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Processo n.º 203/13
2ª Secção
Relator: Conselheiro Pedro Machete
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I– Relatório
1. A. vem, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional – “LTC”), recorrer para este Tribunal do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 20 de dezembro de 2012, que negou provimento ao recurso interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, datada de 28 de fevereiro de 2012. Esta última julgou improcedente a pretensão executiva deduzida pelo ora recorrente no tocante ao pagamento de juros indemnizatórios em consequência da anulação pelo Supremo Tribunal Administrativo da liquidação efetuada pelo Município do Funchal, em 16 de dezembro de 1994, de uma taxa municipal de infraestruturas urbanísticas, por o Tribunal ter considerado que a liquidação em causa, devido a fundar-se em regulamento inconstitucional e ineficaz por falta de publicidade, enfermava de erro sobre os pressupostos de direito, o qual “constitui vício de violação de lei e justifica a sua anulação (arts. 99.º do CPPT e 135.º do CPA)” (cfr. o acórdão de 8 de julho de 2009, proferido no Processo n.º 964/08, disponível em http://www.dgsi.pt/ ).
No recurso interposto da decisão de primeira instância para o Tribunal Central Administrativo Sul, o ora recorrente invocou a inconstitucionalidade dos artigos 43.º e 100.º da Lei Geral Tributária nos seguintes termos (conclusões 4.ª e 5.ª das pertinentes alegações; cfr. fls. 125):
«4.ª Contrariamente ao decidido na sentença recorrida, estando em causa a anulação da liquidação de uma quantia ilegalmente exigida e mantida na posse da Administração, durante cerca de quinze anos, com fundamento em erro sobre os pressupostos de direito, a execução da decisão judicial anulatória compreende, além do mais, o pagamento de juros indemnizatórios […] – cfr. texto nºs 11 a 16;
5.ª A entender-se que os arts. 43º e 100º da LGT impediriam a fixação de indemnizatórios a favor do ora recorrente, sempre se teria de concluir pela sua manifesta inconstitucionalidade e inaplicabilidade in casu (v. art. 204º CRP e 1rt. 1º/2 do ETAF), pois violariam frontalmente o disposto nos arts. 2º, 9º/b, 20º, 22º, 205º e segs. e 268º/4 da CRP, e a garantia da tutela jurisdicional efetiva, na medida em que não permitiriam efetivar o direito à indemnização dos danos causados pela atuação ilícita da Administração – cfr. texto nºs 13 a 16».
O acórdão ora recorrido negou provimento ao recurso com base na consideração de que, tendo a decisão exequenda concluído pela existência de inconstitucionalidade formal do regulamento aplicado, por falta de indicação da lei habilitante, e, bem assim, pela sua ineficácia, devido a falta de publicação, seria forçoso concluir, à semelhança do que sucedera na decisão então recorrida, pela orientação firmada anteriormente pelo Supremo Tribunal Administrativo, no sentido de que, em caso de anulação de ato administrativo por vícios de natureza formal, não há direito a exigir o pagamento de juros indemnizatórios com fundamento no artigo 43.º da Lei Geral Tributária:
« - Diga-se que o entendimento sufragado pela decisão recorrida da inaplicabilidade do art.º 43.º da LGT, por não ser de presumir prejuízo que justifique o direito à indemnização que os juros corporizam quando o ato de liquidação da quantia que os suportem seja eliminado da ordem jurídica com fundamento em vício de forma, acompanha doutrina, abundante, firme e reiterada do STA, que aqui igualmente se sufraga e da qual e complementarmente se cita o recente aresto daquele Alto Tribunal, de 2012MAI30, tirado no Proc. N.º 0410/12, sufragando, no essencial, posição similar à tomada no acórdão parcialmente transcrito na decisão recorrida.
- A questão, portanto, está em saber se, no caso, aquela anulação determinada pelo Ac. do STA de 2009JUL08[…], o foi por vício de forma, como julgou a decisão recorrida, ou não.
[…]
- Ora, contrariamente ao sustentado pelo recorrente, crê-se que a Mm.ª juiz recorrida fez certeira aplicação do direito aos factos provados, ou seja, no caso, os vícios a que se amparou o Ac. do STA [-a decisão exequenda -] são de natureza formal [...]
- Mas sendo assim, como se entende dever ser, então, necessariamente se terá de concluir, de acordo com a doutrina do STA, acima aludida, que, no caso, o recorrente não tem direito a exigir o pagamento dos juros indemnizatórios em questão, ao abrigo do art.º 43.º da LGT, uma vez que quando aquela doutrina refere que os vícios do ato anulado, a que é adequada a designação de «erro» estabelecida na lei, «(…) são o erro sobre os pressupostos de facto e o erro sobre os pressupostos de direito», se não pode deixar de estar a reportar aos pressupostos de facto e de direito que respeitam ao próprio ato, já que só estes implicam «(…) a existência de (…) vício na relação jurídica tributária, isto é, qualquer juízo sobre o caráter indevido da prestação pecuniária cobrada pela Administração Tributária com base no ato anulado (…)» ou, dito de outra forma», vício substancial por força do qual «(…) a exigência patrimonial feita ao contribuinte implica para ele um prejuízo não admitido pelas normas fiscais substantivas (…)», uma vez que só estes permitem concluir que não «(…) estavam reunidos os pressupostos de facto e de direito de que a lei faz depender o pagamento de uma prestação tributária (…)».
[…]
- Aliás, tem-se por evidente que a natureza formal de um vício invalidante de um qualquer ato de liquidação não constitui obstáculo a que o mesmo se traduza num erro sobre os pressupostos de direito, como se crê ser exemplo, a questão da ausência da sua devida fundamentação formal, por insuficiência, obscuridade e contradição, já que consubstanciando, de forma que se tem por pacífica, um vício formal invalidante, não deixa de constituir um erro sobre os pressupostos de direito que a determinam.»
- Por outro lado, decorre, também, do que se referiu antes, que os art.ºs 43.º e 100.º da LGT, nesta dimensão, não afrontam qualquer dos preceitos da CRP invocados pelo recorrente, particularmente o da violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva, já que como referem os citados arestos do STA e se dá conta na decisão recorrida, o entendimento que sustenta que o recorrente não tem direito a exigir o pagamento dos juros indemnizatórios em questão “Não significa (…) que o Contribuinte, se entender estar lesado nos seus direitos patrimoniais não possa exigir judicialmente a reparação a que se julgue com direito, o que lhe é assegurado não só pela Constituição da República (cfr. art. 22.º), como pela lei ordinária (Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro, diploma em cujo art. 9.º se faz equivaler qualquer ilegalidade a ilicitude). Porém, para obter essa reparação o Contribuinte terá de fazer, em processo próprio, a demonstração da existência do direito a essa indemnização, à face das regras gerais da responsabilidade civil extracontratual, como qualquer outra pessoa que seja lesada nos seus direitos por atos de outrem, não havendo qualquer norma constitucional ou legal que imponha que, em todos os casos de anulação de atos administrativos, se presumam os prejuízos, como está ínsito nas normas que preveem a atribuição de juros indemnizatórios.”»
2. É desta decisão que vem interposto o presente recurso para apreciação da constitucionalidade dos artigos 43.º e 100.º da Lei Geral Tributária, “quando interpretados e aplicados com a dimensão e sentido normativos que lhe foram atribuídos no douto acórdão recorrido, no sentido de que não são devidos juros indemnizatórios, em execução de decisão judicial […] que anulou, com fundamento «em erro sobre os pressupostos de direito», que constitui vício de violação de lei», a liquidação de uma quantia ilegalmente exigida e mantida na posse da Administração, durante cerca de quinze anos”, por violação das normas e princípios constitucionais consagrados nos artigos 2.º, 9.º, alínea b), 13.º, 20.º, 22.º, 205.º e seguintes e 268.º, n.º 4, todos da Constituição da República Portuguesa (cfr. fls. 242 e 243).
Admitido o recurso (fls. 244), e subidos os autos a este Tribunal, foi determinada a produção de alegações.
O recorrente alegou (fls. 251 e ss.), tendo concluído nos seguintes termos:
« A - Da Violação do Princípio da Responsabilidade Civil do Estado
1ª. O art. 22º da CRP (responsabilidade das entidades públicas) consagra um “direito constitucional imediatamente vinculante e autoexecutivo”, que “transporta regras imediatamente aplicáveis” (v. Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP Anotada, I Vol., p.p. 426 e segs) — cfr. texto nºs. 1 e 2;
2ª. O direito fundamental do ora recorrente à reparação dos danos sofridos resulta inquestionável das seguintes razões principais:
a) O douto Acórdão do STA, de 2009.07.08, após considerar - e bem - que o Regulamento de Taxas e Licenças do Município do Funchal, ao abrigo do qual foi praticado o ato impugnado, padece de inconstitucionalidade formal, por não indicar expressamente as leis que visa regulamentar, e é juridicamente ineficaz, por falta de publicação no Diário da República (v. art. 122º/2 da CRP (92); cfr. art. 119º/2 da CRP (2004), anulou a liquidação e cobrança dos tributos exigidos pelo MF com fundamento “em erro sobre os pressupostos de direito, que constitui vício de violação de lei”;
b) A referida inconstitucionalidade formal sempre constituiria uma situação de inconstitucionalidade material, ex vi dos arts. 103º/3 e 18º da CRP (v. Cons. Jorge Lopes de Sousa, CPPT Anotado e Comentado, 6ª ed., Vol. III, p.p. 448-449) - cfr. texto nºs. 3 a 6;
3ª. Ainda que estivéssemos perante vícios formais, como se decidiu no douto acórdão recorrido - o que não se aceita -, tal facto nunca poderia afastar a responsabilidade civil do Estado (v. art. 22º da CRP) e, consequentemente, a obrigação de pagamento da indemnização destinada a reparar os prejuízos efetivamente suportados pelo ora recorrente, em consequência da privação imotivada e injustificada das quantias em causa, durante mais de 15 anos, como se decidiu expressamente no Acórdão deste Venerando Tribunal Constitucional nº 154/2007, de 2007.03.02 (v. www.tribunalconstitucional.pt ) - cfr . texto nº. 7;
4ª. O âmbito e sentido normativo atribuído no douto acórdão recorrido aos arts. 43º e 100º da LGT, no sentido de não haver responsabilidade civil do Estado (v. art. 22º da CRP) e não serem devidos in casu juros indemnizatórios, em execução de decisão judicial - Acórdão do STA, de 2009.07.08, transitado em julgado -, violam claramente o disposto nos arts. 18º, 22º e 103º da CRP, pois não permitem efetivar o direito à reparação e indemnização dos danos causados pela atuação ilícita do MF – cfr. texto nºs. 1 a 8;
B - Da Violação do Princípio da Tutela Jurisdicional Efetiva
5ª. O acórdão recorrido, ao decidir que a anulação se fundou em vícios formais, quando o acórdão do Venerando STA, de 2009.07.08, anulou a liquidação dos tributos em causa com fundamento “em erro sobre os pressupostos de direito, que constitui vício de violação de lei”, violou frontalmente o postulado constitucional do caso julgado, consagrado nos arts 202º/1 e 205º/2 da CRP - cfr . texto nºs . 9 a 12;
6ª. A garantia da execução da decisão judicial anulatória e a tutela jurisdicional efetiva dos direitos do ora recorrente (v. arts. 20º e 268º/4 da CRP), que foi privado dos montantes ilegalmente exigidos e mantidos na posse do MF, durante 15 anos, compreende, além do mais, o pagamento de juros indemnizatórios “contados desde a data do pagamento do tributo até ao fim do prazo do cumprimento voluntário da sentença, e dos juros moratórios desde essa altura até efetivo pagamento (v. Ac. STA de 2003.09.06, Proc. 463/03; cfr. Ac. STA de 2009.06.25, Proc. 0349/09, ambos in www.dgsi.pt ; arts. 43º/1 e 100º da LGT e art. 61º do CPPT) – cfr. texto nº. 13;
7ª. O sentido normativo atribuído no acórdão recorrido aos arts. 43º e 100º da LGT é claramente inconstitucional, por violação do disposto nos arts. 20º, 205º e segs. e 268º/4 da CRP, e da garantia da tutela jurisdicional efetiva, pois não permitiria efetivar o direito fundamental do ora recorrente à reparação dos danos causados pelo MF– cfr. texto nºs. 13 e 14;
C - Da Violação do Princípio da Igualdade
8ª. O princípio da igualdade, expressamente consagrado no art. 13º da CRP, impõe que na definição do sentido, alcance normativo e aplicação da lei se tratem de forma igual situações substancialmente iguais, proibindo ainda que se tratem de forma igual situações que, por serem substancialmente desiguais, exijam tratamento diferenciado (v. Ac. TC n.º 310/01 , de 2001.07.03, in www.tribunalconstitucional.pt ) - cfr . texto nº . 15;
9ª. O âmbito e alcance normativo atribuído pelo douto acórdão recorrido aos arts. 43º e 100º da LGT, no sentido de não serem devidos juros indemnizatórios ao ora recorrente, viola ainda claramente o princípio da igualdade (v. art. 13º da CRP), nas suas vertentes interna e externa - cfr. texto nºs. 16 e 17;
10ª. O âmbito e alcance normativo atribuído pelo douto acórdão recorrido os arts. 43º e 100º da LGT violam assim frontalmente as normas e princípios constitucionais consagrados nos arts. 2º, 9º/b), 13º, 20º, 22º, 103º, 205º e segs. e 268º/4 da CRP.»
O recorrido contra-alegou (fls. 288 e ss.), concluindo no sentido de o recurso de constitucionalidade não merecer provimento.
3. Após mudança de relator – em virtude de o anterior ter cessado funções neste Tribunal Constitucional – foram as partes notificadas para, querendo, se pronunciarem “sobre a eventualidade de não vir a ser proferida decisão de mérito em virtude de a mesma poder ser, sob esta perspetiva, inútil, atento o que sobressai da fundamentação da decisão recorrida, designadamente o facto de que a tutela indemnizatória do contribuinte deve ser exercitada nos termos das «regras gerais da responsabilidade civil extracontratual»”, dimensão não contemplada pelo recorrente no tratamento que, em sede de alegações, conferiu ao objeto do recurso» (cfr. o despacho de fls. 313).
Na sequência deste convite, apenas o recorrente veio responder no sentido de não se verificar qualquer obstáculo ao conhecimento do objeto do recurso, uma vez que o mesmo coincide com a ratio decidendi da pronúncia recorrida. Segundo o recorrente, tal ratio consiste na interpretação dos artigos 43.º e 100.º da Lei Geral Tributária no sentido de que “não são devidos juros indemnizatórios, em execução de decisão judicial […] que anulou, com fundamento «em erro sobre os pressupostos de direito, que constitui vício de violação de lei», a liquidação de uma quantia ilegalmente exigida e mantida na possa da Administração, durante cerca de quinze anos”. Ora, o que o recorrente defende em sede de alegações identifica-se precisamente com este conteúdo, sendo por si sintetizado nos seguintes moldes (cfr. fls. 319):
«a) O âmbito e sentido normativo atribuído no douto acórdão recorrido aos arts. 43º e 100º da LGT, considerando não haver responsabilidade civil do Estado (v. art. 22º da CRP) e não serem devido in casu juros indemnizatórios, em execução de decisão judicial – Acórdão do STA de 2009.07,08, transitado em julgado –, violam claramente o princípio da responsabilidade civil do Estado e o disposto nos arts. 18º. 22º e 103º da CRP, pois não permitem efetivar o direito à reparação e indemnização dos danos causados pela atuação ilícita do Município do Funchal – V. conclusões 1ª a 4ª e texto nºs. 1 a 8;
b) O sentido normativo atribuído no acórdão recorrido aos arts. 43º e 100º da LGT é claramente inconstitucional, por violação do disposto nos arts. 20º. 205º e segs. 268º/4 da CRP e da garantia da tutela jurisdicional efetiva, pois não permitiria efetivar o direito fundamental do ora recorrente à reparação dos danos causados pelo Município do Funchal – v. conclusões 5 e 7 e texto nºs. 9 a 14;
c) O âmbito e alcance normativo atribuído pelo douto acórdão recorrido os arts. 43º e 100º da LGT violam ainda frontalmente o princípio da igualdade (v. art. 13º da CRP) na suas vertentes interna e externa – v. conclusões 8ª a l0ª e texto nºs. 15 a 17.»
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
A) Quanto à definição do objeto do recurso e à admissibilidade deste
4. A competência do Tribunal Constitucional, no domínio da fiscalização concreta, reconduz-se à faculdade de revisão, em via de recurso, de decisões judiciais, tendo o recurso de constitucionalidade um carácter instrumental em relação à decisão recorrida. A sua admissibilidade depende da existência do interesse processual em ver revogada a decisão proferida, ou seja, “é ainda indispensável que a eventual procedência do recurso seja útil” (cfr. Miguel Teixeira de Sousa, “Legitimidade e Interesse no recurso de fiscalização Concreta da Constitucionalidade” in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Armando M. Marques Guedes, Coimbra Editora, Coimbra, 2004, p. 947 e ss., p. 958). Assim:
« [O] recurso de constitucionalidade apresenta-se como um recurso instrumental em relação à decisão da causa, pelo que o seu conhecimento e apreciação só se reveste de interesse quando a respetiva apreciação se possa repercutir no julgamento daquela decisão (cfr. TC 768/93, TC 769/93, TC 162/98; TC 556/98; TC 692/99).
Expressando a mesma orientação noutras formulações, o Tribunal Constitucional afirmou que o recurso de constitucionalidade desempenha uma função instrumental, pelo que só devem ser conhecidas questões de constitucionalidade suscitadas durante o processo quando a decisão a proferir possa influir utilmente na decisão da questão de mérito em termos de o tribunal recorrido poder ser confrontado com a obrigatoriedade de reformar o sentido do seu julgamento (TC 60/97), e concluiu que o recurso de constitucionalidade possui uma natureza instrumental, traduzida no facto de ele visar sempre a satisfação de um interesse concreto, pelo que ele não pode traduzir-se na resolução de simples questões académicas (TC 234/91, […]; TC 167/92)» (v. idem, ibidem, pp. 958-959).
Por outro lado, no âmbito dos recursos de constitucionalidade interpostos ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, os poderes de cognição do Tribunal Constitucional limitam-se ao conhecimento e apreciação da constitucionalidade da norma que a decisão recorrida tenha aplicado (cfr. o artigo 79.º-C da mesma Lei). Todos os demais aspetos da decisão recorrida, em especial a aplicação do direito aos factos e as qualificações da situação jurídico-factual concretamente em causa, estão fora do objeto admissível do recurso de constitucionalidade. Com efeito, não compete ao Tribunal Constitucional apreciar a correção jurídica ou o mérito da decisão recorrida em tudo o que não tenha que ver com a decisão da questão da inconstitucionalidade normativa oportunamente suscitada pelo recorrente.
Na verdade, consistindo a competência do Tribunal Constitucional, no domínio da fiscalização concreta, na faculdade de revisão, em via de recurso, de decisões judiciais, compreende-se que a mencionada questão deva, em princípio, ter sido colocada ao tribunal a quo. Daí que só tenha legitimidade para pedir ao Tribunal Constitucional a fiscalização de constitucionalidade de uma norma por quem tenha suscitado previamente essa questão ao tribunal recorrido, em termos de o vincular à sua apreciação, face às normas procedimentais que regem o processo em que se enxerta o recurso constitucional. Além disso, considerando o mencionado caráter ou função instrumental dos recursos de fiscalização concreta de constitucionalidade face ao processo-base, exige-se, para que o recurso tenha efeito útil, que haja ocorrido efetiva aplicação pela decisão recorrida da norma ou interpretação normativa cuja constitucionalidade é sindicada. É necessário, pois, que esse critério normativo tenha constituído ratio decidendi do acórdão recorrido, pois, só assim, um eventual juízo de inconstitucionalidade poderá determinar uma reformulação dessa decisão.
Refira-se ainda que o objeto do recurso constitucional é definido, em primeiro lugar, pelos termos do requerimento de interposição de recurso. Tem sido entendimento constante do Tribunal Constitucional que, ao definir, no requerimento de interposição de recurso, a norma ou interpretação normativa cuja constitucionalidade pretende sindicar, o recorrente delimita, em termos irremediáveis e definitivos, o objeto do recurso, não lhe sendo consentida qualquer modificação ulterior, com exceção duma redução do pedido, nomeadamente, no âmbito da alegação que produza.
5. In casu é à luz destas considerações que importa definir o objeto do recurso de constitucionalidade.
É manifesta a divergência por parte do recorrente quanto à qualificação feita no acórdão recorrido da ilegalidade que fundamentou a anulação pelo acórdão do Supremo Tribunal Administrativo exequendo da liquidação da taxa já paga em termos de «vício de natureza formal» ou de «vício de forma». Para o recorrente, a falta de base legal da taxa – decorrente da inaplicabilidade concreta do regulamento municipal invocado como fundamento normativo do mesmo - corresponde a um «erro sobre os pressupostos de direito» e, portanto, a um vício de violação de lei, ou seja, um vício de natureza substancial. De resto, essa foi a questão principal decidida pelo acórdão recorrido e da qual, conforme referido, este Tribunal não pode conhecer.
Com efeito, o Tribunal Central Administrativo Sul confirmou o entendimento da primeira instância, segundo o qual, a liquidação da taxa em apreço foi anulada por vício de forma, e não com fundamento num vício substancial – a violação de lei –; consequentemente, entendeu o mesmo tribunal que a “imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade” prevista no artigo 100.º da Lei Geral Tributária, em articulação com o disposto no artigo 43.º da mesma Lei, não implicava o pagamento dos juros indemnizatórios peticionados pelo recorrente.
É o seguinte o teor do n.º 1 – aquele que releva para a apreciação do presente recurso - do citado artigo 43.º:
« São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.» (itálico aditado)
Ora, o acórdão recorrido considerou, na esteira da jurisprudência administrativa dominante, que o uso da expressão «erro» naquele preceito tem um alcance restritivo do tipo de vícios que podem servir de base ao direito a juros indemnizatórios a pagar em sede de execução de julgados. Nesse sentido, cita o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 30 de maio de 2012 (Processo n.º 410/12; disponível em http://www.dgsi.pt/ ), onde se explica:
« Como salienta Jorge Lopes De Sousa, “[a] utilização da expressão «erro» e não «vício» ou «ilegalidade» para aludir aos factos que podem servir de base à atribuição de juros, revela que se teve em mente apenas os vícios do ato anulado a que é adequada essa designação, que são o erro sobre os pressupostos de facto e o erro sobre os pressupostos de direito.
Com efeito, há vícios dos atos administrativos e tributários a que não é adequada tal designação, nomeadamente os vícios de forma e a incompetência, pelo que a utilização daquela expressão «erro» tem um âmbito mais restrito do que a expressão «vício».
Por outro lado, é usual utilizar-se a expressão «vícios» quando se pretende aludir genericamente a todas as ilegalidades suscetíveis de conduzirem à anulação dos atos, como é o caso dos arts. 101.º (arguição subsidiária de vícios) e 124.º (ordem de conhecimento dos vícios na sentença) ambos do CPTT.
Por isso, é de concluir que o uso daquela expressão «erro» tem um alcance restritivo do tipo de vícios que podem servir de base ao direito a juros indemnizatórios” (Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume I, anotação 5 ao art. 61.º, pág. 531).»
Deste modo, a norma que constituiu a ratio decidendi da decisão recorrida é aquela que o tribunal a quo extraiu do artigo 43.º, em conjugação com o artigo 100.º, ambos da Lei Geral Tributária, segundo a qual não são devidos juros indemnizatórios, em execução de decisão anulatória da liquidação de tributo, quando a anulação do ato tributário se funde em ilegalidade de natureza orgânico-formal.
No requerimento de interposição do presente recurso o recorrente invoca, por um lado, os artigos 43.º e 100.º da Lei Geral Tributária “quando interpretados e aplicados com a dimensão e sentido que lhe foram atribuídos no douto acórdão recorrido”; mas, por outro lado, não deixa de referir, transcrevendo o que se diz no acórdão exequendo, que a anulação se fundou “em erro sobre os pressupostos de direito, que constitui vício de violação de lei” (cfr. supra o n.º 2). A referência ao fundamento da anulação visa tão-somente descrever os termos utilizados pelo acórdão exequendo quanto à qualificação do fundamento da anulação, deixando imprejudicada a qualificação do mesmo fundamento feita pelo acórdão ora recorrido.
De resto, é esse o entendimento que ressalta expressamente das conclusões 3.ª e 4.ª das alegações produzidas neste Tribunal (cfr. supra o n.º 2) e, bem assim, do esclarecimento prestado a fls. 319. Acresce que foi a tal questão de inconstitucionalidade normativa que o tribunal a quo entendeu dever dar resposta, na sequência das alegações do recurso que para si foi interposto da decisão do Tribunal administrativo e Fiscal do Funchal (cfr. supra o n.º 1).
B) Quanto ao mérito do recurso
6. O recorrente considera que a norma aplicada pelo acórdão recorrido é inconstitucional por violar o princípio da responsabilidade do Estado, o princípio da tutela jurisdicional efetiva e o princípio da igualdade.
Importa recordar, porém, que tal norma, na parte que releva para a decisão do presente recurso, apenas rege para o processo de execução de sentenças anulatórias (ou declarativas de nulidade) de atos tributários impugnados contenciosamente; não está em causa – nem tal entendimento exclui – o direito a uma indemnização, porventura de valor correspondente ao dos juros indemnizatórios (cfr. os artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, ambos da Lei Geral Tributária), a pagar no seguimento da procedência de ação intentada para o efeito nos termos gerais do Regime da Responsabilidade Civil do Estado e demais Entidades Públicas, aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro. Tal possibilidade é, de resto, expressamente reconhecida e afirmada no acórdão recorrido (cfr. a parte final do excerto transcrito supra no n.º 1).
E, no seu Acórdão n.º 154/2007, já este Tribunal admitiu o princípio da indemnizabilidade dos danos decorrentes de ilegalidades meramente formais que viciem os atos de autoridade da Administração:
« [N]ão é compatível com o artigo 22º da Constituição uma interpretação [da lei ordinária - no caso o artigo 2º do Decreto-Lei n.º 48051, de 21 de novembro de 1967 -] que exclua sempre e em qualquer caso a responsabilidade do Estado por danos verificados na sequência de um ato administrativo anulado por falta de fundamentação, quando a sentença anulatória não for executada e não for praticado novo ato, sem o vício que determinou a anulação, com o fundamento de que se não verifica nunca o pressuposto da ilicitude do ato.
E isto se diz sem embargo de se não excluir a possibilidade de o pedido de indemnização vir a ser julgado improcedente por não verificação de qualquer dos pressupostos da responsabilidade civil.»
Consequentemente, o problema constitucional que se coloca agora é apenas o de saber se a diferenciação legal entre vícios substanciais e vícios formais, para efeito de, tratando-se dos segundos, excluir o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no âmbito dos processos de execução de sentenças anulatórias de tributos – remetendo para uma autónoma ação em que seja reconhecido o direito à indemnização – é pura e simplesmente arbitrária e excessivamente onerosa para o interessado; ou, diversamente, corresponde a uma opção materialmente fundada e integrada no espaço de conformação constitucionalmente reconhecido ao legislador democrático.
7. No já mencionado Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 30 de maio de 2012, é dada a seguinte justificação para a solução legal em análise:
« O mesmo Autor [Jorge Lopes de Sousa] explica as razões por que a LGT restringiu o direito a juros indemnizatórios aos casos de anulação por vício substancial e já não o reconheceu relativamente aos vícios de forma ou incompetência que determinem a anulação do ato: o reconhecimento de um vício destes últimos tipos «não implica a existência de qualquer vício na relação jurídica tributária, isto é, qualquer juízo sobre o carácter indevido da prestação pecuniária cobrada pela Administração Tributária com base no ato anulado, limitando-se a exprimir a desconformidade com a lei do procedimento adotado para a declarar ou cobrar ou a falta de competência da autoridade que a exigiu.
Ora, é inquestionável que, quando se deteta um vício respeitante à relação jurídica tributária, se impõe a atribuição de uma indemnização ao contribuinte, pois a existência desse vício implica a lesão de uma situação jurídica subjetiva, consubstanciada na imposição ao contribuinte da efetivação de uma prestação patrimonial contrária ao direito.
Por isso, se pode justificar que, nestas situações, não havendo dúvidas em que a exigência patrimonial feita ao contribuinte implica para ele um prejuízo não admitido pelas normas fiscais substantivas, se dê como assente a sua existência e se presuma o montante desse prejuízo, fazendo-se a sua avaliação antecipada através da fixação de juros indemnizatórios a favor daquele.
Porém, nos casos em que o vício que leva à anulação do ato é relativo a uma norma que regula a atividade da Administração, aquela nada revela sobre a relação jurídica fiscal e sobre o carácter indevido da prestação, à face das normas fiscais substantivas. Nestes casos, a anulação do ato não implica que tenha havido uma lesão da situação jurídica substantiva e, consequentemente, da anulação não se pode concluir que houve um prejuízo que mereça reparação.
Por isso, pode-se considerar justificado que, nestas situações, não resultando da decisão anulatória a comprovação da existência de um prejuízo, não se presuma o seu valor, fixando juros indemnizatórios, mas apenas se deva restituir aquilo que foi recebido, o que poderá constituir já um benefício para o contribuinte, perante a realidade da sua situação tributária.
Trata-se de uma solução equilibrada, inclusivamente no domínio processual. Na verdade, perante o simples reconhecimento de um vício de forma ou de incompetência, fica-se na dúvida sobre se estavam reunidos os pressupostos de facto e de direito de que a lei faz depender o pagamento de uma prestação tributária; se essa dúvida é um motivo suficiente para não exigir uma deslocação patrimonial do contribuinte para a Fazenda Pública (justificando a restituição da quantia paga) também, por identidade de razão, será suporte bastante para não impor uma deslocação patrimonial efetiva em sentido inverso (pagamento de uma indemnização); verdadeiramente, a regra aplicável, a mesma em ambos os casos, é a de não impor deslocações patrimoniais sem uma prova positiva da existência de uma situação, ao nível da relação tributária, em que elas devem ocorrer.
Assim, compreende-se que a LGT, em sintonia com a doutrina tradicional, nos casos em que há uma anulação de um ato administrativo ou de liquidação por não se verificarem os pressupostos de facto ou de direito em que devia assentar, casos em que há a certeza de que a prestação patrimonial foi indevidamente exigida, atribua uma indemnização baseada em presunção de danos (no caso sob a forma de juros) e não faça idêntica atribuição nos casos em que a decisão judicial não implica a antijuricidade material da exigência daquela prestação» (Idem, págs. 531/532.)
De acordo com a doutrina exposta, é jurisprudência consolidada nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo que, quando o ato de liquidação objeto de impugnação é anulado apenas por vício de forma, não há suporte, ao abrigo do disposto no art. 43.º da LGT, para a atribuição de juros indemnizatórios ao impugnante […].»
Esta distinção entre «normas substantivas» e «normas instrumentais» é tradicional no direito administrativo, tendo-se considerado no passado que somente a violação das primeiras – que conformam o conteúdo dos atos administrativos - seria, em princípio, e na medida em que fixam a disciplina dos interesses público e privado, geradora de ilicitude; as segundas apenas regulariam aspetos organizatórios, funcionais e formais do exercício do poder. Contudo, e como referido, hoje constitui entendimento pacífico que os danos imputáveis a atos de autoridade que violem normas instrumentais são indemnizáveis, desde que se verifiquem os demais pressupostos da responsabilidade civil, suscitando questões especiais a ilicitude – violação de norma instrumental destinada a tutelar (também) um direito ou interesse legalmente protegido do lesado – o dano indemnizável – consideração apenas do dano não patrimonial consubstanciado na ofensa do interesse juridicamente protegido ou, também, de eventuais danos patrimoniais - e o nexo de causalidade – questão da correlação dos danos indemnizáveis com a efetiva substituição do ato anulado por outro que renove o seu conteúdo (cfr., além da jurisprudência citada, e por todos, Carlos Fernandes Cadilha, Regime da Responsabilidade Civil do Estado e demais Entidades Públicas Anotado, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2011, anot. 4 ao art. 9.º, p. 185 e ss.; e Mário Aroso de Almeida in Rui Medeiros (org.), Comentário ao Regime da Responsabilidade Civil do Estado e demais Entidades, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2013, anot. 6 ao art. 9.º, p. 254 e ss.).
Especificamente no que se refere à violação de normas instrumentais de direito fiscal, isso mesmo é sublinhado, desde há muito, por Jorge Lopes de Sousa:
«Para obter esta reparação [- a que for devida na sequência de uma anulação judicial originada em vício de forma ou incompetência -], porém, o contribuinte terá de fazer, em processo próprio, a demonstração da existência do direito a essa indemnização, à face das regras gerais da responsabilidade civil extracontratual, não havendo qualquer norma constitucional ou legal que imponha que, em todos os casos de anulação de atos administrativos, se presumam os prejuízos, como está ínsito nas normas que preveem a atribuição de juros indemnizatórios.» (v. Autor cit. “Juros nas Relações Tributárias” in Diogo Leite de Campos [org.], Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Vislis Editores, Lisboa, 1999, p. 141 e ss., pp. 161-162; e reproduzido na anot. 5 ao art. 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, cit. no referido acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 30 de maio de 2012).»
Com efeito, na perspetiva do direito fundamental a indemnização dos danos causados por atuações ilícitas da Administração,
« [O] referido art. 43.º da LGT, ao reconhecer o direito a juros indemnizatórios, não vem reconhecer um direito a indemnização que não existisse anteriormente como consequência de ato da administração tributária que lese os direitos ou interesses dos sujeitos passivos, antes vem permitir uma nova forma de concretizar esse direito indemnizatório preexistente e constitucionalmente garantido.
Assim, a previsão, no art. 43.º da LGT, dos casos em que há direito a juros indemnizatórios, numa interpretação compatível com a Constituição, terá de ser entendida não como uma indicação exaustiva dos casos em que os contribuintes têm direito a ser indemnizados por atos da Administração Tributária, mas como uma lista de situações em que é de presumir a existência de um prejuízo para os contribuintes e a responsabilidade daquela Administração pela ocorrência do mesmo.
Nos casos não contemplados nesta norma, o sujeito passivo poderá ver reconhecido o seu direito de indemnização por prejuízos que lhe advenham da prática de qualquer ato da Administração Tributária, tendo, no entanto, de propor a adequada ação para efetivação da responsabilidade civil e nela fazer prova dos prejuízos sofridos e da imputabilidade dos mesmos à atuação daquela Administração.» (cfr. Jorge Lopes de Sousa, anot. 3 ao art. 61.º do cit. Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado).
Em suma, e sem prejuízo de serem defensáveis de iure condendo soluções diversas (é o que sucede, por exemplo, no domínio da execução das sentenças de anulação de atos administrativos; cfr. os artigos 176.º, n.º 3, e 179.º, n.os 1 e 4, ambos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos), há razões materiais bastantes para justificar a não arbitrariedade da solução que remete a atribuição de uma eventual indemnização a pagar em consequência da anulação da liquidação de um tributo com base em vícios de natureza orgânico-formal para um processo autónomo do processo de execução da decisão anulatória. As mesmas razões explicam ainda por que é a efetividade da tutela jurisdicional não é, por tal via, posta em causa, já que a maior complexidade inerente à determinação casuística dos pressupostos da indemnização nessas situações afetaria necessariamente a celeridade do próprio processo de execução de sentença. E, de todo o modo, a eventual decisão final favorável neste último ou na ação de indemnização tem a mesma natureza: o reconhecimento judicial do dever de a Administração pagar uma determinada quantia a título indemnizatório.
Ainda no que se refere ao princípio da igualdade, cumpre recordar a jurisprudência firmada por este Tribunal no seu Acórdão n.º 546/2011,
« [É] ponto assente que o n.º 1 do artigo 13.º da CRP, ao submeter os atos do poder legislativo à observância do princípio da igualdade, pode implicar a proibição de sistemas legais internamente incongruentes, porque integrantes de soluções normativas entre si desarmónicas ou incoerentes. Ponto é, no entanto – e veja-se, por exemplo, o Acórdão n.º 232/2003, disponível em www.tribunalconstitucional.pt – que o caráter incongruente das escolhas do legislador se repercuta na conformação desigual de certas situações jurídico-subjetivas, sem que para a medida de desigualdade seja achada uma certa e determinada razão. É que não cabe ao juiz constitucional garantir que as leis se mostrem, pelo seu conteúdo, “racionais”. O que lhe cabe é apenas impedir que elas estabeleçam regimes desrazoáveis, isto é, disciplinas jurídicas que diferenciem pessoas e situações que mereçam tratamento igual ou, inversamente, que igualizem pessoas e situações que mereçam tratamento diferente. Só quando for negativo o teste do “merecimento” – isto é, só quando se concluir que a diferença, ou a igualização, entre pessoas e situações que o regime legal estabeleceu não é justificada por um qualquer motivo que se afigure compreensível face a ratio que o referido regime, em conformidade com os valores constitucionais, pretendeu prosseguir – é que pode o juiz constitucional censurar, por desrazoabilidade, as escolhas do legislador. Fora destas circunstâncias, e, nomeadamente, sempre que estiver em causa a simples verificação de uma menor “racionalidade” ou congruência interna de um sistema legal, que contudo se não repercuta no trato diverso – e desrazoavlmente diverso, no sentido acima exposto – de posições jurídico-subjetivas, não pode o Tribunal Constitucional emitir juízos de inconstitucionalidade. Nem através do princípio da igualdade (artigo 13.º) nem através do princípio mais vasto do Estado de direito, do qual em última análise decorre a ideia de igualdade perante a lei e através da lei (artigo 2.º), pode a Constituição garantir que sejam sempre “racionais” ou “congruentes” as escolhas do legislador. No entanto, o que os dois princípios claramente proíbem é que subsistam na ordem jurídica regimes legais que impliquem, para as pessoas, diversidades de tratamento não fundados em motivos razoáveis.»
No caso concreto do artigo 43.º da Lei Geral Tributária, conjugado com o artigo 100.º da mesma Lei, não ocorre, pelos motivos indicados, uma diversidade de tratamento desrazoável entre os contribuintes autores de ações de impugnação de atos tributários julgadas procedentes.
Os parâmetros constitucionais invocados pelo recorrente não se mostram, pois, violados, correspondendo a norma sindicada a uma opção do legislador democrático tomada no exercício da sua liberdade de conformação.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se:
a) Não julgar inconstitucional a norma extraída dos artigos 43.º e 100.º, ambos da Lei Geral Tributária, segundo a qual não são devidos juros indemnizatórios, em execução de decisão anulatória da liquidação de tributo, quando a anulação do ato tributário se funde em ilegalidade de natureza orgânico-formal; e, em consequência
b) Negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 4 de outubro (artigo 6.º, n.º 1, do mesmo diploma).
Lisboa, 22 de janeiro de 2014. – Pedro Machete – Ana Guerra Martins – Fernando Vaz Ventura – João Cura Mariano – Joaquim de Sousa Ribeiro.