Imprimir acórdão
Processo n.º 1078/13
3ª Secção
Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, em que é recorrente A., e recorrido o Ministério Público, o primeiro vem reclamar para a conferência, ao abrigo do n.º 3 do artigo 78.º-A.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (LTC), da Decisão Sumária n.º 729/2013 que não conheceu do objeto do recurso interposto pelo recorrente, com fundamento no facto de a decisão recorrida não constituir uma decisão definitiva sobre a causa.
2. O teor da fundamentação da Decisão Sumária n.º 729/2013 de 29 de julho é o seguinte:
“(…)
5. Constitui um “pressuposto geral” dos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade a necessidade de o recurso visar impugnar uma decisão definitiva, i.e., uma decisão que constitua a última palavra dos tribunais comuns no que toca à solução do caso concreto, o mesmo é dizer, à solução jurídica definitiva do objeto do recurso.
Nesse sentido, o Tribunal Constitucional já entendeu que carece de “definitividade” a decisão que, por força do julgamento de certo recurso pela Relação, terá de ser necessariamente reformulada pelo tribunal de 1ª instância, quanto aos critérios normativos questionados pelo recorrente (Acórdãos n.º 484/02 e 256/08).
Ora, as decisões do STJ objeto do presente recurso carecem ainda de “definitividade”, uma vez que apenas mandam ao tribunal de 1ª instância reformular a decisão, de acordo com os critérios de realização do cúmulo jurídico aí indicados. Tal como se considerou no Acórdão n.º 278/09, apesar de a decisão recorrida proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça não ser recorrível, o seu efeito decisório encontra-se condicionado ao resultado da aplicação dos critérios enunciados pelo STJ por parte do tribunal coletivo. De facto, ainda não foi definida em concreto de forma definitiva a pena a aplicar ao ora recorrente. O próprio STJ referiu que não tinha tomado conhecimento de questões de constitucionalidade precisamente pelo facto de a sua decisão não constituir uma decisão condenatória.
Ainda inexiste, em suma, decisão com cariz definitivo quanto à escolha e medida da pena aplicada.
6. Nestes termos, não há ainda uma decisão definitiva que possa ser impugnada pelo recorrente através de um recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade ao abrigo da alínea b) do n.º1 do artigo 70.º da LTC.”
3. O recorrente reclamou para a conferência com os fundamentos seguintes:
“Mediante douta decisão sumária, proferida pelo mo Juiz Conselheiro relator, foi decidido não se tomar conhecimento do objeto do recurso apresentado.
Ora, tal douta decisão, pese embora se acompanhe no tocante ao entendimento aí vertido (não definitividade da decisão do Supremo Tribunal de Justiça!), entende-se que se poderá mostrar desvirtuadora dos princípios da economia processual e celeridade.
Na verdade, correr-se-á porventura o risco de ficar a apreciação da questão por V/ Exas. apenas adiada, quando se julga existir inconstitucionalidade flagrante em tal matéria.
De facto, o conhecimento do recurso e apreciação condenatória de tal pretensa violação dos direitos do arguido teria a virtualidade de fazer infletir a injustiça que se mostrará subjacente à douta decisão recorrida.
São assim razões de economia processual que justificam o conhecimento do recurso!
De facto, dentro da chamada discordância de opinião, não se vislumbra acerto na douta decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça...
Dúvidas inexistem igualmente da pertinência da questão validamente suscitada, a qual se radica no coração da douta decisão proferida e interpretação normativa efetuada pelo Tribunal decisor!
As razões para tal ausência de conformidade à lei fundamental igualmente se mostram vertidas, quer por referência a princípios jurídicos quer ainda aos artigos da própria Constituição da República Portuguesa.
Constitui fundamento para apresentação de recurso de constitucionalidade, nos termos da alínea b) do nº 1 do art. 70º LTC, que tenha havido aplicação de norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
E isso já foi feito pelo Supremo Tribunal de Justiça (aplicação) e pelo ora reclamante (suscitação), em termos adequados e aptos a serem percecionados pelo Tribunal Constitucional.
Entende-se assim que, em nome da justiça e observância devida aos mais elementares princípios jurídicos e comandos constitucionais, poderá ser, desde já, conhecido o objeto do recurso!
Caso seja necessário qualquer esclarecimento adicional ou aperfeiçoamento do requerimento de recurso estar-se-á, em nome do princípio da cooperação processual, ao inteiro dispor!
Entendendo-se assim que nada obsta ao conhecimento do recurso interposto por assumir o mesmo a característica de legalmente admissível, constituindo, além do mais, a mais imediata via de reação e combate a tamanha injustiça de que se mostra o recorrente em vias de poder vítima!
Na verdade, ao longo deste processo, corre o recorrente o risco de não só ter sido arguido e condenado como igualmente terminar como vítima...
Destarte,
requer-se, mui humilde e respeitosamente a V/ Exas., a procedência da presente reclamação e o consequente conhecimento do objeto do recurso interposto, assim se revogando a douta decisão sumária proferida e consequente notificação para apresentação de alegações.
V/ Exas., seres humanos sábios, pensarão e decidirão necessariamente de forma justa por ser impossível alcançar justiça sem sabedoria, pelo que e como sempre, decidindo farão a costumada e almejada
Justiça, rainha e senhora de todas as virtudes!”
4. O representante do Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido do indeferimento da reclamação nos termos seguintes:
“(…)
1º O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 5 de julho de 2013, apreciando um recurso interposto pelo Ministério Público, anulou a decisão recorrida - que já havia sido proferida na sequência de anterior acórdão daquele Supremo Tribunal – que realizou o cúmulo jurídico superveniente das penas em que o arguido se encontrava condenado.
2º O arguido arguiu a nulidade desse acórdão porque, entre o mais, não se havia pronunciado sobre as questões de constitucionalidade que levantara na sua resposta ao recurso do Ministério Público.
3º Apreciando a nulidade e concretamente sobre a matéria, diz o Supremo Tribunal de Justiça:
“A decisão reclamada decidiu a anulação do novo acórdão do tribunal coletivo a fim de se averiguar se uma pena declarada suspensa tinha sido, ou não, extinta e para fazer constar uma súmula dos factos que motivaram a condenação por cada um dos crimes singulares cujas penas devam ser englobadas. E voltou a indicar o modo como deve o tribunal coletivo proceder ao cúmulo jurídico; nesta parte, não há uma verdadeira decisão condenatória, pelo que não tinha este Supremo Tribunal de se pronunciar sobre os aspetos de constitucionalidade.
Daí que, quanto a essa parte, não tenha havido omissão de pronúncia, nem que acerca dele se mostre necessária qualquer aclaração”.
4º Veio então o arguido interpor recurso para o Tribunal Constitucional, identificando como seu objeto as questões de inconstitucionalidade que anteriormente suscitara.
5º Um dos requisitos de admissibilidade do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, consiste em a decisão objeto (formal) do recurso de constitucionalidade ser “definitiva” na ordem dos tribunais respetiva.
6.º As questões de constitucionalidade que o recorrente invoca, têm a ver, exclusivamente, com a realização do cúmulo e a pena única.
7.º Nesse sentido, tendo o Supremo Tribunal de Justiça anulado a decisão de 1.ª instância, o acórdão recorrido não tem essa natureza definitiva, como decorre na parte anteriormente transcrita do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que indeferiu a arguição de nulidade (vd. art.º 3.º).
8.º Assim, não existindo “decisão com cariz definitivo quanto à escolha da medida da pena aplicada”, como se diz na douta Decisão Sumária n.º 729/2013, ora reclamada, deverá a reclamação ser indeferida.”
II – Fundamentação
5. O recorrente reclama para a conferência da Decisão Sumária n.º 729/2013 por discordar do aí decidido quanto ao não conhecimento do objeto do recurso interposto para este Tribunal. A decisão reclamada sustentou a impossibilidade de conhecimento do recurso por a decisão recorrida não constituir a decisão definitiva da causa. Na reclamação ora apresentada, o ora reclamante refere que, embora não discorde do facto de a decisão recorrida não constituir uma decisão definitiva, “razões de economia processual” justificariam o conhecimento do recurso no presente momento.
6. Não assiste, porém, razão ao recorrente. Um argumento de celeridade ou economia processual não é suficiente para suprir a não verificação de um pressuposto processual cujo preenchimento é absolutamente necessário para que o Tribunal Constitucional possa tomar conhecimento do presente recurso. De facto, é um requisito geral de conhecimento de qualquer recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade o caráter definitivo da decisão recorrida (v. art.º 70.º, n.º 2 da LTC e Carlos Lopes do Rego, Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Almedina, 2010, pp. 17 e ss.).
Ora, a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem entendido que carece de definitividade a decisão que, por força do julgamento de certo recurso, terá de ser necessariamente reformulada pelo tribunal de 1ª instância, quanto aos critérios normativos questionados pelo recorrente (Acórdãos n.º 484/02 e 256/08). Ora, como se afirmou na decisão sumária reclamada, é esse o caso presente. A decisão objeto do presente recurso apenas manda ao tribunal de 1ª instância reformular a decisão, de acordo com os critérios de realização do cúmulo jurídico aí indicados. A solução jurídica a dar ao caso concreto ainda não foi definida.
7. O referido pressuposto processual está intimamente ligado com a natureza instrumental do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade, adotada pelo sistema jurídico português. O Tribunal Constitucional português (e diferentemente do que sucede noutros ordenamentos constitucionais) julga em recurso, que é interposto de decisão proferida por um tribunal comum. Embora o recurso seja restrito à questão da invalidade da norma (artigo 280.º, n.º 6, da CRP), a decisão que nele se profere não pode deixar de ter efeitos sobre a decisão concreta (artigo 80.º da LTC). Isso significa, como se afirmou no Acórdão n.º 498/96, “que o interesse no conhecimento de tal recurso há de depender da repercussão da respetiva decisão na decisão final a proferir na causa. Não visando os recursos dirimir questões meramente teóricas ou académicas, a irrelevância ou inutilidade do recurso de constitucionalidade sobre a decisão de mérito torna-o uma mera questão académica sem qualquer interesse processual, pelo que a averiguação deste interesse representa uma condição da admissibilidade do próprio recurso”.
8 Ora, no presente momento, uma vez que a decisão recorrida ainda não definiu a solução a dar ao caso concreto, uma eventual decisão de inconstitucionalidade não produziria ainda efeitos concretos na definição da situação jurídica do ora reclamante. Argumentos de celeridade ou de economia processual, por si invocados, contribuem, aliás, para a presente orientação, face à inutilidade de uma eventual decisão de inconstitucionalidade na atual definição da situação jurídica concreta do reclamante.
9. Assim sendo, resta confirmar a decisão de não conhecimento do objeto do recurso por falta dos pressupostos de admissibilidade do mesmo.
III – Decisão
10. Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas devidas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) UC, nos termos dos artigos 7.º e 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro.
Lisboa, 21 de janeiro de 2014. – Lino Rodrigues Ribeiro – Catarina Sarmento e Castro – Maria Lúcia Amaral.