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Processo n.º 30/11
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Fernando Ventura
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, em que é A. o Estado Português e R. o Banco A., SA, veio este interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa que o condenou a pagar a quantia de 1.121.000.000$00 (mil, cento e vinte e um milhões de escudos), acrescida de juros de mora.
1.1. No STJ, foi proferido em 8 de março de 2010 despacho a convidar o recorrente a apresentar novas conclusões, determinando que “[n]os termos do n.º 4 do citado art. 690.º, importa que o recorrente as sintetize, e de forma significativa, sob pena de não se conhecer do recurso”.
1.2. Na sequência desse despacho, veio o recorrente em 29 de março de 2010 apresentar novas conclusões, que antecedeu de “questão prévia”, onde aponta a complexidade das questões tratadas e o receio de “pecar por omissão” como justificação para o “eventual excesso em que se tenha incorrido”.
1.3. Notificado, o Ministério Público pugnou pela não conhecimento do recurso, por considerar não efetuada a síntese ordenada e, assim, incumprido o despacho proferido. Ouvido o recorrente, sustentou que essa resposta era impertinente, além de que extravasava e treslia o despacho proferido.
1.4. Seguiu-se a prolação de despacho, datado de 21 de junho de 2010, concluindo pelo não conhecimento do recurso para o STJ. Para o presente recurso, importa ter especialmente em atenção o seguinte segmento, cujo teor se transcreve (a partir de texto manuscrito, de leitura assaz difícil):
« (...) cumpre apreciar e decidir “questão prévia” (art.º 700.º, n.º 1, e)), esta, nestes termos, se podendo, resumidamente assim equacionar:
Impõe-se, ou não, face ao teor das conclusões apresentadas a 29-03-2010, sopesando o vertido no art.º 690.º, n.º 1 e 4, decretar o não conhecimento do objeto do recurso?
Atentemos:
II. a) As conclusões apresentadas a 29-03-2010, “espalhadas” por 21 páginas (31%, por arredondamento, do corpo alegatório), não são, realmente, 99, antes 101, já que, é tal indúbio, estão repetidas as 39ª e 51ª.
b) Aconteceu compactação das conclusões oferecidas a 29-03-2010, já que 56 das apresentadas “ab initio”, com a alegação, foram agrupadas em 24 das “novas”.
c) Mais de 75 conclusões “novas” são reprodução, ou quase, das primitivas.
d) Em número superior a 55 são as conclusões apresentadas a 29-03-2008 que reproduzem conclusões das primeiras juntas aos autos;
e) A diminuição, em termos numéricos, diga-se, das conclusões da alegação da recorrente apresentadas a 29-03-2010, foi conseguida através da não reprodução das conclusões dos preditos pareceres.
Isto, em considerável percentagem.
III. Destarte, à guisa de síntese, o seguinte se pode afirmar:
a) O “emagrecimento” das conclusões apresentadas, a 29-03-2010, pelo “Banco A., SA”, é bem inferior ao que aparenta, não obliterando o (...) em II a) e b).
b) Continua, em nosso critério, a ser realidade flagrante desrespeito do art.º 690.º, n.º 1, pelo vazado no despacho de 08-03-2010, a ausência de rebeldia à relatada determinação (cfr. I. 1.), com a virtualidade de afastar a recusa de conhecimento do objeto do recurso, (...) no art.º 690.º, n.º 4 (cfr. acórdãos deste tribunal de 10.07.96, BMJ 459 – 462, 06-05-03 (Proc. n.º 03A720) a 29-04-08 (Proc. n.º 07A4712), disponíveis in www.dgsi.pt), não podendo, com acerto, assentar na mera diminuição do número de conclusões, “maxime”, se também conseguido com recurso ao enunciado em II. e) (cfr. acórdão do STJ, de 29-02-2000, proferido nos autos de agravo registados sob o n.º 99/00, in “sumários”, 38:-53), mantendo-se:
c) O, outrossim, sublinhado no despacho a que se alude em I.1., em ordem a fundamentar o dito convite, sob cominação, ao recorrente, isto é, a “complexidade” de muitas das conclusões e a “originalidade” de nelas se incluírem as conclusões dos vários pareceres juntos com a alegação da recorrente.
Mais:
d) Como destacado no despacho de 08-03-2010, por evidenciar o desrespeito pelo consignado no art.º 690.º, n.º 1, tal, pelo já dissecado, valendo, face às conclusões apresentadas a 29-03-2010:
“E o espanto é ainda maior se ignorarmos as diferenças abissais que o n.º e extensão das que a extensão das que – aparentemente para resolver questões que não divergem muito das que agora vêm suscitadas – foram arroladas no recurso de apelação interposto pela recorrente para a Relação.” (cfr. fls. 1544). Elas foram 38!..
IV. Em conclusão
Se não dissentimos da jurisprudência firme deste Tribunal no sentido de que o disposto no art.º 690.º, n.º 4, “conducente ao não conhecimento do recurso, deve ser usado com parcimónia e moderação” (vide citado aresto de 29-04-08), entendemos, pelo já dilucidado, que, na hipótese “sub judice”, continua a verificar-se o vício de complexidade e o incumprimento do dever de concisão imposto pelo art.º 690.º, n.º 1, que, em suma, após 29-03-2010 (cfr. I.2), continua ultrapassado o limite que impõe a cominação do não conhecimento do recurso por, reafirma-se, anormal e injustificada prolixidade na explanação das conclusões, as quais, isso sim, devem ser proposições sintéticas que emanam do corpo alegatório.
Tudo visto, sem necessidade de considerandos outros, não havendo lugar à prolação de segundo “despacho de aperfeiçoamento”, fazendo aplicação do art.º 690.º, n.º 4, não se conhece do recurso de revista instalado pelo “Banco A., SA”».
1.5. O recorrente Banco A., SA apresentou reclamação para a conferência dessa decisão singular, no âmbito da qual pugnou pelo conhecimento do recurso com base nas conclusões que apresentou em 29 de março de 2010, ou que, “a manter-se o entendimento de que estas não respondem ao determinado pelo despacho de 08.03.2010, lhe seja indicado o critério objetivo à luz do qual aquele conceito deve ser entendido, a fim de o mesmo poder conformar as suas conclusões a esse critério e assim dar, como pretende e sempre pretendeu, cumprimento ao que lhe foi determinado”. A título subsidiário, sustentou que “mesmo que admitindo que as Novas Conclusões não responderam ao convite formulado”, um conjunto de 19 conclusões, que identifica, eram perfeitamente inteligíveis e apresentavam uma extensão que não mereceria censura, peticionando o conhecimento do recurso na base dessas conclusões.
1.6. Ouvido, o recorrido Ministério Público pronunciou-se pela confirmação do despacho reclamado, após o que foi proferido acórdão, julgando improcedente a reclamação.
Os fundamentos exarados nessa decisão são, no essencial, os seguintes:
«II. 1. No despacho reclamado, em ordem a fundar o valimento do decretado não conhecimento da revista, deixou o relator, “inter alia”, expresso que, em seu critério, continua “a ser realidade flagrante desrespeito do art.º 690.º n.º 1, pelo vazado no despacho de 08-03-2010, a ausência de rebelião à determinação ditada em tal despacho, “com a virtualidade de afastar a recusa do conhecimento do objeto do recurso, [repousante] no art.º 690.º n.º 4”, “não podendo, com acerto, assentar na mera diminuição do número de conclusões, “maxime”, se também conseguida no recurso ao enunciado em II e) “do despacho de 21-06-2010, mais presente se devendo ter que o “emagrecimento” das novas conclusões é bem inferior ao que apresenta, não obliterado o dissecado em II a) e b) de tal decisão e presente, outrossim, tendo o levado às als. c) e d) do n.º II do aludido despacho.
E mais deixou consignado que não dissentindo da “jurisprudência firme deste Tribunal, no sentido de que o disposto no art.º 690.º n.º 4, conducente ao não conhecimento do recurso, deve ser usado com parcimónia e moderação (..), “continua a verificar-se o vício de complexidade e o incumprimento do dever de concisão imposto pelo art.º 690.º n.º 1, que, em suma, após 29-03-2010, a data da apresentação das novas conclusões, “continua ultrapassado o limite que impõe a cominação de não conhecimento do recurso por (..) anormal e injustificada prolixidade na explanação das conclusões, as quais, isso sim, devem ser preposições sintéticas que emanam do corpo alegatório.”
Acompanhando a tese sufragada pelo relator, a fundamentação expendida, em ordem à evidenciação da justeza da encontrada solução de direito contra a qual se insurge o “Banco A., SA”, não se acolhendo, decorrentemente, o, a título principal, peticionado pelo reclamante, isto é, o conhecimento do recurso com base nas novas conclusões.
À correção da tese que se partilha não faz obstáculo o exposto, a título de “questão prévia”, nas novas conclusões apresentadas e na “parte preliminar 1.3. da reclamação”, com pertinência salientando o M.ºP.º, na sua pronúncia já relatada (cfr. I g), que “.. concedida a alegada existência de «um número muito elevado de questões juridicamente complexas e algumas delas chamando normas constitucionais e de direito internacional» (cita o reclamante, exemplificativamente, quatro), podendo naturalmente, os argumentos, razões, deduções, raciocínio a ele respeitantes ser longamente desenvolvidos ao longo da alegação, devem, em sede conclusiva, manifestar-se como “preposições sintéticas” – “as conclusões têm necessária e legalmente de ser curtas, claras e objetivas, para que não deixem dúvidas quanto às questões que o tribunal ad quem deve e pode condenar”, como se deixara já consignado no despacho de 8 de março (fls. 1544/5).”
Prosseguindo:
2. O reclamante pedia que, a manter-se o entendimento de que as novas conclusões não respondem ao determinado pelo despacho de 08.03.2010, lhe fosse “indicado o critério objetivo” referido em 1.1.9 da reclamação, a fim de poder confirmar as suas conclusões a esse critério e assim dar cumprimento ao que lhe foi determinado.
Sustenta a reclamante que se, “porventura, se considere que as Novas Conclusões, pela sua extensão continuem a não responder ao determinado pelo despacho de 08.03.2010, tal só pode resultar de nele não ter sido fixado um critério objetivo” pelo qual “se pudesse orientar na formulação das suas conclusões”.
Não assiste razão ao reclamante, o que brota claro da leitura do despacho de 08-03-2010, lavrado em cumprimento do exarado no art.º 690.º, n.º 4, sem que o “Banco A., SA” tivesse arguido a nulidade de tal decisão, peticionado a sua aclaração ou dela reclamado para a conferência.
Não há lugar, uma vez oferecidas as novas conclusões, a um segundo convite para aperfeiçoamento daquelas – cfr. acórdão n.º 488/2003 do TC, de 22-10-2003 (Proc.º n.º 232/01) e acórdão n.º 40/00 do TC, publicado no DR, II Série, de 20 de outubro de 2010 e acórdão n.º 463/05 do TC, de 21-09-2005 (Proc n.º 632/03).
Indefere-se, destarte, ao requerido pelo Banco A., SA, sob dissecação, neste número.
Ainda:
3. Peticiona o reclamante, subsidiariamente, o conhecimento parcial do recurso, com referencia a 19 conclusões que destaca – cfr. 2.6. da reclamação.
Não colhe tal pretensão.
Quer o despacho de 08-03-2010, quer o reclamado, assentaram numa avaliação sobre a extensão das conclusões que eram afetadas, acontecendo, como destacado pelo M.ºP.º - cfr. I. G) -;
“Tais conclusões, agora destacadamente oferecidas, as demais ao tempo abandonadas, não coabitam autonomamente destas – para elas remetem ou com elas se articulam.
Como, então, discursivamente, sem lacunas compreender a proposta objeto de recurso?
O despacho de 8 de março, ademais, refere-se ao conjunto das conclusões como um todo, expressamente assinalando como cominação «não se conhecer do recurso» (fls. 1545).”
E no despacho de 21-06-2010, acrescentamos, é a esse conjunto de conclusões, como um todo, que se alude ao afirmar-se “que continua a verificar-se o vício da complexidade e o incumprimento do dever de concisão imposto pelo art.º 690.º n.º 1”.
Por fim:
4. Da arguição de inconstitucionalidade dos n.ºs 1, 2 e 4 do art.º 690.º do CPC, na interpretação dos mesmos feita no despacho reclamado:
Na supracitada decisão, diz-se liminarmente, não se considerar dever ter-se em consideração, tão só, a extensão das conclusões para o efeito da aplicação do art.º 690.º n.º 4 do CPC, nem este normativo se mostra interpretado nos termos referidos na reclamação, sob o n.º 3.29. (ii), uma vez mais, com razão, destacando o M.ºP.º que:
“.. A exigência de determinados atributos, respeitantes às conclusões da alegação de recurso, contidos na segunda parte dos n.ºs 1 e 4 do art. 690.º do CPC e a consequente emissão dos despachos, de 8 de março e de 21 de junho, nos termos das citadas disposições processuais não constitui odiosa restringenda, nem «afetam substancialmente a defesa contra atos jurisdicionais, apenas impondo uma colaboração do recorrente na melhor formulação do problema jurídico, assegurando, em última instancia, a defesa de direitos e a objetividade da sua realização» (ac. do TC n.º 715/96, de 26 de maio).
«Normas “como a do artigo 690.º do Código de Processo Civil”, não afetam, só por si, e substancialmente, o princípio da plenitude das garantias de defesa consagradas no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, não sendo, por isso, inconstitucionais.
Tais normas apenas impõem uma colaboração do recorrente na melhor formulação do problema jurídico, assegurando, em última instancia a defesa de direitos e a objetividade da sua realização.
Desempenham assim essas normas uma função importante não apenas na perspetiva, mais geral, da realização da justiça, mas inclusive na perspetiva da própria garantia da defesa dos direitos do recorrente. E é essa função que as conclusões são aptas a realizar – tidas como um valor, quer na perspetiva da realização da justiça quer na perspetiva das garantias de defesa do arguido – que, em última análise, legitima do ponto de vista constitucional a existência de normas processuais que as exijam sob a cominação de não se poder conhecer do objeto do recurso. E é evidente que o cumprimento desse ónus não implica excessiva dificuldade para a recorrente, dotada do patrocínio especializado e beneficiando de boas oportunidades para o fazer devidamente, tendo sido alertada uma vez para a questão da extensão das conclusões” (ac. do TC n.º 463/05, de 21 de setembro, citando jurisprudência anterior”.
Não se descortina, tudo visto, a arguida inconstitucionalidade por ofensa do art.º 20.º da CRP, “conjugado com o princípio da proporcionalidade, exarado nos n.ºs 2 e 3 do artigo 18 da Constituição.»
2. Veio, então, o Banco A., SA, interpor recurso para o Tribunal Constitucional desse acórdão, através de requerimento no qual invoca a alínea b) do n.º1 do artigo 70.º da LTC, tendo em vista a apreciação de dois sentidos normativos, cuja aplicação atribui ao acórdão recorrido e à decisão singular que manteve, os quais concretizou nestes termos:
«(i) De acordo com o n.º 4 do artigo 690.º do CPC, conjugado com os n.ºs 1 e 2 do mesmo artigo, é permitido ao tribunal ad quem decidir não conhecer de determinado recurso com fundamento, única e tão-somente, na excessiva complexidade ou extensão das novas conclusões apresentadas pelo recorrente, independentemente da complexidade do próprio litígio e da relevância dos interesses em jogo e, bem assim, da suficiência e inteligibilidade das mesmas conclusões;
(ii) O n.º 4 do artigo 690.º do CPC, na parte em que prescreve a necessidade de restrição da cominação de não conhecimento do recurso à “parte afetada” pelas deficiências detetadas na formulação das novas conclusões, não é aplicável aos casos em que tais deficiências se traduzem na excessiva complexidade ou extensão dessa conclusões.»
Como normas e princípios constitucionais violados, aponta o direito de acesso à justiça e aos tribunais, consagrado no artigo 20.º, n.ºs 1 e 4 da Constituição e o princípio da proporcionalidade, exarado nos n.ºs 2 e 3 do artigo 18.º da Constituição.
2.1. O recurso foi admitido.
2.2. Ordenado neste Tribunal Constitucional o prosseguimento dos autos, o recorrente apresentou alegações, com o seguinte remate conclusivo:
«(..)
5. O presente recurso vem interposto do acórdão proferido em 4 de novembro de 2010 pela 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, que manteve a decisão do Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Relator de não se conhecer do recurso de revista interposto pelo Recorrente do acórdão emitido pela 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, que confirmou a decisão proferida pela 1ª Secção da 5ª Vara Cível de Lisboa, no sentido da condenação do Recorrente no pagamento ao Estado português da quantia de Esc. 1.121.000.000$00, acrescida de juros de mora.
6. No entendimento do ora Recorrente, as conclusões alcançadas, a final, no acórdão recorrido assentam na aplicação de duas normas, extraídas dos n.ª s 1, 2 e 4 do artigo 690.º do CPC, na redação anterior à aprovação do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto, que contendem frontalmente com o direito de acesso à justiça e aos tribunais, consagrado no artigo 20.º, n.ºs 1 e 4, da Constituição, e com o princípio da proporcionalidade, exarado nos n.ºs 2 e 3 do artigo 18.º da Constituição (sem prejuízo do disposto na segunda parte do artigo 79.º -C da LTC).
7. Com efeito, o acórdão ora recorrido, à semelhança da decisão singular proferida em 21 de junho de 2010 pelo Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Relator, assenta em duas relevantes interpretações normativas:
a) A primeira diz respeito aos pressupostos de aplicação da cominação estabelecida no n.º 4 do artigo 690.º do CPC, traduzindo-se no entendimento segundo o qual, à luz do disposto no n.º 4 do artigo 690.º do CPC, articulado com os n.ºs 1 e 2 do mesmo artigo, seria permitido decidir não se conhecer de determinado recurso jurisdicional com fundamento, única e tão-somente, na complexidade e extensão das conclusões reformuladas apresentadas pelo recorrente, apesar da complexidade das questões jurídicas integradas no objeto do recurso, da suficiência e inteligibilidade das conclusões, da relevância dos interesses em jogo e da gravidade das implicações decorrentes daquela decisão;
b) A segunda, por seu turno, prende-se com a determinação do alcance ou extensão da consequência estabelecida no n.º 4 do artigo 690.º do CPC e reveste o seguinte teor: nos casos em que seja detetado, relativamente às novas conclusões, um 'vício de complexidade e o incumprimento do dever de concisão imposto pelo artigo 690.º, n.º1”, e embora se reconheça que nem todas as novas conclusões padecem desse vício, não tem aplicação a regra estabelecida no n.º 4 do artigo 690.º do CPC, no sentido do dever de restrição da cominação de não conhecimento do recurso à “parte afetada” pelas deficiências verificadas.
8. O primeiro sentido normativo extraído pelo acórdão recorrido dos n.ºs 1, 2 e 4 do artigo 690.º do CPC não só introduz uma restrição totalmente desproporcionada no direito fundamental de acesso à justiça e aos tribunais, consagrado no n.º 1 e 4 do artigo 20.º da Constituição, como procede à violação da específica exigência constitucional - decorrente da proteção conferida àquele direito fundamental - de um processo equitativo.
9. Com efeito, apesar de não existirem hoje quaisquer dúvidas de que o legislador dispõe de ampla margem de liberdade na concreta modelação do processo, podendo estabelecer certos ónus formais para as partes, é também verdade que o texto constitucional impõe importantes limites ao exercício dessa liberdade de conformação (cuja aplicação, por princípio, à conformação dos processos de recurso em matéria civil se afigura incontestável, sob pena de, por essa via, se poder determinar, na prática, a inadmissível supressão tendencial dos recursos).
10. Os primeiros desses limites visam assegurar que as regras definidas pelo legislador, no exercício da sua liberdade de conformação, não significam a imposição de ónus de tal forma injustificados ou desproporcionados que acabem por importar lesão da garantia de acesso à justiça e aos tribunais.
11. Tais limites reconduzem-se à afirmação de um princípio da funcionalidade e proporcionalidade dos ónus, cominações e preclusões processuais, em concretização dos requisitos de legitimidade impostos pela Constituição a qualquer restrição a «direitos, liberdades e garantias» e direitos a eles análogos (categoria em que se insere o direito fundamental em apreço), nos termos do disposto no artigo 18.º da Constituição.
12. À luz desse princípio, o n.º1 do artigo 690.º do CPC deve ser lido no sentido de que o cumprimento do 'dever de síntese' inerente ao ónus de formulação de conclusões deve ter em atenção a extensão das alegações e o número e complexidade das questões aí suscitadas.
13. A defesa de entendimento contrário, no sentido de que, nos termos do n.º1 do artigo 690.º do CPC, seria exigível a condensação do teor das alegações — independentemente das questões e fundamentos aí debatidos — num conjunto standardizado de ínfimas e magras conclusões, tornaria, em certos casos, o cumprimento do ónus de concluir numa tarefa de extrema dificuldade, senão mesmo de absoluta impossibilidade.
14. É, todavia, este o entendimento que perpassa no acórdão ora recorrido, quando aí se refere que, para efeitos de aferição do cumprimento do ónus de formulação de conclusões, não assumiria qualquer relevância a 'existência de um «número muito elevado de questões juridicamente complexas'.
15. Ainda de acordo com o citado princípio da funcionalidade e proporcionalidade dos ónus, cominações e preclusões processuais, a decisão de aplicação da cominação prevista no n.º 4 do artigo 690.º do CPC não deve partir - conforme foi referido no Acórdão n.º 275/99 deste Venerando Tribunal —de 'um critério puramente formal', 'exclusivamente alicerçado na referência ao número de conclusões apresentadas ou de páginas por elas «fisicamente» ocupadas', mas antes assentar num critério normativo de natureza funcional, traduzido na 'efetiva e objetiva dificuldade de apreensão do objeto e fundamentos essenciais da impugnação deduzida pelo recorrente'.
16. No entanto, como se pode verificar pelo teor da fundamentação constante da decisão singular proferida em 21 de junho de 2010 pelo Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Relator, a decisão, confirmada pelo acórdão ora recorrido, de não conhecimento do recurso de revista interposto pelo Recorrente não teve na sua base qualquer consideração quanto à inteligibilidade das novas conclusões apresentadas (jamais pondo em causa a possibilidade de determinação, a partir do respetivo teor, dos fundamentos do recurso de revista interposto), nem sequer formula qualquer juízo de incumprimento do convite de aperfeiçoamento efetuado pelo Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Relator (reconhecendo, implicitamente, a sintetização das conclusões apresentadas); tal decisão baseia-se, na verdade, em meras considerações formais, exclusivamente alicerçadas no número das novas conclusões apresentadas e das páginas por si ocupadas, bem como na técnica de redação aí utilizada (em particular, o recurso à remissão para pareceres juntos aos autos).
17. A invocação de uma tal fundamentação suscita, aliás, maior perplexidade quando confrontada com as especificidades do caso, com destaque para o caráter liminar e infundado das pronúncias jurisdicionais previamente proferidas sobre o objeto da causa, caráter (consequentemente) vital do recurso de revista interposto para a justa composição do litígio e a amplitude do pedido condenatório formulado pelo Autor.
18. O segundo grupo de limites impostos à liberdade de conformação legislativa em matéria de processo prende-se, por seu turno, com a exigência constitucional do processo equitativo, plasmada no n.º4 do artigo 20.º da Constituição, e, em particular, com as ideias de proibição da indefesa e do princípio da confiança.
19. A esta luz, considera-se vedada a criação, de uma forma absolutamente inovatória e surpreendente, face aos textos legais em vigor e às orientações consolidadas na jurisprudência, de exigências formais que as partes não podiam, nem deviam razoavelmente antecipar, com efeitos absolutamente preclusivos dos seus direitos processuais.
20. Ora, desde há muito que a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça vem defendendo uma visão funcional e, por conseguinte, não formalista do disposto nos n.ºs 1, 2 e 4 do artigo 690.º do CPC, no sentido de que o cumprimento do ónus de formulação de conclusões deve ter em atenção a extensão das próprias alegações e a complexidade das questões aí suscitadas e, bem assim, que a decisão de não conhecimento do recurso apenas deve ter lugar nas situações de declarada, efetiva e objetiva dificuldade de apreensão do objeto e fundamentos do recurso.
21. Perante este quadro, resulta claro que a súbita adoção pelo Tribunal a quo de uma interpretação normativa em sentido contrário ao que vinha preconizando — com efeitos absolutamente preclusivos do direito de proteção judiciária do Recorrente - viola o princípio do processo equitativo, plasmado no n.º4 do artigo 20.º da Constituição.
22. O que ora se refere permite facilmente comprovar a inconstitucionalidade do primeiro sentido normativo extraído pelo acórdão ora recorrido dos n.ºs, 1, 2 e 4 do artigo 690.º do CPC, traduzido na ideia de que, à luz do disposto no n.º4 do artigo 690.º do CPC, articulado com os n.ºs 1 e 2 do mesmo artigo, seria permitido decidir não se conhecer de determinado recurso com fundamento, única e tão-somente, na complexidade e extensão das novas conclusões apresentadas pelo recorrente.
23. Dos citados preceitos legais, o acórdão ora recorrido deveria antes ter extraído, conforme exige a Constituição, os sentidos normativos enunciados na conclusões n.ºs 12 e 15 supra.
24. E saliente-se que à formulação do referido juízo de inconstitucionalidade não obsta sequer o facto de não estarmos perante um recurso em matéria penal (ou contraordenacional), uma vez que os sentidos normativos aqui propugnados baseiam-se na tutela constitucional do direito de acesso aos tribunais, consagrado nos n.ºs 1 e 4 do artigo 20.º da Constituição, e, em particular, na aplicação das regras e limites previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 18.º da Constituição para a imposição de restrições a tal direito, dentre os quais se destaca o princípio da proporcionalidade.
25. Quanto ao segundo sentido normativo extraído pelo acórdão recorrido do disposto nos n.ºs 1, 2 e 4 do artigo 690.º do CPC — traduzido na ideia de que o dever de restrição, nos termos previstos no n.º 4 do citado artigo, da cominação de não conhecimento do recurso à 'parte afetada', não teria aplicação aos casos de complexidade e extensão das conclusões, mesmo que nem todas as conclusões padeçam desses vícios —, este revela-se igualmente desconforme com o direito fundamental de acesso aos tribunais.
26. Com efeito, o mesmo, ao introduzir uma inadmissível e injustificada limitação numa solução destinada a assegurar a observância do princípio da proporcionalidade, mostra-se desconforme com o regime de proteção constitucional daquele direito fundamental, nos termos do disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 18.º e n.ºs 1 e 4 do artigo 20.º da Constituição.
27. Na verdade, à luz desse regime, resulta claro que sempre que o recurso interposto tenha por objeto várias questões de direito, com autonomia entre si, e se constate que os vícios detetados nas novas conclusões apresentadas não afetam todas essas questões, o n.º 4 do artigo 690.º do CPC impõe que se restrinja a cominação aí prevista às questões afetadas pela verificação dos mencionados vícios, incluindo nos casos em que tais vícios se traduzam na complexidade das conclusões.
28. E esta interpretação normativa não é, de modo algum, prejudicada pelo entendimento, defendido pelo Ministério Público, de que as conclusões objeto de 'emagrecimento' 'não coabitam autonomamente' das demais conclusões: é que, à luz do princípio da proporcionalidade que ilumina o citado n.º 4 do artigo 690.º do CPC, a determinação da autonomia das conclusões não afetadas pelas deficiências detetadas, para efeitos do respetivo conhecimento pelo Tribunal ad quem, não pode assentar em meras considerações formais — como aquelas que servem de base ao referido entendimento —, mas antes se deve fundar num critério normativo de caráter funcional, traduzido na capacidade das conclusões em causa para identificar um - e basta apenas um - dos fundamentos do recurso interposto, passível de ser conhecido pelo Tribunal ad quem.»
2.3. Por seu turno, o Ministério Público apresentou contra-alegações, nas quais suscita o não conhecimento do recurso, por considerar as interpretações normativas cuja constitucionalidade vem questionada não integram a ratio decidendi do acórdão recorrido, pronunciando-se, para a hipótese do recurso ser conhecido, no sentido da sua improcedência.
Extraiu da peça apresentada a seguinte síntese conclusiva:
«a) (...) desde logo, as interpretações normativas que retira do art. 690.º do Código de Processo Civil, não constituíram a ratio decidendi do acórdão recorrido – Acórdão, do Supremo Tribunal de Justiça, de 4 de novembro de 2010 -, o que obsta ao conhecimento do presente recurso;
b) por outro lado, o recurso oportunamente interposto, pelo recorrente, para o Supremo Tribunal de Justiça, não foi conhecido por este Supremo Tribunal, pelo facto de o mesmo recorrente não ter formulado, de forma sintética, as suas conclusões, mesmo depois de ter sido advertido para a necessidade de corrigir tal lapso;
c) a este propósito, o Ilustre Conselheiro Relator falou de “incumprimento do dever de concisão imposto pelo art. 690.º, n.º 1 [do CPC], pelo que “continua ultrapassado o limite que impõe a cominação do não conhecimento do recurso por, reafirma-se, anormal e injustificada prolixidade na explanação das conclusões”;
d) foi, pois, o recorrente que se colocou, por vontade própria, na circunstância – para a qual tinha sido alertado, sem margem para ambiguidades, por parte do Ilustre Conselheiro Relator -, de não ver o seu recurso conhecido, quanto ao mérito, por manifesta falta de forma, e não pelo facto de tais conclusões poderem ser excessivamente complexas ou extensas;
e) as conclusões do recorrente, por outro lado, pelas próprias circunstâncias que determinaram a sua (indevida) formulação, carecem de ser consideradas como um todo incidível – o próprio recorrente entendeu que as não poderia cindir, daí a sua extensão -, pelo que se não afigura aceitável pretender, como sugere o mesmo recorrente, que o tribunal recorrido devesse ter autonomizado umas conclusões, em detrimento de outras;
f) com efeito, a responsabilidade de formular conclusões – nos termos definidos por lei, designadamente pelo art. 690.º do CPC -, impende sobre o recorrente, não sobre o tribunal que as deverá apreciar;
g) esse ónus destina-se, sobretudo, a salvaguardar a posição processual do recorrente e os seus interesses na lide, bem como a objetividade na realização da justiça;
h) a exigência de determinados atributos, decorrentes do art. 690.º do CPC, respeitantes às conclusões da alegação de recurso, não constitui odiosa restringenda, nem afeta substancialmente a defesa contra atos jurisdicionais, apenas impondo uma colaboração do recorrente na melhor formulação do problema jurídico, assegurando, em última instancia, a defesa dos seus direitos;
i) o cumprimento desse ónus não implica, por isso, excessiva dificuldade para o recorrente, dotado de patrocino especializado e beneficiando de duas oportunidades para o fazer devidamente;
j) em casos extremos e de rebeldia às determinações do Tribunal, feitas de acordo com a lei, como no caso dos autos, é de recusar o conhecimento do objeto do recurso com base na equiparação da deficiência, ou obscuridade das conclusões, à sua falta;
k) o legislador nacional dispõe de ampla margem de liberdade na concreta modelação do processo, cabendo-lhe designadamente ponderar os diversos direitos e interesses constitucionalmente protegidos relevantes e, em conformidade, disciplinar o âmbito do processo, a legitimidade, os prazos, os poderes de cognição do tribunal e o processo de execução;
l) tal liberdade de conformação pode, no entanto, ser sujeita a limites, designadamente em função do princípio da proporcionalidade, visando assegurar que as regras definidas pelo legislador, no exercício da respetiva liberdade de conformação, não signifiquem a imposição de ónus de tal forma injustificados ou desproporcionados que acabem por importar lesão da garantia de acesso à justiça e aos tribunais;
m) ou seja, que possa haver lugar à imposição de regras processuais manifestamente desproporcionadas, desrazoáveis ou arbitrárias;
n) tal não aconteceu, porém no caso dos autos, tendo o Supremo Tribunal de Justiça aplicado o art. 690.º do CPC com judiciosa ponderação;
o) nessa medida, no caso de este Tribunal Constitucional entender de apreciar o mérito do recurso do ora recorrente, julga-se que desatender a sua pretensão, confirmando-se, por essa via, a decisão do Supremo Tribunal de Justiça recorrida.»
2.4. Ordenada a notificação do recorrente para se pronunciar, querendo, quanto às razões avançadas pelo Ministério Público para o não conhecimento do recurso, veio este fazê-lo, salientando, no essencial, que a decisão recorrida reconhece a “tentativa de aperfeiçoamento” e não levanta “quaisquer problemas quanto à suficiência e inteligibilidade das novas conclusões”, o que, na sua ótica, suporta a aplicação dos dois enunciados normativos apontados. Mais refere que a expressão “complexidade e extensão das conclusões” assume um significado substancialmente idêntico ao da expressão “prolixidade na explanação das conclusões” e, por isso, as mencionou conjuntamente no requerimento de interposição de recurso e nas alegações. E, considera, a circunstância de se apontar anormal e injustificada prolixidade às novas conclusões, não afasta que o critério normativo subjacente a essa formulação seja o que aponta.
Termina pela improcedência da questão prévia suscitada.
3. Os autos foram redistribuídos, em virtude da cessação de funções do relator.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
Da admissibilidade do recurso
4. No sistema português, os recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade têm necessariamente objeto normativo, devendo incidir sobre a apreciação da constitucionalidade de normas ou interpretações normativas, e não sobre a apreciação de alegadas inconstitucionalidades imputadas pelo recorrente às decisões judiciais, em si mesmas consideradas, atenta a inexistência no nosso ordenamento jurídico-constitucional da figura do recurso de amparo ou de queixa constitucional contra atos concretos de aplicação do Direito. Não cabe ao Tribunal Constitucional apreciar os factos materiais da causa, definir a correta conformação da lide ou determinar a melhor interpretação do direito ordinário.
Assim, por imperativo do artigo 280.º da Constituição, objeto do recurso (em sentido material) são exclusiva e necessariamente normas jurídicas, tomadas com o sentido que a decisão recorrida lhes tenha conferido, sem que caiba ao Tribunal Constitucional uma função revisora da atuação dos demais tribunais, fundada na direta imputação de violação da Constituição – mormente no plano dos direitos fundamentais - por tais decisões.
Nos recursos interpostos ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, como acontece nestes autos, a sua admissibilidade depende ainda da verificação cumulativa dos requisitos de a questão de inconstitucionalidade haver sido suscitada durante o processo, de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer (n.º 2, do artigo 72.º, da LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, do sentido normativo cuja ilegitimidade constitucional vem arguida pelos recorrentes.
Consistindo a competência do Tribunal Constitucional, no domínio da fiscalização concreta, na faculdade de revisão, em via de recurso, de decisões judiciais, compreende-se que a questão de constitucionalidade (ou de ilegalidade reforçada) deva, por regra, ter sido colocada ao tribunal a quo, além de que permitir o acesso a este Tribunal com base numa invocação da inconstitucionalidade unicamente após a prolação da decisão recorrida abriria o indesejável caminho à sua utilização como expediente dilatório. Donde só tenha legitimidade para pedir ao Tribunal Constitucional a fiscalização de constitucionalidade de uma norma quem tenha colocado previamente essa questão ao tribunal recorrido, em termos de o vincular à sua apreciação, face às normas procedimentais que regem o processo em que se enxerta o recurso constitucional.
Dito isto, este requisito (suscitação da questão de inconstitucionalidade perante o tribunal recorrido, antes de proferida a decisão impugnada) considera-se dispensável nas situações especiais em que, por força de uma norma legal específica, o poder jurisdicional se não esgota com a prolação da decisão recorrida, ou nas situações, de todo excecionais ou anómalas, em que o recorrente não dispôs de oportunidade processual para suscitar a questão de constitucionalidade antes de proferida a decisão recorrida ou em que, tendo essa oportunidade, não lhe era exigível que suscitasse então a questão de constitucionalidade, sendo de esperar, face ao ónus que decorre da parte final do n.º2 do artigo 75.ºA, da LTC, que tais circunstâncias justificativas da ausência de suscitação prévia sejam indicadas pelo recorrente no requerimento de interposição do recurso.
Por outro lado, considerando o caráter ou função instrumental dos recursos de fiscalização concreta de constitucionalidade face ao processo-base (artigo 80.º, n.º 2, da LTC), exige-se, para que o recurso tenha efeito útil, que haja ocorrido efetiva aplicação pela decisão recorrida da norma ou interpretação normativa cuja constitucionalidade se pretende sindicada. É necessário, pois, que tal critério normativo tenha constituído ratio decidendi do acórdão recorrido, pois, só assim, um eventual juízo de inconstitucionalidade poderá determinar a reformulação dessa decisão.
Expostos, sumariamente, os pressupostos essenciais ao conhecimento do recurso de constitucionalidade e de legalidade interposto nos termos do artigo 70.º, n.º 1, alíneas b), da LTC, cumpre verificar o seu preenchimento, relativamente às questões colocadas pelo recorrente nos presentes autos, tendo em atenção que, como dispõe o n.º 3 do artigo 76.º da LTC, a decisão que admitiu o recurso não vincula o Tribunal Constitucional, assim como a determinação do prosseguimento do processo para alegações não preclude essa apreciação, desde logo face à questão de não conhecimento do recurso colocada pelo Ministério Público.
5. Com efeito, o primeiro problema a defrontar resulta da questão suscitada pelo Ministério Público em alegações, pugnando pelo não conhecimento de qualquer das questões de constitucionalidade enunciadas em virtude de não corresponderem à ratio decidendi em que assenta a decisão recorrida.
Importa começar por notar que a discordância entre recorrente e recorrido quanto aos exatos fundamentos e sentido das decisões proferidas nos autos relativas ao respeito pelo ónus de concluir, tem sido uma constante, a partir do despacho de 8 de março de 2010 e sempre que se esgrimiu a questão do respetivo cumprimento. Ao contrário do Ministério Público, que lhe atribuiu apreciação de substância, o recorrente defendeu, e defende, que as deficiências aí apontadas referem-se, única e exclusivamente ao respetivo número, extensão e modo de formulação.
Porém, e como se verá, esse constitui o equívoco interpretativo original do recorrente, o qual contamina todo o seu raciocínio (e conduta) subsequente, marcado pela construção de uma solução de continuidade nas várias pronúncias judiciais que culminam na decisão de não conhecimento do recurso lavrada pelo acórdão recorrido, às quais atribui a aplicação, em uníssono, de critério assente exclusivamente em fatores de índole quantitativa e formal, como seja o número de conclusões, a sua relação percentual com o corpo das conclusões, as páginas por que se alongam e o estilo empregue na sua elaboração.
Paralelamente, decorre da intercalação do advérbio “independentemente” na primeira questão de constitucionalidade enunciada, que o recorrente descortina na decisão recorrida a recusa de ponderação de outros fatores qualitativos e funcionais, como seja a natureza e complexidade das questões colocadas no recurso, os interesses em presença e, também, a consideração da suficiência e inteligibilidade das conclusões apresentadas para a identificação e delimitação do objeto do recurso de revista.
Ora, como bem refere o Ministério Público, quer a decisão recorrida, quer as decisões judiciais que a precederam e cujos segmentos transcreve na fundamentação, não acolheram, nem aplicaram, critério normativo com tal sentido estritamente quantitativo e de forma.
Vejamos esse iter processual com detalhe.
6. O despacho/convite lavrado a 8 de março de 2010 começa por indicar a doutrina e o sentido que deve ser atribuído ao ónus de concluir importo pelo artigo 690.º, n.º 1 do CPC, aqui relevante na redação anterior ao Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto, ou seja, na redação conferida pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de dezembro.
Logo nessa invocação se encontram considerações de acolhimento de uma relação necessária entre as conclusões e o corpo das alegações, devendo as primeiras resumir as segundas, sob a forma de proposições sintéticas ou enunciação abreviada dos fundamentos ou razões jurídicas com que se pretende obter o provimento do recurso.
Mais adiante, recorrendo novamente à doutrina, sublinha-se que “as conclusões têm necessariamente e legalmente de ser curtas, claras e objetivas, para que não deixem dúvidas quanto às questões de que o tribunal ad quem deve e pode conhecer”.
De permeio, fica a aplicação de tais ditames ao caso em apreço, em que se diz, sobre as conclusões na sua integralidade, que “constituem uma afronta patente e grosseira do preceito legal apontado”. E, como demonstração dessa asserção de defeito, formulada com acentuado ênfase negativo, aponta-se o número e extensão das conclusões, não tanto em si mesmas, mas na diferença, que se qualifica de “abissal”, com o esforço que marcou as conclusões constantes das alegações do recurso de apelação.
Dito isto, tivesse tal despacho ficado por tais considerações fundamentadoras, poderíamos dar razão ao recorrente no acolhimento de critério estritamente quantitativo na conclusão pelo incumprimento do disposto no n.º1 do artigo 690.º do CPC.
Mas tal não acontece.
Em termos concisos, mas perfeitamente claros, esse despacho denota que o Tribunal a quo ponderou no juízo que formula a complexidade das questões levadas ao corpo das alegações e, também, a funcionalidade a que as conclusão estão ordenadas. Assim decorre da expressão, “aparentemente para resolver questões que não divergem muito das que agora vêm suscitadas”, inscrita no período em que põe em confronto a conduta processual desenvolvida no recurso de apelação e no recurso de revista. Como, ainda, da exigência de clareza e objetividade, a juntar à de sumariedade, o que remete para ponderação que ultrapassa o plano quantitativo, de simples cálculo padronizado do número de conclusões e das páginas em que se espraiam.
Nessa medida, quando o STJ formula o comando, referindo-se às conclusões a apresentar, sob cominação de não conhecimento do recurso, de que “importa que o recorrente as sintetize, e de forma significativa”, não perspetiva mera redução numérica ou rearranjo formal das conclusões: sinaliza que o vício detetado era mais fundo, atingindo a aptidão das conclusões para assegurarem a respetiva função. Só assim se compreende a amplitude da conclusão generalizada de que “as conclusões apresentadas pelo recorrente situam-se nos antípodas destas ideias”.
Acrescente-se que o que se vem de dizer em nada é posto em crise pela referência à complexidade de muitas das conclusões e o relevo atribuído à circunstância de incluírem as conclusões de seis pareceres juntos com as alegações. Essa valoração de “complexidade”, que se voltará a encontrar na decisão singular e no acórdão recorrido, encontra explicação nas distintas categorias dos vícios que podem afetar as conclusões de recurso.
Na expressão de Abrantes Geraldes, que as distingue das conclusões obscuras, contraditórias ou excessivas (por não corresponderem ao corpo das alegações, que supostamente sintetizam), entre outras, “as conclusões serão complexas quando não cumpram as exigências de sintetização a que se refere o n.º 1 (prolixidade) ou quando, a par das verdadeiras questões que interferem na decisão do caso, surjam outras sem qualquer interesse (inocuidade) ou que constituem mera repetição de argumentos anteriormente apresentados. Complexidade que também poderá decorrer do facto de se transferirem para o segmento apto a integrar as conclusões argumentos, referência doutrinais ou jurisprudências que foram ou deveriam ter sido usadas no segmento da motivação. Ou ainda quando se mostre desrespeitada a regra que aponta para a necessidade de a cada conclusão corresponder uma proposição, evitando amalgamar diversas questões. Nestes casos, trata-se fundamentalmente de eliminar aquilo que é excessivo, de forma permitir que o tribunal de recurso apreenda com facilidade as verdadeiras razões nas quais o recorrente sustenta a sua pretensão de anulação ou de alteração do julgado” (cfr. Recursos em Processo Civil, 3ª edição, 2010, p. 140).
Transpostas estas considerações para o caso em apreço, denota-se que o vício apontado comporta o sentido de excesso injustificado, em particular na incorporação das conclusões de pareceres. Na economia do discurso, essa circunstância constituía apenas uma das manifestações do vício de complexidade, porventura a mais evidente e original, e que não se sanaria com reconfiguração tão somente desse tópico. Novamente, a ideia de carência de esforço significativo de síntese – o que não se confunde com simples encurtamento do texto -, a desenvolver em todas as conclusões, emerge como a chave de leitura da decisão proferida em 8 de março de 2010, na qual o recorrente persistiu em não atentar devidamente.
7. Afastada a leitura de sentido feita pelo recorrente quanto à decisão proferida em 8 de março, o mesmo acontece, com maior nitidez, quanto à decisão singular datada de 21 de junho de 2010.
Desde logo, a decisão de não conhecimento encontra como alicerce principal o juízo que formula quanto ao incumprimento do determinado pelo despacho de 8 de março de 2010, e consequente funcionamento da cominação alojada no n.º 4 do artigo 690.º do CPC, a partir da consideração de que as novas conclusões não obedecem minimamente ao esforço qualitativo de síntese exigível. Não tem razão – e reside aí o segundo equívoco em que incorre – o recorrente quando diz, em alegações, que “a decisão não assentou (...) num qualquer juízo de incumprimento do convite de aperfeiçoamento efetuado pelo Exmo. Senhor Juiz Relator, ao abrigo do n.º 4 do artigo 690.º do CPC”.
Efetivamente, quando se acentua que “continua a verificar-se o vício de complexidade e o incumprimento do dever de concisão imposto pelo art.º 690.ºn.º 1” (sublinhado nosso) e se alude ao “limite que impõe a cominação de não conhecimento do recurso”, avança-se inequivocamente o sentido de que as novas conclusões, tal como as anteriores, não são o que devem ser, isto é, proposições sintéticas que emergem do corpo das conclusões, o que significou, para o Tribunal recorrido, que o vício em presença era substancialmente o mesmo que fora verificado e declarado no despacho/convite, pese embora as diferenças de forma entre as duas peças processuais.
Como bem aponta o Ministério Público, a razão que conduziu o Tribunal a quo a esse juízo radica na apreciação de “anormal e injustificada prolixidade na explanação das conclusões”, menção que se reporta, sublinhe-se, à “questão prévia” inscrita na mesma peça processual em que são apresentadas as novas conclusões, como a justificação da “complexidade das questões suscitadas” (cfr. ponto 1.2., supra). Não se equacionou aí, com evidência, qualquer fator quantitativo ou o cálculo do número das conclusões, denotando-se, outrossim, a mobilização aplicativa de critério normativo que envolve a ponderação, como já havia sido feito no despacho de 8 de março, do contexto processual em que insere o cumprimento do ónus estabelecido no n.º 1 do artigo 690.º do CPC, mormente a complexidade do litígio e relevância dos interesses em jogo.
Pode, é certo, o recorrente discordar desse juízo - o que se compreende, pois procurou ver acolhida a justificação de excecional complexidade da causa – mas daí não decorre fundamento para, postulando a sua própria apreciação, sustentar que o Tribunal a quo não teve em atenção, e muito menos que rejeitou, a natureza e dificuldade das questões abordadas no recurso, assim como os interesses em presença, na aferição do esforço de síntese conclusiva exigível ao recorrente.
8. Essa mesma ponderação de fatores qualitativos encontra-se igualmente inscrita nos fundamentos da decisão recorrida, não apenas por efeito da sua natureza confirmatória da decisão singular de não conhecimento do recurso, mas especialmente porque esse segmento da decisão singular surge transcrito e reafirmado. O mesmo sentido volta a ser equacionado quando se diz, em adesão ao referido pelo Ministério Público, que, mesmo concedendo ao que fora alegado pelo recorrente na reclamação, ou seja, que os autos envolviam número muito elevado de questões juridicamente complexas, daí não decorria a impossibilidade de, em sede conclusiva, formular proposições sintéticas, e, implicitamente, que tal não acontecera.
Mas não só.
Encontra-se na decisão recorrida expressão do afastamento do critério normativo impugnado pelo recorrente.
Com efeito, defrontando a questão de constitucionalidade suscitada, escreveu o Tribunal a quo (em contexto relatado no ponto 1.6, supra): “Na supracitada decisão, diz-se liminarmente não se considerar dever ter-se em consideração, tão só, a extensão das conclusões para o efeito da aplicação do artigo 690.º, n.º 4 do CPC, nem este normativo se mostra interpretado nos termos referidos na reclamação, sob o n.º 3.29”. Nesse ponto 3.29. da reclamação, em articulação com o precedente, alegara-se que o sentido normativo aplicado tomava como fundamento suficiente para o não conhecimento do recurso “a falta de concisão”, sem ponderação do princípio da proporcionalidade.
Concorde-se ou não com a valoração que o Tribunal a quo atribuiu às novas conclusões, certo é, face ao que se disse, que não existe a menor razão para concluir que o Tribunal a quo exigiu ao recorrente um “conjunto standardizado de ínfimas e magras conclusões” (13.ª conclusão das alegações), ou que foi acolhida, expressa ou implicitamente, a irrelevância da existência de um número “muito elevado de questões juridicamente complexas” (14.ª conclusão), pois tal não aconteceu. Na realidade, o critério normativo que flui da decisão recorrida como efetivamente aplicado não se afasta, ao cabo e ao resto, daquele defendido como correto e constitucionalmente credenciado na 12ª conclusão das alegações do recorrente: “o n.º 1 do artigo 690.º do CPC deve ser lido no sentido de que o cumprimento do ‘dever de síntese’ inerente ao ónus de formulação de conclusões deve ter em atenção a extensão das alegações e o número e complexidade das questões suscitadas”.
Saber se a aplicação casuística desse critério normativo foi a correta ou, como aponta o recorrente, pouco rigorosa, já não releva da esfera de competência cometida a este Tribunal.
9. Ao que se vem de dizer não se opõe a pedra angular da construção de sentido elaborada pelo recorrente, a partir da referência no texto da decisão singular de não conhecimento, transcrita na decisão recorrida, ao “emagrecimento” das conclusões.
O recorrente tece argumentário assente nas seguintes linhas de força: (i) o despacho de 8 de março assentou exclusivamente em critério quantitativo; (ii) as “novas conclusões” apresentam número e extensão mais reduzida que as iniciais; (iii) tal redução significa que foi exercido esforço de síntese, nos termos determinados; (iv) esse resultado foi reconhecido pelo Tribunal a quo quando aludiu a “emagrecimento”, considerando-o, porém, insuficiente em função de mera avaliação quantitativa do número das conclusões, das páginas ocupadas e da sua relação percentual com o corpo das conclusões. E, em reforço argumentativo, aponta-se à decisão recorrida cunho surpreendente e formal, desgarrado da restante jurisprudência do STJ.
Verifica-se, no entanto, que, para além da já referida incorreta apreciação dos fundamentos do despacho de 8 de março, o recorrente volta a não contextualizar e interpretar devidamente a menção do Tribunal a quo ao “emagrecimento” das “novas conclusões”. Essa passagem nada tem de reconhecimento de que foi efetuado pelo recorrente real esforço de síntese conclusiva, pese embora em termos imperfeitos face a uma qualquer bitola ou métrica imposta pelo Tribunal a quo.
Com efeito, o referido substantivo surge no texto da decisão recorrida em transcrição da decisão singular reclamada, e onde logo se encontra colocada entre aspas, o que se compreende na economia do respetivo discurso fundamentador como alusão à linha argumentativa do recorrente. Assim decorre da frase completa - “o “emagrecimento” das conclusões apresentadas, a 29-03-2010, pelo “Banco A., SA” é bem inferior ao que aparenta” - remetendo-se depois para o ponto II da decisão, onde se diz que a redução quantitativa das “novas conclusões” foi atingida através de simples operações de compactação e agrupamento das conclusões iniciais e pela não reprodução das conclusões dos pareceres.
Tais menções respondem a alegação do recorrente, assente na mera contagem das conclusões e das páginas que ocupam, em defesa da suficiência da redução do “corpo conclusivo a 101 conclusões (ou seja, a cerca de metade das que inicialmente apresentara) que passaram a ocupar 20 páginas, sendo que 48 dessas conclusões (cerca de 50%) têm 4 ou menos linhas” e do cumprimento cabal do determinado pelo despacho de 8 de março, pese embora admitindo, subsidiariamente, que tal pudesse não ter acontecido, com a justificação de que o recorrente carecia de “densificação através de um critério objetivo” (cfr. ponto 1.8. e 1.9., a fls. 1635). Para além de refutar tal cálculo, dizendo e demonstrando que a diminuição do texto era inferior ao que se dizia, o Tribunal a quo salientou que o plano quantitativo em que se colocava a argumentação do recorrente, aí reclamante, era por si só inidóneo para a modificação da decisão singular, face a outra ordem de ponderações, como seja a avaliação qualitativa do esforço de síntese conclusiva – e não, repete-se, de mera compressão ou rearranjo gráfico - a que atrás se referiu.
Resta, nos vários segmentos que se podem autonomizar na primeira questão de constitucionalidade formulada, aquele que encerra os fatores de ponderação afastados do critério normativo. Sustenta o recorrente que a decisão recorrida não teve em consideração a “suficiência e inteligibilidade das mesmas conclusões”.
Assim construído, o enunciado atribui à decisão recorrida a aceitação de que as conclusões apresentadas eram “suficientes” e “inteligíveis” como tal. Contudo, cotejando as alegações, constata-se que o recorrente aponta esse dado de facto como certo simplesmente a partir da sua não refutação.
Ora, a consideração global dos fundamentos exarados na decisão recorrida conduz à conclusão de que, mais uma vez, a apreciação do recorrente não é correta. Para o Tribunal a quo, o juízo de insuficiência e de ininteligibilidade das conclusões encontra-se inscrito implicitamente na consideração de que o recorrente, também no enunciado apresentado em 29 de março, não produzira verdadeiras e reais conclusões, no sentido processual e funcionalmente relevante, ou seja, como proposições sintéticas dos fundamentos do recurso desenvolvidos no corpo das alegações, desconsiderando em substância a nova oportunidade que lhe fora concedida.
A decisão louva-se, note-se, em inscrição na mesma linha jurisprudencial referida pelo recorrente na reclamação, mormente no aresto de 24/04/2008, cuja cópia foi junta a fls. 1612 a 1615 pelo recorrente, de acordo com o qual “só em casos extremos e de rebeldia às determinações do tribunal, feitas de acordo com a lei, é de recusar o conhecimento do objeto do recurso” e de que a decisão radical de não conhecimento do recurso deveria ser usado com parcimónia e moderação. Mas, considera – bem ou mal, não nos cabe apreciar - que a aplicação de tal critério ao concreto comportamento do recorrente não conduzia a outro juízo, pois estava configurada “rebelião” ao determinado no despacho de 8-03-2010.
Nessa medida, nenhum valor se pode atribuir ao argumento, já presente na reclamação decidida pelo acórdão recorrido, de que a decisão “não contém critica ou objeção relativamente à inteligibilidade das novas conclusões apresentadas, não evidenciando, de resto, quaisquer dificuldades na apreensão do seu sentido” (cfr. 3.18., a fls. 1629), pois o critério normativo efetivamente aplicado não tem em atenção a percetibilidade do discurso constante das novas conclusões, no plano meramente sintático, mas sim no que (não) representa enquanto colaboração efetiva do recorrente “na melhor formulação do problema jurídico, assegurando, em última instância a defesa de direitos e a objetividade da sua realização” e a sua (in)aptidão para discernir o objeto e os fundamentos do recurso.
Em suma, o critério normativo que o Tribunal a quo aplica na decisão recorrida - concorde-se ou não com a bondade ou correção da sua concreta subsunção, repete-se - comporta o sentido de que o recorrente convidado a apresentar novas alegações carece de formular, substancialmente, proposições sintéticas que correspondam ao exercício de esforço de clareza, concisão e objetividade, em termos de delimitar, de forma minimamente inteligível, as questões colocadas à apreciação do Tribunal ad quem, tendo para tanto em conta a complexidade das questões colocadas e a densidade dos argumentos, razões, deduções e raciocínios desenvolvidos ao longo das alegações.
Tal critério normativo não encontra identidade com o enunciado formulado pelo recorrente no requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade em primeiro lugar, afastando-se dele nos seus pontos essenciais. O que significa que, caso o recurso obtivesse provimento, nenhum impacto de reversão da decisão recorrida teria, pois permaneceria de pé a ratio decidendi que permitiu ao STJ decidir como decidiu. Configura-se, então, a inutilidade do recurso quanto a tal questão.
Em consequência, e como pugna o Ministério Público, o recurso não pode prosseguir e ver o seu mérito conhecido nessa parte.
10. Adiante-se que o mesmo obstáculo ao conhecimento do recurso ocorre quanto à segunda dimensão normativa enunciada pelo recorrente, aí com nitidez acrescida.
A segunda questão de constitucionalidade reporta-se a sentido normativo extraído do n.º 4 do artigo 690.º do CPC, que negaria a possibilidade de restringir a cominação de não conhecimento a parte do recurso, sempre que fossem apresentadas “novas conclusões” deficientes, por excessiva complexidade ou extensão.
Com tal formulação, a questão colocada tem como pressuposto que o Tribunal a quo considerou que o vício afetava apenas uma parte das conclusões, consentindo então que o Tribunal de revista conhecesse ao menos de alguma(s) da(s) questão(ões) colocadas nas alegações, porque inscritas nas demais conclusões, sem vício.
E que, assente tal pressuposto, extraiu do preceituado no n.º 4 do artigo 690.º do CPC sentido que lhe impedia de conhecer in totum do recurso, apesar de só parcialmente afetado pelo vício detetado nas conclusões.
Simplesmente, não foi essa a avaliação casuística do STJ. Não existe, ao contrário do que sustenta o recorrente, qualquer reconhecimento de que nem todas as conclusões padecem do vício apontado, nem a aplicação de critério normativo com o sentido restritivo e formal avançado pelo recorrente.
Em termos que não oferecem margem para dúvida, o Tribunal a quo disse que todas as conclusões estavam funcionalmente afetadas pelo incumprimento do determinado, sendo esse o fundamento que vedava o subsidiariamente peticionado conhecimento parcial do recurso de revista. Assim decorre do ponto 3 do acórdão recorrido, em especial da referência a que “é a esse conjunto de conclusões, como um todo, que se alude ao afirmar-se ‘que continua a verificar-se o vício da complexidade e o incumprimento do dever de concisão imposto pelo artigo 690.º, n.º1’”.
Estando esse juízo subtraído à sindicância deste Tribunal, que o toma como um dado, novamente, mesmo que o recorrente lograsse êxito na defesa da ilegitimidade de interpretação que afaste a aplicação do segmento final do n.º 4 do artigo 690.º do CPC, sempre estaria o Tribunal recorrido habilitado a manter inalterada a decisão, em virtude da permanência do pressuposto de que todo o recurso, e não apenas uma sua parte, estar afetado (abrangido) pelo vício declarado e pela cominação aplicada.
Cumpre, face ao exposto, concluir pelo não conhecimento do recurso também quanto à segunda dimensão normativa cuja constitucionalidade foi questionada pelo recorrente Banco A., SA.
III. Decisão
11. Pelo exposto, decide-se:
a) Não conhecer do recurso interposto pelo Banco A., SA;
b) Condenar o recorrente nas custas, que se fixam em 20 (vinte) unidades de conta, tendo em atenção os critérios seguidos por este Tribunal e a dimensão do impulso desenvolvido.
Lisboa, 22 de janeiro de 2014 – Fernando Vaz Ventura – João Cura Mariano – Pedro Machete - Ana Guerra Martins - Joaquim de Sousa Ribeiro.