa que
contratou esse fornecimento, não se aplica o art. 37.º da LICT, por isso ser
insuficiente para se concluir pela existência de um estabelecimento comercial.
O que seria indispensável e é condição de aplicabilidade do citado art. 37.º.
A ser inconstitucional tal interpretação, como pensa a requerente que é, a sua
aplicabilidade sobrepõe-se e inutiliza as consequências jurídicas que pudessem
derivar do Acordo de Cessão de Posição Contratual celebrado entre a C., o Réu e
a Autora e considerado determinante pelo douto Acórdão para se decidir como se
decidiu.
O que, neste particular, corresponde à questão de saber se a constitucionalidade
se encontra ou não na decisão da primeira instância (agora revogada) e na
posição defendida pelo Senhor Procurador da República no seu douto parecer,
segundo o qual o disposto no art. 37º da LCT., impunha-se “a todos os
trabalhadores independentemente da sua vontade”.
A existência ou inexistência de estabelecimento in casu foi analisada pelo
requerente, designadamente na alínea d) das contra-alegações apresentadas em
2002/12/16, para responder a alegações da empresa C., S.A..
E, nas alegações do recurso subordinado, que foi sucessivamente considerado
admissível e legal até à decisão final, o requerente, prevenindo a hipótese de
ir de “vitória em vitória” até á inapelável “derrota final” alegou que a
condenação da Ré, a ora requerente, assim imposta constituiria só por si uma
violação do art. 53.º e 8.º da Constituição da República Portuguesa.
Porquanto, constituiria uma decisão surpresa que estaria em contravenção coma
prática e violaria normas convencionais que os sindicatos e empregadores
quiseram consagrar para os casos como o que constitui o objecto destes autos e
violaria ainda as normas do Direito Comunitário referidas nas doutas sentenças
da primeira instância e as normas constitucionais acima citadas».
E, no ponto 2, das alegações apresentadas no recurso subordinado, mais
precisamente refere que “A interpretação do art. 37.º da LCT que não considera
abrangido no referido normativo as situações em que uma empresa que confiava
determinado serviço a outra, põe termo ao contrato, passando ela própria a
assegurar tais serviços, ou entrega os mesmos a uma terceira estranha ou do
mesmo grupo e desde que a operação seja acompanhada da transferência de uma
entidade económica entre as duas empresas viola o art. 53.º e 8.º da C.R.P.”»
5. O recurso foi admitido no tribunal a quo por despacho de fls. 431, mas tal
decisão não vincula o Tribunal Constitucional (cfr. n.º 3 do artigo 76.º da Lei
n.º 28/82, de 15 de Novembro), entendendo-se, no caso, não poder conhecer-se do
objecto do recurso, por falta dos respectivos pressupostos de admissibilidade,
sendo de proferir decisão sumária ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo
78.º-A da citada Lei n.º 28/82.
Com efeito, a admissibilidade do recurso de fiscalização concreta de
constitucionalidade, interposto ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1,
alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, como é o caso, implica, para que
possa ser admitido e conhecer-se do seu objecto, a congregação de vários
pressupostos, entre os quais a aplicação pelo Tribunal recorrido, como sua ratio
decidendi, de norma cuja constitucionalidade haja sido suscitada durante o
processo, considerada esta norma na sua totalidade, em determinado segmento ou
segundo certa interpretação, mediatizada pela decisão recorrida.
Assim, tem o recorrente o ónus de referenciar normativamente, de forma clara e
perceptível, a questão de constitucionalidade, em termos de o Tribunal recorrido
saber que tem essa questão para resolver, pondo, desse modo, em causa, por
alegada violação de preceito ou de princípio constitucional, o critério jurídico
utilizado na decisão ao aplicar a norma jurídica questionada.
6. Dispõe o n.º 2 do artigo 72.º da LTC que o recurso previsto na alínea b) do
n.º 1 do artigo 70.º só pode ser interposto pela parte que haja suscitado a
questão da inconstitucionalidade ou ilegalidade “de modo processualmente
adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este
estar obrigado a dela conhecer”.
No caso, verifica-se que a ora recorrente apenas suscitou a questão de
constitucionalidade da interpretação do artigo 37.º da LCT, que quer submeter a
apreciação do Tribunal Constitucional, nas alegações do recurso subordinado que
interpôs da sentença de 1ª instância. É, aliás, essa a peça processual que a
recorrente refere no requerimento de interposição, quando trata de dar
cumprimento ao disposto no n.º 2 do artigo 75.º-A da LTC, como lugar onde
suscitou a questão de constitucionalidade.
Sucede, porém, que o Tribunal da Relação não conheceu do recurso subordinado,
por julgar tal recurso inadmissível. Esta decisão de não conhecimento tornou-se
definitiva, não estando em causa no presente recurso a norma que a isso
conduziu. Assim sendo, é inevitável concluir que a recorrente não colocou a
questão de constitucionalidade de modo processualmente adequado perante o
tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a
dela conhecer. Seria contraditório afirmar que um recurso subordinado de que o
tribunal da causa não conhece por ser inadmissível é meio adequado para colocar
uma questão de constitucionalidade em termos de esse “tribunal estar obrigado a
dela conhecer”. Salvo, obviamente, se a questão respeitar a essa mesma
admissibilidade, o que não é o caso.
E não estamos perante uma daquelas situações excepcionais ou anómala em que a
jurisprudência do Tribunal, num entendimento funcionalmente adequado do referido
ónus, vem admitindo não ser exigível a colocação da questão antes de ser
proferida a decisão recorrida. Pelo contrário, no desenrolar normal da lide, a
recorrente dispôs da oportunidade para confrontar o tribunal a quo com esta
questão de inconstitucionalidade, que foram as contra-alegações do recurso
principal.
Com efeito, a sentença considerara que tinha havido transmissão de
estabelecimento e que isso impunha a transmissão da posição no contrato de
trabalho para o cessionário, nos termos do artigo 37.º da LCT. A autora, no
recurso para a Relação, sustentou que a matéria de facto não permitia configurar
qualquer transmissão de estabelecimento entre a ré B. e a C. S.A., mas apenas
uma cessão de exploração que cessara, continuando a autora a fazer parte do
quadro de pessoal da B. onde ingressara por força do acordo anteriormente
celebrado entre esta empresa e aquela outra. Estava, assim, claramente colocada
a questão da qualificação dos factos como transmissão de estabelecimento para
efeitos do artigo 37.º da LCT. Era essa a questão colocada em primeira linha –
depois, perante a resposta positiva, teria ainda de saber-se qual o grau e
sentido da imperatividade desse regime - pelo que, se a ora recorrente
pretendia objectar com a inconstitucionalidade desse entendimento oposto ao da
sentença e que a autora queria ver aceite pela Relação, o modo processualmente
idóneo seria contra-alegar e levantar aí a questão da inconstitucionalidade.
Optou, porém, por não produzir tais alegações, deslocando a questão para um
recurso subordinado inadmissível, pelo que não pode considerar-se cumprido o
ónus de suscitar a questão perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida.
Tanto basta para que não possa conhecer-se do objecto do recurso.
7. E, face do exposto, decide-se, nos termos do n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei
n.º 28/82, de 15 de Novembro, não tomar conhecimento do objecto do recurso.
Custas a cargo da recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7 unidades de
conta. “
2. A recorrente reclamou para a conferência ao abrigo do n.º 3 do artigo 78.º-A
da LTC, argumentando em síntese:
- Com a importância económica e social em obter uma resposta segura dos
tribunais à questão de direito laboral com que se articula a questão de
constitucionalidade e o relevo jurídico-constitucional desta;
- Que, apesar da possível inadequação formal da via escolhida, o certo é que
nada na lei processual obriga a apresentar contra-alegações e que a questão de
constitucionalidade foi claramente colocada pela ora reclamante no recurso
subordinado, em clara oposição ao expresso nas alegações da contraparte, em
termos de o Tribunal da Relação não poder ignorar que estava em crise a
constitucionalidade do entendimento que acabou por fazer vencimento.
3. A parte contrária não respondeu à reclamação.
4. As, aliás judiciosas, considerações da reclamante não abalam os fundamentos
da decisão reclamada, nomeadamente as vertidas no seu n.º 6 acima transcrito,
que se confirmam.
Acrescentar-se-á, apenas, que o facto de o recorrido não ter, em geral, o ónus
de apresentar contra-alegações é irrelevante para o problema. O recorrido está
sujeito à regra do n.º 2 do artigo 72.º da LTC e ao ónus que decorre deste
preceito, em conjugação com a alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da mesma Lei e a
alínea b) do n.º 1 do artigo 280.º da Constituição, e que não depende da posição
que o interessado ocupe na instância,nem da fase do processo. Quem obteve ganho
de causa por decisão sujeita a recurso, se entende que a pretensão da parte
contrária assenta em norma (ou sentido normativo) inconstitucional, tem de
precaver-se, suscitando essa inconstitucionalidade de modo processualmente
adequado perante o tribunal que vai julgar o recurso, para poder aceder ao
Tribunal Constitucional (ao abrigo deste fundamento de recurso de fiscalização
concreta e constitucionalidade) perante eventual decisão que o venha a
desfavorecer. O que não pode dar-se por cumprido através do que tenha sido
alegado no recurso subordinado, a pretexto de que, de um modo ou de outro, o
tribunal da causa sempre foi alertado para a existência da questão de
constitucionalidade. As alterações introduzidas na LTC pela Lei n.º 13-A/98, de
26 de Fevereiro, tornaram expressa a exigência de que a questão seja suscitada
de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão
recorrida, em termos de este estar obrigado a dele conhecer. A rejeição desse
recurso, cujo acerto não está agora em discussão, implica um juízo definitivo de
inadequação desse meio, no caso concreto, para vincular o tribunal da causa a
apreciar as questões nele versadas.
5. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação e condenar a recorrente nas
custas, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 22 de Setembro de 2006
Vítor Gomes
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Artur Maurício