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Processo n.º 1147/2013
1.ª Secção
Relator: Conselheira Maria Lúcia Amaral
Acordam, em Conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Tribunal da Relação de Évora, em que é recorrente A., foram proferidos decisão sumária de não conhecimento do objecto dos dois recursos interpostos, com a seguinte fundamentação:
(…) Deve começar por apreciar-se o requerimento de interposição do recurso que se pretende interpor do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora a 4 de abril.
É desde logo manifesto que nele se não cumpre um dos requisitos constantes do n.º 1 do artigo 75.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional: LTC), uma vez que se não indica qual é a norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie. Mas, para além disso, a inadmissibilidade do recurso decorre dos próprios termos da sua interposição.
Como muito bem se sabe, cabe recurso para o Tribunal Constitucional de decisões de tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade tenha sido arguida durante o processo (artigo 280.º, n.º 1, alínea b) da CRP e artigo 70.º, n.º 1, alínea b) da LTC). De acordo com o que dispõe o n.º 2 do artigo 72.º da Lei do Tribunal Constitucional, nestas situações – em que se pretende recorrer para o Tribunal de decisões dos tribunais comuns que tenham aplicado certa norma, cuja inconstitucionalidade se impugna – os recursos só podem interpostos pela parte que haja suscitado a questão de constitucionalidade perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida. Ora, no caso, é no próprio texto do requerimento de interposição que se reconhece a inexistência deste pressuposto de admissão do recurso que se pretende interpor, uma vez que se afirma que a “inconstitucionalidade” – não se sabe de que norma – “foi suscitada quer nas alegações do recurso para o STJ, quer na reclamação de não admissão do mesmo recurso”. Tanto basta, portanto, para que se conclua que se não encontram reunidos os pressupostos de admissão do recurso que se pretende interpor da decisão tomada, em primeiro lugar, pelo Tribunal da Relação de Évora (Acórdão de 4 de abril).
(…) O mesmo se deve concluir, aliás, quanto ao recurso que se pretende interpor da segunda decisão tomada por aquele Tribunal (Acórdão de 11 de julho, que indefere a arguição de nulidade do Acórdão anterior).
Aí se diz, com efeito, que se pretende que o Tribunal aprecie a “inconstitucionalidade” que “foi suscitada no requerimento de nulidade”, a “sindicar[sic] o Acórdão do TRE”.
Por seu turno, no dito requerimento diz-se o seguinte:
“Pelo que deverá ser considerada inconstitucionalidade a interpretação [sic] conferida ao artigo 430.º do CPP, por ref [sic] ao artigo 379.º, al. a CPP, quando colhe a interpretação, de ao ter sido requerida a renovação de prova, em sede de julgamento de recurso, o Tribunal da Relação abstêm-se de se pronunciar acerca do requerido, não proferindo despacho sobre o mesmo, violando assim o artigo 32.º, n.º 1 e 205 ambos da CRP” (fls. 770)”.
E ainda:
“Como tal será de considerar inconstitucional, por violação do artigo 32.º. n.º 1, da CRP, a norma constante do artigo 374, n.º 2, d) do CPP, quando interpretada no sentido de que a dá como provada a condenação do crime constante do CRC, quando efetivamente, tal condenação ainda não havia transitado”.
Assumindo que seriam estas as normas cuja inconstitucionalidade se pretenderia que o Tribunal apreciasse – assunção essa imposta pelo teor do requerimento de interposição do recurso, que remete precisamente para as “alegações” acima transcritas a tarefa de recorte do seu próprio objeto – é manifesto que as mesmas não foram aplicadas pelo Tribunal da Relação, na decisão que proferiu a 11 de julho.
Assim sendo, e porque a via de recurso para o Tribunal Constitucional só se encontra aberta quanto a decisões dos tribunais que tenham aplicado norma cuja inconstitucionalidade tenha sido arguido durante o processo, também quanto a este segundo requerimento há-se concluir-se pela inadmissibilidade do recurso que, através dele, se pretende interpor.
2. Notificada dessa decisão, A. veio reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da Lei do Tribunal Constitucional, com os seguintes fundamentos:
Salvo o devido respeito, e que é muito, não se pode concordar com os fundamentos.
Efetivamente as questões em apreço foram suscitadas durante o processo.
Não obstante esse Venerando Tribunal decide não conhecer dos recursos, desde logo no ponto II – 3 da fundamentação, refere que o requerimento não cumpre os requisitos constantes do n.º 1 do art.º 75-A da Lei 28/82 de 15/11.
Ora, sendo este o vício apontado, deveria o Tribunal, em cumprimento do n.º 5 do mesmo preceito legal, que ao que tem memória não terá recebido qualquer convite neste sentido.
Nesta esteira, e em cumprimento do preceito supra dever-se-á endereçar o convite, nos termos do n.º 5 o que se deixa requerido.
No tocante dir-se-á o seguinte:
ao ponto 4 no seu requerimento de interposição de recurso para o Venerando Tribunal Constitucional a recorrente refere “suscitada na reclamação para o presidente do Tribunal da Relação de Évora”.
Com o efeito a recorrente apresentou as suas “Motivações”.
Nesta esteira, pugna-se que no requerimento de recurso a recorrente logrou identificar as questões suscitadas, e não obstante, e mesmo que se entenda que se encontram violados preceitos de direito infraconstitucional, certo é que em última análise pretende-se Deste Venerando Tribunal a pronúncia relativa à violação de normas constitucionais.
Independentemente da exigência formalista, que pauta o Tribunal, certo é que a questão da inconstitucionalidade, foi apresenta no tempo e modo oportuno.
Tanto é que em sede de Decisão de reclamação o Presidente do Tribunal da Relação de Évora proferiu pronúncia acerca da mesma, ainda que de indeferimento.
Ora é precisamente no concordando, com os fundamentos então aduzidos, que a Recorrente apresenta o atinente recurso para o Tribunal Constitucional.
Salienta-se, que a própria Exm.ª Sr.ª Juíza Cons.ª Relatora, unicamente refere que “(...) que as mesmas não foram aplicadas pelo Tribunal da Relação de Évora, na decisão proferida a 11 de julho (...)” sem mencionar quais, ou mesmo qual a interferência que podem potenciar, numa tomada de Decisão Desse Tribunal, que ora se apela.
Com efeito, é precisamente da interpretação conferida aos preceitos, intraprocessualmente aplicados, que se pretende ver escortinada a sua aplicação ao caso concreto, e que em última instância terá de ter afetação, na decisão judicial.
Contudo, não se poderá deste modo concluir que com o presente recurso se vise questionar a decisão judicial.
Na realidade única e simplesmente está em causa a constitucionalidade da interpretação das normas vertidas, no requerimento de interposição de recurso.
Razão pela qual pugna-se que deverá ser apreciada a constitucionalidade das normas constantes do recurso quando colhem as interpretações veiculadas no próprio Despacho.
3. O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional veio dizer o seguinte:
1º
O Tribunal da Relação de Évora, pelo acórdão proferido em 4 de abril de 2013, retificou alguns erros materiais, alterou um ponto da matéria de facto e negou provimento ao recurso interposto por A. da sentença proferida em 1.ª instância e que, pela prática de um crime de injúrias, a havia condenado na pena de cem dias de multa à razão diária de 8,00 euros, perfazendo 800,00 €.
2º
Notificada desse acórdão, a arguida invocou a sua nulidade e, na mesma data, recorreu para o Tribunal Constitucional.
3º
A Relação, por acórdão de 11 de julho de 2013, indeferiu a arguição de nulidade.
4º
Desse acórdão, a recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional
5º
Quanto ao primeiro recurso interposto para o Tribunal Constitucional (artigo 2.º), no requerimento de interposição do recurso não se identifica minimamente qual a norma e que questão de inconstitucionalidade devia constituir objeto do recurso.
6.º
Por outro lado, a recorrente, cumprindo o exigido pelo artigo 75º-A, n.º 2, da LTC, afirma expressamente que suscitou a questão “quer nas alegações de recurso para o STJ, quer na reclamação de não admissão do mesmo recurso”.
7.º
Ora, desconhece-se que peças são essas, porém, tudo o que sobre a matéria nelas pudesse ter sido dito, não tem qualquer relevância, porque a decisão, ora recorrida, foi a proferida pela Relação e que negou provimento ao recurso (vd. artigo 1º).
8.º
Poderíamos ainda acrescentar que, tendo a recorrente interposto recurso para o Tribunal Constitucional e simultaneamente arguido a nulidade do acórdão da Relação, não poderá considerar-se que esse mesmo acórdão se encontrava consolidado na ordem dos tribunais judiciais, faltando esse requisito de admissibilidade (vd. v.g. Acórdão n.º 426/2013).
9.º
Quanto ao primeiro recurso interposto deve, pois, indeferir-se a reclamação.
10.º
Quanto ao segundo recurso também nos parece evidente, como de forma clara se demonstra na douta Decisão Sumária, que o afirmado pela recorrente na arguição de nulidade – para onde remete o requerimento de interposição do recurso – não coincide minimamente com o que a Relação, no seu acórdão de 11 de julho de 2013, disse sobre a renovação da prova.
11.º
Assim, não coincidindo a “norma” questionada com a aplicada na decisão recorrida, falta esse requisito de admissibilidade do recurso.
12.º
Como se viu e consta da douta Decisão Sumária, o não conhecimento do objeto do recurso fundou-se exclusivamente na não verificação dos requisitos de admissibilidade e não em qualquer deficiência formal dos requerimentos, que fosse suprível.
13.º
Nestas circunstâncias, notificar a recorrente nos termos do artigo 75.º-A, n.º 6, da Lei do Tribunal Constitucional, não se revestiria de qualquer efeito útil.
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. Decorre do relato acima feito que a ora reclamante endereçou ao Tribunal dois requerimentos de interposição de recurso de constitucionalidade.
No primeiro, afirmava pretender recorrer para o Tribunal Constitucional do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora a 4 de abril de 2013; no segundo, afirmava pretender recorrer para o Tribunal Constitucional do Acórdão proferido pelo mesmo Tribunal da Relação a 11 de julho de 2013 (onde se decide indeferir arguição de nulidade do acórdão anterior).
No Tribunal Constitucional, a relatora proferiu decisão sumária de não admissão dos dois recursos com os seguintes fundamentos: quanto ao primeiro, por ser evidente, nos termos do próprio requerimento de interposição, que não tinha sido suscitada qualquer questão de constitucionalidade durante o processo; quanto ao segundo, por ser evidente que a norma cuja inconstitucionalidade se pedia que o Tribunal apreciasse não tinha sido aplicada pela decisão de que se pretendia recorrer.
5. A reclamação agora apresentada em nada contraria estas razões, que fundamentaram a não admissão dos dois recursos.
Com efeito, a reclamante não logra contrariar a razão pela qual se não admitiu o recurso interposto do Acórdão da Relação de Évora a 4 de abril de 2013.
Como se disse na decisão sumária reclamada, tal razão decorre desde logo do próprio teor literal do requerimento apresentado, onde se afirma que “a inconstitucionalidade foi suscitada quer nas alegações de recurso para o STJ, quer na reclamação de não admissão do mesmo recurso”. Assim se reconhece, sem margem para dúvidas, que se não colocou perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida (o Tribunal da Relação de Évora) qualquer questão de constitucionalidade normativa, como aliás o confirma a consulta dos autos.
Do mesmo modo, também não logra a reclamante contrariar a razão pela qual se não admitiu o segundo recurso, que se pretendia interpor do Acórdão da Relação proferido a 11 de julho. Nesta última decisão, o tribunal limitou-se a indeferir a arguição de nulidade que a ora reclamante tinha aduzido quanto ao Acórdão datado de 4 de abril. A norma aqui aplicada, e que sustentou a razão pela qual se decidiu indeferir o requerimento de nulidade, não coincidiu portanto com as normas constantes do artigo 430.º, 379.º e 374.º. n.º 2, alínea a) do Código de Processo Penal, que, de acordo com o pedido apresentado pela reclamante, constituiriam o objeto deste segundo recurso de constitucionalidade.
6. Nos dois requerimentos endereçados ao Tribunal Constitucional, a requerente, ora reclamante, não identificou claramente a norma ou as normas cuja inconstitucionalidade pretendia que o Tribunal apreciasse.
No recurso interposto da decisão da Relação que, tomada a 11 de julho, indeferiu a arguição de nulidade (aqui identificado como “segundo recurso”), a identificação fez-se por remissão: com efeito, a reclamante afirma, no respetivo requerimento, que pede que o Tribunal Constitucional julgue a inconstitucionalidade daquelas normas que tinha invocado (na arguição de nulidade) perante o Tribunal da Relação; mas não as identifica diretamente. Por outro lado, no requerimento de interposição do primeiro recurso – aquele que se pretende interpor do Acórdão da Relação proferido a 4 de abril – nada, a este respeito, se diz.
O facto de, por este motivo, se não ter cumprido um dos requisitos exigidos pela Lei do Tribunal Constitucional quanto à forma dos requerimentos de interposição dos recursos de constitucionalidade (n.º 1 artigo 75.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro), não constituiu no entanto razão suficiente para que, no caso, se tivesse convidado a requerente, ora reclamante, a prestar a indicação em falta (n.º 5 e 6 do mesmo artigo).
Sendo evidente que sempre inexistiriam, quanto aos dois recursos, os respetivos pressupostos de admissibilidade (inexistência essa não suprível por aperfeiçoamentos formais dos correspondentes requerimentos), o convite a que alude o artigo 75.º-A da LTC tornar-se-ia, in casu, supérfluo.
Não será demais lembrar que só se abre a via de recurso para o Tribunal Constitucional nos casos em que o tribunal a quo tenha aplicado norma cuja inconstitucionalidade haja sido arguida durante o processo (artigo 280.º n.º 1, alínea b) da CRP; artigo 70.º, n.º 1, alínea b) da LTC).
Ora, quanto ao primeiro recurso, nenhuma inconstitucionalidade fora arguida durante o processo; e quanto ao segundo, pedia-se, ainda que por remissão, o juízo da inconstitucionalidade de uma norma que o tribunal a quo não aplicara. Não se encontrava portanto, nem num caso nem noutro, aberta a via de recurso para o Tribunal Constitucional, quaisquer que fossem os melhoramentos formais que se viessem a introduzir nos respetivos requerimentos de interposição.
III – Decisão
7. Nestes termos, decide-se indeferir a reclamação, confirmando a decisão sumária reclamada.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário de que a mesma eventualmente beneficie.
Lisboa, 21 de janeiro de 2014. – Maria Lúcia Amaral – José da Cunha Barbosa – Joaquim de Sousa Ribeiro.