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Processo n.º 1075/2013
1.ª Secção
Relator: Conselheira Maria Lúcia Amaral
Acordam, em Conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A., foi proferida decisão sumária a negarem provimento ao recurso interposto, com a seguinte fundamentação:
(…) Como decorre do relato atrás feito, pretende o recorrente que o Tribunal se pronuncie pela inconstitucionalidade da norma constante da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, por sustentar que a mesma lesa o direito ao recurso, enquanto garantia de defesa em processo criminal (artigo 32.º n.º 1, da CRP), e o princípio da igualdade (artigo 13.º), uma vez que, como diz, “a norma (…) tolda a possibilidade do ora Reclamante usufruir de uma prerrogativa que deveria ser conferida a todos em igual medida, não podendo o núcleo essencial dos direitos de defesa ficar ressalvado, para uns, com o duplo grau de jurisdição e para outros com o triplo grau de jurisdição”.
A questão de constitucionalidade assim enunciada é uma questão manifestamente infundada. A jurisprudência do Tribunal Constitucional é firme, no sentido de entender que não decorre do n.º 1 do artigo 32.º da Constituição o direito a um triplo grau de jurisdição em matéria penal (ver, entre muitos outros, acórdãos n.ºs 64/2006, 49/2003, 377/2003, 189/ 2001, 336/2001, 369/2001, 495/2003 e 102/20004). Do mesmo modo, é firme a jurisprudência constitucional relativa ao princípio da igualdade, segundo a qual não cabe ao Tribunal censurar as escolhas do legislador que estabeleçam diferenças fundamentadas entre as pessoas (ver, entre muitos outros, acórdãos n.ºs 442/2007, 620/2007, 232/2003, 412/2002 e 69/2008).
De acordo com o previsto no n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional: LTC), e nos termos da jurisprudência atrás citada, responde-se sumariamente à questão colocada, julgando não inconstitucional a norma impugnada e não concedendo por isso provimento ao recurso.
2. Notificado dessa decisão, A. veio reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da Lei do Tribunal Constitucional, com os seguintes fundamentos:
1.
O ora Reclamante interpôs Recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo do disposto nos artigos 280.º, n.º 1, alínea b) e n.º 4 da Constituição da República Portuguesa, artigos 69.º, 70.º, n.º 1, alínea b), 72.º, n.º 2 da Lei do Tribunal Constitucional. Alegando a aplicação de norma cuja inconstitucionalidade foi suscitada durante o processo.
2.
Em cumprimento do artigo 75.º-A, n.º 2 da Lei do Tribunal Constitucional, o aqui Reclamante indicou ainda as normas e ou princípios que considerou terem sido violados pela Decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça que invocou o artigo 400.º n.º 1, alínea e) do Código de Processo Penal para não admitir o Recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça:
a. O princípio constitucional das garantias de defesa, consagrado no artigo 32.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
b. O princípio da igualdade, plasmado no artigo 13.º da Lei Fundamental que consagra que “Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei”.
3.
Juntou, ainda, para o efeito, peça processual onde suscitou a questão da inconstitucionalidade do artigo 400.º n.º 1 alínea e) do Código de Processo Penal.
4.
Sucede que, de acordo com a Decisão Sumária objeto de censura, a “questão de constitucionalidade enunciada é uma questão manifestamente infundada”.
5.
Ora, salvo melhor opinião, e não obstante a remissão para alguma jurisprudência o que é facto é que, a questão da inconstitucionalidade da norma em apreço foi devidamente fundada. Senão vejamos
6.
Salvo o devido respeito, que é muito, não poderá a Exma. Juíza Conselheira Relatora decidir ao arrepio dos fundamentos invocados pelo ora Reclamante e que se consubstanciam na efetiva violação de princípios basilares da nossa Lei Fundamental.
7.
Com efeito, a aplicação da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal configura uma manifesta diminuição das garantias de defesa do ora Reclamante.
8.
Uma vez que limita o exercício do seu direito de defesa, e por conseguinte, de Recurso.
9.
Ora, o postulado no artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa é claro e simples, traduzindo-se no seguinte: O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso.
10.
Tal norma é, pois, isenta de interpretações dúbias e vagas, dela se extraindo que, no processo criminal, todos os cidadãos têm o direito de exercer a sua defesa, inclusive, por meio de recurso.
11.
No entanto, a aplicação do artigo 400.º n.º 1, alínea e) do Código de Processo Penal contende com tal principio constitucional,
12.
Não permitido ao Recorrente fazer uso de um meio processual (leia-se Recurso) que lhe é constitucionalmente conferido.
13.
Entende, ainda, a Exma. Juíza Conselheira Relatora que: (...) é firme a jurisprudência constitucional relativa ao princípio da igualdade, segundo a qual não cabe ao Tribunal censurar as escolhas que estabelecem diferenças fundamentadas entre pessoas (…)”.
14.
Todavia, salvo o devido respeito (que é muito) não se poderá o Tribunal compadecer com escolhas que ofendem e fazem (tábua rasa de princípios nucleares do nosso ordenamento jurídico, como é, o caso do princípio da igualdade
15.
E que, entendemos, também, ter sido não só beliscado, mas profundamente violado pela norma cuja inconstitucionalidade foi suscitada.
16.
A este respeito, atente-se ao vertido no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa que estabelece que: Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.
17.
Ora, ao Recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça, o Reclamante mais não fez do que usufruir de uma prerrogativa que deveria ser conferida, em igual medida, a todos os cidadãos.
18.
Não se podendo a Exma. Juíza Conselheira Relatora quedar com escolhas do legislador que, grotescamente e ao arrepio de princípios constitucionais, estabelecem diferenças onde estas não deveriam existir
19.
Uma vez que nenhuma escolha deveria estar, em nosso entender, acima da Lei.
20.
Por conseguinte, e contrariamente ao entendimento da Exma. Juíza Conselheira Relatora vertido na Decisão Sumária de que se reclama, somos de parecer que a norma cuja inconstitucionalidade foi suscitada (leia-se artigo 400.º n.º 1. aliena e) do Código de Processo Penal) viola, de facto e em bom rigor, os artigos 13.º e 32.º. n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, tratando-se, pois, não de uma questão manifestamente infundada, mas sim claramente fundada.
3. O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional veio dizer o seguinte:
1.º
Pela douta Decisão Sumária n.º 610/2013, não se julgou inconstitucional a norma constante da alínea e) do n.º 1, do artigo 400.º do Código de Processo Penal (CPP), tendo, consequentemente, sido negado provimento ao recurso interposto, pelo arguido, para o Tribunal Constitucional.
2.º
Efetivamente, face à abundante jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre tal matéria, a questão devia ser qualificada como simples para efeitos do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional.
3.º
Quer em momentos anteriores, designadamente na reclamação para o Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça da decisão que, na Relação de Lisboa, não admitiu o recurso interposto para aquele Supremo Tribunal, quer na presente reclamação, o recorrente no invoca quaisquer novos argumentos que justifiquem a apresentação de alegações e a posterior reapreciação da questão pelo pleno da Secção.
4.º
Pelo exposto, de indeferir-se a reclamação.
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. A relatora no Tribunal Constitucional decidiu sumariamente não julgar inconstitucional a norma impugnada pelo ora reclamante – a constante da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal –, negando, consequentemente, provimento ao recurso.
A decisão foi tomada ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional: LTC), segundo o qual “[s]e entender que (…) a questão a decidir é simples, por a mesma ter sido objeto de decisão anterior do Tribunal ou por ser manifestamente infundada, o relator profere decisão sumária”.
No caso, a questão a decidir não tinha sido objeto, apenas, de “decisão anterior” do Tribunal. É na verdade, e como muito bem se sabe, firme e abundante a jurisprudência sobre o tema, jurisprudência essa que não julga inconstitucional, face a qualquer um dos princípios invocados, a norma in casu impugnada.
Não tendo o reclamante em momento algum do processo (nem tão pouco na presente reclamação) aduzido quaisquer argumentos novos que justificasse revisão de tão sólida orientação, nada mais resta do que confirmar a decisão sumária reclamada.
III – Decisão
5. Nestes termos, decide-se indeferir a reclamação, confirmando a decisão sumária reclamada.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 21 de janeiro de 2014. – Maria Lúcia Amaral – José da Cunha Barbosa – Joaquim de Sousa Ribeiro.