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Processo n.º 623/13
3.ª Secção
Relator: Conselheira Catarina Sarmento e Castro
Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
I - Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Évora, A., S.A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante designada por LTC).
2. No Tribunal Constitucional, foi proferida Decisão sumária de não conhecimento do recurso.
Na fundamentação de tal decisão, refere-se, nomeadamente, o seguinte:
“(…) Nos termos do artigo 76.º, n.º 1, da LTC, “[c]ompete ao tribunal que tiver proferido a decisão recorrida a admissão do respetivo recurso.”
Decorre desta norma a obrigatoriedade de o recorrente dirigir o requerimento de interposição de recurso ao órgão jurisdicional competente para a sua admissão, ou seja, ao tribunal que proferiu a decisão recorrida. Por incumprimento deste ónus, por parte do recorrente, ficam irremediavelmente comprometidos os recursos que sejam dirigidos e admitidos por entidade incompetente.
Aplicando as considerações expendidas ao presente caso, concluímos que a circunstância de a recorrente ter dirigido o requerimento de interposição de recurso ao Tribunal da Relação de Évora, identificando a decisão recorrida como correspondendo ao “acórdão proferido pela conferência” do referido tribunal, determinou que o despacho aludido no artigo 76.º, n.º 1, da LTC, incumbisse ao Tribunal da Relação de Évora que o proferiu.
Deste modo, ficou necessariamente prejudicada a apreciação do objeto do recurso, na parte em que se reporta a alegada “interpretação e aplicação que o Tribunal da primeira instância efetua dos art.ºs 510.º, n.º 1, al. b), 511.º, 659.º e 668.º, n.º 1, al. d), todos do Código de Processo Civil, bem como dos artigos 536.º, 539.º e 541.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei 7/2009, de 12 de fevereiro”.
Para obter a sindicância da constitucionalidade de critérios normativos utilizados pela decisão de 1.ª Instância, impunha-se que a recorrente tivesse apresentado um segundo requerimento de interposição de recurso, autónomo e dirigido ao Tribunal de 1.ª Instância, o que não fez.
(…) Face ao exposto, apenas restará a apreciação da admissibilidade do recurso, quanto ao objeto identificado como “interpretação e aplicação que o Tribunal a quo efetua dos art.ºs 721.º-A, n.º 1, als. a) e b), do Código de Processo Civil e dos art.ºs 678.º, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Civil e 79.º do Código de Processo do Trabalho”.
Será quanto a essa parte do recurso que se impõe verificar o preenchimento dos pressupostos infra identificados.
(…) O Tribunal Constitucional tem entendido, de modo reiterado e uniforme, serem requisitos cumulativos da admissibilidade do recurso, da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, a existência de um objeto normativo – norma ou interpretação normativa - como alvo de apreciação; o esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC); a aplicação da norma ou interpretação normativa, cuja sindicância se pretende, como ratio decidendi da decisão recorrida; a suscitação prévia da questão de constitucionalidade normativa, de modo processualmente adequado e tempestivo, perante o tribunal a quo (artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa; artigo 72.º, n.º 2, da LTC).
Começando a nossa análise pela natureza do objeto, diremos que o recurso de constitucionalidade apenas pode incidir sobre a constitucionalidade de normas ou interpretações normativas, impendendo sobre o recorrente o ónus de enunciar o concreto critério normativo, cuja desconformidade constitucional invoca, reportando-o a uma determinada disposição ou conjugação de disposições legais. A enunciação terá necessariamente de corresponder a um dos sentidos extraíveis da literalidade do(s) preceito(s) escolhido(s) como suporte da norma ou interpretação normativa colocada em crise.
Acresce que tal enunciação deverá ser apresentada, em termos tais que o Tribunal Constitucional, no caso de concluir pela sua inconstitucionalidade, possa reproduzir tal enunciação, de modo a que os respetivos destinatários e operadores do direito em geral fiquem cientes do concreto sentido normativo julgado desconforme com a Lei Fundamental.
No presente caso, a recorrente começa por reportar o objeto do recurso à interpretação que o tribunal a quo faz de determinados preceitos legais, sem especificar, porém, tal sentido interpretativo.
Ao longo da exposição plasmada no requerimento de interposição de recurso, vem a recorrente explicitar que “[a]o decidir como decidiu, mantendo a irrecorribilidade da decisão de mérito, por falta de verificação do valor da sucumbência, o Tribunal a quo aplicou e adotou uma interpretação dos referidos normativos legais (art.º 678.º, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Civil, art.º 79.º, do Código de Processo do Trabalho e art.º 721.º-A, n.º 1, do Código de Processo Civil) que se revela contrária à Constituição da República Portuguesa, designadamente ao princípio constitucional do acesso ao direito e tutela jurisdicional, ínsito no art.º 20.º da CRP, coartando, assim, o direito das partes a um duplo grau de jurisdição.”
Resulta de tal exposição que a recorrente não enuncia um verdadeiro critério normativo, extraível dos preceitos que indica, antes parecendo pretender a sindicância da própria decisão jurisdicional, na sua dimensão casuística.
Tal dimensão encontra-se, porém, subtraída à apreciação do Tribunal Constitucional.
A este propósito, pode ler-se, no Acórdão deste Tribunal Constitucional n.º 633/08 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt ), o seguinte:
“ (…) cumpre acentuar que, sendo o objeto do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade constituído por normas jurídicas, que violem preceitos ou princípios constitucionais, não pode sindicar-se, no recurso de constitucionalidade, a decisão judicial em si própria, mesmo quando esta faça aplicação direta de preceitos ou princípios constitucionais, quer no que importa à correção, no plano do direito infraconstitucional, da interpretação normativa a que a mesma chegou, quer no que tange à forma como o critério normativo previamente determinado foi aplicado às circunstâncias específicas do caso concreto (correção do juízo subsuntivo).
Deste modo, é sempre forçoso que, no âmbito dos recursos interpostos para o Tribunal Constitucional, se questione a (in)constitucionalidade de normas, não sendo, assim, admissíveis os recursos que, ao jeito da Verfassungsbeschwerde alemã ou do recurso de amparo espanhol, sindiquem, sub species constitutionis, a concreta aplicação do direito efetuada pelos demais tribunais, em termos de se assacar ao ato judicial de “aplicação” a violação (direta) dos parâmetros jurídico-constitucionais. Ou seja, não cabe a este Tribunal apurar e sindicar a bondade e o mérito do julgamento efetuado in concreto pelo tribunal a quo. A intervenção do Tribunal Constitucional não incide sobre a correção jurídica do concreto julgamento, mas apenas sobre a conformidade constitucional das normas aplicadas pela decisão recorrida (…)”
Salienta-se que a admissibilidade do recurso sempre estaria prejudicada por uma segunda ordem de razões, que se prende com a circunstância de a recorrente não ter colocado, previamente e de forma adequada, perante o tribunal a quo, qualquer questão de constitucionalidade normativa - extraível dos preceitos legais que indica - que fosse suscetível de constituir objeto idóneo de ulterior recurso de constitucionalidade.
De facto, não tendo a decisão recorrida convocado uma interpretação normativa insólita ou surpreendente que, sendo adotada de forma imprevisível pelo tribunal a quo, poderia legitimar uma não suscitação prévia da mesma – hipótese que se encontra afastada, desde logo pela circunstância de a recorrente identificar as peças processuais em que afirma ter apresentado a questão - deduz-se que a admissibilidade do presente recurso estaria dependente do cumprimento, pela recorrente, do ónus de problematizar, na reclamação para a conferência que motivou a prolação do acórdão recorrido, a constitucionalidade de critérios normativos, que, sendo extraíveis das disposições legais que indica no requerimento de interposição de recurso, tivessem sido adotados como ratio decidendi pelo referido acórdão.
Ora, analisada a referida peça processual – em que a recorrente deveria ter suscitado ou renovado a suscitação da questão de constitucionalidade, que pretendesse ver apreciada em ulterior recurso para o Tribunal Constitucional – conclui-se que, em nenhum momento, é antecipada e enunciada qualquer questão de constitucionalidade de natureza verdadeiramente normativa, reportada às disposições legais indicadas e depurada de referência às particulares circunstâncias do caso.
Na verdade, em tal peça processual, toda a discussão, na parte em que envolve parâmetros constitucionais e convoca os preceitos legais indicados, se desenrola no contexto da apreciação do caso concreto, construindo a recorrente a defesa da sua tese a partir de uma avaliação subjetiva dos factos – que pressupõe que a questão em apreciação se prende com o exercício do direito à greve, pressuposto esse que não encontra adesão no acórdão recorrido – que condiciona o juízo de inconstitucionalidade, que incide assim sobretudo sobre aspetos da apreciação casuística feita pela decisão jurisdicional, como resulta claro da transcrição do seguinte excerto:
“(…) Apenas se refere, pois, na decisão reclamada que a questão em apreciação nos presentes autos não constitui uma situação, legalmente tipificada, que determine a garantia de um segundo grau de jurisdição, independentemente do valor da causa, uma vez que, ainda segundo a decisão reclamada, o que se encontra em apreciação nos presentes autos é saber se o desconto efetuado no salário do A. carece ou não de suporte legal.
(…) Ora, salvo melhor opinião, tal entendimento não poderá colher.
(…) a questão em apreciação nos presentes autos, atenta a sua extrema complexidade jurídica e séria relevância social (…) tem de poder ser submetida a um duplo grau de jurisdição.
(…) Interpretação distinta, como a efetuada na decisão reclamada, determinaria a aplicação de normas e/ou adotaria interpretações normativas, designadamente no que respeita aos artºs. 678.º, n.º 1, do CPC, e 79.º do CPT, contrárias ao preceituado no art.º 20.º da CRP, que consagra o princípio constitucional do acesso ao direito e tutela jurisdicional, na medida em que coartarão o direito a um duplo grau de jurisdição num pleito em que se discutem os contornos do exercício do direito à greve – matéria relativa a direitos fundamentais e que, no caso em apreço, se mostra de extraordinária relevância jurídica, além de envolver interesses de notória relevância social.
(…) Ora, in casu, atenta a inalterabilidade do valor da sucumbência, relativamente ao qual inexistem dúvidas por parte da Reclamante, impõe-se, com base numa interpretação adequada do disposto no art.º 20.º da CRP, devidamente conjugado com uma interpretação analógica do disposto nos art.ºs 79.º, do CPT, 678.º, n.º 1 e 721.ºA, n.º 1, do CPC (os quais estabelecem a possibilidade de interposição de recurso, para além da regra geral de natureza quantitativa estabelecida para aferir da recorribilidade das decisões judiciais), conferir às partes a possibilidade excecional de poderem submeter à apreciação de um tribunal superior uma causa de tão elevada complexidade jurídica e relevância social.
(…) afigura-se redutora a consideração que, nos presentes autos, apenas se aprecia se o desconto efetuado no salário do A. foi ou não lícito.
(…) Em causa está, como não poderá deixar de se reconhecer o exercício (crê-se que abusivo) pelo A. de um direito fundamental, constitucionalmente consagrado, o direito à greve.
(…) E tal caracterização do direito abusivamente exercido pelo A. como Direito Fundamental deverá ser considerado suficiente para consentir à causa um duplo grau de jurisdição.
(…) impõe-se concluir que, ao decidir como decidiu quanto à irrecorribilidade da decisão de mérito, por falta de verificação do valor da sucumbência, a decisão de que ora se reclama aplica normas ou adota interpretações normativas designadamente no que respeita aos artºs. 678.º, n.º 2 e 3, do CPC, e 79.º do CPT, bem o art.º 721.º A, n.º 1, do CPC, que, seguindo a interpretação literal e restritiva do Ex.mo Senhor Juiz Desembargador Relator, se mostram inconstitucionais, (…) porquanto coartarão o direito a um duplo grau de jurisdição num pleito em que se discutem os contornos do exercício do Direito Fundamental à Greve (…)
(…) A decisão reclamada, proferida nos termos em que o foi, condiciona o acórdão a proferir pelo Tribunal ad quem quanto ao recurso interposto, pondo assim em causa as garantias de defesa da Reclamante.”
Pelo exposto, sempre estaria definitivamente prejudicada a admissibilidade de ulterior recurso para o Tribunal Constitucional, ainda que, no respetivo requerimento de interposição, a recorrente tivesse enunciado, como objeto, uma verdadeira questão normativa, circunstância que, em todo o caso – como já explanámos – não se verificou.”
É esta a Decisão sumária que é alvo da presente reclamação.
3. A reclamante refere discordar da decisão proferida, alegando, em síntese, que, por um lado, não lhe era exigível a interposição de um segundo requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional, para apreciação do objeto que delimitou; por outro lado, afirmando que a questão colocada tem uma dimensão normativa e foi suscitada previamente perante o tribunal a quo, sendo exposta tanto no requerimento de interposição de recurso como na reclamação para a conferência, dirigida ao Tribunal da Relação de Évora.
Esclarece a reclamante que, apesar de se encontrar ciente que o acórdão do Tribunal da Relação de Évora não aborda a questão suscitada, a propósito da “interpretação e aplicação que o Tribunal da primeira instância efetua dos art.ºs 510.º, n.º 1, al. b), 511.º, 659.º e 668.º, n.º 1, al. d), todos do Código de Processo Civil, bem como dos artigos 536.º, 539.º e 541.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei 7/2009, de 12 de fevereiro”, optou por incluir a mesma como objeto do recurso de constitucionalidade interposto, “com o intuito de não deixar precludir o seu direito de aceder à jurisdição constitucional”, atendendo a que, face ao âmbito do recurso de apelação delimitado pelo tribunal a quo na decisão recorrida, da decisão proferida pelo tribunal de 1.ª Instância não caberia recurso ordinário, excetuando quanto à fixação do valor da causa.
Acrescenta a reclamante que, ao contrário do que considera a decisão reclamada, não ficou prejudicada a apreciação da questão colocada a propósito da decisão da 1.ª Instância, uma vez que, por força da dedução de reclamação para o Tribunal da Relação de Évora e subsequente recurso de constitucionalidade interposto do acórdão que sobre a mesma recaiu, a sentença da 1.ª Instância ainda não se tornou definitiva.
Invocando tratamento de questão idêntica, em sentido diverso do assumido na decisão reclamada, refere a reclamante que os acórdãos dos processos n.os 454/13 e 622/13 decidem que “enquanto não estiver definitivamente decidida a admissibilidade de recurso da aludida sentença para o Tribunal da Relação de Évora, não se mostra possível recorrer dela para o Tribunal Constitucional”.
Relativamente à segunda questão colocada, consubstancia-se a mesma em saber se, “em abstrato, (…), num pleito em que se discute a ilicitude do exercício de um direito fundamental, em que se aborda matéria de extraordinária relevância jurídica e que envolve interesses de notória relevância social, se revela ou não desconforme com o artigo 20.º da Lei Fundamental a interpretação extraída dos artigos 678.º, n.ºs 1, 2 e 3 e 721.º A do CPC, e 79º do CPT que nega às partes o direito a um duplo grau de jurisdição, por falta de verificação da condição quantitativa da sucumbência”.
Refere a reclamante que tal questão foi suscitada no ponto 13, alínea iii) do requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade, em termos tais que não se confundem com a pretensão de sindicância de um juízo subsuntivo. Igualmente foi a mesma questão suscitada na reclamação para a conferência, tendo a decisão recorrida sobre ela emitido pronúncia.
Mais alega que, nos acórdãos n.os 412/2003 e 110/2007, o Tribunal Constitucional entendeu que, para que exista um objeto idóneo para a apreciação da constitucionalidade, basta que se esteja perante um critério normativo, dotado de elevada abstração e suscetível de ser invocado a propósito de uma pluralidade de situações concretas, circunstância que – na sua perspetiva – se verifica no caso.
Afirma a reclamante que a decisão sumária constitui “uma interpretação dos art.ºs 70.º, n.º 1, al. b) e 75.º-A, n.º 2, da LTC desconforme com o art.º 20.º da CRP, já que representa uma violação inadmissível do princípio de acesso ao direito e à tutela jurisdicional”, por ser tão restritiva. Acrescenta que o “hermetismo e obscuridade linguística com que a aludida decisão se encontra redigida” configuram uma negação do acesso ao direito.
Por último, diz a reclamante que, ainda que o entendimento plasmado na decisão sumária merecesse provimento, impunha-se que a recorrente tivesse sido notificada, nos termos e para os efeitos do n.º 5 do artigo 75.º-A, da LTC, para suprir o vício de que o seu requerimento de interposição de recurso padecesse.
Conclui pugnando pela procedência da reclamação deduzida e consequente prosseguimento do recurso interposto com a produção de alegações ou, caso assim não se entenda, com a notificação da reclamante para corrigir o requerimento de interposição de recurso.
4. O reclamado optou por não apresentar resposta à reclamação.
Cumpre apreciar e decidir.
II - Fundamentos
5. Relativamente à primeira questão, acentua-se que a decisão reclamada se limitou a afirmar que, no âmbito deste recurso, cujo requerimento de interposição foi dirigido ao Tribunal da Relação de Évora – que, concordantemente, proferiu o despacho a que alude o artigo 76.º, n.º 1, da LTC – estava prejudicada a apreciação de qualquer questão em que figurasse como decisão recorrida a sentença da 1.ª Instância.
De facto, como se explica na decisão sumária, é obrigatório que o recorrente dirija o requerimento de interposição de recurso ao órgão jurisdicional competente para a sua admissão, ou seja, ao tribunal que proferiu a decisão recorrida.
Pelo exposto, inexistindo qualquer requerimento de interposição de recurso dirigido ao Tribunal de 1.ª Instância, não poderia este Tribunal Constitucional apreciar qualquer questão normativa relativa à sentença pelo primeiro proferida.
No que concerne à “interpretação e aplicação que o Tribunal a quo efetua dos art.ºs 721.º-A, n.º 1, als. a) e b), do Código de Processo Civil e dos art.ºs 678.º, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Civil e 79.º do Código de Processo do Trabalho”, analisado o requerimento de interposição de recurso, conclui-se que a reclamante não especifica um verdadeiro critério normativo, extraível da conjugação de tais preceitos, entendido esse ónus de especificação nos termos em que a decisão sumária explicita.
Igualmente não cumpre o ónus de suscitação prévia de qualquer questão de constitucionalidade a propósito de critério normativo que, sendo extraível das disposições legais que indica no requerimento de interposição de recurso, tivesse sido adotado como ratio decidendi pelo acórdão recorrido.
De facto, em nenhum dos excertos da reclamação para a conferência do Tribunal da Relação de Évora, que a reclamante transcreve, está contida a enunciação de uma questão de constitucionalidade reportada a um sentido interpretativo resultante da conjugação dos preceitos indicados.
Quando a reclamante refere, na peça processual agora em apreciação, que pretende saber se, “em abstrato, (…), num pleito em que se discute a ilicitude do exercício de um direito fundamental, em que se aborda matéria de extraordinária relevância jurídica e que envolve interesses de notória relevância social, se revela ou não desconforme com o artigo 20.º da Lei Fundamental a interpretação extraída dos artigos 678.º, n.ºs 1, 2 e 3 e 721.º A do CPC, e 79º do CPT que nega às partes o direito a um duplo grau de jurisdição, por falta de verificação da condição quantitativa da sucumbência”, apenas confirma a ausência de delimitação de uma questão idónea a constituir objeto de ulterior recurso de constitucionalidade.
Na verdade, como bem refere a decisão sumária, na reclamação dirigida ao tribunal a quo, a reclamante centra toda a discussão - na parte que envolve parâmetros constitucionais e convoca os preceitos legais indicados no requerimento de interposição de recurso - no contexto da apreciação do caso concreto, construindo a defesa da sua tese a partir de uma avaliação subjetiva dos factos, que pressupõe que a questão em apreciação se prende com o exercício do direito à greve - pressuposto esse que não encontra adesão no acórdão recorrido – sendo certo que essa avaliação condiciona o juízo de inconstitucionalidade, que incide assim sobretudo sobre aspetos da apreciação casuística feita pela decisão jurisdicional.
Quanto à circunstância de ter sido omitido um convite ao aperfeiçoamento do requerimento de interposição de recurso, nos termos do artigo 75.º-A, da LTC, que, na perspetiva da reclamante, deveria ter tido lugar, manifestamente não lhe assiste razão.
De facto, o convite ao aperfeiçoamento, previsto no artigo 75.º-A, n.os 5 e 6, da LTC, só tem sentido útil quando faltam apenas meros requisitos formais do requerimento de interposição do recurso – a que se alude nos n.os 1 a 4 do mesmo preceito - carecendo, ao invés, de utilidade quando faltam pressupostos de admissibilidade do recurso, que não podem ser supridos deste modo. Nesta última hipótese, em vez de proferir um convite ao aperfeiçoamento – que determinaria a produção de processado inútil, em prejuízo dos princípios de economia e celeridade processuais – deve o relator proferir logo decisão sumária, no sentido do não conhecimento do recurso (cfr., neste sentido, acórdãos deste Tribunal Constitucional n.os 99/00, 397/00, 264/06, 33/09 e 116/09, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
Não estando em causa uma mera deficiência do requerimento de interposição de recurso, por falta parcial de meros requisitos formais, resulta claro que a presente situação não legitimava o acionamento do artigo 75.º-A, n.os 5 e 6, da LTC.
Por último, cumpre referir que a decisão reclamada não padece de qualquer “hermetismo” ou “obscuridade linguística”, sendo certo que, aparentemente, a reclamante não teve dificuldade em compreender o seu conteúdo e sentido, apesar de da mesma discordar.
Igualmente resulta manifesto que a decisão reclamada não convoca qualquer interpretação dos artigos 70.º, n.º 1, alínea b) e 75.º-A, n.º 2, da LTC – que, de resto, a reclamante não especifica - que corresponda a violação do princípio de acesso ao direito e à tutela jurisdicional, integrando-se no contexto da jurisprudência que, a propósito do sentido de tais preceitos, tem vindo a ser adotada pelo Tribunal Constitucional.
Nestes termos, reafirmando a fundamentação constante da decisão reclamada, julga-se inadmissível o recurso de constitucionalidade interposto.
III - Decisão
6. Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação apresentada e confirmar a decisão sumária proferida no dia 2 de setembro de 2013.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (artigo 7.º do mesmo diploma).
Lisboa, 13 de fevereiro de 2014. – Catarina Sarmento e Castro – Lino Rodrigues Ribeiro – Maria Lúcia Amaral.