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Processo n.º 1172/2013
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. A., SA, notificada da conta de custas elaborada nos autos de execução com o número 1002/03.0TBOER-A, a correr termos no 3.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Oeiras, para o efeito de proceder ao respetivo pagamento, dela reclamou, arguindo a sua nulidade porquanto, não sendo parte, não foi citada para a ação executiva nem para os eventuais termos do incidente de habilitação.
Por despacho de 2 de julho de 2009, o tribunal decidiu indeferir a reclamação da conta de custas, tendo a reclamante dele recorrido para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), «uma vez que no despacho em crise não foram aplicados os comandos do artigo 56.º, n.º 1 ou, alternativamente, do artigo 376.º, ambos do Código de Processo Civil, fixando-se uma interpretação que, a vingar, implicaria que um qualquer terceiro numa ação judicial e que nela não tenha intervindo mesmo a título incidental, seja condenado nas custas do processo de acordo com os artigos 59.º, 60.º e 61.º, todos do Código das Custas Judiciais, por mero despacho e sem prévio contraditório, princípio ínsito no artigo 3.º do Código de Processo Civil, interpretação essa que é de arredar e colide com a garantia constitucional do direito a um processo justo e equitativo, referido no artigo 20.º, n.º4, da Constituição».
O tribunal recorrido não admitiu o recurso, por ilegitimidade da recorrente, que não é parte na ação, tendo a recorrente reclamado da respetiva decisão, nos termos do artigo 76.º, n.º 4, da LTC, invocando, para tanto, o disposto no n.º 2 do artigo 680.º do CPC, aplicável ex vi artigo 72.º, n.º 1, alínea b), da LTC, que reconhece legitimidade para a interposição do recurso às «pessoas direta e efetivamente prejudicadas pela decisão (…) ainda que não sejam partes na causa (…)», como sucede no caso.
O Ministério Público, em resposta, emitiu parecer no sentido do indeferimento da reclamação, pois que o objeto do recurso, tal como vem delimitado, não é idóneo à formulação de um juízo normativo de inconstitucionalidade ou não inconstitucionalidade. Por outro lado, acrescenta, a decisão recorrida não aplicou, desde logo, os preceitos legais ora sindicados, tendo, além disso, entendido que a reclamação da conta de custas não era o meio processual idóneo para contestar a qualidade de responsável pelo seu pagamento, o que determinaria, só por si, o seu indeferimento, não assumindo o recurso, neste contexto, qualquer utilidade.
A reclamante, notificada para exercer o seu direito de resposta, em relação aos novos fundamentos de não conhecimento do recurso invocados pelo Ministério Público, manteve a posição de que o recurso deve ser admitido.
Cumpre apreciar e decidir.
2. A decisão que defira reclamação deduzida nos termos do n.º 4 do artigo 76.º da LTC, revogando, em consequência, o despacho de indeferimento do requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, faz caso julgado quanto à admissibilidade do recurso (artigo 77.º, n.º 4, da LTC).
Por isso, o que importa decidir, no presente incidente, é a questão de saber se estão preenchidos todos os pressupostos processuais de que, nos termos da lei, depende a admissão e o conhecimento do recurso de constitucionalidade, e não apenas se está ou não verificada a condição processual do recurso que o tribunal julgou omisso na decisão de rejeição ora em reclamação.
O tribunal a quo entendeu que o recorrente carecia de legitimidade para a interposição do recurso porquanto não é parte na ação. Contudo, e como bem invoca o ora reclamante, tendo sido notificado da conta de custas, para o efeito de proceder ao respetivo pagamento, assiste-lhe o direito de interpor recurso da decisão que indeferiu a reclamação da conta de custas que deduziu em juízo, considerando-o responsável pelo seu pagamento, por força do disposto no n.º 2 do artigo 680.º do CPC, aplicável ex vi artigo 72.º, n.º 1, alínea b), da LTC, pois que, não sendo parte na ação, é «direta e efetivamente prejudicado» pela decisão de que pretende recorrer.
Contudo, não se afigura que o recurso, podendo ser interposto por quem foi, revista utilidade.
Com efeito, lê-se, a dado passo, na decisão de que a reclamante pretende recorrer:
«Previamente à apreciação do aduzido pela reclamante, impõe-se reiterar o já apontado pela Digna Magistrada do Ministério Público e que, só por si, faz cair por terra o pretendido pedido (…): a requerente não apresenta reclamação à conta de custas e subsequente guia emitida, ma sim contesta a obrigação que lhe é imputada de responsável pelo pagamento da conta de custas. Ora, decorre dos artºs. 59.º a 61.º do CCJ e ainda do teor literal do art.º 669.º, nºs. 1 e 2, do CPC, que os mesmos não contemplam a discussão dos fundamentos da decisão, para tanto se dirigindo o recurso, mas sim para outras situações, que objetivamente consideradas, e não no âmbito do livre julgamento do tribunal à luz do direito vigente, imporiam decisão diversa».
Considerou-se, pois, como sublinhado pelo Ministério Público na sua resposta, que a reclamação da conta de custas não era, desde logo, o meio processual idóneo para contestar a qualidade de responsável pelo seu pagamento, o que, «só por si», determinava o seu indeferimento. A circunstância de, não obstante isso, se ter esclarecido que a responsabilidade pelo pagamento da conta de custas competia à reclamante, reiterando-se o que já se havia sustentado em despacho anterior, não prejudica essa primeira razão de indeferimento, a qual, como se viu, constitui fundamento autónomo do julgado.
Ora, embora a recorrente, ora reclamante, não tenha concretizado devidamente o objeto do recurso de constitucionalidade, decorre do respetivo requerimento de interposição, conjugado com o que a propósito sustentou na reclamação da conta de custas (cf. artigo 25.º), que se pretende sindicar norma alegadamente aplicada na apreciação do mérito da reclamação, concretamente aquela que, fundada nos artigos 59.º, 60.º e 61.º do CCJ, permite a imputação de responsabilidade pelo pagamento das custas de um processo a quem não é dela parte.
Porém, mesmo que se admitisse ter a decisão recorrida aplicado a referida norma, ou interpretação, na apreciação do mérito da reclamação, o certo é que, como acima demonstrado, não foi esse o fundamento único da decisão recorrida.
E não sendo fundamento único ou determinante da decisão, ainda que se viesse a julgar inconstitucional uma tal interpretação da lei, sempre subsistiria, em fundamento do julgado, as razões de direito atinentes à inidoneidade do meio processual usado.
Tanto basta para não ser de não admitir o recurso. Com efeito, o recurso de constitucionalidade é, como qualquer recurso, um meio de modificação do julgado, pelo que só se justifica a sua admissão quando possa operar, em caso de eventual procedência, um tal efeito modificativo.
Não sendo o caso, pelas razões adiantadas, não se justifica, por inútil, a admissão do recurso de constitucionalidade interposto nos autos pelo ora reclamante, pelo que, ainda que por fundamentos distintos, é de confirmar a decisão, ora em reclamação, que indeferiu o respetivo requerimento de interposição.
3. Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta.
Lisboa, 13 de fevereiro de 2014. – Carlos Fernandes Cadilha – Maria José Rangel de Mesquita – Maria Lúcia Amaral.