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Processo n.º 1226/13
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Fernando Ventura
Acordam, em Conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, por acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 17 de setembro de 2013, foi julgada improcedente a apelação e confirmada a sentença proferida pela 2.ª Secção da Vara de Competência Mista de Coimbra em 8 de março de 2013, que havia condenado A., S.A., a pagar ao autor/exequente B., a quantia de € 26.000,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a notificação do pedido de liquidação e até integral pagamento.
2. A interveniente/executada A., S.A., veio interpor recurso do referido acórdão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), “[p]or não se conformar quanto ao decidido relativamente à inconstitucionalidade suscitada por esta recorrente no recurso da douta sentença proferida na liquidação da condenação ditada pela douta sentença proferida na Execução dos autos à margem, por violação do regime do contraditório e dos direitos de defesa consagrados nos artºs. 3º. e 3º.-A, do CPC, na versão anterior à lei 41/2013, de 26/junho, em ofensa do disposto nos artºs. 13º. e 202º. nº. 2 da CRP”.
3. O recurso foi subsequentemente admitido.
4. Neste Tribunal, através da decisão sumária n.º 701/2013, foi decidido não conhecer do recurso, pela seguinte ordem de razões:
«(...) 5. No caso em apreço, a recorrente não configurou o objeto do recurso como questão normativa, mas sim como um mero dissídio face à pronúncia judicial recorrida.
Na verdade, decorre claramente do enunciado do requerimento de interposição de recurso que a recorrente não pretende sindicar a desconformidade constitucional de critério normativo extraído dos artigos 3.º e 3.º-A do Código de Processo Civil, na redação anterior à Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, mas antes a violação pelo tribunal recorrido das referidas disposições legais, o que extravasa a competência do Tribunal Constitucional.
A esse propósito, pode ler-se do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 489/04 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt): “se se utiliza uma argumentação consubstanciada em vincar que foi violado um dado preceito legal ordinário e, simultaneamente, violadas normas ou princípios constitucionais, tem-se por certo que a questão de desarmonia constitucional é imputada à decisão judicial, enquanto subsunção dos factos ao direito, e não ao ordenamento jurídico infraconstitucional que se tem por violado com essa decisão (…)”.
Nestes termos, não tendo a recorrente enunciado uma qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, única passível de constituir objeto idóneo do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade, impõe-se concluir pela impossibilidade de conhecer do objeto do presente recurso.
6. Sempre se diga que, ainda que se descortinasse natureza normativa ao objeto do recurso, este não seria de conhecer porquanto a recorrente não suscitou, perante o tribunal recorrido, de forma processualmente adequada, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa.
De facto, se atentarmos nas conclusões da motivação do recurso da recorrente para o Tribunal da Relação de Coimbra, onde se faz menção aos princípios constitucionais alegadamente violados - conclusões 10.ª e 11.ª-, verifica-se que a recorrente, também aí, não formulou qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, limitando-se a apontar a sua divergência com a decisão judicial recorrida, no mero plano da aplicação da lei, o que determina, por inverificação do pressuposto de suscitação adequada da questão de inconstitucionalidade perante o tribunal recorrido, a ilegitimidade da recorrente.
7. Impõe-se, assim, concluir pela impossibilidade de conhecer do objeto do recurso, proferindo, de acordo com o disposto no nº 1 do artigo 78º-A da LTC, decisão sumária.»
5. Inconformada, a recorrente, ora reclamante, A., S.A. apresentou reclamação para a Conferência, com os seguintes fundamentos:
«A recorrente ora reclamante não se conformou nem pode conformar-se com a interpretação e sentido dados pela sentença recorrida às normas na sua aplicação no caso sub judice.
Na realidade, no recurso interposto não suscitou a questão por ajuizar que a decisão em si mesma padecesse de inconstitucionalidade, mas antes por entender que o tribunal a quo incorreu em inconstitucionalidades mercê das interpretação e aplicação que fez dos normativos nos termos em que julgou o caso em apreço.
Assim, e concordando embora esta reclamante com o que consta da douta Decisão reclamada na parte em que refere que a recorrente não pretende sindicar a desconformidade constitucional de critério normativo extraído dos artºs. 3º. e 3º.-A do Código de Processo Civil, na redação anterior à Lei nº 41/2013, de 26 de junho (cfr. § 4º de pp. 3 da Decisão cit.) -
- discorda, contudo, a mesma recorrente que seja sua pretensão, como aí se lê, que o objeto a apreciar para julgamento de eventual inconstitucionalidade seja a violação pelo tribunal recorrido das referidas disposições legais (id., ibid.), porquanto
O que está em crise, e motivou suscitar-se a inconstitucionalidade, é a interpretação e o sentido dados às normas subjacentes à prolação da sentença recorrida.
Ora, e salvo o devido respeito, quando se trata, como é o caso, de fiscalização concreta da constitucionalidade, não pode ignorar-se que cada um dos tribunais comuns está obrigado a fazer uma interpretação conforme à Constituição; e que, - sendo - como parece ser - o caso, o Tribunal Constitucional apreciará a questão da constitucionalidade em concreto, não em abstrato, mas sim no quadro da decisão recorrida, ou seja, justamente para confirmar ou revogar a decisão recorrida quanto à solução dada à questão da constitucionalidade, (...) [aferindo-se da] inconstitucionalidade da norma com o sentido concreto que o tribunal recorrido lhe atribuiu (cfr. JJ G.Canotilho - V. Moreira, CRP Anot., 2ª.ed., nn.2.5.8., pp. 486-487).
Na verdade, entende a ora reclamante que se verificou violação do regime do contraditório e dos direitos de defesa consagrados nos artºs. 3.º e 3.º-A do CPC na versão anterior à entrada em vigor da Lei 43/2013, por ofensa do princípio da igualdade e da legalidade em violação dos artºs. 13º e 202º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa - entendendo esta reclamante que tais violações ocorreram em virtude e em consequência da interpretação dada às normas na aplicação feita na sentença impugnada.
Assim sucedeu mercê de frontal violação das prescrições que ditam que O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito (...) decidir questões de direito ou de facto (...) sem que as partes tenham tido a possibilidade de se pronunciarem - cfr. nº 3 do artº 3º. cit., e ainda cfr. artº 3º-A idem -; e, por outro lado, que O tribunal deve assegurar, ao longo de todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no exercício de faculdades, no uso de meios de defesa (...).
Ora, o tribunal a quo incorreu em violação de tais normativos - simplesmente tendo desprezado tudo quanto esta reclamante carreou para os autos em sua defesa, incluindo quanto à prova produzida; e em consequência,
Violou os mais elementares direitos que assistiam, e assistem, à aí executada recorrente e ora reclamante,
Tudo como consta dos autos recorridos e se protesta alegar,
Incorrendo em inconstitucionalidade por violação do regime do contraditório e dos direitos de defesa consagrados nos artºs 3º e 3º-A do CPC na versão anterior à entrada em vigor da Lei 43/2013, por ofensa do princípio da igualdade e da legalidade em violação dos artºs 13º, e 202º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa.»
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
6. Confrontada com decisão de não conhecimento do recurso, em virtude de inidoneidade do seu objeto, vem a recorrente dela reclamar. Para tanto, avança com o argumento de que a decisão recorrida violou o preceituado nos artigos 3.º e 3.ºA do Código de Processo Civil (de 1961), e que, desse jeito, incorreu em ofensa dos princípios da igualdade e da legalidade, com violação dos artigos 13.º e 202.º, n.º 2 da Constituição. Ora, tal argumentação apenas confirma o acerto da decisão recorrida.
Com efeito, o controlo por via de recurso de decisões dos Tribunais cometido ao Tribunal Constitucional pelo artigo 280.º, n.º 1, alínea b) da Constituição, e concretizado no artigo 70.º, n.º1, alínea b) da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), tem como objeto necessário normas, aí se inscrevendo igualmente as interpretações normativa, que tenham encontrado efetiva aplicação na decisão recorrida.
Correspondentemente, encontra-se excluída da fiscalização concreta da constitucionalidade a sindicância da bondade da interpretação do direito infraconstitucional efetuada pelo tribunal a quo, ou o controlo das operações de subsunção das particularidades específicas do caso concreto às normas tidas por aplicáveis, no que constituiria o controlo do ato de julgamento, em si mesmo considerado.
Ora, pese embora a recorrente/reclamante diga na reclamação em apreço que pretendeu colocar em crise “a interpretação e o sentido dados às normas subjacentes à prolação da sentença recorrida”, verifica-se, na realidade, que busca o controlo por este Tribunal da conformidade da aplicação feita nos presentes autos do disposto nos artigos 3.º e 3.ºA do CPC, de 1961. Isso mesmo decorre da afirmação de “frontal violação das prescrições” contidas naqueles preceitos e da conclusão que “o tribunal a quo incorreu em violação de tais normativos”, denotando que a desarmonia constitucional não é referida a qualquer sentido normativo extraído daqueles preceitos – que sempre carecia de ser enunciado em termos genéricos e abstratos, não bastando a remessa para “a interpretação e sentido dados pela decisão recorrida” – mas sim à aplicação casuística operada na decisão recorrida do direito ordinário.
7. Mas, mesmo que assim não fosse e houvesse a recorrente enunciado no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional um qualquer critério ou padrão normativo efetivamente aplicado pela decisão recorrida tido como desconforme com a Constituição, persistia, como se aponta na decisão sumária, a sua ilegitimidade, em virtude da ausência de suscitação prévia de questão normativa de constitucionalidade (artigos 70.º, n.º 1, al. b) e 72.º, n.º 2 da LTC).
Observe-se que, quanto a esse segundo fundamento da decisão sumária reclamada – idóneo a fazer soçobrar a pretensão de conhecimento do recurso -, a reclamante abstém-se de qualquer argumentação.
8. Cumpre, pelo exposto, por acertada, confirmar a decisão sumária reclamada.
III. Decisão
9. Pelo exposto, decide-se:
a) Indeferir a presente reclamação e confirmar a decisão reclamada;
b) Condenar a reclamante nas custas, fixando-se em 20 (vinte) Ucs a taxa de justiça, tendo em atenção os critérios seguidos por este Tribunal e a dimensão do impulso desenvolvido e apreciado.
Notifique.
Lisboa, 12 de fevereiro de 2014. – Fernando Vaz Ventura - Pedro Machete - Joaquim de Sousa Ribeiro.