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Processo n.º 957/2013
2.ª Secção
Relator: Conselheira Ana Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Supremo Tribunal Administrativo, a Relatora proferiu a Decisão Sumária n.º 661/2013:
«DECISÃO SUMÁRIA
I – Relatório
1. Nos presentes autos, em que é recorrente A. e recorridos Instituto de Seguros de Portugal, B. e Fundo de Garantia Automóvel, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional (de ora em diante, LTC), foi interposto recurso, em 08 de julho de 2013 (fls. 197 a 2000) de acórdão proferido, em conferência, pela 2ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, em 20 de junho de 2013 (fls. 275 a 283).
2. Face à falta de identificação da concreta interpretação normativa cuja constitucionalidade pretendia ver apreciada, bem como da peça processual e passagem através da qual a teria suscitado, perante o tribunal recorrido, a Relatora proferiu convite para aperfeiçoamento do requerimento de interposição de recurso, em 21 de outubro de 2013 (fls. 220). Respondendo afirmativamente ao convite (fls. 681), o recorrente veio apresentar o seguinte requerimento:
«(…) notificado que foi do despacho proferido vem informar que a peça processual e passagem na qual suscitou a questão da inconstitucionalidade foi a conclusão enumerada sob a designação h) das Alegações de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça onde se diz:
“A tal fim nunca se oporia o disposto no art.º 265.º -A do CPC que sal assim violado, bem como o principio do acesso ao direito, fazendo prevalecer uma visão formal do processo, que extingue um processo que tramitou durante um longo período com o apontado vício que nunca foi apontado pelas partes, que há um despacho judicial que determina o prosseguimento do mesmo, em detrimento de um processo ao serviço da realização do direito substantivo' sendo a interpretação normativa que pretende ver apreciada a que considera não haver preclusão do acesso à justiça, a interpretação que tendo ocorrido atos transitados em julgados de movimentação processual, nomeadamente um despacho determinando a prossecução do incidente de habilitação, o qual notificado às partes não foi objeto de recurso e não pode ser revogado, e na sequência do qual a instância correu durante mais de três anos após tal despacho, se venha afinal em contrário com tudo isto, violar os princípios de estabilidade da instância que determinam que eventuais nulidades sanadas pela falta de impugnação se sanem.» (fls. 222)
Cumpre, então, apreciar e decidir.
II – Fundamentação
3. Mesmo tendo o recurso sido admitido por despacho do tribunal “a quo”, proferido a 12 de setembro de 2013 (fls. 211), com fundamento no n.º 1 do artigo 76º da LTC, essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do n.º 3 do mesmo preceito legal, pelo que sempre seria forçoso apreciar o preenchimento de todos os pressupostos de admissibilidade do recurso previstos nos artigos 75º-A e 76º, n.º 2, da LTC.
Sempre que o Relator constate que não foram preenchidos os pressupostos de interposição de recurso, pode proferir decisão sumária de não conhecimento, conforme resulta do n.º 1 do artigo 78º-A da LTC.
4. Apesar de convidado para o efeito, o recorrente não veio indicar que específica interpretação normativa considera encontrar-se ferida de inconstitucionalidade, assim fixando, como lhe cabia, o objeto do presente recurso. Ao invés, o recorrente limita-se a indicar que teria suscitado uma questão de inconstitucionalidade no § h) das conclusões das suas alegações de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
Sucede, porém, que, nessa conclusão, o recorrente nunca colocou o tribunal recorrido perante uma questão intrinsecamente normativa, antes tendo-se limitado a afirmar que a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa teria violado o artigo 265º-A do Código de Processo Civil. Ora, evidentemente, a invocação da alegada violação de um determinado preceito legal não corresponde à invocação da inconstitucionalidade de uma específica norma jurídica. Através daquele trecho, o recorrente limita-se a colocar em causa a concreta tramitação processual dos autos recorridos, fazendo um relato detalhado de várias ocorrências processuais verificadas no seu decurso.
Assim sendo, nem a questão colocada perante o tribunal recorrido se reveste de uma verdadeira dimensão normativa (artigo 277º, n.º 1, da CRP, e artigo 79º-C da LTC), nem tão pouco pode aceitar-se que o recorrente tenha suscitado uma questão de inconstitucionalidade normativa, de modo processualmente adequado, perante aquele tribunal, conforme lhe era imposto pelo artigo 72º, n.º 2, da LTC. Face a tal conclusão, este Tribunal não deve conhecer do objeto do presente recurso.
III – Decisão
Pelos fundamentos supra expostos, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da LTC, decide-se não conhecer do objeto do presente recurso.
Custas devidas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7 UC´s, nos termos do n.º 2 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de outubro.»
2. Inconformado com a decisão proferida, o recorrente veio deduzir a seguinte reclamação:
«1.º A decisão sumária em crise não conhece do objeto do recurso uma vez que:
a) 'Ao invés, o recorrente limita-se a indicar que teria suscitado uma questão de inconstitucionalidade no h) das conclusões das suas alegações de recurso para o STJ;
b) '... nessa conclusão o recorrente nunca colocou o Tribunal recorrido perante uma questão intrinsecamente normativa, antes tendo-se limitado a afirmar que a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa teria violado o art.º 265-A do CPC, evidentemente, a alegada violação de um determinado preceito legal não corresponde à invocação da inconstitucionalidade de uma específica norma jurídica.
2°. Ora, com o devido respeito o recorrente não alegou uma questão intrinsecamente normativa, mas antes a interpretação da norma em causa, vejamos,
3°. Ao convite formulado pela Exm.ª, Senhora Relatora o recorrente esclareceu o seguinte:
'a peça processual e passagem na qual suscitou a questão da inconstitucionalidade foi a conclusão enumerada sob a designação h) das Alegações de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça onde se diz:
' A tal fim nunca se oporia o disposto no art.s 265-ºA do CPC que sai assim violado, bem como o princípio do acesso ao direito, fazendo prevalecer uma visão formal do processo, que extingue um processo que tramitou durante um longo período com o apontado vício que nunca foi apontado pelas partes, que há um despacho judicial que determina o prosseguimento do mesmo, em detrimento de um processo ao serviço da realização do direito substantivo' sendo a interpretação normativa que pretende ver apreciada a que considera não haver preclusão do acesso à justiça, a interpretação que tendo ocorrido atos transitados em julgados de movimentação processual, nomeadamente um despacho determinando a prossecução do incidente de habilitação, o qual notificado às partes não foi objeto de recurso e não pode ser revogado, e na sequência do qual a instância correu durante mais de três anos após tal despacho, se venha afinal em contrário com tudo isto, violar os princípios de estabilidade da instância que determinam que eventuais nulidades sanadas pela falta de impugnação se sanem.'
4°. O que o recorrente suscitou no recurso do Acórdão do Tribunal da relação de Lisboa perante o Supremo Tribunal de Justiça foi antes a interpretação daquele normativo tendo em conta os factos que constam do próprio processo.
5°. Factos que tiveram de ser relatados para se perceber a inconstitucionalidade da interpretação da norma como foi efetuada.
6°. Nestes termos e como está em causa não é uma questão normativa mas antes de interpretação de uma norma, nos precisos termos em que foi interpretada, deverá a decisão ser revogada e decidir-se pelo conhecimento do objeto do recurso.» (fls. 239 e 240)
3. Notificados para o efeito, os recorridos deixaram esgotar o prazo, sem que tenham vindo aos autos responder à reclamação deduzida.
Posto isto, importa apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
4. Pelo modo como a reclamação foi elaborada, deteta-se uma manifesta confusão entre o conceito de “questão normativa” e o conceito de “preceito legal”. Ora, precisamente aquilo que a decisão reclamada notou foi que o recorrente não apresentou qualquer questão
relativa à inconstitucionalidade de uma determina “interpretação normativa”; ou seja, de uma específica “questão normativa”.
Reitera-se, assim, apenas o que já foi dito na decisão ora reclamada; isto é, que o recorrente se limitou a afirmar, perante o tribunal recorrido, que um ato jurisdicional teria violado o princípio geral plasmado no artigo 265º-A do Código de Processo Civil, sem detalhar ou especificar qual teria sido a específica interpretação extraída desse princípio que seria contrária à Lei Fundamental e limitando-se a tecer considerações genéricas sobre a tramitação concreta dos autos recorridos.
Mantém-se, portanto, integralmente, a decisão reclamada.
III - DECISÃO
Em face do exposto, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas devidas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC´s, nos termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de outubro.
Lisboa, 12 de fevereiro de 2014. – Ana Guerra Martins – João Cura Mariano – Joaquim de Sousa Ribeiro.