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Processo n.º 1358/13
1.ª Secção
Relator: Conselheira Maria de Fátima Mata-Mouros
Acordam, em conferência, na 1.ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, o primeiro interpôs o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), da decisão daquele tribunal de 27 de novembro de 2013.
2. Pela Decisão Sumária n.º 776/2013, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto. Tal decisão tem a seguinte fundamentação:
«(…) 3. O recorrente pretende ver apreciada a constitucionalidade das normas constantes da «alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º e a alínea b) do n.º 1 do artigo 432.º ambos do C.P.P. quando interpretadas no sentido da douta decisão recorrida, por violação dos artigos 20.º, n.º 4 e 32.º ambos da CRP». Em concretização da interpretação normativa aplicada que considera ser desconforme à Constituição, indica a passagem da decisão recorrida em que se refere que «interpretação da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP está conforme ao artigo 32.º, n.º 1 da CRP que inscreve o direito ao recurso como uma garantia de defesa do processo criminal, que é de considerar exercido para efeitos constitucionais com o julgamento em segundo grau de jurisdição, como ocorreu no caso» (cfr. pontos 5) e 6) do requerimento de interposição de recurso, fls. 123-124).
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. Da ausência de objeto normativo.
No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, o controlo exercido pelo Tribunal Constitucional tem natureza estritamente normativa, não contemplando a apreciação da conformidade constitucional da decisão judicialmente proferida.
Em conformidade, os recursos de constitucionalidade interpostos de decisões de outros tribunais apenas podem ter por objeto «interpretações» ou «critérios normativos» identificados com caráter de generalidade, e nessa medida suscetíveis de aplicação a outras situações, independentemente, pois, das particularidades do caso concreto. A respetiva admissibilidade depende, assim, da identificação da interpretação ou critério normativos - uma regra abstratamente enunciável vocacionada para uma aplicação para lá do caso concreto – cuja desconformidade constitucional se suscita.
A formulação do objeto adotada no presente recurso não resiste, porém, à particularização do caso concreto. Ao fazer referência à decisão concreta do tribunal recorrido na apreciação da admissibilidade do recurso, o requerente faz inelutável apelo a um momento da decisão que concretizou a mera aplicação das normas ao caso concreto, pretendendo, assim, que se sindique a própria decisão. O requerimento de recurso limita-se a remeter para o resultado de uma interpretação normativa efetuada pelo tribunal recorrido que nunca chega, todavia, a ser enunciada. Desta forma, a questão de inconstitucionalidade formulada no presente recurso (como, de resto, também na reclamação apresentada para o tribunal recorrido – cfr. ponto 21 da reclamação, fls. 8) não apresenta no seu objeto as características de «normatividade» indispensáveis à realização de um controlo de constitucionalidade.
5. Conclui-se, assim, que, o recorrente se limitou a questionar a conformidade constitucional do resultado decisório alcançado.
Termos em que, na falta do preenchimento do requisito processual em causa, não é possível conhecer do recurso».
3. Da decisão sumária vem agora o recorrente reclamar para a conferência (artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC), com os seguintes fundamentos:
«(…) 3. Com o devido respeito, discorda o Recorrente do douto entendimento porquanto, embora se admita que a formulação da questão da inconstitucionalidade que se pretende ver apreciada por esse Tribunal não reunisse cabalmente os requisitos formais enunciados na lei,
4. Sempre se dirá que a questão material que se pretende ver apreciada está devidamente identificada, a saber: a inconstitucionalidade da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 432.º ambos do C.P.P. quando interpretadas no sentido de impedirem o duplo grau de recurso nas situações em que não se verifica a “dupla conforme” porque a decisão do tribunal superior não confirma a decisão condenatória do tribunal de instância inferior, por violação dos artigos 20.º, n.º 4 e 32.º ambos da CRP.
5. Entendemos ainda, que uma vez que a questão material se mostra suficientemente enunciada no texto da motivação do recurso interposto, a interpretação feita na Decisão Sumária do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC consubstancia uma intolerável restrição do direito de acesso à justiça por parte do Recorrente, em violação directa dos preceitos constitucionais constantes dos artigos 20.º, n.º 1 e 202.º, n.º 2 ambos da Constituição da República Portuguesa».
4. Notificado da reclamação, respondeu apenas o Ministério Público, pronunciando-se no sentido do seu indeferimento.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
5. Foi proferida decisão de não conhecimento do objeto do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, por não se poder dar como verificado o requisito da normatividade do seu objeto.
Na reclamação que agora apresenta, o reclamante, admitindo que a questão de inconstitucionalidade enunciada no requerimento de interposição não reúne «cabalmente os requisitos formais enunciados na lei», identifica, agora, a norma a sindicar como sendo «a alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 432.º ambos do C.P.P. quando interpretadas no sentido de impedirem o duplo grau de recurso nas situações em que não se verifica a “dupla conforme” porque a decisão do tribunal superior não confirma a decisão condenatória do tribunal de instância inferior, por violação dos artigos 20.º, n.º 4 e 32.º ambos da CRP». Mais refere, para contrariar o decidido, que esta questão se encontrava já suficientemente enunciada no texto da motivação do recurso interposto para o tribunal recorrido.
Desta forma, o reclamante acaba por confirmar o bem fundado da decisão sumária quanto ao não conhecimento do objeto do recurso.
Quanto à invocação pelo reclamante de que a questão se encontrava já «suficientemente enunciada no texto da motivação do recurso interposto», importa referir que é sobre o recorrente que impende o ónus de delimitar o sentido normativo do preceito legal/dos preceitos legais que considera inconstitucional. O cumprimento de tal ónus não representa simples observância do dever de colaboração das partes com o Tribunal, mas constitui, antes, o preenchimento de um requisito formal essencial ao conhecimento do objeto do recurso (Acórdão n.º 200/97, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
A verdade é que, nem no requerimento do recurso, nem na reclamação agora apresentada (já não sendo este, todavia, o momento adequado para corrigir vícios do requerimento), o recorrente conferiu um sentido normativo à questão de constitucionalidade colocada, em termos de o Tribunal, no caso de julgar inconstitucional tal norma, a poder enunciar na decisão, de modo a que os destinatários dela e os operadores do direito em geral fiquem a saber que esses preceitos legais não podem ser aplicados com um tal sentido (entre muitos outros, Acórdãos do Tribunal Constitucional n.os 106/99 e 21/2006, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
Há que confirmar, pois, a decisão reclamada.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 12 de fevereiro de 2014. – Maria de Fátima Mata-Mouros – Maria João Antunes – Maria Lúcia Amaral.