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Processo n.º 1127/13
Plenário
Relator: Conselheiro Pedro Machete
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1. O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional requereu, nos termos do artigo 82.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), a apreciação da constitucionalidade da norma contida no artigo 75.º n.º 2, da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, na parte em que impede a remição parcial de pensões anuais vitalícias correspondentes a incapacidade inferior a 30%, não remíveis obrigatoriamente nos termos do n.º 1 do mesmo preceito por serem de valor superior a seis vezes a retribuição mínima mensal garantida, em vigor no dia seguinte à data da alta, mesmo quando o sinistrado assim o requeira.
O requerente fundamentou o seu pedido na circunstância de tal dimensão normativa ter sido julgada inconstitucional pelo Acórdão n.º 79/2013, tendo tal juízo de inconstitucionalidade sido reiterado posteriormente pelas Decisões Sumárias n.ºs 352/2013, 390/2013 e 519/2013, todas já transitadas em julgado.
2. Notificada nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 54.º e 55.º, n.º 3, ambos da LTC, aqui aplicáveis por força do artigo 82.º da mesma Lei, a Presidente Assembleia da República limitou-se a oferecer o merecimento dos autos.
II. Fundamentação
Delimitação do objeto do processo de generalização
3. A generalização dos juízos de inconstitucionalidade com fundamento na repetição do julgado e a consequente declaração com força obrigatória geral, segundo um processo de fiscalização abstrata, nos termos do artigo 82º da LTC, pode ser requerida por iniciativa de qualquer dos juízes do Tribunal Constitucional ou do Ministério Público sempre que a mesma norma tiver sido julgada inconstitucional em três casos concretos.
No presente caso, o Ministério Público requereu a apreciação da inconstitucionalidade da “norma contida no artigo 75.º n.º 2, da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, na parte em que impede a remição parcial de pensões anuais vitalícias correspondentes a incapacidade inferior a 30%, não remíveis obrigatoriamente nos termos do n.º 1 do mesmo preceito por serem de valor superior a seis vezes a retribuição mínima mensal garantida, em vigor no dia seguinte à data da alta, mesmo quando o sinistrado assim o requeira “ (itálico aditado; formulação do Acórdão n.º 79/2013 e das Decisões Sumárias n.ºs 352/2013, 390/2013 e 519/2013).
Apreciação do mérito
4. O artigo 75.º, n.os 1 e 2, da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, estatui o seguinte (itálicos aditados):
« 1 - É obrigatoriamente remida a pensão anual vitalícia devida a sinistrado com incapacidade permanente parcial inferior a 30 % e a pensão anual vitalícia devida a beneficiário legal desde que, em qualquer dos casos, o valor da pensão anual não seja superior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida, em vigor no dia seguinte à data da alta ou da morte.
2 - Pode ser parcialmente remida, a requerimento do sinistrado ou do beneficiário legal, a pensão anual vitalícia correspondente a incapacidade igual ou superior a 30% ou a pensão anual vitalícia de beneficiário legal desde que, cumulativamente, respeite os seguintes limites:
a) A pensão anual sobrante não pode ser inferior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida em vigor à data da autorização da remição:
b) O capital da remição não pode ser superior ao que resultaria de uma pensão calculada com base numa incapacidade de 30%».
Estes preceitos não preveem a remição, parcial ou total, de pensões de montante elevado (porque superior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida em vigor no dia seguinte ao da alta do trabalhador sinistrado) compensatórias de uma incapacidade permanente parcial reduzida (porque inferior a 30%). Porém, para o mesmo grau de incapacidade, e desde que o montante da pensão seja reduzido (porque inferior ao mencionado valor da retribuição mínima mensal garantida), o n.º 1 impõe a remição total da pensão; para um grau de incapacidade permanente mais elevado (igual ou superior a 30%), o n.º 2 admite a remição parcial da pensão, a pedido do sinistrado, e desde que observadas as condições estatuídas nas suas duas alíneas quanto ao valor mínimo da pensão sobrante (alínea a) e quanto ao valor máximo do capital de remição (alínea b).
5. É abundante a jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre a questão da remição obrigatória (e total) de «pensões de reduzido montante» no domínio do regime de reparação de acidentes de trabalho instituído ao abrigo da legislação anterior – em especial, com referência ao artigo 56.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de abril, que regulamentava o disposto na Lei n.º 100/97, de 13 de setembro (cfr. o Acórdão n.º 163/2008 e os acórdãos referidos e resumidos no seu n.º 5, todos disponíveis em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/; itálicos aditados):
« - Acórdãos n.ºs 322/2006 e 323/2006, que julgaram inconstitucional a norma do artigo 56º, nº 1, alínea a), quando interpretada no sentido de impor, independentemente da vontade do trabalhador, a remição total de pensões cujo montante não seja superior a seis vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada à data da sua fixação, atribuídas em consequência de acidentes de trabalho de que resultou uma incapacidade parcial permanente superior a 30% e ocorridos anteriormente à data da sua entrada em vigor;
- Acórdãos n.ºs 457/2006, 491/2006, 492/2006, 493/2006, 516/2006, 519/2006, 520/2006 e 611/2006, que julgaram inconstitucional a norma do artigo 56º, nº 1, alínea a), interpretada no sentido de impor a remição obrigatória de pensões devidas por acidentes de trabalho, ocorridos anteriormente à data da entrada em vigor desse diploma, de que haja resultado a morte do sinistrado, que não sejam superiores a seis vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada à data da fixação da pensão, opondo-se o beneficiário à remição;
- Acórdãos n.ºs 529/2006 e 533/2006, que julgaram inconstitucional a norma do artigo 56º, nº 1, alínea a), interpretada no sentido de impor a remição obrigatória de pensões vitalícias de montante anual inicial não superior a seis vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada à data da fixação da pensão, atribuídas ao cônjuge do trabalhador sinistrado, por acidente de trabalho de que resultou a morte deste, e fixadas em momento anterior ao da entrada em vigor desta norma;
- Acórdãos n.ºs 577/2006 e 578/2006, que decidiram pela inconstitucionalidade da norma do artigo 56º, nº 1, alínea a), interpretada no sentido de impor a remição obrigatória total, isto é, independentemente da vontade do titular, de pensões atribuídas por incapacidades parciais permanentes superiores a 30% ou por morte;
- Acórdão n.º 521/2006, que decidiu julgar inconstitucional a norma resultante dos artigos 56º, nº 1, alínea a), e 74º, quando interpretados no sentido de imporem, independentemente da vontade do trabalhador, a remição total de pensões cujo montante não seja superior a seis vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada à data da sua fixação, atribuídas por incapacidades parciais permanentes iguais a 30%, resultantes de acidente ocorridos anteriormente à data da entrada em vigor daquela Lei;
- Acórdão n.º 292/2006, que julgou inconstitucional o conjunto normativo constante do nº 1 do artigo 33ºda Lei nº 100/97, de 13 de Setembro, e da alínea a) do nº 1 do artigo 56º do Decreto-Lei nº 143/99, de 30 de Abril, quando interpretados no sentido de imporem, independentemente da vontade do trabalhador, a remição total de pensões cujo montante não seja superior a seis vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada à data da sua fixação, atribuídas em consequência de acidentes de trabalho de que resultou uma incapacidade parcial permanente de 30% e ocorridos anteriormente à data da entrada em vigor daquela Lei;
- Acórdão n.º 468/2002, que julgou inconstitucional a norma do artigo 74º,na redação dada pelo Decreto-Lei nº 382-A/99, de 22 de Setembro, na interpretação segundo a qual aquele preceito é aplicável à remição das pensões previstas na alínea d) do nº 1 do artigo 17º e no artigo 33º, ambos da Lei nº 100/97, de 13 de Setembro;
- Acórdão n.º 34/2006, que declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 74º, na redação dada pelo Decreto-Lei nº382-A/99, de 22 de Setembro, interpretada no sentido de impor a remição obrigatória total de pensões vitalícias atribuídas por incapacidades parciais permanentes nos casos em que estas excedam 30%.
- Acórdão n.º 438/2006, que julgou inconstitucional a norma do artigo 74º,na redação dada pelo Decreto-Lei nº 382-A/99, de 22 de Setembro, interpretada no sentido de impor a remição obrigatória total de pensões vitalícias atribuídas por morte, opondo-se o titular à remição, pretendida pela seguradora;
- Acórdão n.º 268/2007, que julgou inconstitucional a norma do artigo 74º, na redação dada pelo Decreto-Lei nº382-A/99, de 22 de Setembro, interpretada no sentido de impor a remição obrigatória total de pensões vitalícias atribuídas por morte, opondo-se o titular à remição.»
No próprio Acórdão n.º 163/2008, que decidiu negativamente a questão da conformidade com o artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição – que consagra o direito dos trabalhadores à justa reparação dos danos emergentes de acidentes laborais –, da norma da alínea a) do n.º 1 do artigo 56.º do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de abril, quando interpretado no sentido de impor a remição, independentemente da vontade do trabalhador sinistrado, de pensões inicialmente fixadas em regime de pensão anual vitalícia, por incapacidades parciais permanentes iguais ou superiores a 30%, consignou-se o seguinte:
« O cerne do juízo de inconstitucionalidade radica na consideração de que, relativamente a pensões por incapacidades suscetíveis de afetar significativamente a capacidade de ganho do sinistrado – não interessa agora saber se e em que termos este entendimento é extensível a situações em que o titular da pensão seja um “beneficiário legal” (cfr., todavia, acórdãos n.ºs 529/2006 e 533/2006) –, pelo menos quando se trate de pensões vitalícias já atribuídas, a imposição da remição contra vontade do titular, atendendo à maior aleatoriedade dos proventos da aplicação do capital por comparação com o recebimento regular de uma pensão suscetível de atualização, não assegura a justa reparação constitucionalmente imposta pela alínea f) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição. O sinistrado, afetado em grau significativo na sua capacidade de ganho, não deve ser privado da possibilidade de optar, consoante a avaliação que faça das vantagens e desvantagens, por continuar a receber uma pensão vitalícia atualizável que lhe foi inicialmente fixada, sendo obrigado a receber um capital, com o inerente risco de aplicação.
Obviamente, que esta ponderação não é afetada pela circunstância de a incapacidade ser igual (e não superior) a 30% porque, como se disse no acórdão que vimos seguindo [- o Acórdão n.º 292/2006 -], “não se poderá desconsiderar a circunstância de a lei ordinária, como deflui das disposições combinadas dos artigos 33.º da Lei nº 100/97 e 56.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei nº 143/99, entender que as incapacidade parciais permanentes não muito acentuadas são aquelas que se situam numa percentagem inferior a 30%”.»
Ainda quanto à obrigatoriedade da remição da pensão, é impressiva a consideração feita no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 58/2006 (igualmente disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/):
« Na verdade, tendo o estabelecimento de pensões por incapacidade em vista a compensação pela perda de capacidade de trabalho dos trabalhadores devida a infortúnios de que foram alvo no ou por causa do desempenho do respetivo labor, compreende-se que, se uma tal perda não foi por demais acentuada e, assim, não afeta significativamente a continuação do desempenho da sua atividade laboral, se permita que a compensação correspondente à pensão que lhe foi fixada (cujo quantitativo, em regra, de pouco relevo, se degrada com o passar do tempo) possa ser “transformada” em capital, a fim de ser aplicada em finalidades económicas porventura mais úteis e rentáveis do que a mera perceção de uma “renda” anual cujo quantitativo não pode permitir qualquer subsistência digna a quem quer que seja; porém, quando em causa estiverem acidentes de trabalho cuja gravidade acentuadamente diminuiu a capacidade laboral do sinistrado e, reflexamente, a possibilidade de auferir salário condigno com, ao menos, a sua digna subsistência, servindo a pensão de complemento à parca (e por vezes nula) remuneração que aufere em consequência da reduzida capacidade de trabalho, então a aplicação de um capital, mesmo que no momento em que é feito aparente ser um investimento adequado, porquanto proporcionador de um rendimento mais satisfatório do que o correspondente à perceção da pensão anual, é sempre algo que, por ser aleatório, comporta riscos. Neste último tipo de situações, tornar legalmente obrigatória a remição significaria privar o trabalhador da faculdade de ponderar se é menos arriscado continuar a receber a pensão e recusar a remição, impondo-lhe a assunção de um risco que, com a extensão que a dimensão normativa admite, torna precário e limita o direito dos trabalhadores a uma justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho.
Assim, a remição total obrigatória – isto é, independentemente da vontade do beneficiário – de uma pensão vitalícia atribuída por uma incapacidade parcial permanente superior a 30% é inconstitucional por violação do direito à justa reparação por acidente de trabalho, consagrado no artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição.»
Esta jurisprudência aponta inequivocamente no sentido de ser inconstitucional, por violação do direito à justa reparação, a consagração legal da obrigatoriedade de remição de pensões de elevado valor ou em que a incapacidade permanente parcial do sinistrado seja muito acentuada; inversamente, não será inconstitucional a obrigatoriedade de remição de pensões de valor reduzido ou em que a incapacidade permanente parcial do sinistrado não seja muito acentuada.
Todavia, a questão em apreciação no presente processo é diferente, uma vez que respeita apenas à conformidade constitucional da proibição da remição parcial e facultativa de pensões devidas por um grau de incapacidade permanente parcial não muito elevado (inferior a 30%) e que, de acordo com a nova valoração legal, não podem ser consideradas de montante reduzido (porque de montante superior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida, em vigor no dia seguinte à data da alta).
6. Conforme resulta da exposição de motivos do projeto de lei que está na origem da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro – Projeto de Lei n.º 786/X, apresentado em 20 de maio de 2009 – o mesmo projeto (disponível a partir de http://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/):
«[N]ão vis[ou] romper com o regime jurídico estabelecido quer pela Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, regulamentada pelo Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, quer pelo Decreto-Lei n.º 248/99, de 2 de Julho, quer mesmo pelas disposições normativas constantes no anterior Código do Trabalho entretanto revogadas, mas sim proceder a uma sistematização das matérias que o integram, organizando-o de forma mais inteligível e acessível, e corrigir os normativos que se revelaram desajustados na sua aplicação prática, quer do ponto de vista social, quer do ponto de vista constitucional e legal, como é exemplo o caso da remição obrigatória de pensão por incapacidade parcial permanente ».
Entre os aspetos destacados, refere-se o seguinte, no respeitante à matéria de remição:
« [O projeto a]ltera o regime de remição de pensões, seguindo a recente jurisprudência do Tribunal Constitucional quanto a esta matéria e esclarece que o regime da remição de pensão por doença profissional é sempre facultativo e só é admissível no caso de doenças profissionais sem carácter evolutivo.»
Em conformidade, consignou-se no artigo 74.º, n.ºs 1 e 2, do citado Projeto de Lei, sob a epígrafe “Condições de remição”:
« 1. É obrigatoriamente remida a pensão anual vitalícia devida a sinistrado com incapacidade permanente parcial inferior a 30%, e a pensão anual vitalícia devida a beneficiário legal, desde que, em qualquer um dos casos, o valor da pensão anual não seja superior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida, em vigor no dia seguinte à data da alta ou da morte.
2. Pode ser parcialmente remida, a requerimento do sinistrado ou do beneficiário legal, a pensão anual vitalícia correspondente a incapacidade igual ou superior a 30% ou a pensão anual vitalícia de beneficiário legal, desde que, cumulativamente respeite os seguintes limites:
a) A pensão anual sobrante não pode ser inferior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida em vigor à data da autorização da remição;
b) O capital da remição não pode ser superior ao que resultaria de uma pensão calculada com base numa incapacidade de 30%.»
Por outro lado, resulta o seguinte do «Relatório da discussão e votação na especialidade e texto final da Comissão de Trabalho, Segurança Social e Administração Pública» (cfr. o Diário da Assembleia da República, II série-A, Número 166, X/4 2009.07.25, p. 34 e ss., também disponível online em http://app.parlamento.pt/DARPages/ ):
« 1 — O projeto de lei em epígrafe, da iniciativa do PS, baixou à Comissão de Trabalho, Segurança Social e Administração Pública em 10 de Julho de 2009, após ter sido discutido e aprovado, na generalidade, em Plenário.
2 — Na reunião desta Comissão, realizada nos dias 20 e 21 de Julho de 2009, procedeu-se, nos termos regimentais, à discussão e votação na especialidade do projeto de lei supra identificado, tendo sido apresentadas, pelo Grupo Parlamentar do PS propostas de alteração para os artigos 18.º e 78.º, pelo Grupo Parlamentar do PCP propostas de alteração para os artigos 9.º, 18.º, 25.º, 28.º, 33.º, 35.º, 39.º, 40.º, 46.º, 47.º, 48.º, 49.º, 53.º, 66.º, 67.º, 68.º, 69.º, 70.º, 74.º, 78.º, 94.º, 108.º, 109.º, 121.º, 156.º, 158.º, 160.º, 168.º e 171.º, e, pelo Grupo Parlamentar do CDS-PP, um proposta de alteração para o artigos 154.º [sublinhado nosso].
3 — A reunião decorreu na presença de mais de metade dos membros da Comissão em efetividade de funções, nos termos do n.º 5 do artigo 58.º do Regimento da Assembleia da República, encontrando-se presentes os Grupos Parlamentares do PS, do PSD, do PCP, do CDS-PP e do BE.
4 — A discussão e votação na especialidade do presente projeto de lei foi integralmente gravada em suporte áudio e encontra-se disponível na página da internet da 11.ª Comissão, pelo que se dispensa o seu desenvolvimento nesta sede.
5 — Da sua votação na especialidade resultou o seguinte:
[…]
— Para o artigo 74.º (Condições de remição) foi apresentada pelo PCP uma proposta de substituição do n.º 1 do artigo, que foi rejeitada, com a seguinte votação:
PS — Contra; PSD — Abstenção; PCP — Favor; CDS-PP — Abstenção; BE — Favor.
O artigo 74.º do projeto de lei, com este aditamento, foi aprovado com o seguinte resultado:
PS — Favor; PSD — Abstenção; PCP — Contra; CDS-PP — Abstenção; BE — Contra.
[Era a seguinte a proposta de alteração apresentada pelo PCP:
«Proposta de alteração:
“Artigo 74.º
1 — Só pode ser total ou parcialmente remida, a requerimento do sinistrado ou beneficiário legal maior de idade, a pensão anual vitalícia devida a sinistrado com incapacidade permanente parcial inferior a 30%, e a pensão anual vitalícia devida a beneficiário legal.
2 — (…)
3 — (…)
4 — (…)
5 — (…)”]».
A análise dos trabalhos preparatórios evidencia, assim, que, no tocante às remições, o foco da atenção incidiu exclusivamente sobre o problema da remição obrigatória, anteriormente tratada nos artigos 33.º, n.º 1, e 56.º, n.º 1, respetivamente, da Lei n.º 100/97, de 13 de setembro, e do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de abril. O regime da remição parcial facultativa constante do artigo 56.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 143/99 transitou praticamente sem alterações para o artigo 74.º, n.º 2, do Projeto de Lei n.º 786/X e não foi objeto de qualquer proposta de alteração no âmbito do procedimento legislativo. E é esse mesmo regime que consta hoje do artigo 75.º, n.º 2, da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro.
Em síntese, e no que ora releva, as inovações legais trazidas neste domínio pela Lei n.º 98/2009 circunscreveram-se à introdução de um limite quantitativo à remição obrigatória de pensões anuais vitalícias: ao abrigo do artigo 56.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 143/99, tais pensões “devidas a sinistrados […] por incapacidade permanente e parcial inferior a 30%” eram obrigatoriamente remidas “independentemente do valor”; de acordo com o artigo 74.º, n.º 1, do Projeto de Lei n.º 786/X e o artigo 75.º, n.º 1, da nova lei, as mesmas pensões passaram a ser remíveis obrigatoriamente “desde que, […], o valor da pensão anual não seja superior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida, em vigor no dia seguinte à data da alta”. Houve uma proposta no sentido de se ir mais além, eliminando por completo a obrigatoriedade de remição, que, todavia, não teve acolhimento por parte do legislador. Saliente-se, por fim, que o resultado da alteração da disciplina legal da remição obrigatória visou expressamente a conformação com a jurisprudência constitucional sobre a mesma matéria.
7. Importa agora esclarecer o significado e alcance das condições de remição parcial, de verificação cumulativa, previstas nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 75.º da Lei n.º 98/2009. Tais condições reconduzem-se, no fundo, a dois limites à faculdade de remição da pensão pelo trabalhador sinistrado, justificando que a remição facultativa seja, por imposição da lei, também necessariamente parcial.
Assim, a exigência de que a pensão anual sobrante não seja inferior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida em vigor à data da autorização da remição – prevista na alínea a) – visa colocar o trabalhador a coberto dos riscos de aplicação do capital de remição, obviando a que estes possam redundar na perda de uma renda vitalícia - que afinal terá de assegurar a subsistência mínima de quem está afetado por uma substancial redução das capacidades de trabalho (de acordo com o corpo do artigo 75.º, n.º 2, uma incapacidade permanente parcial igual ou superior a 30%) e de, através dele, auferir rendimentos. Porém, se, no juízo legal, quem sofre de tal redução da capacidade de trabalho, pode exercer a sua autonomia de vontade relativamente à pensão, desde que o montante da pensão sobrante não seja inferior ao mencionado valor, por maioria de razão, quem sofre de uma redução das capacidades de trabalho menos gravosa (designadamente de uma incapacidade permanente parcial inferior a 30%) deve igualmente poder exercer a sua autonomia de vontade relativamente à pensão vitalícia, desde que se continuem a aplicar os mesmos limites quanto à pensão sobrante. Isto é, não se vislumbra, em face do interesse tutelado pela definição do limite atinente à pensão sobrante, nenhum motivo materialmente fundado para que assim não seja.
No que se refere ao respeito da exigência de que o capital da remição não seja superior ao que resultaria de uma pensão calculada com base numa incapacidade de 30% – prevista na alínea b) –, a mesma estará sempre, e à partida, assegurada no caso da remição de pensões vitalícias correspondentes a uma incapacidade permanente parcial inferior a 30%. É que, não só a remição é por força do corpo do n.º 2 do artigo 75.º necessariamente parcial, como ainda tem de respeitar o limite máximo correspondente ao valor da pensão sobrante exigido pela alínea a) do mesmo número.
Por outro lado, no tocante a esta segunda alínea também não é pertinente argumentar com eventuais problemas de gestão das seguradoras, atenta a consideração de que a racionalidade económica de um seguro pressupõe o pagamento periódico de uma renda ou pensão, já que o seguro consiste grosso modo em a seguradora aplicar uma parte do capital dos prémios, em termos de gerar um rendimento que lhe permita satisfazer as futuras pensões e que a remição ficciona a transferência dessa racionalidade para o sinistrado, através da entrega de um determinado capital. Com efeito, o problema põe-se igualmente – e até com maior acuidade - no caso da remição parcial de pensões vitalícias correspondentes a incapacidades permanentes parciais iguais ou superiores a 30%.
Em suma, os fins que subjazem às condições que restringem a faculdade de remição parcial de pensões vitalícias a pedido do sinistrado, nos termos do artigo 75.º, n.º 2, da Lei n.º 98/2009, são menos prementes no caso de incapacidades permanentes parciais inferiores a 30% do que no caso em que tais incapacidades sejam iguais ou ultrapassem tal limiar. Consequentemente, fica por justificar materialmente a permissão legal de remição parcial facultativa neste segundo caso e a sua proibição legal (indireta) no primeiro caso.
8. Tal diferença de tratamento suscita um problema quanto à compreensibilidade, razoabilidade ou não arbitrariedade entre os dois tipos de situação, diferença essa que se pode repercutir, como sucedeu nos casos objeto das decisões que constituem o pressuposto da presente generalização, em tratamento desigual e discriminatório de situações subjetivas merecedoras de idêntica tutela.
Com efeito, valem aqui também as considerações feitas no Acórdão deste Tribunal n.º 546/2011 no tocante ao princípio da igualdade, plasmado no artigo 13.º, n.º 1, da Constituição:
«[É] ponto assente que o n.º 1 do artigo 13.º da CRP, ao submeter os atos do poder legislativo à observância do princípio da igualdade, pode implicar a proibição de sistemas legais internamente incongruentes, porque integrantes de soluções normativas entre si desarmónicas ou incoerentes. Ponto é, no entanto – e veja-se, por exemplo, o Acórdão n.º 232/2003, disponível em www.tribunalconstitucional.pt – que o carácter incongruente das escolhas do legislador se repercuta na conformação desigual de certas situações jurídico-subjetivas, sem que para a medida de desigualdade seja achada uma certa e determinada razão. É que não cabe ao juiz constitucional garantir que as leis se mostrem, pelo seu conteúdo, “racionais”. O que lhe cabe é apenas impedir que elas estabeleçam regimes desrazoáveis, isto é, disciplinas jurídicas que diferenciem pessoas e situações que mereçam tratamento igual ou, inversamente, que igualizem pessoas e situações que mereçam tratamento diferente. Só quando for negativo o teste do “merecimento” – isto é, só quando se concluir que a diferença, ou a igualização, entre pessoas e situações que o regime legal estabeleceu não é justificada por um qualquer motivo que se afigure compreensível face a ratio que o referido regime, em conformidade com os valores constitucionais, pretendeu prosseguir – é que pode o juiz constitucional censurar, por desrazoabilidade, as escolhas do legislador. Fora destas circunstâncias, e, nomeadamente, sempre que estiver em causa a simples verificação de uma menor “racionalidade” ou congruência interna de um sistema legal, que contudo se não repercuta no trato diverso – e desrazoavelmente diverso, no sentido acima exposto – de posições jurídico-subjetivas, não pode o Tribunal Constitucional emitir juízos de inconstitucionalidade. Nem através do princípio da igualdade (artigo 13.º) nem através do princípio mais vasto do Estado de direito, do qual em última análise decorre a ideia de igualdade perante a lei e através da lei (artigo 2.º), pode a Constituição garantir que sejam sempre “racionais” ou “congruentes” as escolhas do legislador. No entanto, o que os dois princípios claramente proíbem é que subsistam na ordem jurídica regimes legais que impliquem, para as pessoas, diversidades de tratamento não fundados em motivos razoáveis».
No caso presente, porém, e como mencionado, desde que não esteja em causa uma pensão obrigatoriamente remível nos termos do artigo 75.º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009, e sendo salvaguardado o respeito pelo limite quantitativo previsto na alínea a) do n.º 2 do mesmo preceito, não se vislumbram motivos razoáveis para a permissão da remição parcial apenas de pensões destinadas a compensar uma incapacidade permanente parcial igual ou superior a 30%.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma contida no artigo 75.º n.º 2, da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, na parte em que impede a remição parcial de pensões anuais vitalícias correspondentes a incapacidade inferior a 30%, não remíveis obrigatoriamente nos termos do n.º 1 do mesmo preceito por serem de valor superior a seis vezes a retribuição mínima mensal garantida, em vigor no dia seguinte à data da alta, mesmo quando o sinistrado assim o requeira, por violação do artigo 13.º, n.º 1, da Constituição.
Lisboa, 18 de fevereiro de 2014. – Pedro Machete – Ana Guerra Martins – Maria João Antunes – Fernando Vaz Ventura – Maria Lúcia Amaral – José da Cunha Barbosa – Carlos Fernandes Cadilha – Maria de Fátima Mata-Mouros – Lino Rodrigues Ribeiro – Catarina Sarmento e Castro – João Cura Mariano – Maria José Rangel de Mesquita – Joaquim de Sousa Ribeiro.