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Processo n.º 1275/13
2.ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
A. interpôs ação administrativa especial no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa em que impugnou o ato que fixou a sua pensão de velhice em € 4.074,11.
Foi proferida sentença em 4 de maio de 2012 julgando improcedente a ação.
A Autora interpôs recurso desta decisão para o Tribunal Central Administrativo Sul que, por acórdão proferido em 24 de janeiro de 2013, negou provimento ao recurso.
A Autora interpôs recurso desta decisão para o Supremo Tribunal Administrativo que, por acórdão proferido em 12 de setembro de 2013, não admitiu a revista.
A Autora recorreu então para o Tribunal Constitucional da decisão proferida pelo Tribunal Central Administrativo Sul, ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, manifestando a sua vontade de ver apreciada a ilegalidade e a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 101.º, do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de maio de 2007, por violação dos princípios constitucionais da segurança jurídica, proteção da confiança, proporcionalidade e proibição do retrocesso social, ínsitos nos artigos 2.º, 18.º, n.º 2 e 3, e 112.º, n.º 3, da Constituição, e do artigo 66.º, n.º 2, b), da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro, que aprova as bases gerais do sistema de segurança social.
Foi proferida decisão sumária que não conheceu do recurso quanto à questão de legalidade e não julgou inconstitucional a norma constante do artigo 101.º, do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de maio de 2007, julgando improcedente o recurso quanto à questão de constitucionalidade, com a seguinte fundamentação:
A Recorrente pretende que o Tribunal Constitucional fiscalize a legalidade e a constitucionalidade da norma constante do artigo 101.º, do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de maio de 2007.
Quanto à questão da legalidade, a Recorrente fundou este recurso apenas na competência prevista na alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, quando é a alínea f), do mesmo número que atribui competência ao Tribunal Constitucional para conhecer de recursos de decisões que tenham aplicado norma cuja ilegalidade haja sido suscitada por contrariar lei de valor reforçado.
Conforme é jurisprudência deste Tribunal não é possível a convolação do tipo de recurso interposto para o que seria o próprio e adequado à questão suscitada, pelo que não é possível conhecer deste recurso na parte em que se invoca a ilegalidade da norma constante do artigo 101.º, do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de maio de 2007.
Quanto à questão de constitucionalidade verifica-se que a norma impugnada já foi apreciada pelo Tribunal Constitucional que, reunido em Plenário, decidiu não a julgar inconstitucional no Acórdão n.º 188/2009 (acessível em www.tribunalconstitucional.pt).
Não existindo qualquer dado que motive uma reponderação da decisão então tomada, por adesão aos seus fundamentos, deve ser proferida decisão sumária de improcedência do recurso, nos termos permitidos pelo artigo 78.º - A, n.º 2, da LTC.
A Recorrente reclama desta decisão, com os seguintes argumentos:
“I. ENQUADRAMENTO
1. No passado dia 13 de dezembro de 2013, a ora Reclamante tomou conhecimento do teor da Decisão Sumária proferida em sede de recurso jurisdicional pelo Venerando Juiz Relator junto do Tribunal Constitucional, de cujo conteúdo resulta a improcedência do recurso interposto.
2. Em concreto, esse Douto Tribunal decidiu, por um lado, não conhecer do recurso quanto à questão da legalidade ali invocada e, por outro, proferir Decisão Sumária de improcedência, por haver decisão anterior do Tribunal Constitucional, designadamente plasmada no Acórdão n.º 188/2009, no sentido de não julgar inconstitucional a norma impugnada.
3. Com a devida vénia, a ora Reclamante não pode conformar-se com o teor de tal Decisão Sumária.
4. Discorda, em síntese, do não conhecimento da questão de ilegalidade por ignorar que a então Recorrente expôs claramente no seu requerimento ao que vinha, invocando as normas legais e o mais que lhe cabia invocar, faltando apenas, e por mero lapso, a menção à alínea f) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
5. Ao que acresce que, perante tal omissão de indicação da referida alínea, o Venerando Juiz Relator não convidou a ora Reclamante, como deveria, para aperfeiçoar o seu requerimento.
6. Já no que respeita à questão da inconstitucionalidade, não pode o Venerando Juiz Relator julgar o presente recurso pela mesma bitola do anterior Acórdão (Acórdão n.º 188/2009) quando, contrariamente ao que sustenta, há argumentos que não foram invocados nesse processo que o foram no presente.
II. DO CONHECIMENTO DO RECURSO QUANTO À QUESTÃO DA ILEGALIDADE
7. Do exame preliminar do requerimento de recurso pelo Venerando Juiz Relator resultou uma Decisão Sumária no sentido de não conhecer a questão da ilegalidade suscitada pela então Recorrente, assente no facto de a mesma, por mero lapso, facilmente constatável do teor do requerimento, ter apenas invocado a alínea b), do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro ('LTC'),
8. E não também a alínea f) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC,
9. Extraindo como consequência legal de tal omissão o não conhecimento da questão da ilegalidade.
10. A ora Reclamante não se conforma com o teor da Decisão Sumária em apreço,
Conforme passa a expor:
11. Sobre o regime de interposição do requerimento de recurso dispõe o artigo 75.º-A da LTC, que os recorrentes deverão indicar os seguintes elementos:
i. A alínea do artigo 70.º ao abrigo da qual o recurso é interposto (artigo 75.º-A, n.º 1 da LTC);
ii. A norma cuja ilegalidade ou inconstitucionalidade se pretende ver apreciada (artigo 75.º-A, n.º 1 in fine da LTC); e
iii. Caso o recurso seja interposto à luz do artigo 70.º, n.º 1 alíneas b) e f), a indicação da norma ou princípio constitucional/legal que se considera violado, assim como da peça processual em que a questão da inconstitucionalidade e/ou ilegalidade foi suscitada (artigo 75.º-A, n.º 2 da LTC).
12. Ora, no seu requerimento de interposição de recurso, a ora Reclamante deixou claro que a sua pretensão era dúplice:
i. Por um lado, a inconstitucionalidade do artigo 101º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de maio de 2007;
ii. Por outro, a ilegalidade dessa mesma norma por violação de lei de valor reforçado.
13. De facto, pode ler-se a esse propósito, no terceiro parágrafo do requerimento de interposição de recurso, que nos permitimos transcrever:
“A ora Recorrente suscitou a questão da ilegalidade e da inconstitucionalidade da norma do artigo 101.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de maio de 2007, por violação dos princípios constitucionais de segurança jurídica, proteção da confiança, proporcionalidade e proibição do retrocesso social, ínsitos nos artigos 2.º, 18.º, n.ºs 2 e 3 e 112.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa (CRP) e no artigo 66.º, n.º 2, al. b) da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro, que aprova as bases gerais do sistema de segurança social (lei de valor reforçado), quer na petição inicial da ação administrativa especial de impugnação de ato administrativo que intentou, quer no articulado do recurso interposto para o Tribunal Central Administrativo' (negrito nosso).
14. Como resulta da transcrição, a Reclamante indicou claramente a norma cuja ilegalidade pretendia ver suscitada - 'artigo 101.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de maio de 2007'-,
15. Bem como a norma legal que considera estar a ser violada por aquela disposição - 'artigo 66.º, n.º 2, al. b) da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro, que aprova as bases gerais do sistema de segurança social (lei de valor reforçado)' -,
16. E bem assim, a peça processual onde a questão da ilegalidade foi anteriormente suscitada - 'quer na petição inicial da ação administrativa especial de impugnação de ato administrativo que intentou, quer no articulado do recurso interposto para o Tribunal Central Administrativo'.
17. Sucede que, por um mero lapso de escrita, fez-se apenas menção à alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, cujo conteúdo unicamente respeita à inconstitucionalidade,
18. Carecendo o requerimento da referência à alínea f) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, que remete para a competência deste Douto Tribunal em matéria de ilegalidade assente em violação de lei com valor reforçado (artigo 79.º, n.º 1 alínea c) da LTC).
19. Do exposto resulta que a Reclamante enunciou à saciedade ao que vinha, articulando claramente cada requisito do artigo 75.º-A da LTC, preterindo apenas, e por mero lapso, a referência à dita alínea.
20. Porém, a LTC não deixou de prever uma solução, de forma cabal e inquestionável, para as eventuais deficiências e omissões que o requerimento de interposição de recurso pudesse apresentar.
21. Estabelece o n.º 5 do artigo 75.º-A da LTC, que 'se o requerimento de interposição de recurso não indicar algum dos elementos previstos no presente artigo [os enunciados no ponto 11. do presente requerimento], o juiz convidará o requerente a prestar essa indicação' (aditamento nosso).
22. Decorre, pois, do regime da LTC que, caso seja apresentado um requerimento de interposição de recurso perante este Douto Tribunal que não indique todos e cada um dos requisitos já enunciados, convidar-se-á o requerente a aperfeiçoar o referido,
23. Esclarecendo, aditando ou suprindo o que haja de o ser.
24. O legislador permitiu, pois, expressamente que os recorrentes pudessem aperfeiçoar os seus requerimentos de interposição de recurso, garantindo que o acesso à justiça não seria negado por meras questões formais.
25. Mais, só caso os recorrentes não respondam ao referido convite, se fixa no n.º 7 do artigo 75.º-A da LTC que o recurso seja logo julgado deserto.
26. A este propósito, refira-se o Acórdão n.º 112/2013 de 20 de fevereiro de 2013 (Processo n.º 21/13) do Tribunal Constitucional, onde o mesmo explica:
'Caso o requerimento de interposição do recurso seja deficiente, ou seja, não indique algum dos elementos previstos no artigo 75.º-A da LTC, é facultado ao recorrente oportunidade processual para suprir as deficiências notadas através do convite ao aperfeiçoamento previsto nos n.ºs 5 e 6 do mesmo artigo. Se o recorrente não corresponder satisfatoriamente ao convite, o recurso é logo julgado deserto (n.º 6 do mesmo artigo 75.º-A) (...)' (negrito nosso).
27. Decorre do regime ora descrito a inequívoca intenção de conceder uma oportunidade aos recorrentes para aperfeiçoar os seus requerimentos de interposição de recurso, reservando uma decisão definitiva sobre a pretensão para o caso de aqueles não responderem ao convite ou fazerem-no de forma deficiente.
28. In casu, aquando da interposição do requerimento sob escrutínio, confiava a Reclamante ter preenchido todos os requisitos do regime da LTC.
29. Apenas se apercebendo da omissão da alínea supra referida, aquando da notificação da presente Decisão Sumária, confiante que estava de ter escrito ambas, porquanto descreveu com detalhe as suas duas pretensões no referido requerimento,
30. Trata-se, pois, de um lapso que, conforme dispõe o artigo 75.º-A, n.º 5 da LTC, pode, e deverá, ser suprido, sob pena de se negar o acesso aos tribunais, mormente ao Tribunal Constitucional, órgão a quem cabe a última palavra em matérias de legalidade e de constitucionalidade.
31. A ora Reclamante não redigiu o requerimento de interposição de recurso à espera do amparo do n.º 5 do artigo 75.º-A da LTC.
32. Mas, constatado que está o referido lapso de escrita, não se vislumbra razão para que este Douto Tribunal negue à ora Reclamante o direito de aperfeiçoar o seu requerimento, sob pena de se fazer tábua rasa daquela disposição da LTC.
33. Que casos caberiam no referido n.º 5 do artigo 75.º-A da LTC senão precisamente estes?
34. Pois que, nos 'elementos' a que a disposição legal se refere, se encontra precisamente o elemento omisso no presente caso: a indicação da alínea do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
35. E é apenas esse o elemento em falta.
36. Todavia, da Decisão Sumária consta apenas a constatação da ausência da referência à alínea f) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, o que demonstra, aliás, o entendimento pelo Venerando Juiz Relator de que seria esse um dos fundamentos em que a então Recorrente entendia suportar o se recurso.
37. Mas sem que tal obstasse a opção do Venerando Juiz Relator pelo não conhecimento da questão da legalidade, sem convidar a ora Reclamante a aperfeiçoar o seu requerimento de interposição de recurso que, conforme resulta do teor da decisão, é o único requisito a que o requerimento de interposição de recurso não fez expressamente jus.
38. Desconhece a Reclamante por que razão, perante a mera falta da indicação da alínea do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, não convidou o Venerando Juiz Relator ao suprimento dessa omissão, decidindo liminarmente pelo não conhecimento do recurso sem dar à Reclamante a oportunidade de corrigir a omissão.
39. Na verdade, decorre da jurisprudência deste Douto Tribunal que apenas não se verificando essa correção, é tomada a decisão sumária de não conhecimento do recurso.
40. Veja-se o Acórdão n.º 299/1999, de 18 de maio, Processo n.º 90/99, em que este Douto Tribunal convidou precisamente os então recorrentes a indicar qual a alínea do n.º 1 do artigo 70.º da LTC ao abrigo da qual recorriam, convite a que estes não corresponderam, conforme se lê:
“(...) o recorrente nem depois de convidado a fazê-lo indica qual a alínea do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional ao abrigo da qual interpõe o recurso. O que, desde logo (para além, portanto, da imputação da inconstitucionalidade à decisão), impede este Tribunal de apreciar outros requisitos específicos do recurso em questão e de dele tomar conhecimento' (negrito nosso)..
41. Sublinhe-se que a LTC não prevê quaisquer casos em que esse convite possa ou deva ser preterido.
42. Bem pelo contrário, a LTC prevê várias decorrências desse convite em diversos artigos atinentes à fiscalização concreta, sem qualquer restrição de espécie.
43. Por exemplo, no n.º 2 do artigo 76.º da LTC prevê-se que 'o requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional deve ser indeferido quando não satisfaça os requisitos do artigo 75.º-A, mesmo após o suprimento previsto no seu n.º 5, quando a decisão o não admita, quando o recurso haja sido interposto fora do prazo, quando o requerente careça de legitimidade ou ainda, no caso dos recursos previstos nas alíneas b) e f) do n.º 1 do artigo 70.º, quando forem manifestamente infundados' (negrito nosso).
44. Ou então o n.º 2 do artigo 78.º-A da LTC, onde se lê que 'o disposto no número anterior é aplicável quando o recorrente, depois de notificado nos termos dos n.ºs 5 ou 6 do artigo 75.º-A [convite a indicar os elementos em falta], não indique integralmente os elementos exigidos pelos seus n.ºs 1 a 4 [elementos que referimos no ponto 9 da presente Reclamação]' (negrito e aditamentos nossos).
45. Não se encontra qualquer disposição legal na LTC, ou no regime do Código de Processo Civil ('CPC'), aplicável subsidiariamente ex vi artigo 69.º da LTC, na qual se possa basear a preterição do convite ao aperfeiçoamento do requerimento de interposição de recurso.
46. Pelo que tão pouco pode existir razão para que, num caso como o em apreço, em que por mero lapso não se citou a alínea f) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, se aplique um entendimento tão castrador.
47. Porquanto se trata disso mesmo, uma pura e simples citação da alínea f) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, dado que flui naturalmente do requerimento de interposição de recurso que competências do Tribunal Constitucional pretendia a ora Reclamante acionar.
48. E não se diga que o aperfeiçoamento do requerimento de interposição de recurso redundaria numa convolação do tipo de recurso interposto,
Pois na verdade,
49. A ora Reclamante enunciou claramente no seu requerimento de interposição de recurso o duplo objeto do mesmo e os seus respetivos fundamentos legais.
50. Sendo que, no que respeita à questão que ora se afere, mais explícita não podia, porventura, ter sido: a apreciação da legalidade da norma do artigo 101.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de maio de 2007, por violação do artigo 66.º, n.º 2, al. b) da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro, que aprova as bases gerais do sistema de segurança social (lei de valor reforçado).
51. Assim, a Reclamante não pretende com a presente Reclamação alterar o fundamento do recurso que interpôs, convolando-o num outro tipo.
52. Assim seria se no seu requerimento de interposição de recurso a então Recorrente nada tivesse dito quanto à questão da ilegalidade, não chamando o Tribunal Constitucional a pronunciar-se sobre a mesma.
53. Nesse caso, que não é o nosso, estaria a Reclamante a deduzir numa pretensão até então não deduzida, o que se traduziria numa convolação: antes pretendia suscitar uma questão de inconstitucionalidade, agora uma de ilegalidade.
54. Mas a ora Reclamante não vem suscitar uma questão de ilegalidade que não tivesse referido até então.
55. Conforme já foi referido, a ora Reclamante declarou claramente que competências do Tribunal Constitucional pretendia acionar, ao deduzir duas pretensões diferentes, devidamente fundamentadas e localizadas nas anteriores peças processuais.
56. A Reclamante sempre apresentou duas questões diferentes, desde a primeira instância até ao Douto Tribunal, pelo que não resulta que agora queira mais do que sempre quis, ou que queira algo diferente.
57. Decidir em sentido contrário ao propugnado, implicaria que a redação do artigo 75.º-A da LTC excluísse a hipótese de convite ao aperfeiçoamento sempre que não se indicasse a alínea do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, o que a lei não faz.
58. Afirmar, como o faz a Decisão Sumária, que o que pretende a Reclamante é convolar o tipo de recurso é sinónimo de negar o convite sempre que o elemento em falta seja a indicação da alínea do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, o que consubstancia um entendimento contrário à lei.
59. A este propósito, refira-se o Acórdão n.º 112/2013 de 20 de fevereiro de 2013 (Processo n.º 21/13) do Tribunal Constitucional, onde o mesmo desenvolve:
'o legislador estabeleceu o poder-dever de formulação de convite ao aperfeiçoamento sempre que falte algum dos elementos impostos; não quando faltem todos. Na verdade, o convite à correção do requerimento pressupõe uma situação em o recurso esteja dotado de um mínimo de concretização do seu objeto e fundamento, ainda que em termos insuficientes. Ora, quando nada existe, não estamos mais perante objeto imperfeito capaz de se tornar perfeito, mas sim perante impulso vazio de conteúdo, inepto, imprestável para sobre ele recair qualquer apreciação de (in)verificação dos requisitos e pressupostos exigidos pelo legislador' (negrito nosso).
60. Ora, in casu, a Reclamante não baseou o seu requerimento de interposição de recurso na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, sem que manifestasse a sua clara vontade de recorrer também da questão da ilegalidade.
61. Uma das garantias fundamentais do nosso ordenamento jurídico é, precisamente, a de que os Tribunais deverão decidir de acordo com a lei.
62. Salvo melhor entendimento e com a devida vénia, a presente Decisão Sumária, na parte em que não convida a ora Reclamante a aperfeiçoar o seu requerimento, contraria a LTC.
63. Pelo que, a Reclamante crê que a Decisão Sumária de não conhecimento da causa, ancorada no artigo 78.º-A da LTC, padece de ilegalidade, por preterição do convite ao aperfeiçoamento do requerimento de recurso, conforme disposto no n.º 5 do artigo 75.º-A da LTC.
64. A Reclamante declarou, de forma manifesta e clara, indicando que suscitava perante este Douto Tribunal duas questões diferentes, referindo-se a cada um delas com o detalhe que o requerimento de interposição permite e a LTC exige.
65. Aliás, note-se que, na medida em que o Venerando Juiz Relator reconhece duas questões diferentes (“quanto à questão da legalidade, a Recorrente fundou este recurso apenas na competência prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC (...) quanto à questão da constitucionalidade verifica-se que a norma impugnada (...)') resulta que decorria clamorosamente do requerimento interposto que o recurso tinha ínsitas duas pretensões distintas.
66. A falta da indicação da alínea f) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC apresenta-se como uma questão meramente formal, quando o teor do requerimento esclarece nitidamente qual o objeto do recurso e que competências pretendia a Recorrente que o Tribunal empregasse na análise do mesmo.
67. Logo, data venia, é entendimento da Reclamante que a Decisão Sumária do Venerando Juiz Relator contrariou a LTC na medida em que preteriu, sem qualquer razão ou fundamento, o convite ao aperfeiçoamento do requerimento de interposição de recurso.
68. Ou seja, deveria o Venerando Juiz Relator, antes da prolação da Decisão Sumária de que se reclama, ter facultado à então Recorrente e ora Reclamante a possibilidade de suprir a alegada insuficiência, mediante o convite ao aperfeiçoamento.
69. Ao não conceder esse direito, violou-se a LTC, restringindo-se de forma inaceitável o direito de acesso à justiça, em violação das normas constitucionais vertidas nos artigos 2.º, n.º 1 e 202.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa ('CRP').
70. Razão pela qual desde já requer a revogação da Decisão Sumária na parte em causa, e a consequente concessão do prazo de 10 dias para vir aperfeiçoar o requerimento de interposição de recurso - indicação da alínea do n.º 1 do artigo 70.º da LTC -, conforme n.º 5 do artigo 75.º-A da LTC,
71. Ou, alternativamente, porque da presente Reclamação se extrai que a Reclamante o faz à luz da alínea f) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC (remetendo para a alínea c) daquele número e artigo, por ser a que respeita à violação de lei com valor reforçado), conceder desde já prazo para a Reclamante apresentar as correspondentes alegações de recurso, nos termos dos artigos 78.º-A, n.º 5, e 79.º da LTC.
III. DA DECISÃO SUMÁRIA DE NÃO JULGAR INCONSTITUCIONAL A NORMA EM APREÇO
72. No que concerne à questão de constitucionalidade suscitada perante o Douto Tribunal, a Decisão Sumária do Venerando Juiz Relator foi no sentido de improcedência pelo facto de a norma impugnada já ter sido apreciada em plenário (Acórdão n.º 188/2009),
73. Concluindo, sem mais adiantar, que não existe qualquer dado que fundamente uma reponderação da decisão tomada.
74. A ora Reclamante não se conforma com a improcedência da sua pretensão,
Porquanto,
75. Não é verdade que não tenham sido invocados argumentos que determinem uma pronúncia por este Douto Tribunal em sentido diferente do decidido no Acórdão n.º 188/2009, de 22 de abril, Processo n.º 505/08.
76. Aliás, de uma breve confrontação entre as pretensões expostas, por um lado, no requerimento de interposição de recurso e, por outro, no relatório do referido Acórdão n.º 188/2009, resulta não haver sobreposição entre ambas.
77. Enquanto no requerimento de interposição de recurso se alega a inconstitucionalidade da norma do artigo 101.º do DL n.º 187/2007, de 10 de maio de 2007, por violação dos princípios constitucionais de segurança jurídica, proteção da confiança, proporcionalidade e proibição do retrocesso social, ínsitos nos artigos 2.º, 18.º, n.º 2 e 3 e 112.º, n.º 3 da CRP,
78. Já no relatório do Acórdão n.º 188/2009 se esclarece que o que vem alegado é a inconstitucionalidade da norma por violação dos princípios da proteção da confiança, da proporcionalidade e da igualdade.
79. Logo, há argumentos diferentes a basearem uma e outra pretensão, chamando-se à colação princípios que não têm correspondência entre ambos os casos,
80. Que foram expostos, explorados e matizados de forma distinta.
81. Assim, não há identidade total entre ambos os casos e, consequentemente, o recurso interposto carece de apreciação.
Mais ainda,
82. Sublinhe-se que não estava no âmbito do requerimento de recurso discorrer sobre os referidos princípios, esgrimindo argumentos,
83. Nem cabia à ora Reclamante vir invocar, novamente, no requerimento de interposição de recurso os argumentos já analisados com detalhe na petição inicial da ação administrativa especial de impugnação de ato administrativo e bem assim no articulados de recurso,
84. Dado que o regime de interposição de recurso, conforme disposto no artigo 75.º-A da LTC, estabelece o que deve conter o requerimento, limitando-o a uma apresentação muito circunscrita e cirúrgica das pretensões dos recorrentes, reservando, claramente, maiores desenvolvimentos para as alegações de recurso.
85. Por isso, da análise do requerimento de recurso só não se extrai toda a argumentação da Reclamante quanto à inconstitucionalidade da norma porque tal não era suposto,
86. Dado que a mesma articulou a seu tempo, com os devidos detalhe e rigor, os fundamentos da inconstitucionalidade de que padece a norma daquele artigo 101.º.
87. Pelo que tomar o requerimento de interposição de recurso como o manifesto da ora Reclamante nesta matéria é incorreto, por não suportar a decisão no conhecimento dos argumentos efetivamente expendidos pela Reclamante no iter processual anterior.
88. Mais, não pode a Reclamante conformar-se com o argumento de, pelo mero facto da questão ter sido colocada noutro caso, designadamente no Acórdão n.º 188/2009, de 22 de abril, Processo n.º 505/08, tal travar, sem mais, uma reapreciação por parte deste Douto Tribunal.
89. Na verdade, não é por o Tribunal Constitucional não ter julgado inconstitucional o artigo 101.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de maio de 2007 que tal decisão tem força obrigatória geral,
90. Vinculando o próprio Tribunal Constitucional a seguir aquela jurisprudência.
91. A decisão do Tribunal Constitucional de não declaração de inconstitucionalidade no referido Acórdão n.º 188/2009 não faz caso julgado,
92. Pelo que o próprio Tribunal não fica impedido, em sede de fiscalização abstrata ou concreta, de voltar a apreciar e decidir no sentido da constitucionalidade da norma anteriormente não declarada inconstitucional.
93. E isso mesmo requer a Reclamante, já que o contrário só alimentaria um entendimento extremamente limitador e restritivo dos recursos que são admitidos perante este Douto Tribunal, perdurando uma intolerável denegação de justiça.
94. Face ao exposto, a Reclamante requer a revogação da Decisão Sumária do Juiz Relator também na parte em que decidiu não julgar inconstitucional o artigo 101.º do DL n.º 187/2007, de 10 de maio de 2007,
95. Concedendo, consequentemente, prazo para a apresentação das correspondentes alegações de recurso, nos termos dos artigos 78.º-A, n.º 5, e 79.º da LTC.
*
Fundamentação
A Recorrente, através da reclamação apresentada, manifesta a sua discordância quer quanto ao não conhecimento da questão de ilegalidade, quer quanto ao julgamento sumário da questão de constitucionalidade.
Quanto à primeira questão entende que deveria ter sido convidada a indicar qual a alínea do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, em que fundava o recurso interposto, no que respeita à ilegalidade invocada, nos termos do n.º 5, do artigo 75.º-A, da LTC.
Este dispositivo permite que o juiz convide a Recorrente a indicar qualquer um dos elementos que deve constar do requerimento de interposição de recurso e que nele esteja omisso.
Ora, lendo o requerimento de interposição de recurso apresentado pela Recorrente verifica-se que esta subordinou ao recurso previsto na alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, a apreciação quer da questão de constitucionalidade, quer da questão de ilegalidade, pelo que não se verifica uma omissão da indicação da alínea do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, relativamente à questão de ilegalidade, mas sim a indicação de uma alínea que não permite a colocação de tal questão.
Não sendo, por essa razão, permitido ao Tribunal Constitucional utilizar o convite ao suprimento de omissões, previsto no artigo 75.º-A, n.º 5, da LTC, nem sendo possível a convolação do tipo de recurso interposto para o que seria o próprio e adequado à questão suscitada, revela-se correta a decisão de não conhecer o recurso, na parte em que invocava a ilegalidade da norma constante do artigo 101.º, do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de maio de 2007.
Quanto à parte da decisão reclamada que conheceu sumariamente do mérito do recurso, ela utilizou a faculdade prevista no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, que permite ao juiz relator conhecer do mérito do recurso por decisão sumária, quando a questão a decidir se revele de simples apreciação, resultando essa simplicidade da circunstância da mesma já ter sido objeto de anterior decisão do Tribunal.
Verifica-se que a norma cuja fiscalização de constitucionalidade se pretende é precisamente aquela cuja constitucionalidade foi objeto de apreciação pelo Acórdão n.º 188/2009, o qual foi aprovado pelo Plenário do Tribunal Constitucional, por unanimidade.
Nesse acórdão foram exaustivamente apreciadas as razões que a Recorrente invocou perante o Tribunal recorrido, não se vislumbrando que existam outras razões que possam determinar um diferente juízo de constitucionalidade, pelo que se revela perfeitamente justificada a decisão sumária proferida.
Por estas razões deve ser indeferida a reclamação apresentada.
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Decisão
Pelo exposto, indefere-se a reclamação apresentada por A..
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Custas pela Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (artigo 7.º, do mesmo diploma).
Lisboa, 12 de fevereiro de 2014. – João Cura Mariano – Ana Guerra Martins – Joaquim de Sousa Ribeiro.