Imprimir acórdão
Processo n.º 870/12
Plenário
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam em Plenário no Tribunal Constitucional
Relatório
A., S.. A., requereu a expropriação litigiosa urgente, por
utilidade pública, de duas parcelas de terreno, tendo-lhe sido adjudicada a respetiva propriedade.
Foram proferidas decisões arbitrais que fixaram as indemnizações devidas pela expropriação daquelas parcelas em € 27.406,00 e € 32.811,45.
Destas decisões recorreram os Expropriados e a Entidade Expropriante, tendo sido proferida sentença pelo 3.º Juízo Cível do Tribunal de Vila Nova de Gaia em 22 de julho de 2008, a qual veio a considerar tais parcelas como solo apto para construção, apesar de se inserirem em área da RAN e da REN, tendo decidido fixar uma indemnização global de € 175.721,79, pela expropriação das duas parcelas.
A Entidade Expropriante recorreu desta decisão para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão proferido em 18 de junho de 2009, determinou que a avaliação das parcelas expropriadas haveria de resultar do valor médio das construções existentes ou passíveis de edificação numa área envolvente de 300 metros, nos termos do artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações. Como, na sentença recorrida, esse valor havia sido apurado em função de um aproveitamento economicamente normal, concluiu aquele Acórdão pela necessidade de anulação do julgamento e sentença, de forma a que uma nova avaliação viesse a fornecer aqueles elementos essenciais à determinação da justa indemnização segundo o critério legal.
Em 25 de maio de 2011 foi proferida nova sentença pelo 3.º Juízo Cível do Tribunal de Vila Nova de Gaia, arbitrando uma indemnização de €. 107.907,69.
A Entidade Expropriante recorreu novamente desta decisão para o Tribunal da Relação do Porto, tendo o recurso sido julgado improcedente, por acórdão proferido em 6 de novembro de 2012.
Desta decisão recorreu a Entidade Expropriante para o Tribunal Constitucional, ao abrigo das alíneas b) e g) (por mero lapso indicada como alínea h), do n.º 1, do artigo 70.º da LTC, nos seguintes termos:
“…§1. Entende-se, salvo o devido respeito, que é muito, por opinião contrária, que o douto aresto procedeu à aplicação de normas ordinárias em termos contrários à Lei Fundamental, tendo aplicado e interpretado o artigo 26.º, n.º 12 do Código das Expropriações num sentido julgado inconstitucional pelo Acórdão n.º 196/2011 do Tribunal Constitucional (publicado no Diário da República, 2.ª série – N.º 112 – 9 de junho de 2011).
§2. Ao contrário do Acórdão n.º 196/2011, o Tribunal a quo julgou conforme a constituição o artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de setembro, quando interpretado no sentido de ser indemnizável como solo apto para construção, com valor calculado em junção do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar das parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada, terreno integrado na RAN com aptidão edificativa segundo os elementos objetivos definidos na al. a) do n.º 2 do artigo 25.º do mesmo Código.
§3. Nestes termos, por ter o Tribunal a quo aplicado o artigo 26.º, n.º 12 num sentido já julgado inconstitucional pelo Acórdão n.º 196/2011, deve o presente recurso ser admitido nos termos do artigo 70.º, n.º 1 al. h) e artigo 75.º-A n.º 3 da Lei do Tribunal Constitucional.
Após apresentação de alegações foi proferido em 29 de maio de 2013, pela 2.ª Secção deste Tribunal, acórdão, com o n.º 315/2013, que negou provimento ao recurso, não julgando inconstitucional a norma do artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de setembro, quando interpretado no sentido de ser indemnizável, com valor calculado em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada, terreno integrado na Reserva Agrícola Nacional e na Reserva Ecológica Nacional com aptidão edificativa, segundo os elementos objetivos definidos no n.º 2, do artigo 25.º, do mesmo Código.
Desta decisão foi interposto recurso por A., SA, para o Plenário do Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 79.º-D, da LTC, invocando a sua contraditoriedade com o juízo de inconstitucionalidade proferido pela 3.ª Secção deste Tribunal no acórdão n.º 196/2011.
Admitido liminarmente o recurso foram apresentadas alegações pelo Recorrente em que sustentou a inconstitucionalidade da interpretação normativa em causa.
*
Fundamentação
1. Do conhecimento do recurso
O artigo 79.º-D, n.º 1, da LTC, admite o recurso para o Plenário do Tribunal Constitucional quando alguma das suas secções venha a julgar uma questão de constitucionalidade em sentido divergente do anteriormente adotado.
O acórdão n.º 315/2013, da 2.ª Secção deste Tribunal, proferido nestes autos em 29 de maio de 2013, não julgou inconstitucional a norma do artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de setembro, quando interpretado no sentido de ser indemnizável, com valor calculado em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada, terreno integrado na Reserva Agrícola Nacional e na Reserva Ecológica Nacional com aptidão edificativa, segundo os elementos objetivos definidos no n.º 2, do artigo 25.º, do mesmo Código.
Em 12 de abril de 2011, o acórdão n.º 196/2011, da 3.ª Secção deste Tribunal, tinha julgado inconstitucional a norma do artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações, aprovado pela Lei nº 168/99, de 18 de setembro, quando interpretado no sentido de ser indemnizável como solo apto para construção, com valor calculado em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada, terreno integrado na RAN com aptidão edificativa segundo os elementos objetivos definidos no n.º 2 do artigo 25.º do mesmo Código.
Apesar de existir apenas uma coincidência parcial entre os dois critérios normativos, na parte que se reporta aos terrenos que integram a RAN, ela é suficiente para permitir a intervenção do Plenário do Tribunal Constitucional, nos termos previstos no artigo 79.º - D, da LTC, uma vez que, nessa parte, a decisão recorrida contradiz o decidido no acórdão n.º 196/11.
2. Do mérito do recurso
O acórdão recorrido, da 2.ª Secção deste Tribunal, proferido nestes autos em 29 de maio de 2013, não julgou inconstitucional a norma do artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de setembro, quando interpretado no sentido de ser indemnizável, com valor calculado em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada, terreno integrado na Reserva Agrícola Nacional e na Reserva Ecológica Nacional com aptidão edificativa, segundo os elementos objetivos definidos no n.º 2, do artigo 25.º, do mesmo Código.
Recentemente o Plenário deste Tribunal em recurso de fiscalização abstrata, nos termos do artigo 82.º, da LTC, decidiu não declarar inconstitucional a norma constante do n.º 12 do artigo 26.º do Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de setembro, quando interpretada no sentido de ser indemnizável como solo apto para construção, terreno integrado na Reserva Agrícola Nacional com aptidão edificativa segundo os elementos objetivos definidos no n.º 2 do artigo 25.º do mesmo Código (Acórdão n.º 641/2013, de 2 de outubro).
Neste aresto que acolheu a fundamentação do acórdão aqui recorrido escreveu-se o seguinte:
“…15. A Reserva Agrícola Nacional constitui um instrumento de gestão territorial que se consubstancia numa restrição por utilidade pública, estabelecendo condicionamentos à utilização não agrícola do solo sobre um conjunto de áreas territoriais que, em virtude das suas características morfológicas, climatéricas e sociais, apresentam maiores potencialidades para a atividade agrícola.
A RAN foi instituída em 1982, através do Decreto-Lei n.º 451/82, de 16 de novembro, sendo que, após diversas alterações legislativas, o respetivo regime jurídico consta, atualmente do Decreto-Lei n.º 73/2009, de 31 de março.
Este regime tem como objetivo a promoção da utilização racional dos solos, em especial dos que têm uma maior potencialidade agrícola – que são vistos como um recurso natural precioso, escasso e indispensável à sustentabilidade dos nossos ecossistemas. O regime combina, hoje em dia, preocupações relativas ao correto ordenamento do território, à conservação do ambiente e à eficaz utilização dos recursos – os nossos solos agrícolas mais produtivos. A afetação de determinados terrenos à RAN encontra, assim, justificação na defesa das áreas constituídas por solos de maiores potencialidades agrícolas, tendo em vista contribuir para o desenvolvimento sustentável desta atividade e a preservação dos recursos naturais, com a consequente melhoria das condições sócio-económicas das populações.
Daí que os solos da RAN sejam exclusivamente afetos à agricultura, sendo proibidas todas as ações que diminuam ou destruam as suas potencialidades agrícolas, designadamente a construção imobiliária. São, portanto, «áreas non aedificandi, numa ótica de uso sustentado e de gestão eficaz do espaço rural» (cfr. artigo 20.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 73/2009).
16. Não se coloca, no presente processo, nenhuma questão de constitucionalidade relativa ao regime aplicável aos terrenos classificados como RAN, embora sempre se possa lembrar - como o Tribunal também tem reiteradamente afirmado (cfr., por exemplo, no Acórdão n.º 347/2003) – que esta inclusão não atinge o núcleo essencial do direito de propriedade, sendo as proibições de construção daí resultantes mera consequência da vinculação situacional da propriedade que sobre o terreno incide.
A questão que nos ocupa é outra e está relacionada com a tomada em consideração desse regime para efeitos do cálculo da “justa indemnização” por expropriação.
É sabido que a limitação de construção, decorrente da integração do terreno na RAN, influi necessária e decisivamente no valor venal dos terrenos afetados, retirando-lhe mesmo o principal fator de valorização. Um tal constrangimento não constitui, todavia, impedimento constitucionalmente relevante para que o cálculo da indemnização devida pela expropriação de terrenos, aos quais é objetivamente reconhecida aptidão edificativa, seja feito em função «do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 metros do limite da parcela expropriada» (artigo 26.º, n.º 12).
Não só o princípio constitucional da “justa indemnização”, concretizando uma garantia constitucional de proteção do direito de propriedade (sendo, portanto, seu titular o particular expropriado e não o Estado expropriante), pode conviver com a atribuição de indemnizações acima do valor real dos bens expropriados, desde que estas não se apresentem como manifestamente excessivas ou desproporcionadas ao ponto de comprometerem a viabilização do interesse público visado pela expropriação, como o princípio da igualdade, designadamente na sua vertente de igualdade perante os encargos públicos, não impõe a mesma solução normativa a situações intrinsecamente diferentes e insuscetíveis de comparação.
17. Constituindo um dos principais eixos estruturantes do regime constitucional dos direitos fundamentais, decorrente do Estado de direito democrático e do sistema constitucional global, e vinculando diretamente os poderes públicos, tenham eles competência legislativa, administrativa ou jurisdicional (cfr., a mero título de exemplo, os Acórdãos n.º 76/85, n.º 400/91, n.º 563/96, n.º 436/2000 e n.º 403/2004, disponíveis no sítio da internet supra referenciado; cfr. também Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª ed., Coimbra, 2007, p. 336-337), o princípio da igualdade encontra-se previsto no artigo 13.º da Constituição – encontrando-se, no seu n.º 1, uma afirmação geral do princípio da igualdade perante a lei e, no seu n.º 2, a proibição de discriminação com base numa listagem exemplificativa de “categorias suspeitas”.
Na dimensão do princípio convocada na apreciação da norma sob escrutínio - a igualdade perante os encargos públicos – os custos sociais devem ser repartidos por todos os cidadãos impondo uma igualdade nos sacrifícios exigidos a todos.
Em qualquer das suas vertentes, a aplicação do princípio da igualdade não dispensa um esforço argumentativo complexo, uma vez que do seu enunciado não resulta uma solução simples e igualitária – obrigando ao tratamento igual, independentemente da semelhança de situações –, mas antes a necessidade de comparação prévia das situações em causa para aferir do seu caráter semelhante ou dissemelhante. Só após este racíocínio se poderá aferir se estamos perante situações de facto essencialmente iguais, que devem ser tratadas de forma igual, ou não.
Tratando-se de um conceito relacional, é necessário determinar quais são os elementos essenciais e os não essenciais a ter em conta, quer dizer, as características comuns deduzíveis que permitem equiparar situações ou estabelecer diferenciações. Assim, o princípio da igualdade é «não tanto um princípio dotado de sentido absoluto, mas antes um conceito que carece de integração numa perspetiva histórica e relacional» (cfr. Acórdão n.º 231/94).
Dependendo, em última análise, da essencialidade (ou não essencialidade) das características próprias dos objetos comparados, a decisão sobre a verificação de igualdade pode ficar refém do ponto de vista de que se parte. É o critério de comparação adotado que determina se dois objetos são, ou não, iguais.
Indispensável é, pois, que o julgador se socorra de valores objetivos, e não de valores de natureza subjetiva, na escolha do critério de comparação a adotar.
De igual modo, no teste da igualdade a empreender na análise de uma norma, importa não perder de vista quais os efetivos destinatários da mesma. Só o tratamento jurídico conferido aos destinatários da norma pode ser alvo de comparação tendo em vista a verificação de igualdade ou desigualdade de tratamento.
18. Ora, como foi explanado no Acórdão n.º 315/2013, em fundamentação que aqui se reproduz:
«Em primeiro lugar, há que ressaltar que a dúvida sobre a constitucionalidade do critério aqui em análise reside na possibilidade do princípio constitucional da justa indemnização ser afetado por excesso, na medida em que o montante indemnizatório resultante da aplicação da norma em causa incorporaria, em certos termos, a compensação de uma perda efetivamente não sofrida – a perda de uma capacidade edificativa que não existe face às limitações legais existentes.
Ora, o princípio da justa indemnização, como se escreveu no Acórdão n.º 597/2008, “dá corpo a uma garantia constitucional integrada no âmbito de proteção do direito de propriedade. É uma garantia sub-rogatória da que tem por objeto o direito de propriedade. Tendo este que ceder, por força do predominante interesse público que fundamenta a expropriação, ao particular afetado é assegurado, pelo menos, que não fica em pior situação patrimonial do que aquela em que anteriormente se encontrava. Por isso, ele tem direito a uma quantia pecuniária que traduza o valor real do bem.
Mas dificilmente se poderá sustentar que corresponde a um imperativo constitucional, por força apenas do parâmetro da justa indemnização, a não ultrapassagem dessa medida. Tal significaria atribuir-lhe uma dupla natureza e função, em termos de considerar a justa indemnização também como um limite máximo à reparação. Inibindo uma indemnização inferior ao valor do bem, em garantia do expropriado, o critério da justa indemnização vedaria também, nesta ótica, que ele pudesse beneficiar de uma verba, a título ressarcitório, superior àquela correspondente ao valor corrente do bem, no mercado.
No plano constitucional, pela pura via de interpretação da norma consagradora do direito fundamental de propriedade, na dimensão atinente ao direito de não ser privado dela, nada autoriza semelhante conclusão. Ela desvirtua o sentido tutelador e o alcance garantístico do preceito, contrariando a sua teleologia imanente”.
Daí que seja, no mínimo, duvidoso que o eventual excesso das indemnizações pagas pela aplicação do critério normativo sob análise pudessem, por tal razão, conduzir à sua censura por este Tribunal.
Em segundo lugar, a circunstância de nos encontrarmos perante terrenos que, fisicamente, dispõem dos requisitos necessários para neles se construir, e que se situam numa área em que nas proximidades (num raio de 300 metros) já foram erguidas construções, denota que era perspectivável que, no futuro, pudesse ocorrer uma desafetação desses terrenos das áreas reservadas, sendo possível a sua utilização para a construção. E o ato expropriativo pôs termo a esta expectativa.
Ora, conforme se referiu no Acórdão n.º 408/08 “a possibilidade de construção, é um elemento de forte valorização fundiária. Na formação dos preços numa economia de mercado, as expectativas relativas a acontecimentos futuros são determinantes do comportamento dos agentes económicos, pelo que constituem um elemento imprescindível na determinação do valor dos bens, o que, aliás, é especialmente relevante na formação dos preços da propriedade imobiliária, relativamente às possíveis alterações do estatuto fundiário, através da projeção de futuras possibilidades de construção em solo em que atualmente é relativamente proibida essa utilização.
Não estamos aqui perante uma valorização de um qualquer fenómeno especulativo, resultante de um aumento artificial dos preços que não corresponde ao valor corrente de mercado, em situação de normalidade, mas sim perante a consideração de reais expectativas que não podem deixar de influir na determinação daquele valor corrente, pelas potencialidades que conferem ao imóvel.”
É evidente que essas expectativas não são suficientes para conferir aos terrenos expropriados um valor venal idêntico aos dos prédios vizinhos sobre os quais não incidem quaisquer limitações à construção, mas não se afigura necessariamente excessivo que o legislador, atendendo a razões de justiça, equipare esses valores, compensando, assim, o facto da expropriação impedir definitivamente que aquelas expectativas se venham a concretizar. Este critério indemnizatório não deixa de tutelar uma muito próxima capacidade edificativa, pelo que não é possível afirmar-se que já não estamos perante um critério que procure alcançar um valor de mercado normativo para o terreno expropriado e que, portanto, seja manifestamente desproporcionado relativamente ao prejuízo causado.
Mas os arestos que se pronunciaram pela inconstitucionalidade desta interpretação normativa salientaram a verificação de uma intolerável desigualdade em relação a todos os restantes proprietários de terrenos integrados naquelas áreas reservadas que não tenham sido abrangidos pela expropriação, uma vez que estes, se procedessem à venda dos seus terrenos, nunca obteriam o valor que os expropriados recebem com a aplicação do critério previsto no artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações.
Todavia, não é possível na análise da constitucionalidade da norma aqui em causa uma utilização do parâmetro da igualdade no plano externo, dado que tal método resulta na comparação de realidades intrinsecamente distintas, uma vez que a indemnização que é atribuída decorre precisamente do facto de se ter verificado uma expropriação, o que não sucede, relativamente aos restantes proprietários, que mantêm integro o seu património. A especificidade do dano causado pela expropriação e das ponderações avaliativas que suscita conferem ao legislador a liberdade de definir critérios que tenham em consideração o caráter coativo da perda sofrida pelo expropriado, levando-o a valorar circunstâncias que, por razões de justiça, afastam o montante indemnizatório do valor venal do terreno expropriado.
Não é possível impor ao legislador, em nome da igualdade entre proprietários de terrenos sujeitos a limitações legais à construção expropriados e não-expropriados, que valore de modo idêntico os prejuízos que sofrem os primeiros com a expropriação, e o preço de mercado que os segundos, sujeitos às mesmas limitações, conseguem obter com a sua alienação voluntária.
Ao proprietário expropriado é-lhe imposto coactivamente o prejuízo constituído pelo comprometimento definitivo das expectativas da cessação daquelas limitações, o que o coloca numa posição distinta do proprietário não expropriado, o que permite ao legislador estabelecer uma indemnização diversa do preço que este último consegue obter com a alienação voluntária de terreno sujeito às mesmas limitações legais à construção.
Não se revelando que a interpretação normativa fiscalizada viole o princípio do pagamento de uma justa indemnização pela expropriação, designadamente na vertente da igualdade, nem qualquer outro parâmetro constitucional deve o recurso ser julgado improcedente».
Tanto basta para julgar improcedente a crítica que vê na dimensão normativa sob julgamento uma violação do princípio da igualdade.
O que a observância deste princípio na expropriação por utilidade pública exige é que «esta seja acompanhada de uma indemnização integral (volle Entschädigung) ou de uma compensação total do dano infligido ao expropriado. Aquele princípio impõe que a indemnização por expropriação possua um “caráter reequilibrador” em benefício do sujeito expropriado, objetivo que só será atingido (…) se a indemnização se traduzir numa compensação “séria e adequada” ou, noutros termos, numa compensação integral do dano suportado pelo particular, em termos de o colocar na posição de adquirir outro bem de igual natureza e valor» (Fernando Alves Correia, “A Jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre Expropriações por Utilidade Pública e o Código das Expropriações de 1999”, Coimbra, 2000, p. 36).
Assim sendo, neste caso, não se pode considerar a norma visada como inconstitucional, com fundamento numa ponderação feita com base no princípio da igualdade.”
Estas razões são extensíveis às expropriações de terrenos integrados na Reserva Ecológica Nacional.
Como se referiu no Acórdão recorrido:
“…o regime jurídico da REN, à data da declaração de utilidade pública das parcelas em causa, constava do Decreto-Lei n.º 93/90, de 19 de março, na redação dada pelos Decretos-Lei n.º 316/90, de 13 de outubro, e n.º 213/92, de 12 de outubro.
Nos termos do referido diploma legal, a REN constitui uma estrutura biofísica básica e diversificada que, através do condicionamento à utilização de áreas com características ecológicas específicas, garante a proteção de ecossistemas e a permanência e intensificação dos processos biológicos indispensáveis ao enquadramento equilibrado das atividades humanas (artigo 1.º), competindo a determinados membros do Governo a aprovação, por portaria conjunta, das áreas a integrar e a excluir da REN (artigos 2.º e 3.º, n. 1). Posteriormente, as áreas integradas na REN são especificamente demarcadas em todos os instrumentos de planeamento que definam ou determinem a ocupação física do solo, designadamente planos regionais e municipais de ordenamento do território (artigo 10.º).
A integração de certa área na REN é acompanhada de consequências jurídicas nada despiciendas no plano da ocupação, uso e transformação do solo na área abrangida.
Na verdade, nas áreas incluídas na REN são proibidas as ações de iniciativa pública ou privada que se traduzam em operações de loteamento, obras de urbanização, construção de edifícios, obras hidráulicas, vias de comunicação, aterros, escavações e destruição do coberto vegetal (artigo 4.º, n.º 1).
Todavia, esta proibição não é absoluta na medida em que o regime jurídico da REN continua a permitir nas aludidas áreas: a) a realização de ações já previstas ou autorizadas à data da entrada em vigor da portaria conjunta de delimitação das áreas a integrar na REN; b) as instalações de interesse para a defesa nacional como tal reconhecidas pelos membros do Governo competentes; c) e a realização de ações de interesse público como tal reconhecidas pelos membros do Governo competentes (artigo 4.º, n.º 2).”
Ora, tal como sucede relativamente aos terrenos situados na RAN, e pelas mesmas razões já acima enunciadas, se é verdade que estas limitações legais influem decisivamente no valor venal dos terrenos objeto destas qualificações, a existência desse condicionamento não é suficiente para se poder dizer, com a necessária segurança, que a aplicação do critério previsto no artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações de 1999, a estes casos, resulta na atribuição de indemnizações que não respeitam a exigência do pagamento de uma justa indemnização pela expropriação ou violem o princípio da igualdade.
Pelo exposto não deve ser julgada inconstitucional a norma do artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de setembro, quando interpretado no sentido de ser indemnizável, com valor calculado em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada, terreno integrado na Reserva Agrícola Nacional e na Reserva Ecológica Nacional com aptidão edificativa, segundo os elementos objetivos definidos no n.º 2, do artigo 25.º, do mesmo Código, julgando-se, por isso, improcedente o recurso interposto por A., S.A. e confirmando-se a decisão recorrida.
*
Decisão
Nestes termos decide-se:
a) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de setembro, quando interpretado no sentido de ser indemnizável, com valor calculado em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada, terreno integrado na Reserva Agrícola Nacional e na Reserva Ecológica Nacional com aptidão edificativa, segundo os elementos objetivos definidos no n.º 2, do artigo 25.º, do mesmo Código;
e, em consequência;
b) julgar improcedente o recurso interposto para o Plenário por A., S.A., confirmando-se a decisão recorrida.
*
Custas pelo Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 unidades de conta, ponderados os elementos referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (artigo 6.º, n.º 1, do mesmo diploma).
Lisboa, 28 de janeiro de 2014. – João Cura Mariano – Maria José Rangel de Mesquita – Ana Guerra Martins – Fernando Vaz Ventura – Maria Lúcia Amaral – José da Cunha Barbosa – Lino Rodrigues Ribeiro – Maria de Fátima Mata-Mouros – Catarina Sarmento e Castro – Pedro Machete (vencido, conforme declaração aposta ao Ac. nº 315/2013) – Maria João Antunes (vencida, conforme declaração aposta ao Acórdão nº 641/2013) – Joaquim de Sousa Ribeiro.