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Processo n.º 1282/13
2.ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
A. KG requereu na Comarca do Baixo Vouga – Juízo de Grande Instância Cível de Aveiro, a declaração de executoriedade de uma sentença proferida pelo Tribunal de Colónia, na Alemanha, que havia condenado B., S.A., atualmente designada C., S.A., a pagar à Requerente a quantia de €. 32.190,00, acrescida de juros de mora.
Por decisão proferida em 7 de dezembro de 2011 foi conferida executoriedade à sentença do tribunal alemão.
Desta decisão foi interposto recurso pela Requerida para o Tribunal da Relação de Coimbra que, por acórdão proferido em 23 de outubro de 2012, julgou improcedente o recurso.
Desta decisão foi interposto recurso pela Requerida para o Supremo Tribunal de Justiça que, por acórdão proferido em 20 de junho de 2013, negou a revista.
A Requerida pediu a aclaração desta decisão, o que foi indeferido por novo acórdão proferido em 10 de outubro de 2013.
A Requerida interpôs então recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, nos seguintes termos:
“C., S. A. Recorrente no Processo à margem referenciado em que é Recorrida A.. KG, notificada do douto Acórdão de 10 de outubro de 2013 que indeferiu o pedido de esclarecimento do douto Acórdão de 20 de julho de 2013 bem como da inconstitucionalidade invocada pela Recorrente nas suas Alegações para o douto Tribunal da Relação de Coimbra e posteriormente no requerimento de interposição de Recurso e nas Alegações de Revista no Venerando Supremo Tribunal de Justiça, não se conformando com essas decisões, delas pretende interpor Recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo do disposto no Artigo 280.º n.º 1 alínea b) da C.R.P. e nos Artigos 69.º e seguintes da L.C.T.
Este Recurso é interposto nos termos da alínea b) do n.º 1 do Artigo 70.º da L.C.T., e destina-se a apreciar a inconstitucionalidade da interpretação dada pela 1ª Instância, pelo douto Tribunal da Relação de Coimbra e pelo Venerando Supremo Tribunal de Justiça aos Artigos 34.º e 41 .º do Regulamento (CE) N.º 44/2001 do Conselho de 22 de dezembro de 2000 e ao disposto nos Artigos 3.º e 3.º - A do C. P. C. e Artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, e a apreciação da existência de violação do princípio da igualdade, do contraditório e do acesso ao direito.
A sentença de 17 de junho de 2008 pelo Tribunal de 1.ª Instância de Colónia, cuja declaração de executoriedade foi requerida neste processo, foi proferida apenas com a posição da Autora no processo, sem ser dada a possibilidade à Ré de produzir qualquer prova, nomeadamente a prova testemunhal indicada pela Ré na sua Contestação.
Essa decisão judicial viola claramente a Ordem Pública Portuguesa, por contrariar direitos fundamentais tutelados pelo sistema jurídico português nomeadamente o princípio do contraditório (Art.º 3.º do C.P.C.), o princípio da igualdade das partes (Art.º 3.º-A do CPC), e o princípio de acesso ao direito – Art.º 20 da Constituição da República Portuguesa.
Essas disposições fazem parte da Ordem Pública Portuguesa e como tal nunca permitiriam a declaração de executoriedade nos termos do Art.º 41.º do Regulamento 44/2001 de 22 de dezembro.
O douto Tribunal da Relação de Coimbra e o Venerando Supremo Tribunal de Justiça entenderam que a sentença de 17 de junho de 2008 do Tribunal de Colónia não é contrária à ordem pública do Estado Português porque terão sido ouvidas testemunhas da Ré pelo Tribunal de Segunda Instância de Colónia no âmbito de um Recurso que a Ré interpôs.
Quer o douto Tribunal da Relação de Coimbra quer o Venerando Supremo Tribunal de Justiça não se pronunciaram concretamente sobre a violação dos princípios atrás referidos, limitando-se a dizer que eram as Justiças Alemãs que tinham de verificar essa conformidade com a ordem pública local.
Ora, não parece à Requerente que tal possa ser assim, tanto mais que só foi requerida a declaração de executoriedade em Portugal da sentença da 1 a instância do Tribunal de Colónia.
Esta interpretação do douto Tribunal da Relação de Coimbra sufragada pelo Venerando Supremo Tribunal de Justiça dos Artigos 34.º e 41.º do Regulamento (CE) n.º 44/2001 de 22 de dezembro de 2000 viola claramente o principio da igualdade previsto no Artigo 13.º n.º 1 e n.º 2, da C. R. P., o principio do acesso ao direito e contraditório previstos nos Artigos 3.º e 3.º - A do C. P.C. e Artigo 20.º n.º 1 e 4 da C. R. P.
Na verdade, a sentença do Tribunal de Segunda Instância de Colónia de 29 de outubro de 2009 é uma sentença de Recurso para a 2.ª Instância, que não foi declarada executória em Portugal, nem foi feita prova de que a mesma fosse exequível na Alemanha.
A existência dessa sentença de 29 de outubro de 2009 do Tribunal de Segunda Instância de Colónia e a audição das testemunhas da Ré no âmbito desse Recurso, não sana ou invalida a questão da contrariedade da sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância de Colónia em 17 de junho de 2008 com a Ordem Pública Portuguesa, sentença essa que foi proferida sem ser dada a possibilidade à Ré de produzir qualquer prova.
A questão da inconstitucionalidade por violação destas disposições legais foi suscitada no Processo pela aqui Requerente nas Alegações no Recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, no Requerimento de interposição de Recurso para o Supremo Tribunal de Justiça e nas respetivas Alegações que instruíram esse Recurso, cujo conteúdo aqui se reproduz…”
Foi proferida decisão sumária de não conhecimento com a seguinte fundamentação:
“No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge-se ao controlo da inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade constitucional imputada a normas jurídicas ou a interpretações normativas, e já não das questões de inconstitucionalidade imputadas diretamente a decisões judiciais, em si mesmas consideradas. A distinção entre os casos em que a inconstitucionalidade é imputada a interpretação normativa daqueles em que é imputada diretamente a decisão judicial radica em que na primeira hipótese é discernível na decisão recorrida a adoção de um critério normativo, ao qual depois se subsume o caso concreto em apreço, com carácter de generalidade, e, por isso, suscetível de aplicação a outras situações, enquanto na segunda hipótese está em causa a aplicação dos critérios normativos tidos por relevantes às particularidades do caso concreto.
Da leitura do requerimento de interposição de recurso verifica-se que a Recorrente pretende que o Tribunal Constitucional censure o juízo efetuado pelo Supremo Tribunal de Justiça de que não se revela que a sentença a executar seja contrária à ordem pública do Estado Português.
A Recorrente não questiona a constitucionalidade de qualquer critério geral e abstrato aplicado pelo Tribunal recorrido, mas sim a constitucionalidade da própria decisão tomada no caso concreto.
Tendo o recurso de constitucionalidade no nosso sistema um cunho normativo não é possível conhecer da invocada inconstitucionalidade, pelo que deve ser proferida decisão sumária de não conhecimento do recurso, nos termos do artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC.”
A Recorrente reclamou desta decisão, expondo as seguintes razões:
Contrariamente ao que diz o Mmo. Juiz Relator, não pretende a Reclamante que esse Venerando Tribunal Constitucional “... censure o juízo efetuado pelo Supremo Tribunal de Justiça de que não se revela que a sentença a executar seja contrária à ordem pública do Estado Português”.
O Recurso foi interposto nos termos da alínea b) do Artigo 70.º da L.C.T. A lei faz depender a admissibilidade do recurso para o Tribunal Constitucional previsto na alínea b) do Artigo 70.º de três requisitos cumulativos:
1) - que da decisão recorrida não seja possível interpor recurso ordinário;
2) - que a decisão recorrida tenha aplicado normas cuja inconstitucionalidade tenha sido suscitada durante o processo;
3) - e que tenha sido o recorrente a suscitar a questão de inconstitucionalidade;
Afigura-se a Reclamante que no caso concreto se encontram verificados estes três requisitos.
O que se pretende, como a Reclamante indicou, é saber se a interpretação seguida pelas Instâncias anteriores das normas dos Artigos 34.º e 41.º do Regulamento (CE) n.º 44/2001 de 22 de dezembro de 2000 implicam ou não a violação do princípio da igualdade previsto no Artigo 13.º n.º 1 e n.º 2 da C.R.P., do princípio do acesso ao direito e contraditório previstos nos Artigos 3.º e 3.º-A do C.P.C. e Artigo 20.º n.º 1 e 4 da C.R.P.
No entender da Reclamante o Tribunal alemão que proferiu a sentença da 1ª Instância proferiu uma decisão judicial sem que a Reclamante pudesse ter exercido o direito do contraditório, nomeadamente o direito de apresentar prova testemunhal.
Pensa por isso a Reclamante que a interpretação dada às normas dos Artigos 34.º e 41.º do Regulamento (CE) n.º 44/2001 de 22 de dezembro de 2000 pelas Instâncias anteriores é claramente inconstitucional.
Essa interpretação das referidas normas violou o princípio da igualdade previsto no Artigo 13.º n.º 1 e n.º 2 da C.R.P., o princípio do acesso ao direito e contraditório previstos nos Artigos 2.º, 3.º e 3.º-A do C.P.C. e Artigo 20.º n.º 1 e 4 da C.R.P.
Não se pretende pois a fiscalização da decisão recorrida
Em conclusão:
Estando verificados, no entender da Reclamante todos os pressupostos processuais de admissibilidade deste Recurso, devera o mesmo ser admitido e apreciado por esse douto Tribunal, o que aqui se requer.
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Fundamentação
A decisão reclamada não conheceu do recurso porque entendeu que a Recorrente apenas pretendia que o Tribunal Constitucional censurasse o juízo efetuado pelo Supremo Tribunal de Justiça de que não se revelava que a sentença a executar fosse contrária à ordem pública do Estado Português, não questionando a Recorrente qualquer critério geral e abstrato aplicado pelo Tribunal recorrido, mas sim a constitucionalidade da própria decisão tomada no caso concreto.
A Recorrente na reclamação apresentada vem dizer que não é essa a sua pretensão, mas sim que o Tribunal Constitucional averigue se a interpretação seguida pelas instâncias das normas dos artigos 34.º e 41.º do Regulamento (CE) n.º 44/2001 de 22 de dezembro de 2000 implicam ou não a violação do princípio da igualdade previsto no artigo 13.º, n.º 1 e n.º 2, da Constituição, do princípio do acesso ao direito e do contraditório previstos nos artigos 3.º e 3.º-A do Código de Processo Civil e do artigo 20.º n.º 1 e 4 da Constituição.
Ora, não só não consta do requerimento de interposição de recurso a indicação de qualquer interpretação normativa imputada à decisão recorrida, cuja constitucionalidade o Recorrente pretendesse ver fiscalizada, como, apesar de na reclamação apresentada se afirmar que se pretende o controle de constitucionalidade da interpretação dos artigos 34.º e 41.º do Regulamento (CE) n.º 44/2001 de 22 de dezembro de 2000 seguida pelas instâncias, continua sem se explicitar o conteúdo dessa interpretação.
Não tendo o objeto do recurso interposto um conteúdo normativo não pode o Tribunal Constitucional apreciá-lo, pelo que deve ser indeferida a reclamação apresentada.
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Decisão
Pelo exposto, indefere-se a reclamação apresentada por C., S.A.
Custas do recurso pela Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (artigo 7.º, do mesmo diploma).
Lisboa, 12 de fevereiro de 2014. – João Cura Mariano – Ana Guerra Martins – Joaquim de Sousa Ribeiro.