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Processo n.º 573/06
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Helena Brito
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. O juiz do Tribunal Judicial de Braga proferiu, a fls. 22, o
seguinte despacho:
“O arguido interpôs recurso da sentença, impugnando a decisão proferida sobre
matéria de facto.
Assim sendo, uma vez que incumbe ao Tribunal a transcrição da prova que tenha
sido gravada, foi o arguido notificado para proceder ao pagamento do respectivo
preparo, no prazo de cinco dias, nos termos do artigo 89º, n.º 2 do Código das
Custas Judiciais (fls. 91). Decorrido tal prazo, o arguido não procedeu ao
pagamento do preparo devido.
Pelo exposto, nos termos do artigo 45º, n.º 1, al. e) do Código das Custas
Judiciais, o recurso subirá sem a transcrição das provas produzidas oralmente.
[…].”.
2. Deste despacho recorreu A. para o Tribunal da Relação de
Guimarães, tendo na motivação respectiva (fls. 2 e seguintes) concluído do
seguinte modo:
“1. O douto despacho impugnado considerou que a falta de pagamento pelo Arguido
do preparo para as despesas decorrentes da transcrição da gravação das provas
produzidas oralmente em audiência e necessárias para instruir o recurso penal
tem como consequência que o acto da transcrição se não pratique e,
2. em conformidade, ordenou a subida do recurso sem essa transcrição.
3. Considerou, portanto, o Mmº Juiz a quo que o disposto nos arts. 89º, n.º 2 e
45°, n.º 1, al. e), do CCJ se aplica no âmbito do processo penal e, em concreto,
aplicou esses preceitos ao caso vertente.
4. Tal decisão é inaceitável, porque esses preceitos não se aplicam em processo
penal, regulando-se a hipótese em apreço não por eles, mas pelo disposto no art°
147º, na al. b), última parte.
5. A decisão ofende, assim estes preceitos legais e deve, por isso, ser
revogada, ordenando-se que se proceda à transcrição à custa do Cofre Gerais dos
Tribunais, sem prejuízo do oportuno reembolso, se for caso disso.
6. A interpretação seguida pelo Mm° Juiz a quo do conjunto normativo integrado
pelos arts 45°, n.º 1, al. e), e 89°, n.º 2, CCJ, de acordo com a qual tais
preceitos se aplicam à falta de pagamento do preparo relativo às transcrições a
efectuar, para efeitos de recurso em processo penal da prova produzia oralmente
e implicam a consequência da não realização das transcrições, é
inconstitucional, por ofensa do disposto nos arts 20°, n.º 1 e 4, 32°, n.ºs 1 e
5, e 202°, n.º 2, CRP.”.
3. O Ministério Público respondeu (fls. 9 e seguintes), sustentando
que o despacho recorrido devia ser revogado.
O despacho foi mantido, por decisão de fls. 12 e seguintes.
O representante do Ministério Público junto do Tribunal da
Relação de Guimarães emitiu o parecer de fls. 30 e seguinte, no qual se
pronunciou no sentido da manutenção do despacho recorrido.
4. O Tribunal da Relação de Guimarães, por acórdão de 27 de Abril de
2006, negou provimento ao recurso, pelos seguintes fundamentos (fls. 35 e
seguintes):
“[…]
Como se referiu no relatório deste acórdão, está em causa saber se o art. 45 n.º
1 al. e) do CCJ se aplica, ou não, no âmbito do processo penal.
Na motivação do recurso, refere-se o acórdão de fixação de jurisprudência do STJ
2/03, DR 1ª Série de 30-1-03.
Porque o relator não sabe dizer mais, nem melhor, do que escreveu o sr.
procurador geral adjunto no seu parecer, transcrevem-se as partes principais
deste:
«O assento referenciado teve em vista a resolução da questão de saber, sempre
que o recorrente impugnasse a matéria de facto em conformidade com o disposto no
art. 412 n.ºs 3 e 4, a quem incumbia a transcrição ali referida: ao recorrente
ou ao tribunal? E resolveu-a decidindo que incumbe ao tribunal.
Mas o problema debatido no assento não dizia respeito ao pagamento de eventuais
encargos com a transcrição.
E uma coisa é a transcrição e outra diferente o encargo originado pela feitura
da mesma. Quem tem o ónus de proceder ou mandar proceder à transcrição não tem,
necessariamente, de suportar o encargo com a mesma. Pode ser o tribunal a
proceder à transcrição e ser outrem (o recorrente, por exemplo) a custear o
encargo com a mesma.
Em segundo lugar, o quadro legislativo alterou-se após a prolação do dito
assento do STJ.
Na verdade, o Dec.-Lei 324/03 de 27-12 alterou profundamente o CCJ e, além do
mais, também o CPP.
A redacção do n.º 2 do art. 101 do CPP, introduzida por este Dec.-Lei 324/03
manda que os encargos com a transcrição sejam suportados nos termos fixados no
CCJ.
E o art. 89 n.º 2 do CCJ, também com a redacção do mesmo Dec.-Lei, resolve,
expressa e claramente, a questão.
Refere tal dispositivo que:
2 – nos casos em que haja lugar a transcrição das provas produzidas oralmente,
os custos com a mesma são suportados pelo recorrente, mediante o pagamento do
respectivo preparo para despesas, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o
disposto nos arts. 43 a 46.
Não havia dispositivo semelhante no CCJ na versão anterior (do Dec.-Lei 224-A/96
de 26-11).
Embora os arts. 43 a 46 se insiram na parte cível, o art. 89 n.º 2 (sito no
domínio das custas criminais) manda aplicar, expressamente, o seu regime ao
domínio criminal. E manda aplicar tal regime, naturalmente, com as devidas
adaptações. Não pode haver uma transposição pura e simples daquele regime dos
arts. 43 a 46, dado que ali se prevêem, por exemplo, regras específicas outros
processos.
Resulta, assim, com clareza, do regime legal, que o encargo é suportado pelo
recorrente».
Só mais duas notas:
Diz o recorrente que «os interesses públicos em jogo no processo penal não se
compadecem com a solução adoptada pelo despacho em mérito, que faz depender a
análise e a viabilidade do recurso – no fundo a administração da justiça – do
pagamento de um acto cuja prática incumbe sempre ao tribunal…».
Transcrevendo o ac. RL de 18-1-06, Proc. 11046/05, citado pelo sr. procurador
geral adjunto, «o aludido normativo é perfeitamente compatível com a índole e a
natureza do processo penal, não podendo ser visto como uma limitação
desproporcionada ou intolerável do direito ao recurso e, consequentemente,
também do próprio direito de defesa, porquanto os encargos com a transcrição da
prova documentada constituem ‘custas-crime’ (art. 89 n.º 1 do CCJ) e, em caso de
insuficiência económica, o respectivo sujeito processual poderá socorrer-se do
instituto do apoio judiciário». Aliás, não há aqui qualquer especificidade do
processo penal, relativamente a outros ramos do direito processual, nomeadamente
o processo civil. Ambos são ramos do direito público e tratam do interesse
público da administração da justiça.
Alega o recorrente que a orientação seguida ofende o disposto nos arts. 20 n.ºs
1 e 4, 32 n.ºs 1 e 5 e 202 n.º 2 da CRP.
Mas nada argumenta no sentido de demonstrar a violação de cada uma das invocadas
cinco normas da CRP. É que, alegar não é só afirmar que se discorda da decisão
recorrida, mas sim atacá-la, especificando não só os pontos em que se discorda
dela, mas também as razões concretas de tal discordância. Como referem Simas
Santos e Leal Henriques em Recursos em Processo Penal, pág. 47, «Os recursos
concebidos como remédios jurídicos (...) não visam unicamente a obtenção de uma
melhor justiça, tendo o recorrente que indicar expressa e precisamente, na
motivação, os vícios da decisão recorrida, que se traduzirão em error in
procedendo ou in judicando».
[…].”.
5. Deste acórdão recorreu A. para o Tribunal Constitucional, ao
abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal
Constitucional, “para apreciação da inconstitucionalidade do conjunto normativo
integrado pelos arts 45º, n.º 1, al. e), e 89º, n.º 2, do Código das Custas
Judiciais, na interpretação, adoptada pela decisão recorrida, de acordo com a
qual tais preceitos se aplicam à falta de pagamento do preparo relativo às
transcrições a efectuar para efeitos de recurso em processo penal da prova
produzida oralmente e implicam a consequência da não realização das
transcrições, por ofensa do disposto nos arts. 20º, n.ºs 1 e 4, 32º, n.ºs 1 e 5,
e 202º, n.º 2, CRP” (fls. 42).
O recurso foi admitido por despacho de fls. 43.
6. Nas alegações (fls. 56 e seguintes), o recorrente sustentou, para
o que agora releva, o seguinte:
“[…]
O douto acórdão impugnado considerou, em suma, que:
[…]
- o encargo com essa transcrição [da prova produzida oralmente em audiência] tem
de ser suportado pelo Arguido, sendo ele o Recorrente;
- a falta de pagamento do respectivo preparo para despesas implica que não se
proceda à transcrição.
[…]
Quanto a esta [questão de saber quem é responsável pelos encargos da
transcrição], não há dúvida de que a decisão imputa essa responsabilidade ao
Recorrente, afastando-se da solução incorporada no mencionado acórdão do STJ.
Ou seja: por remissão do art° 89°, n.º 2, CCJ, aplicou ao processo penal a norma
do n.º 1 do art° 44° do mesmo diploma, segundo a qual «os preparos para despesa
são efectuados por quem requereu expressa ou implicitamente a diligência».
Quanto à terceira questão, das consequências da falta de pagamento do preparo, o
douto acórdão aplicou a norma do art° 45°, 1, e), CCJ para onde remete aquele
art° 89°, n° 2, e de acordo com a qual «[...] a falta de pagamento do preparo
para despesas implica [...] a não transcrição das provas produzidas oralmente».
Ora, são estas duas componentes da decisão impugnada que suscitam a questão de
constitucionalidade submetida à apreciação deste colendo Tribunal.
O Recorrente sustenta que a responsabilização do Arguido pelos encargos da
transcrição das provas necessárias à instrução do recurso penal ofende a
garantia do direito ao recurso estabelecida no n.º 1 do art° 32°, a estrutura
acusatória do processo penal (na dimensão da respectiva oficiosidade),
consignada no n.º 5 do art° 32°, o acesso ao direito e aos tribunais
salvaguardado pelo art° 20°, n.º 1, e a obrigação imposta aos tribunais de
assegurarem a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos
cidadãos decorrente do n.º 2 do art° 202, todos da CRP.
Citando o Ac STJ n.º 2/2003 para fixação de jurisprudência,
«o processo penal visa a satisfação de um interesse público traduzido na
protecção dos bens jurídicos fundamentais da comunidade, estando reservadas ao
estado a promoção e a condução do procedimento que a cada caso couber.
Assim, o processo penal rege-se, entre outros princípios básicos, pelo princípio
da oficialidade, segundo o qual constitui tarefa do Estado a investigação e a
submissão a julgamento do arguido, pela prática de infracção penal, e da
investigação que, como refere Germano Marques da Silva, in Curso de Processo
Penal, vol. 1, Editorial Verbo, p. 73, ‘traduz o poder-dever que ao Tribunal
incumbe de esclarecer e instruir autonomamente, mesmo para além das
contribuições da acusação e da defesa, o facto sujeito a julgamento, criando
aquele mesmo as bases necessárias à sua decisão’.
[…]
É difícil conceber que fosse deixada à mercê do próprio interessado uma tarefa
de tanto significado e melindre como seja a de fornecer ao tribunal o material
probatório que iria servir de base ao Julgamento do feito, ainda que em sede de
recurso».
Estas considerações continuam válidas e actuais, quaisquer que tenham sido as
alterações introduzidas no Código das Custas Judiciais, porque entroncam em
razões constitucionais muito profundas, atinentes à natureza do processo penal e
da administração da Justiça e às garantias do Arguido.
Dizendo de outro modo: as normas agora em referência, porque, ao fazerem
impender sobre o Arguido o ónus de custear, para efeitos de recurso, a
transcrição da gravação da prova produzida oralmente em julgamento, dissociam o
Estado do poder/dever de assegurar os meios necessários à realização da justiça
penal, dificultam, sem justificação, o acesso dos cidadãos ao direito e aos
tribunais, e limitam, também sem justificação, as garantias de defesa na
vertente do direito ao recurso.
Por isso, considera e defende a Recorrente que os arts 45º, n.º 1, al. e), e
89°, n.º 2, do Código das Custas Judiciais, na interpretação, adoptada pela
decisão recorrida, de acordo com a qual tais preceitos se aplicam à falta de
pagamento do preparo relativo às transcrições a efectuar para efeitos de recurso
em processo penal da prova produzida oralmente, ofendem o disposto nos arts 20°,
n.ºs 1 e 4, 32°, n.ºs 1 e 5, e 202°, n.º 2, CRP e são inconstitucionais.
Ainda, porém, que assim não fosse, não deixariam tais normas de ser
inconstitucionais por outro motivo, que nos situa no âmago da terceira questão
acima enunciada.
A consequência da falta de pagamento do preparo para despesas de transcrição não
poderá jamais ser, em processo penal, a de o acto não ser praticado, ou seja, na
prática, a da rejeição ou total inviabilidade do recurso, pelas mesmíssimas
razões que já ficaram enunciadas no ponto anterior, agora reforçadas pelo
carácter excessivo e desproporcional dessa sanção.
Quando muito – embora com relutância e sem conceder – poderia admitir-se que a
falta de pagamento do preparo – se fosse devido e compatível com a referenciada
natureza do processo penal – determinava a sua cobrança coerciva, no competente
processo executivo.
Mais do que isso representa uma limitação ou mesmo obstrução desproporcional e
inadmissível de todos aqueles princípios e normas constitucionais.
Conclusão:
O conjunto normativo integrado pelos arts 45°, n.º 1, al. e), e 89°, n.º 2, do
Código das Custas Judiciais, na interpretação, adoptada pela decisão recorrida,
de acordo com a qual tais preceitos se aplicam à falta de pagamento do preparo
relativo às transcrições a efectuar para efeitos de recurso em processo penal da
prova produzida oralmente e implicam a consequência da não realização das
transcrições, é inconstitucional por ofensa do disposto nos arts 20°, n.ºs 1 e
4, 32°, n.ºs 1 e 5, e 202°, n.º 2, CRP.”.
7. O representante do Ministério Público junto do Tribunal
Constitucional contra-alegou (fls. 60 e seguintes), sustentando, entre o mais, o
seguinte:
“[…]
1. O Tribunal Constitucional tem diversas pronúncias sobre «os ónus processuais»
que impedem sobre as partes. O Acórdão n.º 405/04 faz, aliás, uma resenha da
jurisprudência a esse propósito, remetendo para diversos Acórdãos que se
pronunciam sobre a matéria: Acórdãos n.ºs 428/03, 260/02, 299/93, 337/2000,
417/99, 529/03 e 322/04.
2. Com pleno interesse para o caso ora em apreço é, porém o explanado e decidido
pelo Acórdão n.º 405/04 (e, também, pelo Acórdão n.º 677/99, para o qual aquele
remete) e que aqui transcrevemos por manifesta adequação:
[…]
3. Ora, ao invés do acontecido na situação objecto de apreciação por este
Tribunal, que se pronunciou por um juízo de inconstitucionalidades [n]o Acórdão
n.º 405/04, na presente situação sub-judice, em primeiro lugar, ao arguido foi
dada a oportunidade (...) de assegurar a plena efectividade do seu direito de
recurso, porquanto foi devidamente notificado para fazer os preparos, e, em
segundo lugar, o arguido não estava inibido de poder socorrer-se do apoio
judiciário para assegurar a plena efectividade do direito.
4. O disposto nos artigos 89°, n.º 2, e 45º do Código das Custas Judiciais, não
representava ónus ou formalidades excessivas ou desproporcionadas que ponham em
causa a essência daquele direito (vide conclusões das alegações do Ministério
Público, transcritas no Acórdão n.º 405/03), por não se verificar «limitação
desproporcionada das garantias de defesa do arguido»
5. Tal como as instâncias já decidiram, atendendo à data de entrada em vigor, a
01-01-04 do Decreto-Lei 324/03, de 27-12-03, a jurisprudência do Assento n.º
2/03, será «inaplicável» em face de lei nova que regula expressamente a matéria.
6. Ora, o «novo» n.º 2 do artigo 89° (vide também o n.º 1 do mesmo preceito) é
bem claro quanto ao «ónus» que impende sobre o arguido e das «consequências» do
não cumprimento de tal «ónus» (artigo 45°, n.º 1, alínea e) do Código das Custas
Judiciais).
7. Assim, e dado, por um lado que o arguido teve oportunidade – por força da
notificação efectuada – de cumprir com aquele ónus, e dado, por outro lado, que
este ónus não é injusto, desproporcionado ou excessivo na justa medida em que o
arguido sempre teria ao seu alcance o mecanismo de apoio judiciário (admissível
quanto a nós, em face do disposto no n.º 1 e n.º 2, 2ª parte (encargo
excepcional), do artigo 18°, da Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais (Lei
n.º 34/04, de 29 de Julho), não se vê que tal conjunto de normas possa ofender o
artigo 20° (acesso aos tribunais), 32° (garantias de defesa) e 202° (função
jurisdicional).
III. Conclusão
Nesta conformidade e face ao exposto, conclui-se:
1. As normas dos artigos 45°, n.º 1, alínea e) e 89°, n.º 2 do Código das Custas
Judiciais, interpretadas no sentido de terem como consequência a não realização
da transcrição das provas produzidas oralmente em processo penal, em caso de
recurso interposto pelo arguido que não efectuou para tanto o respectivo preparo
para despesas, sendo para tal notificado e não estando impedido de solicitar o
correspondente apoio judiciário não são inconstitucionais.
2. Termos em que não deverá proceder o presente recurso.”.
Cumpre apreciar e decidir.
II
8. No requerimento de interposição do presente recurso (supra, 5.),
submeteu o recorrente à consideração do Tribunal Constitucional uma determinada
interpretação do conjunto normativo integrado pelos artigos 45º, n.º 1, alínea
e), e 89º, n.º 2, do Código das Custas Judiciais.
Nas alegações (supra, 6.), porém, parece pretender também a
apreciação do conjunto normativo integrado pelos artigos 89º, n.º 2, e 44º, n.º
1, do Código das Custas Judiciais, pois que reporta tal conjunto normativo a uma
das “componentes da decisão impugnada que suscitam a questão de
constitucionalidade submetida à apreciação” deste Tribunal.
Ora, como é evidente, o objecto do recurso de
constitucionalidade ficou definido no respectivo requerimento de interposição,
pelo que não é possível conhecer do conjunto normativo integrado pelos artigos
89º, n.º 2, e 44º, n.º 1, do Código das Custas Judiciais.
O mesmo é dizer que não é possível conhecer da questão da
conformidade constitucional da interpretação segundo a qual “o encargo com essa
transcrição [da prova produzida oralmente em audiência] tem de ser suportado
pelo Arguido, sendo ele o recorrente”, que o recorrente qualifica como uma das
“componentes da decisão impugnada que suscitam a questão de constitucionalidade
submetida à apreciação” deste Tribunal – deste modo pretendendo a sua
apreciação, ao menos implícita, pelo Tribunal Constitucional –, mas que traduz,
de facto, uma autónoma questão de constitucionalidade normativa, que não é
susceptível de se confundir com aquela que se encontra referida no requerimento
de interposição do presente recurso de constitucionalidade.
Também por outro motivo não é possível conhecer dessa questão
de constitucionalidade. É que, no recurso para o Tribunal da Relação de
Guimarães (supra, 2.), o recorrente perspectivou a questão de
constitucionalidade apenas no plano das consequências da falta de pagamento,
pelo arguido, do preparo para as despesas decorrentes da transcrição da gravação
das provas, não no plano da responsabilidade pelo pagamento dessas despesas.
Ora, pressupondo o recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei
do Tribunal Constitucional – aquele que agora foi interposto pelo recorrente – a
invocação, durante o processo, da questão de constitucionalidade a apreciar pelo
Tribunal Constitucional, não seria possível, quanto à interpretação segundo a
qual “o encargo com essa transcrição [da prova produzida oralmente em audiência]
tem de ser suportado pelo Arguido, sendo ele o recorrente”, ter como preenchido
um dos pressupostos do presente recurso.
A única questão de constitucionalidade de que cumpre agora
conhecer é, assim, aquela que se reporta ao conjunto normativo integrado pelos
artigos 45º, n.º 1, alínea e), e 89º, n.º 2, do Código das Custas Judiciais –
pois que só este foi identificado no requerimento de interposição do presente
recurso – e que diz respeito unicamente à outra das “componentes da decisão
impugnada que suscitam a questão de constitucionalidade submetida à apreciação”
deste Tribunal: mais concretamente, à componente dessa decisão que se prende com
as consequências da falta de pagamento do preparo para despesas (entre as quais
se encontra a não transcrição das provas produzidas oralmente).
Em suma, o objecto do presente recurso prende-se apenas com a
terceira questão a que alude o recorrente nas alegações – a de que “a falta de
pagamento do respectivo preparo para despesas implica que não se proceda à
transcrição” –, e que pode ser definida do seguinte modo: a de saber se é
inconstitucional, à luz do disposto nos artigos 20º, n.ºs 1 e 4, 32º, n.ºs 1 e
5, e 202º, n.º 2, da Constituição, a interpretação dos artigos 45º, n.º 1,
alínea e), e 89º, n.º 2, do Código das Custas Judiciais, de acordo com a qual,
em processo penal, a falta de pagamento do preparo para despesas relativo à
transcrição da prova produzida oralmente, a efectuar para efeitos de recurso,
tem como consequência a não realização da transcrição.
9. O artigo 45º, n.º 1, alínea e), do Código das Custas Judiciais,
aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26 de Novembro, na redacção emergente
do Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro – aquela que foi tida em conta na
decisão recorrida (supra, 4.) –, dispõe o seguinte:
“Artigo 45º
Consequências da falta do preparo para despesas
1 – Sem prejuízo do disposto nos números seguintes e no artigo 46º, a falta de
pagamento do preparo para despesas implica, conforme os casos:
[…]
e) A não transcrição das provas produzidas oralmente.
[…].”.
Por sua vez, determina o artigo 89º, n.º 2, do mesmo Código:
“Artigo 89º
Encargos
[…]
2 – Nos casos em que haja lugar à transcrição das provas produzidas oralmente,
os custos com a mesma são suportados pelo recorrente, mediante o pagamento do
respectivo preparo para despesas, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o
disposto nos artigos 43º a 46º.
[…].”.
Vejamos se é inconstitucional a interpretação destes dois
preceitos que constitui o objecto do recurso e que, repete-se, se prende com a
não transcrição das provas produzidas oralmente, enquanto consequência da falta
de pagamento do preparo para as despesas decorrentes dessa mesma transcrição.
10. Sendo esta a questão a resolver, a dúvida que em primeiro lugar
importa esclarecer é a seguinte: será excessiva ou desproporcionada – e, como
tal, violadora do direito ao recurso consagrado no artigo 32º, n.º 1, da
Constituição – a consequência prevista na lei para a falta de pagamento do
preparo para as despesas decorrentes da transcrição, que é justamente a da não
realização dessa transcrição?
O recorrente entende que sim, atendendo a que a lei podia, ao
menos, determinar uma sanção mais branda, como seja a cobrança coerciva, no
competente processo executivo, da dívida respeitante ao preparo para despesas de
transcrição (supra, 6.).
Já o Ministério Público, nas contra-alegações (supra, 7.),
responde negativamente, não só porque ao recorrente/arguido foi dada a
oportunidade de cumprir o ónus de pagamento desse preparo (pois que, para tal,
foi notificado), como também porque o arguido sempre teria ao seu alcance o
mecanismo do apoio judiciário, nos termos do disposto no n.º 1 e no n.º 2, 2ª
parte, do artigo 18º da Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais (Lei n.º
34/2004, de 29 de Julho).
O artigo 18º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, que altera o
regime de acesso ao direito e aos tribunais e transpõe para a ordem jurídica
nacional a Directiva n.º 2003/8/CE, do Conselho, de 27 de Janeiro, relativa à
melhoria do acesso à justiça nos litígios transfronteiriços através do
estabelecimento de regras mínimas comuns relativas ao apoio judiciário no âmbito
desses litígios, dispõe o seguinte:
“Artigo 18º
Oportunidade do pedido de apoio judiciário
1 - O apoio judiciário é concedido independentemente da posição processual que o
requerente ocupe na causa e do facto de ter sido já concedido à parte contrária.
2 - O apoio judiciário deve ser requerido antes da primeira intervenção
processual, salvo se a situação de insuficiência económica for superveniente ou
se, em virtude do decurso do processo, ocorrer um encargo excepcional,
suspendendo-se, nestes casos, o prazo para pagamento da taxa de justiça e demais
encargos com o processo até à decisão definitiva do pedido de apoio judiciário,
aplicando-se o disposto nos n.ºs 4 e 5 do artigo 24º.
[…].”.
A razão está com o Ministério Público.
Na verdade, para determinar se um determinado ónus é pesado ou
excessivo, não é suficiente verificar se a lei podia, em abstracto, estabelecer
uma sanção mais leve para o respectivo incumprimento (como seria o caso, na
óptica do recorrente, da cobrança coerciva em processo executivo). É que o
estabelecimento de uma sanção mais leve pode, na prática, constituir um fraco
estímulo para o cumprimento do próprio ónus e, portanto, inviabilizar a
realização do objectivo pretendido pela lei com a consagração do ónus: no caso,
a realização das transcrições a expensas, não do Estado, mas do recorrente.
O que importa, diversamente, apurar é se o onerado pode cumprir
o ónus sem que tal lhe seja particularmente penoso e se, não o tendo cumprido, é
ponderado o motivo do incumprimento para efeitos de estabelecimento da sanção.
Ora, o que se verifica é que o cumprimento do ónus de pagamento
do preparo para as despesas decorrentes da transcrição não se revestiu de
especiais dificuldades para o recorrente/arguido nem a sanção estabelecida se
alheou do motivo do incumprimento.
Em primeiro lugar porque, como salienta o Ministério Público, o arguido foi
alertado para a necessidade de cumprimento desse ónus (cfr. também o despacho de
fls. 22: supra, 1.): assim, se o arguido não cumpriu, não foi por tal lhe ser
especialmente difícil, nomeadamente por desconhecer a imposição.
Em segundo lugar, porque o arguido sempre teria ao seu alcance o mecanismo do
apoio judiciário – como, aliás, se assinala na decisão recorrida (supra, 4.), no
trecho em que transcreve parte de um acórdão da Relação de Lisboa: “[…] em caso
de insuficiência económica, o respectivo sujeito processual poderá socorrer-se
do instituto do apoio judiciário” –, pelo que o cumprimento do ónus não foi
dificultado por razões de natureza económica.
Em terceiro lugar, porque tendo o arguido sido alertado para o efeito (cfr.
notificação de fls. 21), seria redundante um novo despacho alertando-o para a
necessidade de pagamento do preparo e consequências do não pagamento: não pode,
pois, dizer-se que a sanção (ou melhor, a desvantagem) não ponderou o motivo do
não cumprimento do ónus.
Este aspecto, aliás, claramente diferencia o caso sub judice do caso analisado
no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 405/04, de 2 de Junho, citado pelo
Ministério Público nas contra-alegações – no qual se julgou inconstitucional,
por violação do artigo 32º, n.º 1, da Constituição, a norma do n.º 4 do artigo
412º do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de que a falta de
transcrição, pelo arguido recorrente, das gravações constantes dos suportes
técnicos a que se referem as especificações previstas nas alíneas b) e c) do n.º
3 do mesmo artigo tem como efeito o não conhecimento da impugnação da matéria de
facto e a improcedência do recurso nessa parte, sem que ao mesmo seja dada a
oportunidade de suprir tal deficiência –, desde logo porque, aqui, nenhum acto
do juiz ou da secretaria tinha sido anteriormente praticado, alertando o arguido
para a necessidade de cumprimento do ónus.
Não sendo excessiva nem desproporcionada a consequência prevista na lei para a
falta de pagamento do preparo para as despesas decorrentes da transcrição – que
é a da não realização dessa transcrição –, cumpre concluir que a interpretação
normativa ora em apreciação não viola o direito ao recurso consagrado no artigo
32º, n.º 1, da Constituição, sendo certo que os outros preceitos constitucionais
invocados pelo recorrente ou são inaplicáveis ao caso, ou nada acrescentam ao
disposto naquele preceito, quanto à resolução da questão de constitucionalidade
que constitui o objecto do presente recurso.
III
11. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal
Constitucional decide negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20
(vinte) unidades de conta.
Lisboa, 14 de Novembro de 2006
Maria Helena Brito
Rui Manuel Moura Ramos
Maria João Antunes
Carlos Pamplona de Oliveira
Artur Maurício