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Processo n.º 1305/13
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Fernando Ventura
Acordam, em Conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, por acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto em 15 de maio de 2013, foi julgado improcedente o recurso interposto pelo arguido e ora reclamante A. e, consequentemente, confirmado o acórdão da 1.ª Vara Criminal do Porto que, inter alia, o havia condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pelo artigo 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência às Tabelas I-A e I-B anexas ao referido diploma legal, na pena de um ano de nove meses de prisão.
Inconformado, o arguido interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, que, não foi admitido por despacho do Relator no Tribunal da Relação do Porto, datado de 17 de julho de 2013.
Irresignado, o arguido reclamou dessa decisão para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, pugnando pela admissão do recurso, o que foi indeferido por despacho prolatado em 14 de outubro de 2013.
2. Novamente inconformado, o arguido apresentou recurso para o Tribunal Constitucional, invocando o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (doravante LTC), através de requerimento com o seguinte conteúdo:
«O arguido foi condenado na 1ª Vara Criminal do Porto, pela prática de um crime de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelos artºs 25º, alín. a) do Dec.-Lei n.º 15/93, de 22/01 na pena de 1 (um) anos e 9 (nove) meses de prisão efetiva.
Inconformado interpôs recurso para o Digníssimo Tribunal da Relação do Porto, por entender que a sua conduta preenche um crime de Tráfico de Menor Gravidade (art.º 25º DL 15/93), pois estamos perante um caso de mera detenção, não se tendo provado mais nada, nomeadamente o lucro.
Por outro lado, atentas as suas condições pessoais, desejar ressocializar-se, deveria ser-lhe aplicada uma pena mais leve, atenuada, próxima do seu mínimo legal, o que satisfaria os fins de prevenção geral e especial, devendo ser suspensa na sua execução, mostrando-se violados os art.s 70º e 71º do CP; 25º da Lei 15/93 e 32º da CRP.
Assim não entendeu o Digno Tribunal da Relação do Porto, que negou provimento ao recurso.
Dessa decisão, interpôs o arguido recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo o mesmo sido indeferido nos termos dos art.ºs 400º n.º l alín. f) do CPP e art. 432º n.º 1 alín b) e c) do mesmo diploma.
Ora, no caso em apreço estamos perante uma situação de uma confirmação pela Relação, de uma Decisão da primeira instância, cuja pena aplicada é inferior a 8 anos.
De acordo com os supra indicados artigos não é permitido o Recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, nesta situação.
Todavia, de acordo com o CPP anterior tal situação era possível.
... «Num caso de sucessão de leis penais, havendo normas mais favoráveis num e noutro dos regimes, há que comparar as consequências concretas que da aplicação de uma e outra lei resultam e aplicar de maneira completa aquela cujos resultados sejam menos gravosos para o arguido.»
Assim, analisando ambos os regimes penais, facilmente concluímos que o anterior é mais favorável à arguida.
Como refere Germano Marques da Silva, in Direito Penal Português, I, 2001, p. 281, «para se determinar se uma Lei é mais favorável ao arguido do que outra, avaliam-se as consequências no seu conjunto e no caso concreto» (ponderação concreta).
Pertinentemente, Américo Taipa de Carvalho, in Sucessão de Leis Penais, 2ª ed, Coimbra Editora, 1997, p. 191, salienta que não é necessário proceder a uma avaliação concreta, quando é evidente, numa simples consideração abstrata, que uma das Leis é claramente mais favorável que a outra.
O que se verificou no caso em apreço.
Discutida na Doutrina é a questão de saber se a ponderação deve ser unitária ou diferenciada.
Ponderação unitária significa que é a Lei na sua totalidade, na globalidade das suas disposições, que deve ser aplicada; a ponderação diferenciada, considerada a complexidade de cada uma das Leis e a relativa autonomia de cada uma das disposições, defende que deve proceder-se ao confronto de cada uma das disposições de cada Lei, podendo, portanto, acabar por se aplicar ao caso sub judice, disposições de ambas as Leis (vide Taipa de Carvalho, ob. Cit., p. 192, 193).
A doutrina maioritária entende que se deverá optar pela ponderação unitária, pois, caso contrário, o Julgador estaria a criar novos regimes, e não a aplicar o mais favorável de entre os vigentes desde a prática do ilícito até à decisão, violando, desse modo, o princípio da separação de poderes.
O STJ, por Ac. de 03/11/2005, publicado no DR Série I-A, de 19/12/2005 (Ac. nº 11/2005) decidiu que «sucedendo-se no tempo Leis sobre o prazo de prescrição do procedimento contraordenacional, não poderão combinar-se, na escolha do regime concretamente mais favorável, os dispositivos mais favoráveis de cada uma das Leis concorrentes».
Aliás, tal Venerando Tribunal, na motivação do Assento publicado em 17/03/1989, ao defender uma ponderação global e aplicação de uma das Leis em bloco, considerou que «não é lícito construir regimes particulares pela conjugação de elementos de uma e outra Lei, com prejuízo da quebra de coerência e a obtenção de um resultado aberrante, ainda que concretamente vantajoso para o agente».
Assim, deve aplicar-se o CPP anterior ao caso em apreço, por ser mais favorável para a arguida, em obediência ao disposto no art. 2º, nº 4 do CP.
O direito ao recurso inscreve-se numa manifestação fundamental do direito de defesa, no direito a um processo justo, decidido em tempo razoável, por um tribunal independente, imparcial e regulado por lei, como resulta dos arts. 8.º e 10.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, e dos arts. 6.º e 13.º da CEDH, que, por via de regra não demanda o seu exercício em mais de um grau, e é decidido por um tribunal superior àquele de que se recorre.
De acordo com o Douto Acórdão n.º 422/2005 do Tribunal Constitucional de 17 de agosto, para se respeitar o direito ao recurso constitucionalmente garantido no n.º 1 do art.º 32º CRP, a possibilidade de interposição, pelo arguido, de recurso de decisões penais desfavoráveis tem de ser uma possibilidade real e efetiva e não meramente fictícia.
Parte da jurisprudência vem invocando, contra a solução que identifica a pena aplicável com a pena aplicada na decisão condenatória que não possa ser agravada pelo tribunal ad quem por se tratar de recurso interposto apenas pela defesa ou no interesse da defesa, milita decisivamente a perversão do princípio da proibição da reformatio in pejus que está na sua base.
Não é aceitável que esta garantia fundamental do direito ao recurso do arguido, que visa tornar efetiva a possibilidade de exercício desse direito, possa ser lançada precisamente contra o arguido, impedindo-o de recorrer.
Posição que foi também muito recentemente subscrita pelo Ac. n.º 628/2005, em que, pela primeira vez e contra jurisprudência anterior, o Tribunal Constitucional concluiu pela inconstitucionalidade daquela interpretação que identifica pena aplicável com pena aplicada limitada pelo princípio da proibição da reformatio in pejus.
É de saudar, portanto, a proposta, pela qual, caso mereça consagração legal, se tornará inequívoco que o condenado pela relação em pena concreta de prisão não superior a 8 anos, por crime abstratamente punível com pena de prisão superior a 8 anos, poderá recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça.
Por tal motivo ao não se admitir o recurso em causa, violou-se o art.º 29º e 32º da CRP.
Por outro lado, entendemos também, salvo melhor opinião, que a interpretação e aplicação do disposto nos arts. 70º, 71º do CP, pelo Insigne Tribunal da Relação do Porto, na interpretação de que «não registando a recorrente quaisquer antecedentes criminais e de condição social modesta», não se verifica suficiente para acautelar as necessidades de prevenção especial e geral da medida de pena que possa ser suspensa na sua execução, por haver na suspensão um juízo de prognose mais favorável a esta, todos por violação do art.º 32º da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidades essas invocadas previamente no seu recurso da lavara do Tribunal Criminal do Porto, para o Tribunal da Relação do Porto.
Com efeito, ao erguer a culpa - como critério principal de determinação da pena - e a prevenção como critério secundário, o Tribunal «a quo» não avalizou corretamente o art.º 71º do CP, não cumprindo com o princípio constitucional da adequação e proporcionalidade das penas, revelando-se justo aplicar apenas uma pena concreta correspondente ao limite mínimo abstratamente aplicável para aquele tipo de ilícito, especialmente atenuada.
Violou assim também o douto acórdão recorrido o princípio da proporcionalidade.
Pretende assim o recorrente a apreciação da constitucionalidade das normas jurídicas em causa, por ambiguidade e falta de clareza dessas mesmas normas jurídicas, por colidirem em função dessas debilidades com uma norma constitucional.»
Por despacho proferido em 29 de outubro de 2013, ordenou-se no STJ a notificação do arguido para indicar a norma cuja inconstitucionalidade pretendia que o Tribunal Constitucional apreciasse, bem como a peça processual onde suscitara a questão de inconstitucionalidade, nos termos dos artigos 75.º-A, n.º 5 e 76.º, n.º 2, ambos da LTC, sob pena de o requerimento de interposição de recurso ser indeferido nessa parte. Foi, paralelamente, decidido não se tomar conhecimento da “parte do requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional (fls. 67 e segs.) onde o recorrente A. suscita a inconstitucionalidade dos arts. 70.º e 71.º do CP, na interpretação e aplicação que foi dada a estas normas pelo Tribunal da Relação do Porto, por não se referirem a decisão proferida nos termos do art. 405.º do CPP”.
Notificado, o arguido apresentou requerimento, nestes termos:
«(…) [V]em muito respeitosamente informar V. Exa.s que o preceito constitucional que no seu entender se mostra violado no douto acórdão em crise, é a norma constante do art. 32º da CR.P.
Como se refere no Douto Acórdão n.º 422/2005 do Tribunal Constitucional de 17 de agosto, para se respeitar o direito ao recurso constitucionalmente garantido no nº 1 do art.º 32º CRP, a possibilidade de interposição, pelo arguido, de recurso de decisões penais desfavoráveis tem de ser uma possibilidade real e efetiva e não meramente fictícia.
Parte da jurisprudência vem invocando, contra a solução que identifica a pena aplicável com a pena aplicada na decisão condenatória que não possa ser agravada pelo tribunal ad quem por se tratar de recurso interposto apenas pela defesa ou no interesse da defesa, milita decisivamente a perversão do princípio da proibição da reformatio in pejus que está na sua base.
Não é aceitável que esta garantia fundamental do direito ao recurso do arguido, que visa tornar efetiva a possibilidade de exercício desse direito, possa ser lançada precisamente contra o arguido, impedindo-o de recorrer.
Posição que foi também muito recentemente subscrita pelo Ac. n.º 628/2005, em que, pela primeira vez e contra jurisprudência anterior, o Tribunal Constitucional concluiu pela inconstitucionalidade daquela interpretação que identifica pena aplicável com pena aplicada limitada pelo princípio da proibição da reformatio in pejus.
E é exatamente essa questão que se pretende ver analisada
Tal questão de inconstitucionalidade e violação dos art.º 29º e 32º foi já suscitada nas Motivações de Recurso apresentadas em primeira instância e posteriormente nas Motivações de Recurso da Relação para o Digníssimo Supremo Tribunal de Justiça.»
Em despacho de 19 de novembro de 2013, o Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça dispôs o seguinte:
«A fls. 73 foi o recorrente A. convidado, ao abrigo do art. 75.º·A, n.º 5, da LTC, a indicar, no prazo de 10 dias, a norma cuja inconstitucionalidade pretendia ver apreciada e a peça processual onde tinha suscitado a questão da inconstitucionalidade.
Em resposta, o recorrente apresentou o requerimento de fls. 82 e 83, onde refere que o preceito constitucional que considera violado é o art. 32.º da CRP. Acrescenta que suscitou a questão da inconstitucionalidade nas motivações de recurso apresentadas em 1.ª instância e nas motivações de recurso da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça.
Não se mostra, assim, satisfeito o convite na sua totalidade e, consequentemente, não cumprida a exigência da parte final do n.º 1 do art. 75.º-A da Lei do Tribunal Constitucional, ou seja, a indicação da norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie.
Assim sendo, não admito o recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos do art. 76.º, n.º 2, 1ª parte, da LTC.»
3. Nessa sequência, o arguido apresentou reclamação a decisão de não admissão do recurso de constitucionalidade, nestes termos:
«O Tribunal a quo entende que “O Recurso para o Tribunal Constitucional não é admissível pois não foi observado o estatuído no art.º 75º-A n.ºs 1, 2 e 5 da LOFPTC, ou seja não foram indicadas as normas cuja inconstitucionalidade se pretende ver apreciada e a norma ou princípio constitucional que se considera violado.
Sucede que, o arguido veio indicar o preceito constitucional que no seu entender se mostra violado no douto acórdão em crise, como sendo a norma constante do art. 32º da CR.P.
Mais referiu que de acordo com o Douto Acórdão n.º 422/2005 do Tribunal Constitucional de 17 de agosto, para se respeitar o direito ao recurso constitucionalmente garantido no nº 1 do art.º 32º CRP, a possibilidade de interposição, pelo arguido, de recurso de decisões penais desfavoráveis tem de ser uma possibilidade real e efetiva e não meramente fictícia.
Finalmente mais referiu que tal questão de inconstitucionalidade e violação dos art.º 32º CRP foi já suscitada nas Motivações de Recurso apresentadas em primeira instância e posteriormente nas Motivações de Recurso da Relação para o Digníssimo Supremo Tribunal de Justiça.
Se o recorrente não pudesse invocar as inconstitucionalidades resultantes da interpretação e aplicação das normas feitas pelos Tribunais Superiores (Relação ou Supremo Tribunal de Justiça) ficaria fora da alçada do Tribunal Constitucional uma grande parte da fiscalização concreta da constitucionalidade que cabe a esse alto tribunal.
Como é óbvio, também nesta particular questão o arguido/recorrente não podia pressupor, intuir, que o Digno Tribunal da Relação, agiria como agiu, e interpretaria as normas do Código Penal e da própria Constituição como interpretou e aplicou.
É com a prolação da Decisão, e só nessa altura, que se tornam patentes os vícios e manifesta a interpretação inconstitucional dada às normas, afrontando de maneira gritante e inadmissível o Estado de Direito e processo Democrático, pondo em causa princípios que deviam estar mais do que consolidados na ordem jurídica portuguesa:
Assim sendo, o recorrente tem o Direito de ver apreciado o Recurso interposto para o Tribunal Constitucional no sentido de controlar a constitucionalidade:
a) Ora, entendemos salvo melhor opinião que a interpretação e aplicação do feita, pelo Insigne Tribunal da Relação do Porto, ao não admitir o recurso em causa constitui uma violação dos artigos 29º e 32º da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidades essa invocadas previamente na sua reclamação para o Tribunal Relação do Porto.
É, pois, um vício que se regista somente na Decisão, que se pretende seja analisada à luz das normas da Constituição.
Desta forma tem o recorrente o direito a ver apreciado o Recurso interposto para o Tribunal Constitucional.»
Em resposta, o Ministério Público pronunciou-se no sentido do indeferimento da reclamação, dizendo:
«1. A Relação do Porto, por acórdão de 15 de maio de 2013, negou provimento ao recurso interposto por A. da decisão que, em 1.ª instância, o havia condenado na pena de 1 ano e 9 meses de prisão.
2. O arguido interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça e, como este não foi admitido, reclamou para o Senhor Presidente daquele Supremo Tribunal.
3. Tendo a reclamação sido indeferida, dessa decisão foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional.
4. Como o requerimento de interposição de recurso não continha todos os elementos exigidos pelo artigo 75.º-A, n.ºs 1 e 2 da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), entre os quais, a indicação da norma cuja inconstitucionalidade se pretendia ver apreciada, foi o arguido convidado a suprir tais deficiências.
5. Em resposta ao convite, apresentou a peça junta a fls. 89 a 90.
6. Como nos parece claro e se diz na decisão que não admitiu o recurso para o Tribunal Constitucional, ora reclamada, apesar do convite, o arguido não indicou qual a norma e interpretação de direito ordinário cuja inconstitucionalidade pretendia ver apreciada.
7. Aliás, já na reclamação para o Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça - o momento processual próprio para suscitar a questão - o que o recorrente questiona é a aplicação, ao caso, do regime de recursos posterior às alterações introduzidas pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, uma vez que, segundo ele, o anterior se mostrava mais favorável, nunca enunciando, contudo, qualquer questão de inconstitucionalidade de natureza normativa.
8. Quanto ao recorrente afirmar, na resposta ao convite, que suscitou a questão de inconstitucionalidade na motivação do recurso apresentado em 1ª instância e posteriormente na motivação do recurso da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça, tal não tem qualquer relevância.
9. Efetivamente, como dissemos atrás (vd. n.º 7), sendo a decisão recorrida a proferida pelo Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, o momento processual próprio para a suscitação era a reclamação.
10. Quanto ao não conhecimento do requerimento do recurso na parte respeitante à inconstitucionalidade dos artigos 70.º e 71.º do Código Penal (segunda parte do despacho de fls. 73), o recorrente não impugnou a decisão.
11. Por tudo o exposto, deve indeferir-se a reclamação.»
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
4. O relato que se vem de fazer denota que, pretendendo o ora reclamante colocar duas questões de inconstitucionalidade à apreciação deste Tribunal, o recurso de constitucionalidade não foi admitido, com mobilização de fundamentos distintos quanto a cada uma dessas questões: i) na parte dirigida a interpretação extraída dos artigos 70.º e 71.º do Código Penal, por decisão de 29 de outubro de 2013, por a referida norma não ter sido aplicada, como ratio decidendi, na decisão reclamada; ii) na parte identificada como respeitante “à não admissão de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça”, por decisão de 19 de novembro de 2013, com fundamento no facto de o reclamante não ter indicado a norma cuja constitucionalidade pretendia ver apreciada, mesmo após convite que lhe foi dirigido.
O objeto da presente reclamação versa tão somente o despacho proferido em 19 de novembro de 2013, encontrando-se consolidada, pela ausência de impugnação, a decisão de não admissão do recurso relativamente à questão incidente sobre interpretação extraída dos artigos 70.º e 71.º do Código Penal.
5. Feita esta delimitação, emerge da reclamação em apreço que o reclamante sustenta que, ao contrário do que se decidiu, havia correspondido ao convite que lhe fora dirigido, na medida em que apontou “o preceito constitucional que no seu entender se mostra violado no douto acórdão em crise, como sendo a norma constante do art. 32º da C.R.P”.
Esta expressão torna claro o equívoco em que incorre o reclamante, confundido a indicação da norma ou interpretação normativa efetivamente aplicada na decisão suscetível de controlo pelo Tribunal Constitucional com o parâmetro constitucional que se tem como violado. Ora, o convite que lhe foi dirigido não versou a falta de indicação de parâmetro constitucional violado, mas sim a concretização do critério ou padrão normativo aplicado como determinante do julgado na decisão recorrida que se tinha como desconforme com as garantias de defesa asseguradas por aquele preceito constitucional. O que não fez, como exigido pela Lei 28/82, de 15 de novembro (doravante LTC).
Com efeito, o artigo 75.º-A da LTC, nos seus n.ºs 1 a 4, define os requisitos formais do requerimento de interposição do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade. Assim, seja qual for o tipo de recurso interposto, deve o recorrente indicar obrigatoriamente a alínea do n.º 1 do artigo 70.º da LTC ao abrigo da qual o recurso é interposto, assim como a norma ou interpretação normativa que constitui objeto de tal recurso e cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade se pretende fazer sindicar pelo Tribunal Constitucional (n.º 1). Para além destas duas especificações, exigíveis qualquer que seja a tipologia do recurso, carece ainda o recorrente, nos recursos fundados na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, de indicar a norma ou princípio constitucional que considera violado pela norma ou interpretação normativa que integra o objeto do recurso, bem como a peça processual em que o recorrente suscitou, durante o processo, a questão de inconstitucionalidade (n.º 2).
A jurisprudência do Tribunal Constitucional vem entendendo, de modo uniforme e reiterado, que a indicação dos elementos a que se referem os n.ºs 1 a 4 do artigo 75.º-A da LTC constitui requisito formal de apreciação do recurso e não simples e mero cumprimento de um dever de cooperação do recorrente para com o Tribunal (cfr., por exemplo, o Acórdão n.º 121/98, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
No caso, não obstante lhe ter sido facultada oportunidade processual para suprir as deficiências notadas no requerimento de interposição de recurso através de convite ao aperfeiçoamento, o reclamante continuou sem cumprir o ónus que lhe cabia de indicar a norma ou interpretação normativa cuja inconstitucionalidade pretendia que o Tribunal Constitucional apreciasse, que, aliás, continua a não identificar na presente reclamação, inviabilizando a verificação (positiva) do preenchimento dos pressupostos de que depende a admissibilidade do recurso (n.º 4 do artigo 77.º da LTC).
Cumpre, pelo exposto, confirmar a decisão reclamada.
III. Decisão
6. Pelo exposto, indefere-se a reclamação apresentada pelo arguido A. para o Tribunal Constitucional.
Custas pelo reclamante, que se fixam em 20 (vinte) unidades de conta, tendo em atenção a dimensão do impulso formulado.
Notifique.
Lisboa, 22 de janeiro de 2014. – Fernando Vaz Ventura – Pedro Machete – Joaquim de Sousa Ribeiro.