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Processo n.º 849/12
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam na 1.ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos de tribunal arbitral cuja constituição foi pedida ao abrigo do artigo 30.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, em que é recorrente A., SGPS, S.A. e recorrida a Autoridade Tributária e Aduaneira, foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão daquele Tribunal de 20 de novembro de 2012.
2. A recorrente requereu a constituição de tribunal arbitral para apreciação do ato de auto-liquidação do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Coletivas (IRC) referente ao exercício de 2003, relativamente a menos-valias por si suportadas com a alienação de participações sociais. Através do acórdão recorrido, o tribunal arbitral deliberou «julgar totalmente improcedente os pedidos (principal e subsidiário) e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira».
Para o que importa apreciar e decidir, é a seguinte a fundamentação da decisão recorrida:
«Os factos provados e objeto deste processo subsumem-se totalmente ao disposto no citado artigo 31º, n.º 2, do EBF: as menos valias realizadas em 2003 pela Requerente (que é uma SGPS) com a alienação de partes de capital da CIMIANTO, adquiridas em 2001 (detidas, portanto, por mais de um ano) não concorrem para a formação do seu lucro tributável ou seja, não são aceites em termos fiscais.
Com efeito, a lei fiscal prevê a relevância tributária das mais-valias (e nunca das menos valias) em casos excecionais (art. 31.º, n.º 3, do EBF), nomeadamente: quando a participação tenha sido adquirida a entidade em relações especiais e tenha sido detida pela SGPS por menos de 3 anos (entre 1 e 3 anos); nesse caso, as mais-valias de partes de capital são ainda assim tributadas.
E perante a concludência destes preceitos, é mister concluir pela irrelevância fiscal das menos valias realizadas pela Requerente.
A Requerente, diante deste resultado interpretativo, vem arguir a inconstitucionalidade do art. 31.º n.º 2 e 3 do EBF, por violação do princípio da igualdade fiscal, da capacidade contributiva - enquanto parâmetros de tributação do lucro real (art. 13.º e 104.º da CRP); da Propriedade Privada (e liberdade de Gestão das empresas) - art. 62.º da CRP, do Estado de Direito Democrático (art. 2.º da CRP), da Proporcionalidade (art. 18.º da CRP).
Invoca principalmente e em síntese (até com a junção aos autos de douto Parecer Jurídico do Professor Casalta Nabais) que a não-aceitação das menos valias viola o rendimento real (e a capacidade contributiva); tributar as mais-valias (e não aceitar as menos valias) do art. 31.º, n.º 3, do EBF violaria a igualdade (discrimina negativamente os grupos relativamente aos demais contribuintes cujas menos valias são aceites em termos fiscais) e a liberdade de gestão privada das empresas (propriedade privada); criam-se presunções inilidíveis de custos não dedutíveis, inconstitucionais e desproporcionadas aos objetivos propostos por esse preceito (que poderiam ser alcançados de forma menos gravosas).
Comecemos pela conclusão: a nosso ver, o art. 31.º, n.º 2 e 3 do EBF (atual art. 32.º, n.º 2 e 3, do EBF) não sofre das inconstitucionalidades apontadas pela Requerente ou de quaisquer outras.
Diga-se, desde logo, que tais análises de inconstitucionalidade têm de ser parametrizadas (e balanceadas) com a investigação jurídica do conteúdo e razão de ser dos preceitos em causa. A análise dos preceitos jurídicos aplicáveis, no seu recorte, conteúdo e razão de ser iluminam e explicam a constitucionalidade ou inconstitucionalidade dos mesmos, face aos princípios orientadores de todo o sistema legal. Assim, se da explicação de um preceito se conclui pelo seu sentido de justiça, proporcionalidade, sentido de igualdade e adequação a dignos vetores constitucionais pré-definidos, é mister concluir pela constitucionalidade das suas disposições.
O legislador tributário decidiu legitimamente criar um regime tributário especial para as SGPS - mais favorável, em geral, do que o das normais sociedades (não SGPS) e adequado à sua natureza e características.
As SGPS são sociedades que visam a detenção e gestão de participações estáveis (por mais de 1 ano) e significativas (por regra mais de 10% do capital e direitos de voto) noutras entidades, como forma indireta de exercício de atividades económicas (art. 1.º, n.º 1 a 3, do Dec. lei n.º 595/88, de 30/12).
A lei fiscal, no desejo de que os grupos económicos sejam encabeçados por sociedades holding com a forma e natureza de SGPS (…) - concedeu-lhe variados benefícios fiscais específicos, quer, por exemplo, ao nível do imposto de selo (cfr. art. 7.º, n.º 1, do Código de Imposto de Selo), quer em sede de imposto sobre o rendimento [não tributação dos rendimentos mais típicos das SGPS; as mais e menos valias (saldo) com a venda das suas participações mais típicas (detidas duradouramente por mais de 12 meses); e os dividendos (à data dos factos, com uma regra especifica, no nº 1 do art. 31.º do EBF - pelo qual se excluía de imposto todos os dividendos auferidos por uma SGPS) - Cfr. Relatório de Reavaliação dos Benefícios Fiscais, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 198, pp. 340 ss. e JOSÉ ENGRÁCIA ANTUNES, Os Grupos de Sociedades, 2ª ed., Almedina, Coimbra, pp. 88 ss.].
O art. 31.º do EBF criou, por assim dizer, um regime-regra de não tributação dos rendimentos típicos e específicos das SGPS; quis, concreta e designadamente, uma suspensão de imposto neste patamar intermédio: tributa os rendimentos quando obtidos petas sociedades operacionais (patamar inferior) e quando sejam percebidos pelos acionistas pessoas singulares (patamar superior). Mas exclui do imposto se e quando estejam neste patamar intermédio, porque os fluxos financeiros terão de ser reinvestidos nas atividades empresariais operacionais.
A lei (art. 31.º do EBF), perante esta ratio, dizia claramente que os rendimentos típicos das SGPS não são tributados: a venda da raiz dos bens (mais e menos valias com a venda das partes de capital) e os rendimentos periódicos dessas partes de capital (dividendos).
Note-se que o intérprete tem de aceitar e acatar esse regime legal na sua literalidade, até porque a matéria dos benefícios fiscais está coberta pelo princípio da legalidade tributária vertido na Constituição (art. 103.º, n.º 2, da CRP).
O art. 31.º, nº 2, da EBF, não é, por isso, inconstitucional.
Com efeito, não desconsidera propriamente as menos valias em termos fiscais; diz apenas - num benefício fiscal de carinho a este tipo de contribuintes - que o saldo das mais e menos valias (se detidas por 12 meses) não é tributado. O que se pretende é isentar as mais-valias de imposto. E o saldo positivo que nas entidades com escopo lucrativo corresponderá à situação mais frequente. Mas como usual regra de reciprocidade - retira também efeito tributário às menos valias realizadas.
Nada impedia, em abstrato, que a lei isentasse as mais-valias (se as partes de capital fossem detidas por 12 meses) e aceitasse fiscalmente as menos valias (se as partes de capital fossem detidas por mais de 12 meses). Mas por não o ter feito - tal não significa que esse preceito padeça de qualquer inconstitucionalidade.
O legislador criou um benefício fiscal - um bom benefício fiscal - ao isentar de imposto as mais-valias das SGPS. Mas não quis legitima e compreensivelmente estendê-lo à aceitação fiscal das menos valias - e o intérprete tem de respeitar essa vontade legal.
Com efeito, não o quis, por três motivos: por uma razão de reciprocidade (se as mais-valias não concorrem para o lucro fiscal, as menos valias terão igual resultado); por razões técnicas (a lei fiscal tributa sempre o saldo [a diferença] entre as mais e menos valias - cfr. art. 46.º do CIRC e art. 43.º do CIRS); por razões operacionais (aceitar fiscalmente as menos valias, e isentar as mais-valias - equivaleria a reconhecer e aceitar uma situação muito provável de constante prejuízos fiscais (pois as mais-valias e dividendos estão isentos de imposto) ou permitir que as menos valias fossem deduzidos aos proveitos tributados das SGPS (menos usuais) - juros, prestações de serviço, mais-valias tributadas [por participações detidas por menos de 12 meses]...), num benefício fiscal de larguíssimo espectro que o legislador não quis manifesta e legitimamente estipular.
Não há por isso, qualquer violação do rendimento real (igualdade e/ou capacidade contributiva): o legislador criou um benefício fiscal com o espectro que entendeu; a Constituição não impõe uma relação de causalidade necessária com a aceitação fiscal de todos os custos. Pode haver custos económicos sem reconhecimento fiscal - e com isso não se viola a Constituição (aliás, a tributação das empresas incidirá “fundamentalmente” - e não totalmente - sobre o lucro real - Cfr artigo 104º-2, da Constituição). Nestes casos, é mister que exista um fundamento adequado, necessário e proporcionado para justificar essa “distorção”. Que existe manifestamente no caso dos autos, com as três razões apontadas. A recusa fiscal das menos valias de partes de capital realizadas pelas SGPS é uma condição adequada, lógica e proporcionada face à criação de uma isenção para as mais-valias realizadas pelas SGPS com a alienação com ganho de partes de capital de que sejam titulares (por mais de 12 meses). É que, não se olvide, as SGPS, em função do seu escopo lucrativo, terão estatística e provavelmente mais-valias muito superiores às menos valias - num benefício fiscal de elevado recorte e transcendência para este tipo de sociedades.
Do mesmo modo, não vinga a acusação de que o art. 31.º, n.º 2, do EBF discriminaria negativamente os grupos de sociedades - e afetaria a sua liberdade de gestão e o direito de propriedade privada. Para nós é justamente o oposto: o regime fiscal das SGPS cria um regime de carinho e proteção fiscal aos grupos de sociedades. As mais-valias realizadas pelas SGPS (por venda de sociedades do grupo) estão isentas de imposto - algo que não se verifica na ausência de um grupo de sociedades (e inexistência de uma SGPS). A questão, sob o ângulo constitucional, poderia colocar-se antes ao contrário: a discriminação fiscal positiva das SGPS (por isenção de imposto nas mais-valias realizadas com a alienação das partes de capital) por comparação com o regime das demais empresas tem aderência constitucional? Mas isso, na verdade, não é o tema de decisão deste processo - mas, ao colocarmos assim a questão, fica patente que este preceito não viola a Constituição (a liberdade de gestão fiscal; a proporcionalidade e a propriedade privada e o Estado de Direito Democrático).
A requerente argumenta ainda que o art. 31.º, n.º 3 do EBF seria também inconstitucional - na interpretação de que não aceita as menos valias realizadas dos autos - nos segmentos já indicados para o n.º 2 do art. 31.º do EBF: violação da igualdade, capacidade contributiva, lucro real, proporcionalidade, liberdade de gestão, propriedade privada, estado de direito democrático...
Não sufragamos, mais uma vez, a tese da Requerente: o art. 31.º, n.º 3, do EBF respeita a Constituição da República Portuguesa.
Partamos da ratio deste preceito: o art. 31.º, n.º 3, do EBF é claramente uma norma específica anti-abuso, legítima, adequada e proporcionada, para evitar o acesso abusivo a este benefício fiscal - isenção (exclusão) fiscal das mais-valias de partes de capital detidas pelas SGPS.
Interpretemos este preceito em função dos dados dos autos: a isenção da SGPS pelas mais-valias realizadas com a venda de partes de capital por si detidas por mais de 12 meses (a regra do n.º 2 do art. 31.º do EBF) não se aplica quando a SGPS que realiza as mais-valias tenha adquirido essa participação a uma entidade do grupo (com quem está em relações especiais). O que se quer evitar com este preceito é o planeamento fiscal tido por abusivo, que consistiria em fazer uma transação dentro do grupo - a favor de uma SGPS, como passo preparatório e intencional de posterior exclusão fiscal das mais-valias, com a venda com ganho da participação, passados 12 meses, agora na órbita da SGPS.
Este planeamento fiscal poderia ser facilmente concebido pelas contribuintes dentro do mesmo grupo (alocar intencionalmente o proveito à entidade do grupo que beneficia de uma isenção). A lei quer legitimamente reprimi-lo. E fá-lo de uma forma adequada. Não retira para todo o sempre a isenção às ulteriores mais-valias. Contém uma estatuição proporcionada. Apenas acrescenta um prazo temporal (3 anos em lugar de 12 meses) como demonstração conclusiva da depuração da intenção do vendedor. Se uma SGPS vende uma participação com mais-valias passados 3 anos de a haver adquirido a uma entidade do grupo, a maís valia está isenta, pois a lei assume que aquela primeira transação (dentro do grupo) não tem qualquer relação causal com a ulterior venda com mais-valias - e por isso confere-lhe a isenção de tributação.
Ora, nesta perspetiva, não faz qualquer sentido imputar qualquer inconstitucionalidade ao art. 31.º, n.º 3, do EBF (o seu teor é adequado, necessário e proporcionado ao combate e repressão de um planeamento fiscal tido como abusivo). Como também não faz qualquer sentido imputar qualquer inconstitucionalidade a esse preceito, por não o estender às menos valias realizadas - e apenas versar as mais-valias realizadas. Não há aqui razões anti abuso que legitimem a extensão desse preceito às menos valias. Não há razões ponderosas e legitimas que intimem o art. 31.º n.º 3, do EBF a estender a tributação às menos valias realizadas.
O que se referiu sobre a constitucionalidade do art. 31.º, n.º 2, do EBF é assim igualmente aplicável à constitucionalidade do art. 31.º, n.º 3, do EBF.
Por outro lado, esta cláusula anti-abuso específica tem de reprimir adequadamente o abuso. Não se lhe exige uma reciprocidade matemática (no sentido de que se as mais-valias são tributadas, então as menos valias também têm de ser aceites fiscalmente). O abuso encontra-se na gestão das mais-valias dentro do grupo - e é isso que tem de ser reprimido (e não também a aceitação fiscal das menos valias); até porque se a lei tributasse também as menos valias de participações adquiridas dentro do grupo (entre 1 e 3 anos), o planeamento fiscal abusivo ficaria escancarado: uma SGPS que tivesse menos valias latentes (de participações adquiridas dentro do grupo) promoveria (forçaria) a venda com perda dentro dos 3 anos - apenas com o único fito de ver reconhecido o efeito fiscal desse negócio. Esta solução, além de ilógica, levaria a aceitar que o contribuinte pudesse fazer uma abusiva gestão fiscal das menos valias. Em lugar de reprimir o abuso - estar-se-ia a promovê-lo.
O art. 31.º, n.º 3, do EBF não viola a igualdade: não discrimina negativamente os grupos de sociedades - mas contém, ao invés, um regime fiscal que os acarinha e os discrimina positivamente. Nesse medida não se viola, mas antes se consagra, o princípio constitucional da propriedade privada, da liberdade de gestão fiscal das empresa e do Estado de Direito Democrático. É ainda proporcionado, pois não se impede, para sempre, a isenção das mais-valias - mas aumenta o prazo de detenção das partes de capital como proporcionada e adequada à depuração da intenção do contribuinte. E dentro desse prazo alargado (3 anos) já se assegura a isenção das mais-valias (e exclusão fiscal das menos valias).
Refira-se, por fim, que o art. 31.º do EBF não cria propriamente uma presunção absoluta de custos não dedutíveis (nem os mesmos objetivos poderiam ser alcançados de forma menos agressiva para os contribuintes) Este regime fiscal o que cria é um regime de exclusão de imposto das mais e menos valias realizadas pelas SGPS - como benefício fiscal de grande calibre e justificado por razões extrafiscais de promoção dos grupos de sociedades nacionais. Cria, prima facie, uma isenção de tributação das mais-valias (se as participações forem detidas pelas SGPS por mais de 12 meses e 3 anos em casos excecionais e justificados). E, num regime fiscal, à exclusão fiscal dos ganhos também pode ser associada a irrelevância fiscal dos custos; bem como a repressão casuística de mais-valias obtidas em aproveitamento abusivo (sem se ter de reconhecer reciprocidade imediata às menos valias - até porque se assim se fizesse, estar-se-ia a abrir a porta da evasão fiscal, como acima ficou dito).
Em suma: as menos valias realizadas pela requerente com a alienação das ações da CIMIANTO não são dedutíveis ao rendimento tributável da requerente, nos termos do art. 31.º, n.º 2 e 3 (a contrario) do EBF - preceitos que não padecem de quaisquer das inconstitucionalidade apontadas peta requerente ou de quaisquer outras.
(…)
d) Alegada violação da retroatividade da lei fiscal
A Requerente alega, por fim, que o art. 31.º do EBF (o preceito aplicável ao caso dos autos) seria inconstitucional porque violaria o princípio da não retroatividade da lei fiscal e o princípio da tutela da confiança e segurança jurídica (ínsitos no Estado de Direito Democrático), pois tendo esse preceito entrado em vigor a Janeiro de 2003 (pela lei n.º 32.ºB/2002, de 30/12 - Orçamento de Estado para 2003) aplica-se às menos valias de participações sociais dos autos (realizada e ocorrida em 17 de Junho de 2003), cujas partes de capital haviam sido adquiridas em 2001, em momento anterior à entrada em vigor dessa lei nova.
Os factos relevantes nesta sede são os seguintes: em 2001, a Requerente (como SGPS) adquiriu as partes de capital da CIMIANTO; em Janeiro de 2003 (com o OE para 2003, publicado em DR de 30/12/2002), as menos valias das SGPS deixam de concorrer para a matéria coletável, se detidas por mais de 12 meses; em 17 de Junho de 2003, a requerente realiza as menos valias com a venda das partes sociais da CIMIANTO.
Na solução a seguir apresentada, mais do que entrar nas querelas linguísticas e legitimadoras dos níveis e padrões de retroatividade, importa precisar exatamente a situação dos autos e analisá-la em concreto, perante o acervo jurídico do tema da retroatividade da lei fiscal.
Importa dizer, desde logo, que não estamos em presença de uma retroatividade de primeiro grau ou autêntica (objetivamente proibida pela Constituição - art. 103.º, n.º 3, da CRP (por todos Acórdão do Tribunal Constitucional 128/2009 - in www.tribunalconstitucionat.pt) - que ocorreria se, por exemplo, a venda das ações da CIMIANTO tivesse ocorrido em 2002 e a lei n.º 32.ºB/2002, de 30/12 (que entrou em vigor em Janeiro de 2003) dissesse (que não diz) que o art 31.º do EBF, na desconsideração das menos valias, se aplicaria a partir de 1/ /2002.
Do mesmo modo, também não existe no caso presente um outro tipo de retroatividade (de segundo grau, digamos assim) - com acesa disputa jurisprudencial e doutrinal quanto à sua legitimidade constitucional - que ocorreria se, por exemplo, a venda das ações CIMIANTO tivesse ocorrido em Junho de 2003 e a lei que passa a desconsiderar as menos valias entrassem em vigor a Outubro de 2003 (dentro do mesmo ano civil), e dissesse que se aplica às menos valias realizadas desde Janeiro de 2003 (na suposição de que o facto tributário se consolida apenas no final do ano).
No caso dos autos, existe, por assim dizer, uma questão de terceira linha: a lei nova (que passa a desconsiderar as menos valias) está clara e totalmente em vigor no momento da realização das menos valias (com a venda das ações da CIMIANTO), mas não estava em vigor na data de aquisição dessas partes de capital.
Pergunta-se: a lei nova (art. 31.º do EBF, na redação dada peta lei n.º 32.ºB/2002, de 30/12) - que não contém qualquer disposição transitória específica para o caso em análise - pode aplicar-se a essas menos valias?
O itinerário legal desta questão é-nos dado por um princípio geral e suas exceções.
O princípio é este: as normas tributárias (como quaisquer outras) aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor (art. 12.º, n.º 1, da LGT). E nesse sentido, não existe qualquer retroatividade no caso sub judice: as menos valias foram realizadas num momento temporal em que o art. 31.º do EBF estava totalmente em vigor.
No caso dos autos não existe, por outro lado um facto tributário de formação sucessiva desde a data de aquisição das partes de capital (2001) até à data da sua alienação (2003): o IRC dura, quanto muito, pelo ano civil - desde 1 de Janeiro de 2003 até 31 de Dezembro de 2003 (cfr. art. 8.º do CIRC).
Mas estes princípios comportam exceções - e aderimos neste ponto às considerações jurídicas abstratas formuladas pela Requerente (mas não à solução por ela proposta para o caso concreto): a lei nova (art. 31.º EBF) não se aplicaria ao caso dos autos se a lei antiga (tributação das menos valias) tivesse crido uma confiança tal no contribuinte (relativamente ao regime fiscal em caso de realização) que lhe conferiu um direito ou expetativa juridicamente tutelada, a ponto de as alterações legais supervenientes do regime da alienação dos ativos não lhe poderem ser aplicáveis, sob pena de, ilegal e inconstitucional frustração dessa confiança (ínsita no Estado de Direito Democrático).
Mas a Requerente não provou essa expetativa ou direito digno de tutela. Alegou transtornos e incómodos pela superveniente não-aceitação da menos valia. E isso é óbvio (ninguém gosta de pagar impostos), e talvez sobretudo quando se alteram as regras durante o período de detenção do ativo. Mas nada provou em termos concretos e precisos: que só fez aquele investimento (na CIMIANTO), exclusiva ou principalmente em face do regime fiscal das menos valias que existia na data da aquisição dessas partes de capital; que sem esse regime tributário (tributação das menos valias) não teria feito o investimento, ou tê-lo-ia feito por um preço substancialmente inferior...
De resto, nem o podia fazer, pois objetivamente isso não se verifica, de uma forma com cobertura e tutela jurídica: nunca se pode dizer que para uma SGPS, num investimento feito em 2001 (compra das ações CIMIANTO), foi condição (essencial ou principal) de entrada que as menos valias resultantes da venda fossem reconhecidas fiscalmente.
Uma SGPS, como qualquer sociedade comercial, adquire ativos dentro do seu escopo social com o intuito da sua frutificação e valorização. Deseja obter proveitos com tais bens, seja pelos rendimentos periódicos que proporciona, seja pela alienação da raiz. Claro que pode haver desvalorizações e perdas. Isso faz parte do risco assumidos nos negócios - previsíveis e tidos em conta, inclusive, no momento de tomada do ativo. Tudo isto é verdade; agora, o que não se pode dizer é que a SGPS requerente, tomou esse ativo (em 2001) em função ou tendo em conta - exclusiva, principal ou determinantemente - o regime fiscal das menos valias.
Se estivéssemos a falar da ulterior tributação de mais-valias que à data da aquisição do ativo não eram tributadas - neste cenário (que não é o dos autos) ainda se poderia conceber que o contribuinte pudesse provar que uma das condições da tomada do investimento fosse a exclusão das ulteriores mais-valias (a ponto de lhe gerar um direito adquirido ou expetativa juridicamente tutelada) - pois só se adquiriu em função da “fotografia fiscal” da alienação. Mas tal argumentação pode ser transponível para as menos valias.
Note-se, por outro lado, que o novo regime fiscal das SGPS, visto na sua globalidade, é altamente favorável para o contribuinte. As mais-valias realizadas pelas SGPS ficaram excluídas de tributação - ainda que as participações houvessem sido adquiridas em 2001. E não nos parece curial cindir o novo regime unitário da tributação das SGPS - o que beneficia o contribuinte (mais-valias) é imediatamente aplicável e o que o pode prejudicar (menos valias) só seria aplicável para os ativos adquiridos após 2003. Num regime fiscal unitário, que globalmente favoreceu e muito as SGPS (as mais-valias passaram a estar excluídas de imposto se as partes de capital forem detidas por mais de 12 meses, mesmo que tal prazo se consume antes de 2003 - e que se aplica, todo ele, aos ativos adquiridos desde 2001 (como foi assumido aliás pela Requerente, que nunca colocou em causa esta ideia), não faz sentido, perante este acervo beneficiador - dizer que o contribuinte tem uma expetativa juridicamente tutelada relativamente ao novo regime das menos valias; que representa um dano menor face a um regime legal altamente benéfico para as SGPS. O legislador, ao criar um benefício fiscal para as SGPS - um bom benefício fiscal - por exclusão de imposto sobre as mais-valias, não tem porque estende-lo à aceitação das menos valias. O mais normal, como se viu supra, é justamente não o estender, pelas razões apontadas acima (reciprocidade e outras). E não pode o contribuinte dizer por isso que tem uma expetativa juridicamente tutelada sobre o que o prejudica - com a aplicação da lei nova, em tudo aquilo que o possa beneficiar.
Assim sendo, o art. 31.º do EBF não é inconstitucional, por violação do princípio da não retroatividade da lei fiscal, da tutela da confiança (ínsita no Estado de Direito Democrático) ou de qualquer outro princípio ou valor constitucional. A lei antiga não criou à requerente (que não tem e não o provou) um direito ou expetativa juridicamente tutelada, a ponto de as alterações legais supervenientes do regime da alienação dos ativos não lhe poderem ser aplicáveis».
3. A recorrente interpôs então o presente recurso, para apreciação da:
«norma, constante do n.º 5 do artigo 38.º da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro, que impõe a aplicação às SGPS da regra da indedutibilidade fiscal de menos-valias relativas a partes de capital adquiridas a entidades relacionadas, também com respeito a menos-valias relativas a partes de capital adquiridas anteriormente à referida Lei º 32-B/2002, de 30 de Dezembro», por violação «do princípio constitucional da não retroatividade da lei fiscal, consagrado no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP) e dos princípios constitucionais da tutela da confiança e da segurança jurídica (imanentes ao Estado de direito democrático – cfr. artigo 2.º da CRP); e da
«norma constante do então (à data dos factos) artigo 31.º, n.º 2, conjugado com o n.º 3, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (atual artigo 32.º, n.ºs 2 e 3), que impõe a indedutibilidade fiscal de menos-valias relativas a partes de capital unicamente com base (ou fundamento) na circunstância de as mesmas terem sido adquiridas a entidades com as quais o contribuinte, que sofre agora a perda na venda, tinha relações ditas especiais na definição do (à data dos factos) n.º 4 do artigo 58.º do Código do IRC (atualmente, n.º 4 do artigo 63.º do Código do IRC)», por violação «dos princípios constitucionais da igualdade, da neutralidade e da capacidade contributiva ou rendimento real, consagrados nos artigos 13.º (e 2.º, enquanto emanação do Estado de direito democrático), 103.º, n.º 1, e 104.º, n.º 2, da CRP, dos princípios da propriedade privada e da liberdade de gestão de empresas consagrados nos artigos 62.º, n.ºs 1 e 2 e 81.º, n.º 1, alínea f) (…), e do princípio da proporcionalidade que encontra expressão qualificada nos artigos 18.º, n.ºs 2 e 3 , da CRP, e é uma emanação do princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da CRP)».
4. Notificada para produzir alegações, a recorrente concluiu, para o que agora releva, o seguinte:
«A. A norma constante do n.º 5 do artigo 38.º da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, que impõe a aplicação às SGPS da regra da indedutibilidade fiscal de menos-valias com respeito (entre outras situações tipo) a partes de capital adquiridas a entidades relacionadas, também com respeito a menos-valias relativas a partes de capital adquiridas anteriormente à referida Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, i.e., anteriormente à existência da referida regra de indedutibilidade fiscal (regra esta consagrada via alteração operada pela mesma Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, aos então artigos 23.º, n.º 5, alínea a), do Código do IRC, e 31.º, n.ºs 2 e 3, do Estatuto dos Benefícios Fiscais – atuais artigos 23.º, n.º 3, alínea), do Código do IRC e 32.º, n.ºs 2 e 3, do Estatuto dos Benefícios Fiscais), é inconstitucional, por violação do princípio constitucional da não retroatividade da lei fiscal, consagrado no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP) e dos princípios constitucionais da tutela da confiança e da segurança jurídica (imanentes ao Estado de direito democrático – cfr. artigo 2.º da CRP).
B. Com efeito, a norma de desconsideração de perdas (desvalorizações) reais viola a proibição de retroatividade na medida em que se aplica a partes de capital adquiridas anteriormente à sua existência.
C. E viola a referida proibição na medida também em que se aplica a situações em que as circunstâncias que ela mesmo erigiu, determinantes do afastamento da dedutibilidade, se tenham consumado ou preenchido antes da sua existência.
D. Exemplificando, foi justamente isso que se verificou no caso concreto: os únicos factos ou circunstâncias necessários, isoladamente e por si só, para bloquear a relevação fiscal dos prejuízos na situação tipo aqui em causa, ocorreram inteiramente num tempo em que a lei instituidora do bloqueio (Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro de 2002, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2003) não existia, nem nada de semelhante existia então.
E. Assim é que a circunstância “aquisição há mais de um ano” (cfr. artigo 31.º, n.º 2, do EBF) verificava-se já em 1 de Janeiro de 2003, o mesmo ocorrendo com a circunstância “aquisição a entidade relacionada há menos de três anos” (cfr. a alínea a) do n.º 5 do artigo 23.º do CJRC, e bem assim a omissão cirúrgica a menos-valias no n.º 3 do artigo 31.º do EBF – que preserva a aplicação do seu n.º 2 a estas perdas).
F. Donde que, antes ainda de 1 de Janeiro de 2003 (data de entrada em vigor da exclusão de dedutibilidade) a parte de capital em causa (detida desde 2001) estava já irremediavelmente prisioneira de um regime de indedutibilidade fiscal de menos valias inovador (sem que com isso se queira significar de aplaudir) no nosso sistema fiscal, que só nessa data viria a ver a luz do dia.
G. Não é de aceitar, julga-se, contrariamente ao que subscreveu a decisão arbitral, que o momento relevante para aferir da existência de retroatividade seja o momento da venda, venda esta convencionalmente escolhida pelo legislador infraconstitucional como facto tributário: como ocorrência (eleita) que desencadeia o processo (concentradamente realizado por referência a 31 de Dezembro de cada ano) de fazer contas no âmbito do imposto aqui em causa.
H. O momento da venda é apenas o momento convencionalmente escolhido (poderia ser outro, e hoje já o é em várias situações) pelo legislador para contabilizar fiscalmente a perda, do mesmo modo que 31 de Dezembro de cada ano é o momento convencionalmente escolhido pelo legislador (podia ser outro) para que as sociedades (e as pessoas singulares) apurem o seu rendimento para efeitos de tributação (sendo que o rendimento não nasce, evidentemente, nesse momento).
I. Se a prescrição constitucional aqui em causa se deixa ficar refém do momento convencionalmente escolhido pelo legislador para que se façam as contas, o seu objetivo e razão de existir (imposição de limites, relacionados com a tutela da confiança, ao legislador ordinário) ficarão, necessariamente, comprometidos, como que se invertendo quem prescreve o quê a quem na relação entre legislador constitucional e ordinário.
J. Finalmente, económica e substancialmente falando pode ainda dizer-se que há aplicação retroativa na medida em que não foi acautelada a relevância fiscal da perda correspondente à desvalorização das partes de capital acumulada anteriormente a 2003.
L. No que respeita à violação dos princípios da segurança jurídica e da tutela de confiança é de recordar que a norma de desconsideração de perdas (reais) em análise se aplica a partes de capital adquiridas anteriormente à sua existência e, mais do que isso ainda, aplica-se a situações em que as circunstâncias que ela mesmo erigiu, determinantes do afastamento da dedutibilidade, se consumaram ou preencheram antes da sua existência (situação tipo na qual se subsume também a da ora recorrente).
M. Pelo que é inequívoco que a recorrente (e todos quantos se encontrem nesta situação tipo) foi sujeita a uma nova regra sem que tenha tido alguma vez, ou venha a ter, oportunidade (liberdade) de conduzir a sua vida de modo a ajustá-la à mesma: v.g., de modo a não se subsumir na previsão normativa que agora a apanha sem apelo nem agravo, ou de modo a precaver-se ressarcindo-se (via preço, por exemplo) previamente perante os agentes económicos com quem interage (maxime perante aquele a quem adquiriu, no passado por referência à nova regra de indedutibilidade de perdas, o ativo “parte de capital”).
N. E é de reconhecer a existência de uma legítima expectativa do destinatário típico da norma, no sentido de que a medição do seu rendimento para efeitos de tributação seja efetuada tendo em conta as perdas reais em que incorre (no caso relacionadas com partes de capital).
O. Com efeito, é, e foi, o próprio legislador quem, ao eleger como princípio fundamental, desde há dezenas de anos, e com estabilidade constitucional, a tributação de acordo com a capacidade contributiva e com o rendimento real (cfr. artigo 104.º, n.º 2, da CRP, e artigos 3.º, n.º 2, e 17.º, n.º 1, do Código do IRC), criou a confiança ou expectativa (legítima) de que as perdas reais não são ignoradas pelo sistema fiscal de tributação do rendimento, pelo que, querendo o legislador ignorá-las para efeitos desta ou daquela situação, i.e., querendo abrir exceções,
P. deva, para além da necessidade de justificação e respeito pelo princípio da proporcionalidade, salvaguardar as situações tipo presas ao seu passado, como aquela da recorrente, adotando para o efeito as disposições transitórias convenientes (ou a rutura será desproporcionada e violará o princípio constitucional da tutela da confiança), coisa que o legislador não fez neste caso concreto, nem teve interesse em fazer (mas acabou por fazer, por exemplo, na transição do sistema do imposto de mais-valias para a diferente tributação das mais-valias no IRC – cfr. art.º 18.º-A do Decreto-Lei n.º 442-B/88, introduzido pelo Decreto-Lei n.º 360/91, de 28 de Setembro de 1991).
Q. Para além de que com respeito especificamente às SGPS, embora à semelhança de outros pontos do nosso ordenamento fiscal o seu regime fiscal tenha sido sujeito a um constante “fazer e desfazer”, é inequívoco que nunca até 01.01.2003 havia sido jamais sujeita a um afastamento da dedutibilidade fiscal de perdas (ou quaisquer encargos) por si incorridas, pelo que a introdução deste malefício foi, também por mais esta razão, totalmente inesperada para os seus destinatários.
R. E nota-se ainda a este propósito que ser ou não uma SGPS (tipo de entidade ao qual se dirige o regime aqui em causa) não é uma questão de opção (cfr. artigo 8.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro) e que, contrariamente ao afirmado na decisão arbitral, eliminar isenção não é mais grave (do ponto de vista da tutela da confiança) do que eliminar a dedução de perdas ou custos reais (que equivale a uma ficção de rendimento adicional para efeitos de tributação)».
5. Notificada para produzir alegações, a recorrida arguiu nulidade resultante da omissão do despacho a que se refere o n.º 1 do artigo 76.º da LTC (Decisão sobre a admissibilidade). Por despacho do relator, foi julgada improcedente tal arguição (fl. 162 e ss.).
No seguimento deste despacho, a recorrida contra-alegou, concluindo o seguinte, para o que agora releva:
«a. Falecem na totalidade os argumentos expostos pela recorrente na tentativa de demonstrar a desconformidade, com a lei fundamental, das normas que se acham sob os artigos 38º, n.º 5, da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, bem como da norma constante do n.º 2 (conjugado com o n.º 3) do artigo 31º do EBF, na redação introduzida por aquela lei.
b. Por um lado, não se vislumbra de que forma é que a norma constante no n.º 5 do artigo 38º da Lei 32-B/2002, de 30 de Dezembro, contende com o princípio constitucional da não retroatividade fiscal (consagrado no n.º 3 do artigo 103º da CRP) e/ou com os princípios da tutela da confiança e da segurança jurídica, imanentes ao princípio do Estado democrático plasmado no artigo 2º da lei fundamental.
a. A aludida norma introduz uma nova redação ao disposto no artigo 31 º do EBF, decretando que a alteração introduzida será aplicável “às mais-valias e às menos valias realizadas nos períodos que se iniciem após 1 de Janeiro de 2003”.
b. No concreto caso dos autos, a Recorrente, sendo uma sociedade gestora de participações sociais (SGPS) alienou, com prejuízo (menos-valia), no ano de 2003, uma participação social que havia adquirido há menos de três anos (em 2001), a entidade relacionada (com quem tinha, aquilo a que a lei chama, “relações especiais”).
c. Sendo esse o enquadramento factual, a lei nova aplicou-se a factos (tributários) integralmente ocorridos após a sua entrada em vigor, ou seja, aquando da realização da menos-valia, a lei encontrava-se plenamente em vigor.
d. Inexiste, por isso, ao invés daquilo que é sustentado pela Recorrente, uma situação de retroatividade da lei fiscal, estando a posição da Autoridade Tributária – sancionada pela douta decisão arbitral visada no presente recurso – perfeitamente comparada pelo disposto no n.º 3 do ortigo 103º da CRP e pelo artigo 12º, n.º 1, da LGT.
e. Efetivamente, como se deixou expresso, e na situação dos autos não estamos perante uma situação de retroatividade (própria e autêntica), ou seja, aquela que resulta da aplicação da lei nova a factos anteriores à sua entrada em vigor.
f. Tal só ocorreria se a venda da participação social tivesse ocorrido em 2002 e a lei nova - cuja entrada em vigor ocorreu em 01.01.2003 -, tivesse determinado que as menos valias incorridas no ano de 2002, não seriam, dedutíveis nem concorreriam para a formação do lucro tributável.
g. Logo, não existem dúvidas de que a aplicação daqueles normativos não colide com o princípio da não retroatividade fiscal - a que alude o n.º 3 do artigo 103.º da CRP - e com os princípios da confiança e da segurança jurídica.
h. De igual forma, se vislumbra qualquer violação do princípio constitucional da proteção da confiança, decorrente da ideia de Estado de Direito democrático (artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa).
i. Com efeito, e de acordo com a jurisprudência imanada por esse Venerando Tribunal, “não há (...) um direito à não frustração de expectativas jurídicas ou a manutenção do regime legal em relações jurídicas duradoiras ou relativamente a factos complexos já parcialmente realizados» (cf. Acórdão n.º 287/90).
j. Por outro lado, o princípio implica uma ideia de proteção da confiança dos cidadãos e da comunidade na estabilidade da ordem jurídica e na constância da atuação do Estado, todavia, a confiança, aqui, não é uma confiança qualquer: se ela não reunir os requisitos que acima ficaram formulados, a Constituição não lhe atribui proteção (cf. Acórdão n.º 128/09).
k. Conforme bem sustentou o acórdão recorrido “Mas a requerente não provou essa expectativa ou direito digno de tutela. Alegou contornos e incómodos pela superveniente não-aceitação da menos valia”.
l. Ou seja, nunca se pode dizer que para uma SGPS, num investimento feito em 2001 (compra das ações da CIMIANTO), foi condição (essencial ou principal) de entrada que as menos valias resultantes dessa venda fossem reconhecidas fiscalmente.
m. Assim sendo, não se vislumbra qualquer violação do princípio constitucional da proteção da confiança, decorrente da ideia de Estado de Direito democrático, invocado pela Recorrente».
6. Tendo havido mudança de relator, por o primitivo ter entretanto cessado funções, a recorrente e a recorrida foram notificadas da possibilidade de vir a ser proferida decisão de não conhecimento do objeto do recurso, relativamente à «norma constante do então (à data dos factos) artigo 31.º, n.º 2, conjugado com o n.º 3, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (atual artigo 32.º, n.ºs 2 e 3), que impõe a indedutibilidade fiscal de menos-valias relativas a partes de capital unicamente com base (ou fundamento) na circunstância de as mesmas terem sido adquiridas a entidades com as quais o contribuinte, que sofre agora a perda na venda, tinha relações ditas especiais na definição do (à data dos factos) n.º 4 do artigo 58.º do Código do IRC (atualmente, n.º 4 do artigo 63.º do Código do IRC)».
7. A recorrente respondeu o seguinte:
«I. A decisão arbitral decidiu com base nos n.ºs 2 e 3 (este último pertinente, também, em face das circunstâncias factuais do caso) do artigo 31.º do EBF
1º
É um facto dado como assente pela decisão arbitral que foi suportada em 2003 uma menos-valia na alienação de ações (alínea d) da p 15, da decisão arbitral), a qual (conclusão de direito) prima facie seria dedutível em 50% do seu montante, conforme n.º 3 do artigo 42.º do Código do IRC (numeração à data dos factos), sendo que eventual mais-valia teria sido tributada quanto a 50% também, sujeito a reinvestimento, conforme artigo 45.º do Código do IRC (na redação à data dos factos).
2º
É um facto também que a alienante é uma SGPS (alínea a) da p 14, da decisão arbitral) à qual se aplica às respectivas mais e menos valias com a alienação de ações o regime especial do então artigo 31.º (atual 32.º) do EBF.
3º
É um facto que as ações alienadas em 2003 foram adquiridas em Dezembro de 2001 (alínea b), p 14, da decisão arbitral) e, consequentemente (conclusão necessária), decorrido que estava já mais de um ano de detenção das mesmas e, consequentemente ainda (conclusão de direito), o resultado fiscal de tal alienação (mais/menos-valias decorrentes da sua alienação) é prima facie excluído de tributação/dedução ao abrigo do então artigo 31º n.º 2 do EBF (atual artigo 32.º).
4º
É um facto dado como assente pela decisão arbitral que estas ações adquiridas em Dezembro de 2001 pela recorrente o foram a entidade sob o mesmo domínio acionista (alínea c), p 14, da decisão arbitral) e, consequentemente (conclusões de direito), adquiridas a entidade com a qual a requerente tinha relações especiais (cfr. à data dos factos o artigo 58.º, n.º 4, do Código do IRC).
5º
É um corolário necessária dos factos dados como assente pela decisão arbitral que estas ações assim adquiridas em 2001 a entidade relacionada e alienadas em 2003 (citadas alíneas b) e d), pp 14 e 15, da decisão arbitral) foram alienadas antes de decorridos três anos da data da sua aquisição e, consequentemente também (conclusão de direito), num tempo em que o regime fiscal aplicável aquela parte de capital diverge (é assimétrico) entre mais e menos valias, por força do recorte negativo do n.º 2 do então artigo 31.º, operado pelo n.º 3 do então artigo 31.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF).
6º
E é um facto também que a decisão arbitral concluiu no sentido da indedutibilidade fiscal das perdas/menos-valias suportadas, partindo da análise dos n.ºs 2 e 3 do então artigo 31.º do EBF (cfr. os três últimos parágrafos da p 18 da decisão arbitral), por oposição, por exemplo, ao regime geral prima facie aplicável referenciado supra no artigo 1.º desta pronúncia:
“Os factos provados e objeto deste processo subsumem-se totalmente ao disposto no citado artigo 31º, n.º2, do EBF: as menos valias realizadas em 2003 pela Requerente (que é uma SGPS) com a alienação de partes de capital da B..., S.A., adquiridas em 2001 (detidas, portanto, por mais de um ano) não concorrem para a formação do seu lucro tributável - ou seja, não são aceites em termos fiscais.
Com efeito, a lei fiscal prevê a relevância tributária das mais-valias (e nunca das menos valias) em casos excecionais (art. 31.º, n.º 3, do EBF), nomeadamente: quando a participação tenha sido adquirida a entidade em relações especiais e tenha sido detida pela SGPS por menos de 3 anos (entre 1 e 3 anos); nesse caso, as mais-valias de partes de capital são ainda assim tributadas.
E perante a concludência destes preceitos, é mister concluir pela irrelevância fiscal das menos valias realizadas pela Requerente” (sublinhado nosso).
7º
Aliás a decisão arbitral não está aqui sozinha, conforme claramente resulta da descrição de sentença (confirmada pelo STA no acórdão de 05.09.2012, proferido no processo n.º 0314/12, de onde veio o excerto que aqui se reproduz) do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra: “2 - A douta sentença recorrida entendeu que, no caso sub judice, estávamos perante a exclusão de tributação de mais-valias, na medida em que as participações foram alienadas em 2006, e portanto, a detenção das participações foram detidas por mais de três anos, não subsistindo qualquer das situações enunciadas no nº3 do art.31.º ou nos nºs 5, 6 e 7 do art. 23.º e 58.º, nº4 do CIRC, (circunstancias impeditivas da aplicação daquela regra que apenas relevam quando o período de detenção é inferior a três anos).
3 - Concluiu, deste modo, a Mma Juíza do Tribunal a “quo” que se encontrava preenchida a previsão da norma do nº2 do então artº31 do EBF (atual 32.º) isto é, de exclusão de tributação das mais-valias.”
8º
E realmente a norma (ou normas) que emerge resulta da combinação, pelo menos, dos dois números (2 e 3), sendo esta combinação que revela o sentido prescritivo da (ou das) norma: o n.º 2 é o começo da construção da norma, e o n.º 3 completa essa construção recortando o contributo inicial para a norma que decorre do n.º 2.
9º
São as limitações da palavra e em última análise do meio de comunicação de ideias (incluindo prescrições) que é a linguagem verbal, que levam a que a norma acabe por ser revelada de modo mais analítico, por partes, sem que isso anule a realidade subjacente de que a norma é o todo, e não esta ou aquela parte usada no seu processo de construção.
10º
E é olhando ao todo das partes que a compõem que se revela a norma, e o que esta norma em concreto revela (este todo que é a norma, composto dos n.ºs 2 e 3 do artigo 31.º da EBF) é o seguinte desequilíbrio: um certo equilíbrio que existiria se a norma resultasse apenas do n.º 2 (não deduzes menos-valias nas partes de capital detidas há mais de um ano, mas também não te tributo mais-valias nas partes de capital detidas há mais de um ano),
11º
acaba por não se consumar sempre (por não chegar a existir sempre) porquanto o n.º 3 recorta negativamente o n.º 2 (completando a construção da norma aí iniciada) prescrevendo que com respeito a certas partes de capital (incluindo partes de capital adquiridas a entidade com a qual haja relações especiais) a mais-valia é afinal tributada, sem que a menos valia seja também, e simetricamente, afinal dedutível.
12º
É este resultado normativo, esta norma, cuja inconstitucionalidade se suscita e cuja inconstitucionalidade a decisão arbitral analisou (cfr. logo o parágrafo inicial da p 19 da decisão arbitral, e daí em diante), e rejeitou.
13º
Finalmente, tal como a norma tem de ser apreendida no seu todo, também a decisão arbitral não pode ser vista demasiado seccionadamente (v.g., exclusivamente o parágrafo em que refere a aplicabilidade ao caso do n.º 2 do artigo 31.º do EBF) ou o risco de se atender a uma outra, e virtual, decisão arbitral (tantas quantas se queira), será grande.
II. Isoladamente visto o n.º 2 do artigo 31.º do EBF contém também a prescrição cuja inconstitucionalidade se suscita
14º
Em primeiro lugar comece-se por dizer que se se isolar o n.º 2 do artigo 32.º do EBF do seu n.º 3 e, por maioria de razão, de todos os restantes preceitos que concorrem para a construção da (ou das) normas aplicáveis às perdas com partes de capital, a fiscalização da sua conformidade com a constituição seria um processo caótico, com resultados para todos os gostos e, de certeza, desfasados da normação efetivamente existente.
15º
Mas importa sobretudo dizer agora, em face, mais uma vez, da dúvida suscitada na notificação com respeito à qual se exerce aqui o contraditório, que visto em si mesmo, isoladamente, o n.º 2 do artigo 31.º do EBF contém a prescrição aplicada cuja inconstitucionalidade se suscita, na medida em que abrange também a prescrição de indedutibilidade das menos-valias quando as partes de capital estejam na seguinte condição descrita no n.º 3 do mesmo artigo 31.º: entre o mais, que tenham sido adquiridas a entidades com as quais haja relações especiais (como ocorre nas circunstâncias do caso concreto dadas como provadas pela decisão arbitral).
16º
Isso mesmo se mostra, por referência então à totalidade do campo de aplicação do n.º 2 do artigo 32.º do EBF, nos artigos 25º a 32º das alegações da recorrente (embora com finalidade algo diferente mas, não obstante, inteiramente transponível para aqui), que aqui se no repetem.
17º
Mais se acrescenta agora (com focagem no n.º 2 do artigo 31.º - atual 32.º -do EBF, no entendimento, a beneficio de raciocínio, que o n.º 3 estaria aqui a mais) que o que se segue são apenas duas formulações diferentes da mesma ideia:
a) Identificação da norma cuja inconstitucionalidade se suscita conforme formulação constante do requerimento de recurso (omitindo, a beneficio de raciocínio, o n.º 3 do artigo 31.º): “Norma constante do então (à data dos factos) artigo 31. º, n.º 2, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (atual artigo 32. º, n.º 2), que impõe a indedutibilidade fiscal de menos-valias relativas a partes de capital unicamente com base (ou fundamento) [a base ou fundamento só pode ser o que se segue uma vez que na situação em apreço não existe a justificação ou fundamento (potencial equilíbrio ou simetria) do ponto de partida: nas circunstâncias que a seguiram se referenciam, é afastado o beneficio de isenção para as mais-valias, por força do n.º 3 deste mesmo artigo 31.º do EBF] na circunstância de as mesmas terem sido adquiridas a entidades com as quais o contribuinte, que sofre agora a perda na venda, tinha relações ditas especiais na definição do (à data dos factos) n.º 4 do artigo 58.º do Código do IRC (atualmente, n.º 4 do artigo 63.º do Código do IRC)”;
b) Formulação alternativa (equivalente) da identificação da norma: Norma constante do então (à data dos factos) artigo 31. º, n.º 2, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (atual artigo 32.º, n.º 2), na medida em que que continua a impor a indedutibilidade fiscal de menos-valias relativas a partes de capital mesmo [ou também] na circunstância de as mesmas terem sido adquiridas a entidades com as quais o contribuinte, que sofre agora a perda na venda, tinha relações ditas especiais na definição do (à data dos factos) n.º 4 do artigo 58.º do Código do IRC (atualmente, n.º 4 do artigo 63.º do Código do IRC) [circunstância esta em que a potencial justificação que repousaria no facto de, simetricamente, as mais-valias serem isentas, não existe, por força do n.º 3 do artigo 31.º do EBF; i. e., circunstância esta em que a parte de capital está sujeita a tributação dos ganhos, o mesmo é dizer, a regime em tudo idêntico ao da comum das sociedades]”.
18º
Em síntese, a decisão arbitral aplica prescrição que se aplica também a partes de capital adquiridas a entidades com as quais haja relações especiais (que era a situação do caso concreto), para pegar nos exatos termos da notificação a que se dirige esta pronúncia,
19º
e na medida em que esta norma se aplica também a isso (de modo mais completo, na medida em que o n.º 2 aplicado pela decisão arbitral se aplica também, e se aplicou em concreto, à situação tipo prevista no n.º 3 do artigo 31.º do EBF relativa a partes adquiridas a entidade relacionada) a recorrente suscita a sua inconstitucionalidade.
III. O diferente plano dos raciocínios e argumentações esgrimidas em torno da questão da inconstitucionalidade
20º
O que a decisão arbitral não faz é, salvo melhor opinião, uma outra e diferente coisa: quando trata de discutir (cfr. pp 19 e ss da decisão arbitral) a eventual inconstitucionalidade da prescrição de indedutibilidade das menos-valias na medida em que esta se aplica também a partes de capital adquiridas a entidades com as quais haja relações especiais (que é a situação concreta sob julgamento),
21º
coloca-se num plano comparativo em que omite da equação por si utilizada o facto de neste tipo de situação – em que se subsume a situação do caso concreto – nada haver no essencial a destrinçar, em sede de tributação, entre uma SGPS e uma comum sociedade (recorda-se que a isenção de mais valias, que é o traço distintivo do regime fiscal das SGPS é, na situação tipo em que se subsume o caso concreto, afastada por força do n.º 3 do artigo 31 – atual 32.º – do EBF).
22º
E aqui sim, neste plano argumentativo, de desenvolvimento de raciocínios e de análise da questão da eventual inconstitucionalidade (o plano da fundamentação respeitante à questão da eventual inconstitucionalidade),
23º
pode-se dizer que a decisão arbitral segue uma ratio decidendi (um racional) em que omite a circunstância (de facto e de direito, por si nunca negada, antes por si reconhecida) de se estar perante uma parte de capital nas circunstâncias previstas no n.º 3 do artigo 32.º do EBF e, consequentemente (é a omissão da conclusão que se segue que vicia toda a comparação e ponderação feita pela decisão arbitral),
24º
em que se omite a circunstância de a parte de capital em causa estar sujeita a regime igualzinho (sem tirar nem pôr) àquele que se aplica à comum das sociedades (afastamento da isenção de mais-valias por se tratar de aquisição a entidade com a qual há relações especiais – n.º 3 do artigo 31 .º do EBF –, mas manutenção da indedutibilidade de menos-valias, o que é justamente a norma ou prescrição – que se reputa de inconstitucional – que se aplica também nestas circunstâncias à comum das sociedades, por força agora, à data dos factos, do artigo 23.º, n.º 5, alínea a), do Código do IRC).
25º
Este vício de raciocínio que afeta estruturalmente toda a ponderação ou análise em concreto da questão da inconstitucionalidade levada a cabo pelo coletivo arbitral (termos de comparação errados devido a esta omissão), é justamente um dos focos de incidência maior das alegações oportunamente produzidas pela recorrente.
26º
Ora, este vício de raciocínio em que assenta a análise pela decisão arbitral da questão da inconstitucionalidade em concreto, e que é justamente a razão de queixa maior da recorrente (e ainda que não fosse), não se pode tornar ele próprio em impedimento ao conhecimento do recurso, sob pena de uma inversão de ordem lógica que tomará o conhecimento do recurso refém dos vícios de raciocínio na ponderação da questão da inconstitucionalidade em que tenha incorrido o tribunal a quo: movimento circular em que os defeitos da decisão em sede de análise da questão da inconstitucionalidade são eles mesmos simultaneamente o motivo do recurso e o quid que impede o conhecimento do mesmo pelo Tribunal Constitucional».
8. A recorrida pronunciou-se no sentido do não conhecimento do objeto do recurso relativamente à norma identificada no referido despacho.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
1. O objeto do presente recurso é integrado por duas normas: a «norma, constante do n.º 5 do artigo 38.º da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro, que impõe a aplicação às SGPS da regra da indedutibilidade fiscal de menos-valias relativas a partes de capital adquiridas a entidades relacionadas, também com respeito a menos-valias relativas a partes de capital adquiridas anteriormente à referida Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro»; e a «norma constante do então (à data dos factos) artigo 31.º, n.º 2, conjugado com o n.º 3, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (atual artigo 32.º, n.ºs 2 e 3), que impõe a indedutibilidade fiscal de menos-valias relativas a partes de capital unicamente com base (ou fundamento) na circunstância de as mesmas terem sido adquiridas a entidades com as quais o contribuinte, que sofre agora a perda na venda, tinha relações ditas especiais na definição do (à data dos factos) n.º 4 do artigo 58.º do Código do IRC (atualmente, n.º 4 do artigo 63.º do Código do IRC)».
As disposições legais a que se reportam estas normas têm, para o que agora releva, a seguinte redação:
«Artigo 38.º
Estatuto dos Benefícios Fiscais
1 – Os artigos 14.º, 15.º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º, 21.º, 22.º, 23.º, 24.º, 26.º, 29.º, 30.º, 31.º, 32.º, 33.º, 39.º, 42.º, 45.º, 46.º, 57.º e 64.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de Julho, passam a ter a seguinte redação:
(…)
Artigo 31.º
Sociedades gestoras de participações sociais (SGPS) e sociedades de capital de risco (SCR)
1 – Às SGPS e às SCR é aplicável o disposto nos n.ºs 1 e 5 do artigo 46.º do Código do IRC, sem dependência dos requisitos aí exigidos quanto à percentagem ou ao valor da participação.
2 – As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS e pelas SCR mediante a transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere, de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim os encargos financeiros suportados com a sua aquisição, não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades.
3 – O disposto no número anterior não é aplicável relativamente às mais-valias realizadas e aos encargos financeiros suportados quando as partes de capital tenham sido adquiridas a entidades com as quais existam relações especiais, nos termos do n.º 4 do artigo 58.º do Código do IRC, ou entidades com domicilio, sede ou direção efetiva em território sujeito a um regime fiscal mais favorável, constante de lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças, ou residentes em território português sujeitas a um regime especial de tributação, e tenham sido detidas, pela alienante, por período inferior a três anos e, bem assim, quando a alienante tenha resultado de transformação de sociedade à qual não fosse aplicável o regime previsto naquele número relativamente às mais-valias das partes de capital objeto de transmissão, desde que, neste último caso, tenham decorrido menos de três anos entre a data da transformação e a data da transmissão.
(…)
2 – (…)
5 – A alteração introduzida no artigo 31.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais aplica-se às mais-valias e às menos-valias realizadas nos períodos de tributação que se iniciem após 1 de Janeiro de 2003, sem prejuízo de se continuar a aplicar, relativamente à diferença positiva entre as mais-valias e as menos-valias realizadas antes de 1 de Janeiro de 2001, o disposto nas alíneas a) e b) do n.º 7 do artigo 7.º da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, ou, em alternativa, no n.º 8 do artigo 32.º da Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro.
(…)».
2. Relativamente à segunda norma – a «constante do então (à data dos factos) artigo 31.º, n.º 2, conjugado com o n.º 3, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (atual artigo 32.º, n.ºs 2 e 3), que impõe a indedutibilidade fiscal de menos-valias relativas a partes de capital unicamente com base (ou fundamento) na circunstância de as mesmas terem sido adquiridas a entidades com as quais o contribuinte, que sofre agora a perda na venda, tinha relações ditas especiais na definição do (à data dos factos) n.º 4 do artigo 58.º do Código do IRC (atualmente, n.º 4 do artigo 63.º do Código do IRC» – há que concluir, porém, pelo não conhecimento do objeto do recurso.
Um dos requisitos do presente recurso é a aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, da norma cuja apreciação é requerida a este Tribunal (artigos 70.º, n.º 1, alínea b), e 75.º-A, n.º 1, da LTC). E do acórdão do tribunal arbitral resulta que foi aplicada, como razão de decidir, a norma do n.º 2 do artigo 31.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais enquanto estatui que as menos-valias realizadas pelas SGPS mediante a transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere, de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades. Independentemente, pois, da entidade a quem tenham sido adquiridas.
Da decisão não decorre, de todo, que a indedutibilidade das menos-valias relativas a partes de capital seja imposta pela circunstância de as mesmas terem sido adquiridas a entidades com as quais o contribuinte, que sofre agora a perda na venda, tinha relações ditas especiais na definição do (à data dos factos) n.º 4 do artigo 58.º do Código do IRC (atualmente, n.º 4 do artigo 63.º do Código do IRC). Por seu turno, na resposta apresentada, a recorrente não demonstra que tenha sido este o entendimento do tribunal recorrido, ao sustentar, contra o que resulta do acórdão arbitral, que neste teve lugar uma aplicação conjugada dos n.ºs 2 e 3 do artigo 31.º daquele Estatuto.
Recorde-se que este n.º 3 estatui que o n.º 2 não é aplicável relativamente às mais-valias realizadas, quando as partes de capital tenham sido adquiridas a entidades com as quais existam relações especiais, nos termos do n.º 4 do artigo 58.º do Código do IRC, e tenham sido detidas, pela alienante, por período inferior a três. E que quanto a esta estatuição a decisão recorrida é clara no sentido de a lei prever a relevância das mais-valias (nunca das menos-valias) em casos excecionais, nomeadamente quando a participação tenha sido adquirida a entidade em relações especiais e tenha sido detida pela SGPS por menos de 3 anos (artigo 31.º, n.º 3, do EBF). Isto é: a circunstância de as partes de capital terem sido adquiridas a entidades com as quais o contribuinte tinha relações ditas especiais importa somente para a relevância fiscal das mais-valias e não das menos valias. Relativamente a estas dispõe exclusivamente o n.º 2, tendo o acórdão arbitral concluído que «os factos provados e objeto deste processo subsumem-se totalmente ao disposto no citado artigo 31.º, n.º 2, do EBF: as menos valias realizadas em 2003 pela Requerente (que é uma SGPS) com a alienação de partes de capital da CIMIANTO, adquiridas em 2001 (detidas, portanto, por mais de um ano) não concorrem para a formação do seu lucro tributável ou seja, não são aceites em termos fiscais». De resto, a decisão recorrida não deixa de justificar o desvio contido no n.º 3 daquele artigo, a abranger exclusivamente as mais-valias, qualificando o aí estatuído como «norma específica anti-abuso, legítima, adequada e proporcionada, para evitar o acesso abusivo a este benefício fiscal – isenção (exclusão) fiscal das mais-valias de partes de capital detidas pelas SGPS».
Há que concluir, pois, quanto a esta parte, pelo não conhecimento do objeto do presente recurso.
3. Relativamente à outra norma – a «norma, constante do n.º 5 do artigo 38.º da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro, que impõe a aplicação às SGPS da regra da indedutibilidade fiscal de menos-valias relativas a partes de capital adquiridas a entidades relacionadas, também com respeito a menos-valias relativas a partes de capital adquiridas anteriormente à referida Lei º 32-B/2002, de 30 de Dezembro», a recorrente alega a violação «do princípio constitucional da não retroatividade da lei fiscal, consagrado no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP) e dos princípios constitucionais da tutela da confiança e da segurança jurídica (imanentes ao Estado de direito democrático – cfr. artigo 2.º da CRP)».
De acordo com o artigo 38.º da Lei n.º 32-B/2002, o artigo 31.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais passou a determinar que as menos-valias realizadas pelas SGPS mediante a transmissão onerosa de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades, aplicando-se esta alteração às menos-valias realizadas nos períodos de tributação que se iniciem após 1 de Janeiro de 2003. Segundo a recorrente, a norma é inconstitucional, na medida em que impõe às SGPS a regra da indedutibilidade fiscal de menos-valias relativamente a partes de capital adquiridas a entidades relacionadas anteriormente à entrada em vigor da Lei n.º 32-B/2002 (anteriormente à existência daquela regra de indedutibilidade) e na medida em que se aplica a situações em que as circunstâncias por si mesma erigidas, determinantes do afastamento da dedutibilidade, se consumaram ou preencheram antes da existência da desconsideração de perdas reais. Em suma, discorda da decisão recorrida por esta eleger como momento relevante para aferir da existência de retroatividade o momento da venda das partes de capital.
4. As questões de constitucionalidade que importa apreciar e decidir são idênticas às apreciadas no Acórdão n.º 85/2010 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt), mediante o qual se julgou não inconstitucional o n.º 3 do artigo 42.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, na redação dada pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro, norma que se traduziu numa redução das menos-valias dedutíveis.
O julgamento de não inconstitucionalidade, à luz dos parâmetros que a ora recorrente convoca, louva-se no Acórdão n.º 128/2009 (disponível no mesmo sítio), onde se conclui que «a retroatividade proibida no n.º 3 do artigo 103.º da Constituição é a retroatividade própria ou autêntica. Ou seja, proíbe-se a retroatividade que se traduz na aplicação da lei nova a factos (no caso, factos tributários) antigos (anteriores, portanto, à entrada em vigor da lei nova)»; e que «para que haja lugar à tutela jurídico-constitucional da «confiança» é necessário, em primeiro lugar, que o Estado (mormente o legislador) tenha encetado comportamentos capazes de gerar nos privados «expectativas» de continuidade; depois, devem tais expectativas ser legítimas, justificadas e fundadas em boas razões; em terceiro lugar, devem os privados ter feito planos de vida tendo em conta a perspetiva de continuidade do «comportamento» estadual; por último, é ainda necessário que não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa».
A partir desta jurisprudência, conclui-se naquele Acórdão o seguinte:
«6.1. No que se refere à problemática da proibição da retroatividade, parece claro que a hipótese de uma qualquer aplicação retroativa do disposto no artigo 42º, n.º 3, do CIRC, no caso concreto e nos termos proibidos pelo n.º 3 do artigo 103º da Constituição – retroatividade própria ou autêntica, ou seja, aplicação de lei nova a factos anteriores à entrada em vigor da lei nova –, não se pode colocar. Na verdade, por um lado, o facto gerador da obrigação – a alienação – ocorre indubitavelmente na vigência da lei nova. Por outro, não é sustentável afirmar a existência de um facto jurídico-fiscal complexo de formação sucessiva. Na verdade, não basta que se verifique uma aquisição anterior e uma alienação posterior para que se possa afirmar a existência de um único facto, embora complexo. A ser assim, qualquer aquisição que, no futuro, próximo ou longínquo, desse origem a uma alienação seria um facto complexo, não obstante serem distintos o primeiro alienante e o segundo adquirente, não obstante o conteúdo da contratação ser diverso na primeira e na segunda alienação, não obstante ocorrer um lapso de tempo mais ou menos prolongado entre tais operações. A intermediação meramente casual de uma pessoa (no caso, o primeiro adquirente/segundo alienante) não pode ser elemento suficientemente capaz de produzir a união de factos que são juridicamente distintos, quer do ponto de vista dos intervenientes, quer, acima de tudo, do ponto de vista da sua substância.
(…)
6.2. E quanto à alegada violação da proteção da confiança e da segurança jurídica, também não é possível sufragar a tese da recorrente. De facto, a proteção das alegadas expectativas invocadas pela ora recorrente jamais pode colidir, nem impedir, o funcionamento do princípio da livre revisibilidade das leis. A menos que os requisitos de proteção da confiança, tal como têm sido reconhecidos e aceites na jurisprudência constitucional, estejam integralmente verificados. E, na realidade, não estão. Vejamos.
Em primeiro lugar, não se pode dizer que o Estado, através da Administração Fiscal, ao permitir durante certo período a dedução da totalidade das menos-valias obtidas em determinada alienação, possa ter criado uma expectativa de manutenção de idêntico regime para o futuro. Admitir o contrário seria aceitar um princípio de imutabilidade das leis, que se não pode reconhecer. Em segundo lugar, também não se antevê como possa a expectativa da recorrente ser havida como legítima, já que tal implicaria uma como que «proibição de retrocesso» em matéria de deduções fiscais, igualmente inaceitável. Em terceiro lugar, tão-pouco se pode dizer que a ora recorrente possa ter feito, legitimamente, um plano de vida assente no pressuposto de continuidade do “comportamento” da Administração Fiscal. Na realidade, afigura-se insustentável afirmar que a ora recorrente ao adquirir as participações sociais em causa o fez no pressuposto de, posteriormente, independentemente até de qualquer “proximidade temporal” entre a aquisição e a alienação – que poderá vir a ocorrer décadas após –, as vir a alienar com prejuízo, deduzindo, nesse caso, a totalidade das menos-valias. Em quarto e último lugar, parece existir uma razão de interesse público subjacente à alteração legislativa em causa: obter uma mais justa e equilibrada repartição de encargos fiscais entre as diversas espécies de contribuintes, dado que o regime resultante do artigo 42º, n.º 3, do CIRC, apenas se aplica, por definição, a contribuintes que tenham a natureza de pessoa coletiva ou afim.
Não é, assim, possível concluir, como pretende a recorrente, pela violação do “princípio da segurança jurídica, estabelecido no artº 2º da Constituição da República Portuguesa”».
É este entendimento que importa reiterar (no mesmo sentido, relativamente a um outro segmento da mesma disposição legal, cf. Acórdão n.º 42/2014, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
Também nos presentes autos é de concluir que a norma em apreciação não viola a proibição constitucional da retroatividade autêntica (artigo 103.º, n.º 3, da CRP): o facto tributário – a transmissão onerosa – releva indubitavelmente na vigência da lei nova, não podendo afirmar-se a existência de um facto jurídico-fiscal complexo de formação sucessiva, quando as participações sociais sejam adquiridas em momento anterior à da entrada em vigor da lei que cria a indedutibilidade das menos-valias para a formação do lucro tributável das sociedades SGPS. E tão pouco releva que a detenção das partes de capital por período não inferior a um ano se consume antes da existência da regra da indedutibilidade das menos-valias.
É de concluir, ainda, que a norma não viola o princípio da proteção da confiança (artigo 2.º da CRP), nada havendo de específico que contrarie este juízo por estarem em causa menos-valias realizadas por SGPS que até então concorriam para a formação do lucro tributável destas sociedades. Com efeito, não há propriamente uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários da norma não pudessem contar, não se podendo dizer que a Administração Fiscal tenha criado uma expectativa – uma expetativa legítima – de manutenção de regime idêntico para o futuro. E tão-pouco se pode dizer, como salienta a decisão recorrida, que «para uma SGPS, num investimento feito em 2001 (…) foi condição (essencial ou principal) de entrada que as menos valias resultantes da venda fossem reconhecidas fiscalmente». Por outro lado, é invocável uma razão de interesse público subjacente à alteração legislativa em causa, evidenciada pela decisão recorrida: aceitar fiscalmente as menos valias e isentar as mais-valias equivaleria a reconhecer e a aceitar uma situação muito provável de constante prejuízos fiscais (pois as mais-valias e dividendos estão isentos de imposto) ou permitir que as menos valias fossem deduzidos aos proveitos tributados das SGPS (menos usuais), num benefício fiscal de larguíssimo espectro que o legislador não quis manifesta e legitimamente estipular.
Em suma, há que julgar não inconstitucional a «norma, constante do n.º 5 do artigo 38.º da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro, que impõe a aplicação às SGPS da regra da indedutibilidade fiscal de menos-valias relativas a partes de capital adquiridas a entidades relacionadas, também com respeito a menos-valias relativas a partes de capital adquiridas anteriormente à referida Lei º 32-B/2002, de 30 de dezembro».
III. Decisão
Em face do exposto, decide-se:
a) Não tomar conhecimento do objeto do recurso no que se refere à norma que a recorrente reporta ao artigo 31.º, n.º 2, conjugado com o n.º 3, do Estatuto dos Benefícios Fiscais, na redação da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro; e, quanto ao mais,
b) Negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 unidades de conta.
Lisboa, 12 de fevereiro de 2014. – Maria João Antunes – Maria Lúcia Amaral – José da Cunha Barbosa – Maria de Fátima Mata-Mouros – Joaquim de Sousa Ribeiro.